Os militares e as elites políticas cariocas na Primeira República

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Transcrição:

Os militares e as elites políticas cariocas na Primeira República Surama Conde Sá Pinto No campo da produção historiográfica, a Primeira República é uma das fases mais estudadas da história do Brasil. 1 As contribuições, que continuam a crescer, abrangem diversas áreas, focalizando desde aspectos econômicos e sociais a questões culturais do período. É no âmbito do político, contudo, que grande parte deste interesse tem se concentrado. Boa parte deste esforço, voltado para a análise do comportamento das oligarquias, do coronelismo, da política do café com leite, bem como da participação de determinados Estados no conjunto da Federação brasileira entre 1889-1930, se deve ao pontapé inicial dado por Victor Nunes em seu clássico Coronelismo, enxada e voto. 2 Não se pode deixar de mencionar também os brasilianistas Love, Levine e Wirth, cujos estudos de história comparativa do ponto de vista regional muito contribuíram para a compreensão do funcionamento do Federalismo brasileiro na Primeira República. 3 Desde a publicação, estas obras, que compõem um painel dinâmico da economia, do povo, da sociedade e da cultura brasileira entre 1889-1937, têm estimulado estudiosos nacionais e estrangeiros a produzirem análises da mesma natureza privilegiando outras unidades da Federação no período. Nos novos trabalhos produzidos, ideias arraigadas, como a de que o Estado brasileiro teria funcionado no período como uma espécie de comitê executivo da classe 1 Ver: FERREIRA, Marieta de Moraes, GOMES, Ângela de Castro. Primeira República: Um balanço historiográfico. In: Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Vértice, vol.1, nº 4, 1989, pp. 244-280. 2 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Omega, 5 a ed., 1986. Para uma discussão sobre a produção relativa ao coronelismo ver: CARVALHO, José Murilo de. Coronelismo. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, 1930-1983. Rio de Janeiro: CPDOC/ FGV, Forense Universitária, pp. 932-934; e, do mesmo autor: Mandonismo, coronelismo, clientelismo: Uma discussão conceitual. In: DADOS Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 40, nº 2, 1997, pp. 229-250. 3 Os brasilianistas adotaram o enfoque regional para estudar a participação do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais, de São Paulo e de Pernambuco durante a Primeira República. Ver: LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975. O autor chama atenção para a necessidade de análises de alcance intermediário entre os estudos de poder local e da política nacional. Ver também: LOVE, Joseph. A locomotiva. São Paulo na federação brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982; LEVINE, Robert. A velha usina: Pernambuco na federação brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975; WIRTH, John O fiel da balança: Minas Gerais na federação brasileira.(1889-1937). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 1

dominante ou a de que ao arranjo da política do café com leite se deve a estabilidade do poder das oligarquias, vêm sendo retificadas por interpretações alternativas. 4 Por outro lado, apesar destes novos estudos chamarem atenção para a complexidade do Federalismo brasileiro na Primeira República, contribuindo sobremaneira para os debates sobre o papel do Estado e a natureza dos conflitos políticos nesta quadra da história republicana do país, algumas temáticas permanecem pouco estudadas. É o caso da presença militar entre os membros das elites políticas cariocas. Já dispomos de um conjunto interessante de trabalhos sobre a relação militares e política nacional no período republicano. 5 No que diz respeito à Primeira República, também não são poucos os títulos disponíveis que contemplam desde a participação da corporação no episódio da mudança de regime, passando pelo ensaio do salvacionismo de Hermes da Fonseca, pelos levantes tenentistas dos anos 1920 e pelos estudos que focalizam a ação dos tenentes no período posterior. 6 Há ainda, não poderíamos deixar de mencionar, análises de conjunto que avaliando a ação dos militares não apenas em 4 REIS, Elisa Pereira. Interesses agro-exportadores e construção do Estado: Brasil de1890 a 1930. In: SORJ, Bernardo & CARDOSO, Fernando Henrique (org.). Economia e Movimentos Sociais na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1985; FAUSTO, Boris. Estado e burguesia agro-exportadora na Primeira República: Uma revisão historiográfica. In: Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, nº 27, jul. 1990; FERREIRA, Marieta de Moraes. Em Busca da Idade do Ouro: as elites políticas fluminenses na Primeira República. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994; ENDERS, Armelle. Pouvoirs et Federalisme au Bresil (1889-1930). Paris: Université de Paris-Sorbonne, 1993. (Tese de Doutorado); VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O Teatro das Oligarquias: uma revisão da política do café com leite. Belo Horizonte: C/Arte, 2001. 5 Para o período do pós-trinta ver PRESTES, Anita Leocádia. Tenentismo pós-30: Continuidade ou ruptura? São Paulo: Paz e Terra, 1999; CASTRO, Celso, SOARES, Gláucio Ary Dilon e D ARAÚJO, Maria Celina Soares. Visões do golpe: a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994; Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994; A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995; CARVALHO, José Murilo de. Forças armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005; FICO, Carlos. Além do golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004; Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001; REIS FILHO, Daniel. RIDENTI, M; MOTTA, R. Patto Sá (org.). O golpe e a ditadura militar 40 anos depois (1964-2004). Bauru/SP: Edusc, 2004. 6 DRUMMOND, José Augusto. A Coluna Prestes - rebeldes errantes. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Tudo é história, 103); O movimento tenentista: intervenção militar e conflito hierárquico (1922-1935). Rio de Janeiro: Graal, 1986. FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e Política (tenentismo e camadas médias urbanas ma crise da Primeira República). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977; Tenentismo e Aliança Liberal (1927-1930). São Paulo: Ed. Pólis, 1978. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 2

