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Transcrição:

Ciclo de Conferências Prioridade à Ciência Conselho dos Laboratórios Associados Conferência Prioridade à Inovação: Valorização Económica da Ciência 8 de Junho de 2005 Intervenção do Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Manuel Heitor Exmo. Senhor Secretário do Conselho dos Laboratórios Associados, Caros Colegas, Senhoras e Senhores, Gostaria de começar por felicitar a organização deste evento, nomeadamente no que respeita á dinamização da participação conjunta das comunidades científica e empresarial para discutir a prioridade a dar á inovação. Esta sessão é dedicada á valorização económica da ciência e, neste contexto, o trabalho do Professor Audrestsch 1 mostra a importância da capacidade de empreender no crescimento económico, mas refere-se sobretudo ao papel que podem ter os empreendedores na valorização económica do conhecimento científico, sendo particularmente inspirador para o desenvolvimento de políticas públicas que conjugam o desenvolvimento da base cientifica (i.e., stock of knowledge ) com a capacidade de empreender, de uma forma que facilite a exploração de spillovers de conhecimento. Tendo por base a terminologia do Professor Audrestsch, gostaria de argumentar que não há spillovers de conhecimento, sem se investir na própria base do conhecimento 2. E isso requer tempo! MAS também sabemos que os spillovers economicamente importantes para o desenvolvimento só ocorrem quando a tecnologia chega ao mercado: para a história, o inventor não é o que criou a tecnologia, é o que criou um produto útil. Por exemplo, quem inventou de facto os elementos base para o computador pessoal foi a Xerox no início dos anos 70, sem nunca ter colocado um produto no mercado. Permitam-me descrever alguns exemplos usando as ideias vencedoras de um dos últimos concursos de projectos inovadores divulgados durante os últimos meses do qual resultaram vários projectos empresariais premiados por fundos de capital de risco (e.g., VECTORe, http://www.green-wheel.net/ ): MagStrip : comercialização de sistemas de detecção de micro-organismos patogénicos em carne, com aplicação, entre outros, ao problema de detecção de 1 Ver, por exemplo, Acs, Audrestsch and Carlsson (2004), The knowledge filter and entrepreneurship in endogenous growth, Max Planck Institute for Research into Economic Systems, Paper #0805 2 De uma forma caricatural, poderemos fazer uma analogia com um prato de sopa, o qual apenas poderá transbordar sopa para fora do prato, se tiver alguma quantidade razoável de sopa dentro do prato. A dificuldade é que mesmo nesse caso, temos de ser muito criativos para poder usar os pingos de sopa que saíam do prato! 1

carne contagiada pelas praga das vacas loucas, usando resultados de trabalhos de doutoramento em física do estado sólido, desenvolvido por alunos de doutoramento e investigadores do INESC-MN, usando conhecimento desenvolvido ao longo dos últimos dez anos por um grupo dinâmico de investigação; Lumisense : comercialização de biosensores ópticos de base polimérica para o sector dos vinhos, desenvolvido por um grupo de alunos de doutoramento e de investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa; SYSADvance : comercialização de sistemas de reciclagem de xénon para sistemas de anestesia para utilização hospitalar, como desenvolvido por um grupo de investigadores da FEUP e premiado no âmbito do concurso Solvay Ideas Challenge. Todos estes exemplos incluem alguns aspectos comuns. Em particular, referem-se a aplicações de âmbito industrial tendo por base conhecimento científico que foi desenvolvido em contextos e com financiamentos totalmente diferentes daqueles normalmente usados nos sectores de aplicação. Adicionalmente, a comercialização dos produtos referidos apenas se verificou pelo menos 5 anos após o início da actividade de investigação, a qual foi inicialmente orientada para objectivos completamente diferentes daqueles que tem orientado o processo de comercialização actualmente em curso. Por ultimo, todos eles dependeram do processo de formação avançada de vários jovens, todos eles com formação inicial em áreas científicas e/ou tecnológicas. Mas estas reflexões não são novas! Podiam ter sido escritas há algumas décadas. Desde as histórias de Arquimedes, aos acidentes que estiveram na base descoberta da penicilina por Fleming, passando pelo desenvolvimento de novos materiais como o teflon, o acidental em ciência, mas sobretudo em inovação, é hoje um facto conhecido e bem documentado! Por exemplo, os princípios científicos que estão na base dos raios laser (acrónimo de light amplification by stimulated emission of radiation) foram propostos pela primeira vez por Einstein no fim da segunda década do século XX 3. Em meados do século XX, Arthur L. Schawlow e Charles H. Townes publicaram um artigo numa revista científica de física em que davam conta dos princípios para a criação de um laser, isto é, de um aparelho óptico capaz de gerar um feixe de luz monocromático muito intenso. Se Einstein estabeleceu a base científica que tornou a tecnologia laser possível, Schawlow e Townes podem considerar-se os inventores do laser mas nem um nem outros introduziram qualquer inovação. As inovações surgiram mais tarde, à medida que a tecnologia laser foi evoluindo e se foram pensando em aplicações possíveis. Essas aplicações é que correspondem a inovações, e incluem, por exemplo, as impressoras laser, os leitores de CDs (que usam tecnologia laser), e uma vasto leque de aplicações no domínio da medicina (designadamente, na cirurgia). Recorrendo novamente á terminologia usada pelo Professor Audrestsch, nomeadamente no que respeita ás teorias endógenas de crescimento económico, a inovação depende, portanto, da acumulação de conhecimento, desde avanços científicos no domínio da ciência fundamental, a soluções técnicas para responder a requisitos muito específicos (por exemplo, como conseguir fazer lasers suficientemente pequenos ou suficientemente fortes para determinadas aplicações). Por vezes, estes requisitos levantam problemas 3 Como descrito por Conceição, P. (2004), Enciclopédia Activa Mulmedia, Lexicultural. 2

