Evolução da performance de meio-fundistas Brasileiros da formação ao pico de rendimento: um estudo piloto

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Transcrição:

RBCDH DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1980-0037.2013v15n5p570 artigo original Evolução da performance de meio-fundistas Brasileiros da formação ao pico de rendimento: um estudo piloto Performance progression in Brazilian middle-distance runners from early training to peak performance: a pilot study Andrigo Zaar 1 Victor Machado Reis 1 Diogo Roberto Oliveira 1 António José Silva 1 Resumo O objetivo deste estudo foi analisar a evolução da performance dos corredores de Meio-Fundo Brasileiros com base na progressão dos resultados desportivos obtidos no processo de formação e no pico de rendimento. A amostra constituiu-se dos dez melhores tempos dos rankings nacionais de 2001 a 2010, alcançados pelos corredores nas provas de MF, na faixa etária de 15 a 19 anos, do sexo masculino. Os resultados expressos pelo modelo matemático encontrado apresentam para os 800m aos 15 anos: 119,14±1,79s; 16 anos: 114,36±1,07s; 17 anos: 113,25±1,81s; 18 anos: 110,71±1,60s; 19 anos: 109,73±1,17s. Para os 1.500m constatou-se uma predição da performance aos 15 anos em: 253,89±4,84s; 16 anos: 243,40±1,67s; 17 anos: 238,53±1,55s; 18 anos: 232,49±1,59s; 19 anos: 230,48±2,28s. Conclui-se que a idade ótima de obtenção dos melhores resultados desportivos para os corredores de MF do sexo masculino, no Brasil, em provas de 800m, apresenta-se aos 22.69±0.42 anos e nas provas de 1.500m aos 22.29±0.34 anos. Estes valores situam-se no limite inferior do referido na literatura. Palavras-chave: Atletismo; Performance esportiva; Treinamento. Abstract The aim of this study was to evaluate performance progression in Brazilian middle-distance runners based on the progression of their sports results from early training to peak performance. The sample consisted of the 10 best performance times (800 m and 1500 m) achieved by male runners aged 15 to 19 years in national rankings between 2001 and 2010. The 800-m performance times estimated with the models were 119.14±1.79 s at 15 years of age; 114.36±1.07 s at 16 years; 113.25±1.81 s at 17 years; 110.71±1.60 s at 18 years, and 109.73±1.17 s at 19 years. The prediction of 1500-m performance was 253.89±4.84 s at 15 years of age; 243.40±1.67 s at 16 years; 238.53±1.55 s at 17 years; 232.49±1.59 s at 18 years, and 230.48±2.28 s at 19 years. It is concluded that Brazilian male middle-distance runners achieve their best performance at 22.69±0.42 years of age in the 800-m event and at 22.29±0.34 years in the 1500-m event. These values are within the lower limit described in the literature as optimal age. Key words: Athletics; Sports performance; Training. 1 Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Departamento de Ciências do Desporto, Exercício e Saúde. Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano. Vila Real, Portugal. Recebido em 14/07/12 Revisado em 14/01/13 Aprovado em 05/02/13 CC BY Licença Creative Commom

INTRODUÇÃO Desde 1979, data dos primeiros grandes êxitos de Agberto Guimarães, até 1991, com as medalhas conquistadas no Campeonato Mundial de Atletismo em Tóquio, que o Meio-Fundo (MF) Brasileiro não obtêm sucesso internacional. Esta lacuna justifica a procura de possíveis respostas e justificações para tal fenômeno. Assim, a investigação nesta área do conhecimento (desempenho no Atletismo) tem sido enfatizada, preferencialmente, sobre o MF de alta competição e/ou elite, na tentativa de lhe transmitir mais sustentação factual. Pode-se citar como exemplos o âmbito da metodologia do treino 1,2, da bioenergética na corrida 3, da caracterização fisiológica, antropométrica e motora 4,5 e ainda, sobre controle do treino 6,7. No que tange à investigação da análise da performance (desempenho esportivo), esta tem sido feita com recurso a modelação matemática em diferentes modalidades, como no âmbito do Ciclismo 8,9, da Natação 10,11, na análise do lançamento do dardo 12, na comparação de várias modalidades esportivas 13 e também na previsão dos resultados em provas do Atletismo 14,15. A crescente importância atribuída ao sucesso desportivo bem como o prestígio rapidamente conseguido no processo desportivo, tem levado um vasto número de crianças e jovens a aderir à prática desportiva, sendo submetidos por vezes, a programas de treino de elevada intensidade e duração, nem sempre compatíveis e ajustados às suas necessidades 1. Apesar da evolução da metodologia do treino desportivo estar consolidada, o desporto nos jovens parece continuar, ao que tudo indica, a enquadrar-se e a reger-se segundo as práticas do desporto dos adultos. Com efeito, é comum a tendência de adaptar o treinamento de adultos com a introdução de ligeiras alterações e adaptações de alcance pedagógico muito duvidoso. Globalmente, o treino de crianças e jovens no Atletismo parece acompanhar, na prática, as tendências do treino observadas nos adultos. Face ao panorama aqui desenhado e às muitas questões que carecem de resposta, constitui-se como propósito do estudo contribuir para o enquadramento do MF Brasileiro em termos da evolução típica da performance ao longo dos anos de trenamento. Com efeito, uma primeira abordagem à caracterização do processo de treino e competição no MF pode ser realizada através do estudo da evolução global dos resultados desportivos. Neste contexto, o objetivo deste estudo foi analisar a evolução da performance dos corredores de MF Brasileiros com base na progressão dos resultados desportivos obtidos no processo de formação e no pico de rendimento. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A pesquisa foi do tipo descritiva, com dados quantitativos e com recurso retrospectivo a bases de dados existentes. A amostra foi constituída pelos dez melhores tempos dos rankings nacionais brasileiros dos últimos 10 anos (entre 2001 e 2010), alcançados por atletas corredores do sexo masculino, nas provas de 800m e 1.500m Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2013, 15(5):570-577 571