episódios pontuais, mas durante todo o período da Primeira República como o clássico artigo de José Murilo de Carvalho. 7 O estudo de Cláudia Viscardi só veio corroborar a importância dos militares no regime inaugurado em 1889, apesar de, na maioria do período correspondente à Primeira República, as oligarquias terem ocupado o centro do poder e destaque nas análises produzidas. Parece ganhar espaço a ideia de que o papel que jogaram ficou muito longe de ser pouco significativo. 8 Tendo como base esse horizonte, a presente comunicação apresenta como proposta ensejar uma discussão sobre em que medida a República representou abertura para ação desses atores, investigando a sua presença entre os membros das elites políticas cariocas. Ou seja, nosso objetivo é inicialmente examinar se, em termos de sua composição, nas elites políticas cariocas havia um número significativo de militares e discutir até que ponto o novo regime já na sua fase de consolidação conservou ou não aquela característica observada durante o Império, qual seja, a de conferir pouco espaço para a atuação desses atores. Antes de apresentar os dados da pesquisa e entrar nesse debate, convém, porém, falar um pouco da especificidade do caso carioca. Com a transformação da cidade do Rio, antigo Município Neutro, em capital federal, após a mudança de regime, o Rio se transformou no único município brasileiro com representação no Congresso. Na Câmara, a bancada do Distrito Federal, em termos numéricos, igualava-se à representação do Ceará, ficando atrás de Minas, São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul, conforme ilustra o quadro a seguir. 7 CARVALHO, José Murilo de. "As Forças Armadas na Primeira República: o poder desestabilizador." In: FAUSTO, Boris (dir.) História Geral da Civilização Brasileira, tomo 3: O Brasil Republicano, 1982. 8 VISCARDI, Cláudia Maria R. Op. cit. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 3

QUADRO 1: REPRESENTAÇÃO POR ESTADO NO CONGRESSO NACIONAL (1891-1930) Estados N.º de Deputados AM 4 PA 7 MA 7 PI 4 CE 10 RN 4 PB 5 PE 17 AL 6 SE 4 BA 22 ES 4 DF 10 RJ 17 MG 37 SP 22 GO 4 MT 4 PR 4 SC 4 RS 16 TOTAL 212 Fonte: ABRANCHES, Dunshee de. Governos e Congressos da República (1889-1917). Rio de Janeiro: M. Abranches, 1918, 2 vols. No Senado a representação carioca equiparava-se à dos demais Estados da Federação, também constituída por três senadores. Eleitos pelos cidadãos ativos da cidade, deputados e senadores tinham seus mandatos estipulados pela Carta de 1891, que estabelecia três anos para os primeiros e oito para os segundos. Uma vez feitos esses esclarecimentos, é importante ainda mencionar e justificar os recortes espacial e cronológico aqui adotados. No que diz respeito ao primeiro, cabe ressaltar que a escolha da cidade do Rio está diretamente relacionada ao papel de destaque por ela exercido no período. A cidade era o principal centro urbano, econômico e financeiro do país, além de ser, conforme já mencionamos, o único município brasileiro com representação no Congresso. Assim, na geografia das oligarquias feita por diversos autores, se o Distrito Federal não desfrutou de uma posição privilegiada, nem por isso o seu papel no conjunto da Federação brasileira deve ser subestimado, até porque o Rio de Janeiro foi, e continua sendo, um grande laboratório da política nacional. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 4