que deixam de ser técnicos, e passam a colocar desafios científicos fundamentais, pelo que se a ciência alimenta a inovação, esta também alimenta a ciência até porque permite também o aparecimento de novos aparelhos científicos. No entanto, nem tudo o que é cientificamente e tecnologicamente possível interessa às pessoas. Para além de ser possível tecnicamente, a inovação exige que haja mercados. A inovação exige também esforço, não acontece expontaneamente. Parte deste esforço é sustentado pelas empresas, que investem em inovações tentando introduzir novos produtos e processos que a concorrência não tenha. As empresas tentam manter esta vantagem face à concorrência sendo mais rápidas a inovar, mantendo em segredo as tecnologias, ou pedindo protecções contra a cópia através de patentes e outros meios de protecção da propriedade intelectual. Mas neste processo, o financiamento público é critico, já que as empresas não estão tão dispostas a sustentar esforços orientados para, por exemplo, avanços em ciência fundamental. Isto não quer dizer que não haja empresas que invistam em ciência, nem que o estado por vezes não financie directamente inovações o que faz, designadamente, no domínio militar mas tende a haver uma separação entre o que é predominantemente financiado com recursos privados e com recursos públicos. Neste contexto, gostaria de aprofundar a análise da situação nacional no panorama internacional, tendo organizado esta breve intervenção de forma a comentar uma única hipótese, que penso ser central ao debate que hoje emerge sobre a prioridade a dar á inovação e ao consequente papel do Estado neste processo. Essa hipótese consiste no facto do desenvolvimento social e económico que temos de privilegiar passar por conjugar de forma articulada a capacidade de empreender com o desenvolvimento cientifico, devendo o papel do Estado ser centrado no desenvolvimento de competências, de uma forma que beneficie um ambiente propício á experimentação ao longo de todos os níveis do desenvolvimento individual e colectivo, e na facilitação dos recursos científicos necessários a esse processo. Ao referir-me á experimentação ao longo de todos os níveis do desenvolvimento individual e colectivo, estou obviamente a incluir as praticas de ensino/aprendizagem desde a escola infantil ao ensino superior, mas também na participação cívica de todos os dias e, naturalmente, no processo de criação e crescimento empresarial. Para testar esta hipótese, vou usar cinco argumentos. Primeiro, Portugal apresenta uma considerável dinâmica de empreendedorismo, nomeadamente no que se refere á taxa de renovação empresarial per capita (i.e. as entradas e saídas de empresas na economia em percentagem do total de empresas num dado ano, ponderado pelo número de empresas per capita). 3

