O Desenvolvimento Comunitário um método viável na Europa?

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Transcrição:

Alfredo de Sousa O Desenvolvimento Comunitário um método viável na Europa? 1. Na problemática do desenvolvimento económico, um dos aspectos mais importantes é o da mobilização e orientação das forças criadoras humanas da comunidade, de forma a que esse desenvolvimento se realize a partir duma gestão e cooperação da população integrada na sua estrutura nacional apropriada. Este é o método do Desenvolvimento Comunitário. No entanto, embora se reconheçam ao Desenvolvimento Comunitário (D. C.) virtualidades de contribuir para o desenvolvimento de uma nação ou de um país nesta linha de acção, duvida-se frequentemente se poderá ser aplicado a países já razoavelmente evoluídos e com estrutura em vias de modernização. Pensa-se ainda que o D. C. só é eficazmente aplicável em países atrasados, onde, por assim dizer, está tudo por construir e o espírito do povo é mais plástico. Muitos economistas e cultores das ciências sociais permanecem nesta dúvida e, sobretudo para alguns, tem-se posto mais concretamente a questão: é o D. C. aplicável à Europa e a países com economia análoga à europeia? Esta pergunta poderia ter uma resposta factual: o D. C. é aplicado na Europa e nos Estados Unidos. Porém, resta saber se 113

a aplicação é idónea, se os resultados são satisfatórios e se os técnicos em contacto com esses problemas lhe acham viabilidade de continuação. Porque as resistências e, sobretudo, as incompreensões não têm sido poucas, M. Milhaud em um número recente da International Review of Community Development ensaiou uma justificação. A resposta pode ser dada por duas vias: ou apresentar uma demonstração teórica ligando o desenvolvimento económico ao D. C. e vice-versa ou, então, analisar a evolução dos factos e das ideias do que se vai verificando na Europa. O primeiro tipo de resposta é mais lógico, mais profundo e mais cartesiano; mas o segundo, além de eventualmente mais inteligível, será provavelmente mais convincente. Foi esta a via adoptada. 2. Só a partir de 1948-1950 é que o D. C, já então designado como tal, passou a ser mais amplamente conhecido entre os economistas, mas sempre encarado com muito cepticismo e tido como técnica útil apenas para os casos particulares das economias tropicais asiáticas e africanas, e julgado mais bem um tema da Sociologia que da Economia. Porém, a partir da criação da C. E. P. A. L., as técnicas do D. C. começaram a ser adoptadas como meio útil de promover o desenvolvimento económico-social nos países latino-americanos, sobretudo nas zonas rurais. Talvez por reflexo, ou por evolução própria, aqueles métodos passaram também a ser adoptados nos Estados Unidos na promoção das chamadas regiões atrasadas ou deprimidas do território continental e insular norte-americano. Em contrapartida, a Europa permanecia alheia à utilização do D. CL, apesar de, desde a sua criação, a Comissão Económica para a Europa vir fazendo o estudo e a modesta apologia desta técnica de desenvolvimento. 3. Em 1955, o governo holandês preocupado com o atraso relativo em que permaneciam 13 das suas regiões europeias tanto mais que havia lançado um programa de desenvolvimento económico visando-as especialmente, mas cujos resultados, sobretudo no domínio social, eram insatisfatórios pediu às Nações Unidas (concretamente à Comissão Económica para a Europa) que reunisse em Baarne (Holanda) um grupo de peritos encarregados de estudar uma acção concertada para aquelas regiões, de forma a promover de maneira eficaz o bem-estar dos seus habitantes. Na sequência deste pedido, reuniram-se peritos de várias procedências, sobretudo de países europeus. Depois de várias discussões, destacaram como elementos fundamentais do processo de desenvolvimento económico-social os seguintes: 1U