Evolução da performance em Meio-Fundistas Brasileiros Zaar et al. por idade (desde os 15 até os 19 anos). Os dados foram retirados pela Confederação Brasileira de Atletismo 16. Após as recolhas dos dados correspondentes, estes foram organizados com o seguinte procedimento: cálculo da média e respectivo desvio padrão dos dez melhores tempos, compreendidos entre 2001 e 2010, nas provas de 800m e 1.500m rasos. Modelação matemática Para o cálculo da idade ótima de obtenção dos resultados desportivos por distância, foi aplicado o seguinte modelo matemático 17 : Etapa 1 - Consiste na conversão dos tempos analisados, para um sistema de pontuação. O sistema de pontuação é baseado numa função que respeita uma modelação matemática no qual o Recorde Nacional Absoluto (RNA) para cada prova recebe um valor equivalente a um escore de 1.000 pontos. Desta forma, uma constante (Cprova) específica, para as provas de 800m e 1.500m, foi calculada. C prova = RNA 3 prova *1000 Com o valor numérico de cada constante sendo conhecido, a cada Tempo Individual (TI) foi atribuído uma Pontuação Individual Correspondente (PIC), respeitando a seguinte função: PIC = C * TI prova 3 Etapa 2 - No sentido de relativizar a pontuação da prova de acordo com a idade em questão, foi utilizada a média de tempos dos 10 melhores corredores para todas as idades, retirada da tabela de rankings atualizado da CBAt. Este procedimento possibilitou que a pontuação correspondente a um determinado tempo fosse coerente com o constrangimento que é fornecido pelo recorde nacional absoluto na referida prova e coerente com a idade no qual este tempo foi obtido. Análise estatística Para o cálculo de predição da idade ótima de obtenção dos resultados, foi utilizado um modelo de regressão linear, nos 5 pares de dados conhecidos (idade e pontuação média dos 15 até os 19 anos de idade), obtendo-se assim a idade na qual a pontuação de 1.000 pontos (correspondente ao recorde nacional absoluto) seria atingida. RESULTADOS Na tabela 1, são detalhadas as marcas que serviram de base à construção do modelo de regressão, em cada uma das 2 distâncias. Na tabela 2, são apresentados os resultados que decorreram da análise dos rankings para os corredores de MF Brasileiros, com o cálculo da respectiva idade de 572

obtenção das melhores marcas por prova. Estes tendem a obter as suas melhores marcas entre 22-23 anos em ambas as provas. Tabela 1. Resultados dos 10 melhores do ranking de cada prova por idade. Prova Idade (anos) Média (s) Velocidade Média (km/h) ± desvio padrão 15 119,14 24,17 1,79 16 114,36 25,19 1,07 800m 17 113,25 25,43 1,81 18 110,71 26,01 1,60 19 109,73 26,24 1,17 15 253,89 21,26 4,84 16 243,40 22,18 1,67 1500m 17 238,53 22,63 1,55 18 232,49 23,22 1,59 19 230,48 23,42 2,28 Tabela 2. Equações de regressão linear para obtenção da idade da melhor marca Prova Equação ajustamento linear Idade predita R R² Erro padrão da estimativa 800m Idade=0,022*pontuação+0,694 22,69 0,973 0,946 0,423 1500m Idade=0,019*pontuação+3,29 22,29 0,982 0,964 0,347 Ao analisar a evolução dos resultados desportivos ao longo do tempo (Figura 1), verifica-se uma tendência similar, tanto nos 800m quanto nos 1.500m. Nas Figuras 2 e 3, confrontam-se os valores reais em cada prova com os valores preditos pelos modelos matemáticos, em função da idade. Figura 1. Evolução da performance (point score) com a idade nas duas distâncias de prova. Figura 2. Representação das marcas preditas através do modelo matemático proposto para os 800m Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2013, 15(5):570-577 573