Figura 1. Taxa de Renovação empresarial Fonte: BCG, Setting the Phoenix Free - A Report on Entrepreneurial Restarters 2002 A análise 4 mostra ainda que Portugal tem uma considerável percentagem de empresários na população activa, quando analisado em termos europeus, estando a capacidade empreendedora do País particularmente afectada pela falta de capacidade de crescimento das empresas formadas. A principal questão está associada ao facto das novas empresas que são criadas não estarem centradas em actividades de maior valor acrescentado, o qual é conseguido com o acesso a mercados internacionais sofisticados. Noto que os estudos do Global Entrepreneurship Monitor mostram que os empresários portugueses criam empresas mais por necessidade do que por oportunidade, o que levanta a necessidade de reflectir acerca das assimetrias de informação existentes em Portugal. É de notar que os últimos inquéritos de inovação, realizados a nível europeu, mostram que na última metade da década de noventa duplicou em Portugal o número de empresas com actividades de I&D. Estas empresas, embora ainda em clara minoria no contexto empresarial português, já não competem internacionalmente com base em salários baixos, mas com recursos humanos qualificados, I&D e inovação, marketing, design, formação e qualidade, cooperando com instituições científicas. A oportunidade para Portugal é tornar possível que este modelo emergente, este novo Portugal Inovador, se torne o modelo dominante. Segundo, o acesso a novos mercados e a concretização de um modelo de crescimento baseado na inovação requer o desenvolvimento de competências próprias, baseadas em novas ideias, o que só poderá ser facilitado através do apoio continuado ao desenvolvimento de recursos científicos. Neste sentido, deve ficar claro que: 4 Baptista, R. & A. Roy Thurik (2004), Technological Forecasting and Social Change 4

Portugal investe em ciência e tecnologia menos de metade de um país médio europeu. Em proporção da população activa, precisávamos do dobro dos nossos cientistas para dispormos das capacidades médias europeias. Por exemplo, com referência a 2001, Portugal formava 3 novos doutores em ciência e tecnologia por cada 10000 habitantes entre 25 e 34 anos, enquanto esse valor para a média da Europa dos 15 era de 5,5 novos doutores. Neste contexto, para acompanhar a evolução espectável para a Europa, Portugal deveria aumentar até 2010 em cerca de 50% o número de novos doutoramentos realizados por ano na área da ciência e tecnologia (actualmente cerca de 440 por ano); O financiamento médio por investigador em Portugal é hoje um terço da média europeia, mesmo para a nova Europa a 25, sendo que um investigador no ensino superior nesta Europa dos 25 tem disponível cerca de metade do financiamento de um colega nos EUA. É neste contexto que convém ainda relembrar o trabalho de Paulo Romer 5, um conhecido economista norte-americano que, entre outros aspectos, mostrou que o papel das políticas públicas para a formação de cientistas e graduados é particularmente crítico para o crescimento económico a longo prazo, tendo estas políticas sido responsáveis pelo rápido crescimento do número de engenheiros e cientistas nos Estados Unidos da América desde o pós-guerra. Neste sentido, o rápido desenvolvimento científico do País é hoje condição absolutamente necessária para toda a nossa estratégia de desenvolvimento económico e social. Assim, a despesa pública em I&D deverá crescer até atingir a meta europeia de 1% do PIB até ao final desta legislatura. Em particular, o investimento público em I&D deverá duplicar neste período. De facto, a necessidade de reforçar a capacidade cientifica tem sido confirmada sistematicamente ao longo dos anos e, por exemplo, estudos empíricos recentes por investigadores da Universidade de Columbia 6 que investigaram os comportamentos de cientistas/académicos que são potenciadores do aparecimento de novos produtos no mercado, como quantificado através do numero de patentes, mostram que, normalmente, uma vaga de patentes é precedida por uma vaga de publicações no ano anterior ao da submissão da patente. Nota-se ainda que, por outro lado, esses mesmos estudos negam a hipótese e receio crescente de que a vaga de patentes tem contribuído para alterar as agendas dos investigadores no sentido de investigação com elevado potencial de comercialização. Terceiro, se é verdade que o investimento público na capacidade científica de um país é hoje uma condição necessária ao crescimento económico, sabemos também que procurar opor investimento público e investimento privado em I&D é manifestamente demagógico e absurdo. Trata-se claramente de complementaridade e não substituição 5 Romer, P.M. (2000), Should the Government subsidize supply or demand in the market for scientists and engineers?, NBER, Working Paper 7723; http://www.nber.org/papers/w7723. 6 P. Azoulay, W. Ding & T. Stuart (2005), The determinants of faculty patenting behavior: demographics or opportunities?, NBER, Working Paper 11348, http://www.nber.org/papers/w11348, May 2005 5