orientar os tempos livres dos membros da comunidade; promover as actividades exercidas em grupo e centradas sobre a vida social da comunidade; levar a população a tomar consciência do lugar que, na vida da sua sociedade, têm as relações humanas nos campos religioso, político, cultural e económico; em conjunção de esforços com os agentes externos, utilizar os elementos activos da população e assegurar a cooperação dos sacerdotes, médicos, professores, etc, das comunidades locais; dar às personalidades emergentes destas comunidades um curso elementar de psicologia social, a fim de permitir uma colaboração eficaz entre elas. Estas linhas de acção foram preconizadas no sentido de se tirar o maior partido possível dos recursos internos e externos dessas regiões, depois do estudo concreto das condições das mesmas. Em resumo, preconizou-se o método do D. C. como mais adequado e eficiente, em face de várias alternativas propostas. 4. De 8 a 18 de Junho de 1958 realizou-se, sob os auspícios do governo da Região da Sicília e da Comissão Económica para a Europa, um Ciclo de Estudos sobre Desenvolvimento Comunitário nas regiões-problema da Europa, presidido pelo Professor Ugo Papi. Este ciclo de estudos teve lugar em Palermo, sob proposição do governo italiano, preocupado com o insucesso parcial do seu plano de desenvolvimento económico para o Sul da Itália. Um dos aspectos do insucesso parcial era, por exemplo, o seguinte: dentro de um plano de reforma agrária, dividirem-se os latifúndios em parcelas familiares, tendo sido construídas casas, currais e alpendres e fornecida a maquinaria conveniente. Estas parcelas foram entregues a agricultores da região não proprietários, para nelas se instalarem. Passado certo período de tempo, constatou-se que muitas casas e explorações estavam abandonadas, continuando os agricultores, a quem tinham sido distribuídas, a viver nos aglomerados populacionais e casas em que sempre tinham habitado e empregues nas mesmas ocupações que anteriormente. Um reconhecimento do problema e uma análise mais cuidadosa mostraram que as explorações não estavam dimensionadas de forma a permitir um rendimento conveniente para as famílias e nem os lavradores que as iriam ocupar estavam de acordo com a maneira como tinham sido divididas e localizadas. O projecto tinha-se executado sem consultar a população local e tão-pouco tinha havido o cuidado de associá-la à obra. Com base nesta matéria reuniu-se em Palermo um largo conjunto de especialistas das diversas actividades sociais: educação, saúde, trabalho, protecção social, formação profissional, economis- 115

tas, sociólogos, políticos, administradores públicos, agrónomos, etc, realizando-se, desta maneira, uma autêntica aproximação interdisciplinar que veio a revelar-se fecunda. Sobretudo da parte dos economistas, estatísticos, planificadores, mas também da parte de outros técnicos de formação positivista, havia uma verdadeira descrença nas potencialidades das técnicas de D. C, cuja principal virtualidade a de captar as forças criadoras da comunidade não entendiam. Todavia, ao longo da discussão, os esclarecimentos e o consequente entendimento foram surgindo, até que se aceitou e compreendeu o interesse não só sociológico mas económico do D. C, que foi admitido como uma técnica eficiente a empregar para o desenvolvimento económico-social das comunidades, mediante uma prévia caracterização tipológica das mesmas. No domínio pessoal deram-se algumas «conversões» notáveis como as do próprio Prof. Ugo Papi e do Prof. Pierre Vellas, tendo este último, na sequência daquele ciclo de estudos, criado junto da Universidade de Toulouse um Instituto Internacional de Pesquisas, onde o D. C. é estudado como meio de promoção económica e social e se elaboram projectos concretos a aplicar em diversas zonas da Europa. No final do Ciclo de Estudos foi expressa a convicção de que o D. C. constitui o «método democrático por excelência que assegura a participação dos cidadãos, estimula o seu sentido de responsabilidade e de solidariedade nos actos da vida quotidiana». 5. Na Europa Meridional pode ainda apontar-se o caso concreto de um projecto de D. C. em pleno funcionamento e que tem produzido resultados apreciáveis. Trata-se do programa de desenvolvimento comunitário de Chrysoupolis, na Grécia. Havia-se chegado à conclusão de que nos planos de desenvolvimento económico empreendidos pelos governos centrais existe uma zona marginal em que as autoridades centrais dificilmente podem actuar que é o da galvanização do entusiasmo das populações e da sua vontade positivamente afirmada de se libertarem de uma situação de subdesenvolvimento, pois é precisamente a participação activa das populações que acrescenta a todos os planos um carácter de realismo e de eficácia. Não só no ordenamento das actividades rurais, não só na criação de actividades artesanais, não só na construção e organização das actividades escolares e culturais, mas também até no tipo e localização de grandes indústrias, a população local tem algo a dizer e merece ser ouvida, sobretudo no que respeita ao factor mão-de-obra. No caso de Chrysoupolis tem-se constatado que as técnicas ali usadas levaram a população a dar uma crescente participação activa em tudo o que diga respeito ao seu desenvolvimento e à reordenação da sua sociedade. 116