Já em termos de recorte temporal, essa análise compreende o período que vai de 1909 a 1922. A conjuntura engloba a Campanha Civilista e a Reação Republicana, movimentos que mobilizaram grupamentos políticos da cidade, nos quais a ideia da autonomia política do Distrito Federal emergiu nos debates. A opção não é fortuita. A política carioca tem sido estudada em conjunturas de redefinição da política nacional e não em contextos menos conturbados, embora também marcados por certa instabilidade, daí a importância de análises em fases em que o modus faciendi da República já havia sido definido. Vale ainda destacar, nessa quadra a atuação dos militares no plano nacional foi expressiva, já que Hermes disputa a presidência da República com Rui Barbosa em 1909/1910 e, para aumentar sua base de apoio, Nilo Peçanha, candidato da Reação Republicana nas eleições presidenciais de março de 1922, através do episódio das cartas falsas, tentou angariar o apoio das forças armadas. Feitos estes esclarecimentos, cabe perguntar: o novo regime não chegou a romper com a tradição imperial que manteve sempre baixos os índices de militares em cargos administrativos e/ou eletivos? Num estudo que deu origem à minha tese de doutorado, defendida na UFRJ, tive a oportunidade de testar alguns enunciados presentes nas análises de diversos autores que, falta de pesquisas empiricamente fundamentadas, tornaram-se lugar comum. Faço aqui referência, em particular, às ideias da origem heterogênea dos membros das elites políticas cariocas, da debilidade das instituições partidárias da cidade, de que o Senado era o órgão supervisor das instituições e/ou árbitro na política carioca, da falta de coesão da bancada carioca no Congresso, devido ao fato destas elites terem sido, em grande medida, absorvidas pelo debate político nacional e a de que o prefeito era um mero administrador ou interventor do governo federal no campo político da cidade. Ao analisar o perfil das elites políticas cariocas entre 1909-1922 pude perceber presença tanto de civis quanto de militares. Por outro lado, o que se pode afirmar com base na pesquisa realizada é que a presença de militares entre os membros das elites políticas cariocas esteve longe de ser expressiva no período. De acordo com o que foi observado, o índice não chegou a 16%. Este índice é ainda menor quando se procede à analise por categorias específicas. Apenas 10,81% dos congressistas da representação carioca entre 1909-1922 Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 5

eram militares. Foram os casos de Lauro Müller, Barbosa Lima, Sales Filho e João Figueiredo da Rocha. Esse dado não minimiza, por outro lado, a importância por eles desempenhada tanto na política local quanto na política nacional. Basta citar que Lauro Müller teve atuação direta no processo de remodelação urbana do Rio; Barbosa Lima foi um dos principais críticos das práticas políticas de Pinheiro Machado no parlamento e Sales Filho foi expoente na construção do Partido Republicano do Distrito Federal (PRDF), força política que passou a rivalizar com a Aliança Republica de Paulo de Frontin a partir de 1918. Entre os prefeitos do Distrito Federal, no período, os índices relativos a presença de militares são um pouco maiores do que os verificados em relação aos congressistas. QUADRO 34: PRESENÇA DE MILITARES NA ELITE POLÍTCA CARIOCA (1909-1922) Elite Política N.º % Carioca Civis 34 73,91 Militares 7 15,22 S/ Informação 5 10,87 Total: 46 100,00 QUADRO 35: PRESENÇA DE MILITARES ENTRE DEPUTADOS E SENADORES DO DISTRITO FEDERAL (1909-1922) Deputados e N.º % Senadores Civis 28 75,68 Militares 4 10,81 S/ Informação 5 13,51 Total: 37 100,00 A maior incidência de prefeitos militares no Município do Rio de Janeiro na Primeira República ocorreu entre 1909 e 1922, período em que à frente da prefeitura carioca estiveram, em gestões seguidas, Souza Aguiar, Serzedelo Corrêa e Bento Manoel Ribeiro Carneiro o primeiro aluno e o segundo discípulo de Benjamin Constant. Anteriormente, o único militar que havia ocupado a Prefeitura era Henrique Valadares, nomeado por Floriano Peixoto, em junho de 1893. Um dado importante, e que de certo modo contrabalança a pequena presença desta categoria, é o fato de que essas administrações figuram na lista das maiores gestões, em termos de permanência no cargo. Como se tratava de um cargo de confiança, parece que o Estado brasileiro lançou mão dos militares como um expediente para tentar manter um controle sobre a política carioca. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 6

