A CONTRATAÇÃO IN HOUSE NOVAS DIRECTIVAS EUROPEIAS DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA NO CCP E NAS. Pedro Fernández Sánchez

Transcrição

1 A CONTRATAÇÃO IN HOUSE NO CCP E NAS NOVAS DIRECTIVAS EUROPEIAS DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA Pedro Fernández Sánchez

2 Enquadramento prévio sobre a aplicabilidade das Directivas Europeias Directiva consiste em acto que obriga os Estados-Membros a alcançar fins definidos pelo legislador comunitário, deixando-lhes a escolha quanto aos meios a usar para atingir esses fins Contudo, a sua densidade pode variar, sendo praticamente máxima no Direito dos Contratos Públicos e eliminando boa parte da liberdade aos Estados Em regra, uma Directiva depende de transposição pelos Estados, só sendo directamente aplicável e produzindo efeitos práticos na vida dos cidadãos se um Estado incumpre o prazo de transposição 2

3 Enquadramento prévio sobre a natureza e aplicabilidade das Directivas Europeias Prazo de transposição das novas Directivas terminou em Abril de 2016, pelo que, à partida, a partir dessa data, serão directamente aplicáveis as disposições que atribuem direitos aos particulares (e não aos Estados), através de normas claras, precisas e incondicionais As especificidades do regime europeu dos contratos públicos impõem algumas adaptações a essa regra 3

4 Enquadramento prévio sobre a natureza e aplicabilidade das Directivas Europeias Desde a sua formação, o Direito dos Contratos Públicos tem um condicionamento fortemente jurisprudencial: o Tribunal de Justiça determina, em cada momento, com grande criatividade à luz das normas escritas, o conteúdo de cada obrigação procedimental Em cada momento, os Estados são, na prática, obrigados a aceitar o entendimento actualizado do Tribunal sobre cada matéria Uma Directiva que consolida esse entendimento jurisprudencial produz um impacto imediato sobre as obrigações que cada entidade pública ou privada tem de aplicar na sua prática corrente (é uma fotografia instantânea da evolução do pensamento do Tribunal) Contratação in house é um dos melhores exemplos desse fenómeno 4

5 Enquadramento prévio sobre a natureza e aplicabilidade das Directivas Europeias Em consequência, três possíveis efeitos que as Directivas produzem sobre o Direito Português dos Contratos Públicos: 1) Algumas das mudanças nas Directivas correspondem ao acolhimento, pelo legislador europeu, de inovações arrojadas encontradas em alguns diplomas de diversos Estados-Membros com especial destaque para o próprio Código português, tendo o esforço europeu de procura das melhores soluções legislativas disponíveis nos vários Estados apontado, por vezes, para a escolha das soluções portuguesas como ideal a seguir; nesses casos, a aprovação das Directivas representa o fim das dúvidas que vinham sendo colocadas sobre a legalidade das soluções do CCP, que serão mantidas intactas 5

6 Enquadramento prévio sobre a natureza e aplicabilidade das Directivas Europeias Em consequência, três possíveis efeitos que as Directivas produzem sobre o Direito Português dos Contratos Públicos: 2) Pelo contrário, outras mudanças aprovadas pelas Directivas criam um regime distinto do regime português, implicando uma futura revisão do CCP, embora sem alteração imediata do Direito Português, por corresponderem à atribuição de faculdades que beneficiam os Estados (v.g., aditamento de novos casos de contratação excluída), pelo que só são aplicáveis após transposição pelo legislador nacional 3) Por último, certas mudanças das Directivas, também incompatíveis com o regime português, implicam a atribuição de direitos claros, precisos e incondicionais em favor dos particulares através da restrição de anteriores faculdades dos Estados que são agora eliminadas (v.g., supressão de casos de contratação excluída) ; neste caso, cada entidade adjudicante é obrigada a aplicar directa e imediatamente as novas regras das Directivas, sem esperar sequer pela revisão do CCP 6

7 Enquadramento prévio sobre a natureza e aplicabilidade das Directivas Europeias Consequência: assimetria na entrada em vigor das alterações previstas nas Directivas (Estado penalizado pelo seu atraso na respectiva transposição para o Direito interno) 7

8 Primeira hipótese de contratação dentro do universo público Contratos inter-administrativos: Regra geral: sujeição a procedimentos concorrenciais nos mesmos termos que seriam adoptados para a contratação de entidades privadas - É justamente o procedimento concorrencial que demonstra se a escolha de uma outra entidade pública constitui ou não a melhor opção para satisfação da necessidade subjacente ao contrato - Artigo 6.º, n.º 1, do CCP: contratos entre entidades adjudicantes sujeitos ao regime de contratação pública desde que integrados na lista de contratos comunitários (empreitadas, bens, serviços, concessões) 8

9 Primeira hipótese de contratação dentro do universo público Contratos inter-administrativos: - Hipótese de contratação excluída em parcerias público-públicas: Artigo 12.º, n.º 4, da Directiva n.º 2014/24/UE: Um contrato celebrado exclusivamente entre duas ou mais autoridades adjudicantes não releva do âmbito de aplicação da presente Diretiva quando estiverem preenchidas todas as seguintes condições: a) O contrato estabelece ou executa uma cooperação entre as autoridades adjudicantes participantes, a fim de assegurar que os serviços públicos que lhes cabe executar sejam prestados com o propósito de alcançar os objetivos que têm em comum; b) A execução da referida cooperação é unicamente regida por considerações de interesse público; e c) As autoridades adjudicantes participantes exercem no mercado livre menos de 20% das atividades abrangidas pela cooperação 9