Dado que esta região já havia evoluído sensivelmente por efeito de anteriores planos e do desenvolvimento geral do país, verificou-se assim que a exequibilidade do D. C. não depende fundamentalmente do grau de evolução da zona a que se aplica. 6. Não obstante, subsistia a dúvida de se o D. C. era aplicável a zonas urbanas, como o afirmam os seus cultores e adeptos. Em 1959, com a cooperação do governo inglês, realizou-se em Bristol um ciclo de estudos sobre «Desenvolvimento Comunitário e os serviços sociais nas regiões urbanas». Os especialistas também de diferentes ramos das ciências sociais ali congregados estudaram fundamentalmente a questões de saber se o D. C. podia ser útil no desenvolvimento das comunidades urbanas já integradas plenamente como corpo social através do poder de eleitores políticos, que os seus componentes possuem. Em primeiro lugar, houve consciência de que o problema se punha em termos diferentes nos meios rurais e nos meios urbanos. Uma das questões básicas era a de saber o que se entendia por comunidades urbanas. Considerou-se, dentro de um critério misto (geográfico e de relações humanas), que a «unidade de vizinhança» era a comunidade básica para qualquer tipo de actuação empregando métodos semelhantes ao do D. C. Outra importante questão era a de elucidar que tipos de relações, na efectivação de um eventual projecto, se deveria estabelecer entre o D. C. e as autoridades administrativas que, de maneira mais densa e complexa, cobrem as zonas urbanas. Conclu r u-se que a multiplicação das funções da administração e o contínuo crescimento dos aglomerados conduziam a dois inconvenientes: a administração especializada apenas toca aspectos parciais e inorgânicamente, e vai-se apartando gradualmente do contacto íntimo com as massas. Daí que se possa dizer que o D. C. tem um amplo papel a desempenhar. Em resumo, o ciclo de estudos concluiu que, mediante a descentralização administrativa funcional e técnica, o D. C. é perfeitamente aplicável nas zonas urbanas, variando o seu grau de eficiência de acordo com os tipos de zona: nas aglomerações satélites das grandes cidades, e nas novas cidades, com o máximo de eficác'a; nas grandes cidades, com apreciável sucesso; e extremamente útil para ajudar a integração das massas rurais imigradas nas cidades. 7. De tudo o que se leva dito parece possível deduzir que o D. C. é aplicável nas regiões-problema da Europa e que até à data os projectos que têm sido levados a efeito (Chrysoupolis, Borgo- -Mozzano, e outros) vêm dando resultados satisfatórios. As perspectivas que se abrem ao D. C. na Europa são vastas dentro da linha de tendência da «crescente educação cívica das-populações e de um melhor funcionamento das instituições democráticas». 117

Entre nós, quase que é indiscutível a viabilidade da sua aplicação, que nem sequer requereria grandes adaptações da orgânica administrativa: estamo-nos a lembrar, por exemplo, do papel que poderia caber ao Desenvolvimento Comunitário na política da Junta de Colonização Interna. Raul da Silva Pereira A Pirâmide dos rendimentos em França 1. Já Adam Smith notou que havia em França «maior desigualdade na distribuição da riqueza» do que na América do Norte. Quase dois séculos volvidos sobre esta observação, o interesse pela forma como se distribui o rendimento entre os indivíduos (ou as famílias) em cada país e pelas comparações dessa distribuição em diferentes países encontra-se substancialmente acrescido, não só em virtude de considerações baseadas em critérios de justiça distributiva, mas também por se considerar a influência que as assimetrias da distribuição exercem sobre o ritmo da actividade económica, dadas as suas incidências sobre os níveis de consumo e de investimento. Um tanto paradoxalmente, a França só há pouco tempo apresentou o primeiro trabalho de índole estatística sobre a distribuição do rendimento entre as famílias 1 isto é, o primeiro estudo que deveria servir de base objectiva para afirmações do tipo da que acima se enunciou. Não é este, porém, um caso único. Muitos outros países e neles se inclui Portugal aguardam a sua vez de obter informações semelhantes, o que não impede que até hoje se tenham feito e continuem a fazer, em bases mais ou menos empíricas, juízos sobre tal matéria. 2. O interesse por estas apreciações cresce sempre que se mostram viáveis comparações entre países diferentes ou entre épocas diferentes de um mesmo país. Estas últimas revestem-se die significado particularmente interessante, na medida em que 118 i Rapport general de Ia commission âtétude fiscale Paris, 1961.