A Segunda Guerra Mundial fez emergir uma Europa material e psicologicamente destruída, sem prestígio nem poder e dependente da ajuda americana.

Transcrição

1 CONCLUSÃO 178

2 A Segunda Guerra Mundial fez emergir uma Europa material e psicologicamente destruída, sem prestígio nem poder e dependente da ajuda americana. As suas populações estavam tão cansadas de guerra quanto ávidas de paz. Este ambiente era propício à aceitação de políticas que, ao mesmo tempo que promovessem a reconstrução, fossem capazes de estabelecer a paz duradoura entre a França e a Alemanha. Assim, a constituição da CECA em 1951 e da CEE em 1957 tiveram excepcional receptividade popular. Aquelas duas comunidades constituíram os dois acontecimentos mais relevantes do período pós-guerra e as suas consequências ainda hoje se fazem sentir no sistema internacional, não apenas ao nível económico, mas também ao nível político. O caso europeu haveria de servir de modelo não transponível, em virtude da sua originalidade a movimentos integracionistas por todo o sistema internacional. Foi o que aconteceu com os movimentos de integração económica que se verificaram na década de 60 e que ressurgiram nos finais dos anos 1980 e tiveram como referência a integração europeia. Mas foi o Acto Único Europeu de 1986 que haveria de conduzir à criação do Mercado Único em 1993 que determina o início do processo de aprofundamento da União Europeia, a mola que fez despoletar o alerta nos EUA sobre o papel que passou a caber ao velho continente nas questões económicas, conforme já vinha sendo visível nos vários fora internacionais. A segunda vaga do regionalismo que emergiu no final dos anos 1980 e que levou os EUA a abandonar a sua tradicional vocação multilateralista em prol do regionalismo, em resposta ao crescente aprofundamento da integração europeia, acabaria por trazer uma nova dinâmica à integração económica e funcionou como despertador para alguns agrupamentos regionais que permaneciam quase inactivos, designadamente na América Latina. A Iniciativa das Américas, lançada pelo presidente dos EUA em Dezembro de 1994, com vista à constituição de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) até 2005, da qual farão parte todos os países do Continente, excepto Cuba, foi uma importante consequência da multiplicação dos processos de integração económica. Este projecto acabaria por despoletar um conjunto de reacções a nível global e as suas consequências nos equilíbrios económico, político e geo-estratégico ainda não estão determinadas. 179

3 Os países latino-americanos cedo se aperceberam das consequências da criação daquele super-bloco para os agrupamentos regionais daquela zona e em particular percepcionaram que o novo agrupamento poderia levar ao desaparecimento ou absorção dos restantes, em particular do Mercosul, apesar da sua maior dimensão. Por seu turno, a criação da ALCA poderá levar os países da Ásia, mormente os de maior relevância económica e política, a realinhar as suas políticas comerciais e a acelerar da constituição de um agrupamento económico asiático de grandes dimensões. Primeiro utilizando a APEC onde os países latino-americanos nela integrados perderão interesse depois de fazerem parte da ALCA e mais tarde, através da constituição de um super-bloco genuinamente asiático. Na União Europeia o avanço das negociações da ALCA criou apreensões pelo peso acrescido que dela resulta no sistema económico internacional em favor dos EUA e pelas suas consequências no tocante à continuidade dos intensos fluxos de comércio e de investimentos entre os blocos europeu e sul-americano. No Mercosul, os receios situam-se ao nível da sua própria manutenção enquanto bloco regional autónomo e dos receios de subordinação dos vários países aos interesses estratégicos norte-americanos. Neste particular, o Brasil tem mostrado cepticismo relativamente à constituição da ALCA e tem manifestado grande abertura ao prosseguimento das negociações com União Europeia com vista à criação de uma área de comércio livre entre os dois agrupamentos regionais, a qual permitiria contrabalançar o poder dos EUA na região. Apesar de algumas resistências no seio da UE quanto ao aprofundamento das negociações com o Mercosul, com destaque para as posições defendidas pela França, que pretende proteger os seus agricultores das consequências da revisão da Política Agrícola Comum, é notório o interesse e vontade política das duas partes em prosseguir e acelerar tais negociações. Portugal e Espanha são dos países que mais investem no Mercosul e, por consequência, estão interessados na salvaguarda dos actuais investimentos naquela região e na oportunidade que uma área de comércio livre criaria para expandir esses investimentos. Dado o interesse destes países no aprofundamento das relações UE-Mercosul, entendemos que devem mostrar mais empenhamento no seio da União Europeia no sentido de adequar a reforma da PAC aos condicionalismos impostos pelas negociações entre os dois agrupamentos. 180