de actividades e de financiamentos. De facto, análise sistemática deste assunto 7 mostra claramente que a investigação nas empresas tende a ser aplicada e a focar-se em tecnologias/produtos familiares das empresas, e em mercados seus conhecidos, cabendo ás universidades e laboratórios públicos a produção de conhecimento fundamental, e a exploração de mercados/produtos/tecnologias verdadeiramente desconhecidas. A complementaridade do investimento público e privado em I&D é hoje um factor bem conhecido das sociedades mais desenvolvidas, não podendo ser menosprezada! Figura 2. Perfil típico da investigação empresarial Fonte: Branscomb and Auerswald (2002) 6 Gostaria ainda de usar esta oportunidade para chamar a V/ atenção para a evolução do contexto nacional, nomeadamente no que se refere á reposição, devidamente aperfeiçoada, do Sistema de incentivos fiscais à I&D nas empresas, introduzido em Portugal em 1997 e aperfeiçoado em 2001, mas lamentavelmente cancelado pelo governo anterior no final de 2003. De notar que mais de duas mil empresas tiveram actividades de I&D desde 1995, tendo o SIFIDE contribuído para o alargamento do número de empresas com actividades de I&D em Portugal, em particular depois da sua revisão em 2001. Enquanto na primeira fase predominavam empresas mais antigas de sectores tradicionalmente com maior peso na I&D empresarial (Química, Equipamentos Eléctricos e Electrónicos, Telecomunicações), a revisão do SIFIDE em 2001 viria a aumentar o peso relativo das empresas criadas após 1995, com predomínio de actividades e tecnologias mais modernas, como sejam o software, serviços às empresas, têxteis técnicos, e o despontar das empresas de biotecnologia. O papel do SIFIDE foi ainda mais importante como instrumento de intensificação do esforço de I&D empresarial de forma continua: em 1998 e 2000 essas empresas aumentaram em 17% o número de licenciados e em 57% o número de mestres e doutores. O novo sistema, já aprovado na generalidade pela AR e agora em apreciação na especialidade, estimula especialmente o emprego científico no sector privado, em 7 Lewis M. Branscomb and Philip E. Auerswald (2002), Between Invention and Innovation An Analysis of Funding for Early-Stage Technology Development, Economic Assessment Office, Advanced Technology Program, National Institute of Standards and Technology 6

empresas inovadoras, assegurando condições de apoio excepcionais à contratação de recursos humanos qualificados pelas empresas e à mobilidade do sector público para o sector privado. Noto, em particular, que o novo sistema de incentivos fiscais é particularmente estimulante a nível internacional e que poderá potenciar o investimento estrangeiro em Portugal e actividades de desenvolvimento tecnológico no sector privado. Quarto, é ainda neste contexto que deve ser relembrado que à medida que se reforça a percepção na Europa de que está a ocorrer uma transição para uma economia baseada no conhecimento, a análise tem mostrado que a complexidade do processo de inovação favorece as sociedades que se organizam em torno de uma cultura de rigor associada a rotinas de avaliação e abertura de critica, requerendo estruturas que se organizam formal e institucionalmente (e.g., escolas, empresas, universidades, laboratórios, organizações governamentais e não governamentais, nomeadamente para a promoção da cultura cientifica), em desfavor de cientistas ou inventores isolados. É por esta razão que é essencial que os Estados modernos viabilizem a autonomia e integridade institucional das instituições científicas, assim como o seu desenvolvimento sustentável independente de alterações externas ao próprio desenvolvimento da ciência. Naturalmente que a autonomia e integridade institucional deve ser promovida simultaneamente com a sistematização de rotinas de colaboração envolvendo empresas e instituições de I&D, em simultâneo com a formação avançada de recursos humanos em ambientes que facilitem formar quadros que combinem elevada competência cientifica e técnica com uma cultura e uma atitude indutoras da inovação. Neste âmbito, acreditamos que as politicas públicas devem ser potenciadores deste tipo de ambientes em Universidades e Institutos Politécnicos. Refiro-me sobretudo a: Envolver os estudantes de ensino superior desde os primeiros anos (1º e 2º ciclos) em actividades de experimentação, no trabalho de projecto, e na prática orientada de actividades de investigação; Desenvolver programas doutorais que estimulem actividades de investigação em estreita colaboração com as empresas e que poderão servir com uma nova plataforma de colaboração entre Universidades. Mas neste contexto, deve ser particularmente referida a experiência de movimentos estudantis autónomos que facilitem a prática orientada de actividades de investigação e desenvolvimento. Como exemplo, a experiência do movimento Júnior introduzido em Portugal no inicio da década de 90 foi particularmente percursor das actividades agora chamadas de apoio ao empreendedorismo, sendo de salientar sobretudo o papel da JUNITEC, a Júnior empresas do IST, no lançamento dos primeiros grupos de empresas de base tecnológica por estudantes universitários em Portugal. Naturalmente que deve ainda ser dito que, já anteriormente ao movimento Júnior, as raízes da actividade de apoio ao empreendedorismo encontra-se eventualmente no movimento associativo estudantil, o qual viria a ter particular expressão em Portugal nos anos 60. De facto, muitos dos nossos maiores empreendedores, quer na Administração pública, nomeadamente com actividade ao nível politico, quer na comunidade empresarial, foram antigos dirigentes estudantis. O problema é que já nessa altura eram poucos, pois lembremo-nos que os estudantes do ensino superior em Portugal nos anos 60 não ultrapassavam 30000! 7