10 Segunda hipótese: contratação in house Mais importante excepção à obrigação de submissão de contratos de elevado valor à concorrência Criação totalmente jurisprudencial, que o CCP havia transposto no n.º 2 do seu artigo 5.º - procedimento de contratação pública não é aplicável à formação dos contratos, independentemente do seu objecto, a celebrar por entidades adjudicantes com uma outra entidade, desde que: a) A entidade adjudicante exerça sobre a actividade desta, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços; e b) Esta entidade desenvolva o essencial da sua actividade em benefício de uma ou de várias entidades adjudicantes que exerçam sobre ela o controlo análogo referido na alínea anterior. 10

11 Contratação in house Contratação in house: por ser criação jurisprudencial, o legislador português ficou sempre dependente da evolução dos requisitos fixados pelo Tribunal de Justiça - A Directiva consolidou agora esses requisitos, vinculando directamente o legislador português a) Não há alteração quanto ao 1.º requisito ( controlo análogo ): influência decisiva sobre os objetivos estratégicos e as decisões relevantes da pessoa colectiva controlada (art. 12.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 2014/24) 11

12 Contratação in house Alteração essencial no entendimento do 2.º requisito: b) «Entidade-filha» desenvolve o essencial da sua actividade em benefício da «entidade-mãe»: Mais de 80% das atividades da pessoa coletiva controlada são realizadas no desempenho de funções que lhe foram confiadas pela autoridade adjudicante que a controla ou por outras pessoas coletivas controladas pela referida autoridade adjudicante (art. 12.º, n.º 1, alínea b)) 12

13 Para apuramento do 2.º requisito: In House 2.º requisito - Deve ser tido em conta o volume médio total de negócios, ou uma medida alternativa adequada, baseada na atividade, por exemplo os custos suportados pela pessoa coletiva em causa ou pela autoridade contratante no que diz respeito a serviços, fornecimentos e obras, nos três anos anteriores à adjudicação do contrato. - Se, devido à data de criação ou de início de atividade da pessoa coletiva em causa ou a autoridade contratante devido à reorganização das suas atividades, o volume de negócios, ou a medida alternativa adequada baseada na atividade, não estiverem disponíveis para os três anos anteriores ou já não forem relevantes, basta mostrar que a medição da atividade é credível, nomeadamente através de projeções de atividades (artigo 12.º, n.º 5) 13

14 Formulação de 3.º requisito restritivo Importante restrição: formulação de 3.º requisito que o Tribunal já havia sugerido mas cujo alcance ainda não havia sido fixado de forma clara: Não há participação direta de capital privado na pessoa coletiva controlada, com exceção das formas de participação de capital privado sem poderes de controlo e sem bloqueio exigidas pelas disposições legislativas nacionais, em conformidade com os Tratados, e que não exercem influência decisiva na pessoa coletiva controlada (artigo 12.º, n.º 1, alínea c)) 14

15 Formulação de 3.º requisito restritivo Objectivo: - que nenhuma empresa privada seja colocada numa situação privilegiada relativamente aos seus concorrentes Acórdão de (Processo C-480/06 Comissão v. Alemanha) Jurisprudência consolidada, desde o Processo Stadt Halle (Ac. de ), pelos Processos Coname ( ), Comissão c. Áustria (Mödling ), ANAV ( ), Jean Auroux ( ), Comissão c. Itália ( ), Coditel ( ), Sea ( ), Acoset ( ) e Mehiläinen ( ) 15

16 Formulação de 3.º requisito restritivo Justificação e alargamento do alcance deste requisito até ao seu ponto máximo: Acórdão de (Proc. C-574/12 SUCH) No processo principal, os associados privados do SUCH prosseguem interesses e finalidades que, por mais meritórias que possam ser do ponto de vista social, são de natureza diferente da dos objetivos de interesse público prosseguidos pelas entidades adjudicantes que são ao mesmo tempo associadas do SUCH Não está excluído que os associados privados do SUCH, não obstante o seu estatuto de instituições de solidariedade social que exercem atividades sem fins lucrativos, possam realizar atividades económicas em concorrência com outros operadores económicos. Por conseguinte, o ajuste direto de um contrato ao SUCH pode proporcionar aos seus associados privados uma vantagem concorrencial 16

17 Novas hipóteses de alargamento da contratação in house Compensação com outras formas de alargamento deste instituto de dispensa de procedimentos de contratação pública - Relação in house é agora alargada a qualquer relação entre entidades controladoras ou controladas: contratação mãe-filha ; filha-mãe ; ou entre irmãs (artigo 12.º, n.º 2) 17

18 Novas hipóteses de alargamento da contratação in house Contratação in house: aplicável também aos casos de controlo análogo conjunto: uma autoridade adjudicante que não exerce controlo sobre uma pessoa coletiva de direito público ou privado [ ] pode, no entanto, adjudicar um contrato público sem aplicar a presente diretiva a essa pessoa coletiva se, conjuntamente com outras autoridades adjudicantes, exerce sobre a pessoa coletiva em causa um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços (artigo 12.º, n.º 3)» parceria entre entidades públicas Tal ocorre se: i) os órgãos de decisão da pessoa coletiva controlada são compostos por representantes de todas as autoridades adjudicantes participantes. Várias ou todas as autoridades adjudicantes participantes podem fazer-se representar por representantes individuais, ii) essas autoridades adjudicantes podem exercer conjuntamente uma influência decisiva sobre os objetivos estratégicos e as decisões relevantes da pessoa coletiva controlada, iii) a pessoa coletiva controlada não persegue quaisquer interesses contrários 18 aos interesses das autoridades adjudicantes que a controlam.

19 Interrogações finais Contratação in house: problemas na aplicação imediata destas hipóteses de alargamento da contratação excluída Repetição da dúvida inicial: assimetria na entrada em vigor das alterações impostas pelas Directivas? 19

20 FIM Pedro Fernández Sánchez Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Advogado Sérvulo & Associados 20