Da teoria da ação mediada ao modelo topológico de ensino. A idéia de ação mediada que trazemos para compreender a sala de aula inspira-se nos estudos de James Wertsch, discutidas em seu livro Mind as Action (1998). Vinculado à tradição sócio-cultural, o autor apóia-se em estudiosos como Vygotsky para tratar do processo de internalização, Bakhtin para discutir dialogia e gêneros de discurso, e principalmente em Keneth Burke para focar sobre as múltiplas perspectivas da ação humana. Wertsch vai buscar em Burke sua aproximação analítica para a ação humana, que este desenvolveu para descrever o dramatismo. Na análise das ações humanas sob enfoques disciplinares, Burke sugere a existência de duas categorias de perguntas, uma de natureza ontológica e outra de natureza metodológica. Perguntar sobre o que e por que refere-se ao ontológico. Perguntar sobre quem, como e quando refere-se ao metodológico. Na perspectiva de Burke, essas questões são elaboradas em algumas áreas específicas de conhecimento e portanto as análises praticadas sobre respostas a essas questões costumam se ater a um determinado elemento constituinte da ação humana. Estes seriam enfoques disciplinares sobre a ação humana, pelos quais se pretende interpretá-la lançando mão de categorias definidas na biologia, sociologia, psicologia, educação etc. Adotando uma relação biunívoca entre as perguntas e os elementos fundamentais da análise disciplinar, Burke sugere portanto a definição de cinco elementos para formar o pentagrama das telas terminísticas (Figura 1), através das quais os estudos disciplinares analisam fragmentos da ação. Assim, em uma perspectiva disciplinar, o estudo da ação humana se orienta por uma dada janela terminística e por sua terminologia, que selecionam fragmentos parciais da realidade. Burke critica essa conduta analítica de focar a realidade por meio de telas terminísticas disciplinares, e sugere uma abordagem capaz de vincular as perspectivas, sem reduzi-las, umas às outras. Esta abordagem está expressa na conduta metodológica de tratar os elementos do pentagrama como construtos hipotéticos, considerando suas possibilidades de transformação e faixas de combinação e então verificar como esses Modelo Topológico de Ensino 1
construtos explicam as ações humanas, o que implica em rejeitá-los como simples reflexos da realidade. Neste sentido, a investigação da ação humana passaria a ser conduzida por uma ferramenta, o pentagrama, que ao vincular os cinco elementos permitiria uma análise multifocada e integrada da ação humana e de seus motivos. Figura 1. Pentagrama das telas terminísticas da ação humana. Elemento Pergunta Natureza da pergunta Ato O que foi feito Ontológica Propósito Por que foi feito Ontológica Agente Quem fez Metodológica Agência Como ele fez Metodológico Cena Quando e onde foi feito Metodológico (adaptado de Burke, 1969 p. xv; 1973, p. 68). Certamente, a complexidade desta análise multifocada poderia inviabilizar o estudo sobre a sala de aula, com o risco ainda de torná-lo superficial e relativizado. É nesse sentido que o enfoque na ação mediada torna-se atrativo, pois ao considerarmos a tensão agentes-agindo-comferramentas-culturais (agências na designação de Burke) como a unidade de análise, podemos nos manter comprometidos com o princípio de investigar a ação, situando-a em seu contexto cultural e institucional. Para tanto, é preciso reconhecer que a tensão irredutível agentes - ferramentas culturais pode ser representativa da ação mediada, e que pode, portanto, ser adotada como uma unidade de análise capaz de explicar satisfatoriamente ações humanas diversificadas, como por exemplo, aquelas que se realizam na sala de aula. Sob esta perspectiva, para saber quem executa a ação ou quem fala em um diálogo é preciso considerar não apenas o sujeito isolado, mas também a ferramenta cultural que ele emprega para agir ou falar. É diante da indissociabilidade entre agente e ferramenta cultural que passamos a considerar como ocorre a elaboração de significados pelos estudantes (agentes), e como eles se apropriam de ferramentas culturais, reconhecendo que tanto elaboração de significados como apropriação de Modelo Topológico de Ensino 2
ferramentas culturais são processos acoplados que podem ser explicados na perspectiva da ação mediada. Considerando a sala de aula como um organismo social com cultura e identidade próprias, na qual se realizam ações entre pessoas com diferentes visões de mundo, sugerimos a teoria de ação mediada como construção teórica para desenvolver um modelo de organização do ensino, por meio do qual o professor se oriente para planejar suas aulas. Tomando inicialmente o cotidiano da sala de aula como foco de atenção, desse modelo, sugerimos um novo arranjo do pentagrama, tendo em vista que: a) as ações são realizadas por meio de atividades estruturadas, que supõem formas de interação entre alunos e professor (agentes), o propósito da atividade e o ato em si; b) se as ações mediadas da sala de aula de química têm como objetivo promover a ampliação da visão de mundo dos alunos de modo a levá-los a se apropriar de formas de pensamento da química enquanto ciência, então é preciso reconhecer que essas formas de pensamento são como ferramentas culturais (conceitos) que são usadas pelos alunos em um cenário convenientemente construído; c) a ampliação da visão de mundo ocorre na medida em que o sujeito se depara com realidades distintas daquelas de seu cotidiano e esta ampliação é função do embate entre as ferramentas culturais usadas no cotidiano e aquelas usadas nos cenários construídos na sala de aula, então é importante considerar a tematização como um terceiro elemento capaz de aproximar os alunos de horizontes conceituais (visões de mundo) da comunidade dos químicos. É preciso considerar que o modelo topológico de ensino é uma construção teórica que deve dar conta do planejamento curricular, ao menos no que se refere à coerência entre as diversas unidades organizadoras do currículo. Para além da atividade, a segunda unidade curricular que orienta o trabalho em sala de aula é a própria aula. Uma mesma aula é comumente organizada a partir de um conjunto de atividades estruturadas, para o qual Modelo Topológico de Ensino 3
temas e conceitos também ditam o sentido de organização do ensino. A seqüência de aulas, que deve privilegiar a diversificação das atividades, principalmente as formas de interação professor-aluno, aluno-aluno, alunomaterial de ensino, forma o módulo de ensino. Estes podem ser agrupados no ano escolar, que se organiza em ciclos de ensino. Abaixo, ilustramos esquematicamente a relação de continência entre as diferentes dimensões do planejamento do ensino. Vida escolar Ciclo Série Unidade / Módulo Aula Atividade O modelo topológico de ensino é portanto uma ferramenta metodológica derivada da teoria da ação mediada capaz de subsidiar a organização do ensino no cotidiano da sala de aula e que está portanto articulado à organização do ensino nos diversos estágios da vida escolar. Dessa forma, o modelo topológico de ensino propõe a atividade, o conceito e o tema como três eixos organizadores do ensino na sala de aula. Sendo o modelo topológico de ensino fundado na teoria da ação mediada, é preciso considerar que na organização do ensino algumas propriedades da ação mediada devem ser observadas, entre elas, destacam-se: a) situacionalidade (contexto e continuidade); b) historicidade (narrativa; são características da narrativa: organizada em torno da temporalidade; ter um assunto central com começo, meio e fim bem marcados e uma voz narrativa identificável; atinge um fechamento, uma conclusão, uma resolução); Modelo Topológico de Ensino 4
c) materialidade (dos instrumentos aos dispositivos de pensamento); d) mediação (fala, representação). Modelo Topológico de Ensino 5