Mas a liberdade e autonomia de projectar e, sobretudo, a possibilidade de experimentar actividades de base científica não deve ser exclusivo do ambiente universitário. De facto, o quinto e último argumento que gostaria de partilhar convosco, está relacionado com a necessidade de alargar o âmbito das actividades de estímulo á formação de atitudes que tornem vulgares os processos de aprender, apreender e empreender. Pode-se perguntar: Será que tem interesse desafiar os mais jovens a desenvolver e usar tecnologia? É exactamente da necessidade de questionar a tecnologia e de provocar a capacidade de aprender a compreender as suas limitações que foi promovido nas sociedades mais desenvolvidas (e em Portugal), sobretudo desde a década de 90 (e em particular durante a segunda metade da década de 90), o debate com pais e educadores sobre o desenvolvimento da cultura científica e tecnológica. Este é um hoje um tema central á prioridade a dar á inovação! E os Portugueses já experimentaram uma dos projectos mais emblemáticos nesta área a nível internacional, nomeadamente o Programa Ciência Viva. Mas qual o impacto desse debate em Portugal? Para tentar responder a esta pergunta, recordemos então alguns simples factos e feitos da sociedade portuguesa durante a última década. Sabemos que o número de alunos matriculados no ensino secundário em Portugal diminuiu cerca de 22% desde 1997/98 (quando eram cerca de 320000), tendo atingido pouco menos de 250000 alunos em 2003/04, o que tem sido consecutivamente atribuído a razões demográficas. Mas o que é surpreendente, por contrariar a tendência europeia num sentido positivo, é que apesar desta forte tendência exterior ao próprio sistema de ensino (naturalmente afectado pela elevada taxa de abandono escolar que caracteriza o actual sistema escolar, que já tem sérias implicações no ingresso no sistema de ensino superior), a análise mostra que a fracção dos jovens (no ensino secundário) que têm optado no 10º ano pelas áreas científicas tem crescido a um ritmo acelerado desde 1996 (ver figura 3), segundo um padrão a que temos chamado de efeito Ciência Viva! Referimo-nos a um programa que acreditamos ter introduzido sobretudo formas de diálogo aberto, trazendo casos concretos para a discussão entre alunos, educadores, pais e investigadores, de uma forma que nos faz perceber melhor o papel da divulgação de cultura científica. De facto, interessa sobretudo considerar que num contexto de crescente e contínuas mutações sociais, económicas e tecnológicas, a reivindicação para a promoção da inovação deve ser compreendida sobretudo em termos do processo de aprendizagem, e não apenas num inventário de matérias ou de prioridades. Mais importante que especificar sectores de intervenção, interessa compreender como promover competências, sobretudo no que respeita à necessidade de conciliar o desenvolvimento de competências nucleares em matérias tradicionais, com competências sociais e com o estimular da capacidade de empreender. 8

0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 Agrup. 1 Agrup. 2 Agrup. 3 Agrup. 4 0,1 0 1993/1994 1994/1995 1995/1996 1996/1997 1997/1998 1998/1999 1999/2000 2000/2001 2001/2002 2002/2003 2003/2004 Figura 3. Evolução percentual do número de alunos matriculados no ensino secundário, por agrupamento, entre 1994 e 2004. Será o Efeito Ciência Viva? Fonte: DAPP agrup 1 agrup 2 agrup 3 agrup 4 Científico/Natural Artes Económico Social Humanidades Naturalmente que a discussão dos direitos individuais de todos os cidadãos à aquisição e actualização de competências deve ser realizada num contexto alargado, compreendendo naturalmente esses direitos, mas também os deveres sociais e morais de aprender. Deste modo, o diálogo que aqui lançamos passa por encarar uma nova cidadania, para a qual a educação é naturalmente um direito, e aprender um dever moral. Para concluir, noto que dar prioridade á inovação no decurso de um período de difícil ajustamento económico e orçamental do País é sem dúvida um enorme desafio para Portugal, e requer a mobilização de todos. Precisamos de uma política persistente e esclarecida de investimento em ciência e tecnologia, sustentada em processos exigentes de avaliação, internacionalização e qualificação e num constante esforço de promoção da cultura científica e tecnológica na sociedade. Estou certo que só em conjunto, empresas e investigadores, saberão promover e aproveitar tais desafios e oportunidades. Manuel Heitor 9