Evolução da performance em Meio-Fundistas Brasileiros Zaar et al. Figura 3. Representação das marcas preditas através do modelo matemático proposto para os 1.500m DISCUSSÃO O objetivo deste estudo foi analisar a evolução da performance dos corredores de Meio-Fundo Brasileiros com base na progressão dos resultados desportivos obtidos no processo de formação e no pico de rendimento. O que nos levou a este estudo foi a busca de subsídios para uma resposta à seguinte questão: porque o MF Brasileiro conseguiu durante as duas últimas décadas do Século XX manter um elevado nível de resultados desportivos que agora parecem difíceis de atingir? Os resultados do presente estudo indicam que os corredores de MF do gênero masculino no Brasil tendem a obter as suas melhores marcas em torno dos 22-23 anos, o que está de acordo com a generalidade da biografia dos corredores de MF em nível mundial, que obtiveram os melhores resultados entre 23-27 anos 18. Em todo caso, é de realçar que os valores expressos se encontram no limite inferior da variação acima indicada, o que aconselha uma análise cautelosa à curva de crescimento dos resultados em função da idade. Partindo do pressuposto que a estruturação racional da preparação da carreira desportiva, visando o alcance dos melhores resultados desportivos deve mediar entre 8-12 anos de treino especializado, os nossos resultados levam-nos a identificar a idade de início de treino especializado dos MF masculinos no Brasil como sendo em torno dos 12 anos, o que está abaixo do proposto na literatura especializada 18. Assim, ou os atletas Brasileiros tendem a iniciar a sua especialização demasiado cedo, ou então, iniciam na idade recomendada (14-15 anos), mas depois a estruturação do treino impede que a progressão continue durante os 10 ou mais anos necessários para se atingir o pico de performance. A necessidade de se começar a treinar cedo de forma específica resulta normalmente de uma deficiente compreensão dos princípios básicos que regem a preparação desportiva a longo prazo 2. Estudos conduzidos sobre os participantes Pré-Mirins e Mirins, que representaram as diversas associações de Portugal, nas finais nacionais de 1987 do Campeonato Português de Pista e de Cross Country, são exemplo disso, ao identificarem crianças que começam a ser especialistas em provas de MF e Fundo, aos 6 anos 7. Já na França se observa outra tendência, foram estudados retrospetivamente os 20 melhores atletas franceses de todas as 574

disciplinas do Atletismo no ano de 1994. Verificou-se que a idade média de início do Atletismo foi, para todas as disciplinas, de 13.9 ±1.4 anos 1. Com base na análise da modelação das curvas de crescimento dos resultados desportivos e da idade ótima de obtenção dos melhores resultados nas provas de MF, é possível definir em termos operacionais uma metodologia para a definição de objetivos a longo e médio prazo (plano de carreira e etapas de formação desportiva) e a curto prazo (época de treino). A estruturação de um plano de carreira com base no estabelecimento de objetivos de performance é realmente o que é seguido universalmente em todos os esportes. Só que a forma como se definem esses objetivos é que nem sempre se revela adequada e conduz por consequência ao insucesso esportivo. A gestão do resultado desportivo mediante o sucesso ou fracasso no desempenho de uma tarefa competitiva tem sido defendida na Natação 19,20. No caso do Atletismo, pelo menos no caso das corridas, parece-nos que esta abordagem é igualmente necessária. A abordagem feita neste estudo permitiu identificar possíveis fontes de desajustes temporais na estruturação da carreira desportiva dos corredores Brasileiros de MF. De realçar que este fenômeno (possível desajuste na estruturação da carreira) é algo comum nos melhores atletas jovens da América e do Mundo, nas categorias jovens, nas quais se observa incapacidade de confirmar bons resultados enquanto atletas adultos. Este fato poderá ser evitado se o planejamento da metodologia do treino for dividido em etapas, afastando a hipótese de especialização precoce, e contribuindo para o alcance da máxima performance no futuro 1,21. Naturalmente que a progressão da performance durante as idades consideradas neste estudo, devem-se não apenas ao processo de treinamento, mas também à própria maturação física e crescimento. A efetividade do treino aeróbio é maior, na altura em que se atinge o pico da velocidade de crescimento nos rapazes (até aos14 anos). Biologicamente, isto parece ter sentido, tendo em conta as alterações que se verificam na função endócrina neste estágio de desenvolvimento, esta é uma das razões porque o trabalho aeróbio dos corredores tem prioridade sobre o trabalho anaeróbio, isto apesar dos valores do VO 2 máximo expressos relativamente ao peso corporal se manterem relativamente estáveis ou decrescerem com a idade, a capacidade aeróbia melhora de forma constante durante o crescimento 19. Todavia, uma vez que a partir dos 15 anos já foi ultrapassado, na maioria dos casos, o pico de velocidade de crescimento, os processos de maturação perdem influência da aptidão física. Com efeito, o ritmo de crescimento máximo da estatura e massa corporal é atingido aproximadamente por volta dos 14 anos nos rapazes e tem influências profundas no desenvolvimento das capacidades motoras 19, com a melhoria substancial dos valores de resistência, força, velocidade, potência entre outras 18, refletindo-se este fato na performance competitiva 21. A existência de um segundo salto pubertário 19, pode igualmente ajudar a compreender os resultados (Figura 1). Pela análise dos resultados e da literatura, pode-se verificar que se assiste a um segundo salto evolutivo nos resultados desportivos, que pode ter ocorrido simultaneamente com esse fenômeno biológico. Este fenômeno verifica-se, sobretudo, nos rapazes nos quais se observam Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2013, 15(5):570-577 575