QUADRO 36: PRESENÇA DE QUADRO 37: PRESENÇA DE MILITARES ENTRE OS PREFEITOS MILITARES ENTRE OS PREFEITOS DO DISTRITO FEDERAL (1909-1922) DO DISTRITO FEDERAL (1892-1930) Prefeitos N.º % Civis 7 70,00 Militares 3 30,00 Total: 10 100,00 Prefeitos N.º % Civis 23 85,19 Militares 4 14,81 Total: 27 100,00 Os civis também predominam entre os prefeitos do Distrito Federal durante a Primeira República, sendo a presença militar da ordem de 14,8%. Num balanço geral, no perfil desenhado das elites políticas cariocas entre 1909-1922 em minha tese, ficou evidenciado que 54,35% dos seus membros eram naturais do Sudeste, apenas 34,8 haviam nascido no antigo Município Neutro, 80,43% tinham curso superior, sendo 1/3 formado em Direito, 43,48% haviam estudado na cidade, os profissionais liberais representavam mais de 50%, 80% exerciam suas atividades profissionais na capital, sendo 15,22% o percentual de militares. Com o objetivo de entender como se construía uma carreira política no Distrito Federal, a fim de permitir uma melhor compreensão daqueles que poderíamos chamar de ingredientes básicos para que um aspirante tivesse êxito na política da cidade, analisei algumas trajetórias individuais para, em seguida, a partir dessas trajetórias, serem investigados os elementos em comum. O que foi percebido, na utilização dessa estratégia, e que talvez seja um elemento que nos ajude a entender o reduzido número de militares na elite política carioca, é que a participação em associações de natureza diversa, a defesa de bandeiras defendidas pela classe operária, o uso da imprensa como veículo para a divulgação de seu pensamento e a prestação de serviços gratuitos à população, como atendimento médico e/ou advocacia, num período em que a justiça era cara e não estava ao alcance de todos, eram elementos importantes para a construção e manutenção de uma carreira política no Distrito Federal. Esses expedientes não foram utilizados pelo militares aqui estudados. Acreditamos, porém, que outros elementos devem ser buscados para uma melhor compreensão dessa realidade, o que coloca a necessidade do desdobramento da pesquisa. Por hora, com base no recorte aqui realizado, o que podemos afirmar é que a República manteve a tendência observada no Império de abrir pouco espaço para os militares entre os representantes da capital da República. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 7

Referências Bibliográficas CARVALHO, José Murilo de. Coronelismo. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, 1930-1983. Rio de Janeiro: CPDOC/ FGV, Forense Universitária, pp. 932-934. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: Uma discussão conceitual. In: DADOS Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 40, nº 2, 1997, pp. 229-250.. "As Forças Armadas na Primeira República: o poder desestabilizador." In: FAUSTO, Boris (dir.) História Geral da Civilização Brasileira, tomo 3: O Brasil Republicano, 1982.. Forças armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. CASTRO, Celso, SOARES, Gláucio Ary Dilon e D ARAÚJO, Maria Celina Soares. Visões do golpe: a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.. Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.. A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995. COELHO, Edmundo Campos. A Instituição Militar no Brasil: um ensaio bibliográfico. In: BIB, n.º 19, 1985. DRUMMOND, José Augusto. A Coluna Prestes - rebeldes errantes. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Tudo é história, 103).. O movimento tenentista: intervenção militar e conflito hierárquico (1922-1935). Rio de Janeiro: Graal, 1986. ENDERS, Armelle. Pouvoirs et Federalisme au Bresil (1889-1930). Paris: Université de Paris-Sorbonne, 1993. (Tese de Doutorado) FAUSTO, Boris. Estado e burguesia agro-exportadora na Primeira República: Uma revisão historiográfica. In: Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, nº 27, jul. 1990. FERREIRA, Marieta de Moraes, GOMES, Ângela de Castro. Primeira República: Um balanço historiográfico. In: Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Vértice, vol.1, nº 4, 1989, pp. 244-280. FERREIRA, Marieta de Moraes. Em Busca da Idade do Ouro: as elites políticas fluminenses na Primeira República. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994. FICO, Carlos. Além do golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004.. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001. FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e Política (tenentismo e camadas médias urbanas ma crise da Primeira República). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.. Tenentismo e Aliança Liberal (1927-1930). São Paulo: Ed. Pólis, 1978. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH São Paulo, julho 2011 8

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