4 No actual estádio das negociações para a criação da ALCA é possível antecipar quatro cenários quanto ao futuro das relações UE-Mercosul. No primeiro cenário admite-se a não criação da ALCA e a existência de um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Apesar do muito interesse que tal cenário representaria para a União Europeia, a probabilidade de tal acontecer é muito reduzida, uma vez que a criação da ALCA é um dado adquirido. No segundo cenário admite-se a criação da ALCA e a manutenção do Mercosul, mas sem a criação de uma área de comércio livre entre a União Europeia e o Mercosul. Neste caso, o mercado do Mercosul fica mais aberto às exportações dos EUA em virtude da redução das barreiras aduaneiras, ao contrário do que acontecerá com as exportações da UE. Nesta hipótese, as exportações europeias para o Mercosul serão gradualmente substituídas pelas exportações das empresas norte-americanas, ao mesmo tempo que os vultosos investimentos comunitários na região deixarão de ser pertinentes, principalmente nos sectores em que as empresas norte-americanas tenham vantagens comparativas. Nesta perspectiva, a União Europeia sairá prejudicada, ao mesmo tempo que os EUA reforçarão o seu poder económico e político na região. O terceiro cenário contempla a criação da ALCA e a criação da área de comércio livre UE-Mercosul, coexistindo os dois agrupamentos. Neste caso, os investimentos comunitários no Mercosul ficam salvaguardados e passa a existir uma concorrência saudável entre as empresas norte-americanas e as empresas comunitárias, com benefícios para os países do Mercosul, principalmente para o Brasil, que dessa forma fica menos exposto à influência económica e política dos EUA. Finalmente, o quarto cenário pressupõe que a criação da ALCA leve ao desaparecimento do Mercosul e, consequentemente acabe a tarifa externa comum esteio fundamental das trocas no interior do Mercosul. Os países deste agrupamento ficariam mais expostos à concorrência externa, o que faria reduzir as trocas entre os actuais membros do Mercosul, com prejuízos maiores para o Brasil e para a Argentina, por serem as duas maiores economias do agrupamento. Também neste cenário, os investimentos europeus seriam gradualmente reduzidos, assim como as trocas com os países do agrupamento, ao mesmo tempo que as exportações das empresas norte-americanas para a região tornariam desnecessários grande parte dos investimentos europeus. O poder económico e 181

5 político dos EUA sairia reforçado e a União Europeia para além de perder grande parte do enorme mercado sul-americano veria reduzir-se o seu poder económico e político na região. Assim, tanto para a União Europeia como para o Brasil, a melhor alternativa à ALCA seria a constituição de uma zona de comércio livre entre a UE e o Mercosul, preferentemente antes ou em simultâneo com a constituição da ALCA, ou seja o terceiro cenário. No que respeita à Europa, esta alternativa salvaguardaria os vultosos investimentos já realizados no Mercosul desde a sua constituição, a manutenção dos significativos fluxos comerciais e fortaleceria o seu peso económico e político naquela região em detrimento do poder dos EUA. Para os países do Mercosul, especialmente para o Brasil, a criação da área de comércio livre com a União Europeia dar-lhe-ia maior poder negocial na ALCA. Ao mesmo tempo o Brasil teria melhores condições para prosseguir a sua política de afirmação no contexto internacional. Depois deste trabalho, do qual se retirou a presente conclusão, está em aberto a verificação sobre qual dos cenários se virá de facto a concretizar. Qualquer que seja o desfecho, as respectivas implicações assumirão elevado significado em todo o sistema internacional. Seria útil e gratificante que este trabalho fosse prosseguido no futuro, com vista a avaliar as razões da concretização de um dos cenários identificados, bem como as consequências para o relacionamento políticoeconómico dos dois (ou preferencialmente três) agrupamentos regionais. 182