Evolução da performance em Meio-Fundistas Brasileiros Zaar et al. grandes aumentos na capacidade de produção de força 19, incremento este com influência consequente na capacidade de velocidade e na performance. CONCLUSÕES A idade ótima de obtenção dos melhores resultados desportivos para os corredores de MF do gênero masculino, no Brasil, em provas de 800m, apresenta-se aos 22,69 ± 0,42 anos e nas provas de 1.500m aos 22,29 ± 0,34 anos. Estes valores situam-se no limite inferior do referido na literatura. São requeridos mais estudos para confirmar esta tendência. A confirmar-se estes resultados, eles poderiam representar um desajuste temporal entre o período ótimo de maturação física e técnica dos corredores de MF Brasileiros e as exigências que os mesmo enfrentam no seu treino e competição. Conclui-se, também, que os resultados desportivos parecem apresentar dois pontos de declínio da performance aos 15 e 19 anos, o que também merece futura confirmação e reflexão. Futuras pesquisas sobre a influência do treino e maturação física na evolução da performance com a idade, deverão ter em consideração outras variáveis, como o tempo de treino e a idade do início do processo de treino. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Borin JP, Gonçalves A. Alto nível de rendimento: a problemática do desempenho desportivo. Rev Bras Ciênc Esporte 2004;26(1):9-17. 2. Cafruni C, Marques A, Gaya A. Análise da carreira desportiva de atletas das regiões sul e sudeste do Brasil. Estudo dos resultados desportivos nas etapas de formação. Rev Port Cien Desp 2006;(6):55-64. 3. Caputo F, Oliveira MFM, Greco CC, Denadai BS. Exercício aeróbio: aspectos bioenergéticos, ajustes fisiológicos, fadiga e índices de desempenho. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2009;11(1):94-102. 4. Hegg RV. Estudo antropométrico - campeonato juvenil de atletismo - São Paulo. Rev Bras Ciênc Esporte 1982;(3):63-79. 5. Kruel LFM, Tartaruga LAP, Coertjens M, Oliveira AS, Ribas LR, Tartaruga MP. Influência das variáveis antropométricas na economia de corrida e no comprimento de passada em corredoras de rendimento. Motriz 2001;13(1):01-06. 6. Gomes AC, Suslov FP, Nikitunskin, V.G. Atletismo: Preparação de corredores juvenis nas provas de meio-fundo. Londrina: CID, 1995. 7. Colaço P. Métodos de avaliação da prestação anaeróbia. Treino Total. 2000;1:22-6. 8. Underwood L, Jermy M. Mathematical model of track cycling: the individual pursuit. Procedia Engineering 2010;2(32):17-22. 9. Martin JC, Gardner AS, Barras M, Martin DT. Modeling sprint cycling using field- -derived parameters and forward integration. Med Sci Sports Exerc 2006;592-97. 10. Avalos M, Hellard P, Chatard JC. Modeling the training-performance relationship using a mixed model in elite swimmers. Med Sci Sports Exerc 2003;(35):838-46. 11. Okičić T, Madić D, Dopsaj M, Đorđević M. The math modeling of the stages of result development in high profile elite swimmers for the 50m, 100m, 200m, 400m and 1500m freestyle. Phys Educ Sport 2007;5(2):121-37. 12. Maryniak J, Kozdraś EL, Golińska E. Mathematical modeling and numerical simulations of javelin throw. Hum Mov 2009;10(1):16-20. 576

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