A recente queda da desigualdade de renda no Brasil: análise de dados da PNAD, do Censo Demográfico e das Contas Nacionais



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Transcrição:

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney A recente queda da desigualdade de renda no Brasil: análise de dados da PNAD, do Censo Demográfico e das Contas Nacionais Rodolfo Hoffmann * Marlon Gomes Ney ** Resumo Tendo em vista os conceitos clássicos relativos à distribuição funcional da renda, o artigo discute as principais restrições dos dados da PNAD, Censo Demográfico e do Sistema de Contas Nacionais (SCN) para o estudo da desigualdade da distribuição de renda no Brasil, procurando analisar até que ponto elas podem afetar o diagnóstico da evolução dessa desigualdade. Entre as restrições indicadas, pode-se destacar que o montante denominado renda do trabalho nas pesquisas domiciliares compreende não só o pagamento da força de trabalho da população relativamente pobre, que é uma parcela progressiva da renda total, como também os rendimentos altamente regressivos na forma de salários de altos executivos, lucros e renda da terra. Quanto à recente diminuição da desigualdade, que de fato aconteceu, pode-se explicá-la pela diminuição da razão de concentração da renda de diversos componentes do rendimento domiciliar, principalmente da renda do trabalho dos empregados, da renda de juros e bolsa família e de aposentadorias e pensões. Assim, por meio da decomposição do índice de Gini, mostra-se que a redução da desigualdade é compatível com a ligeira queda na participação da remuneração dos empregados e o pequeno aumento da participação do excedente operacional bruto no PIB, registrados no SCN. Palavras-chave desigualdade, distribuição de renda, contas nacionais, Brasil. JEL D31, D33, I32, I38. 1. Introdução A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada anualmente pelo IBGE, permite acompanhar a evolução da distribuição * Professor do Instituto de Economia da UNICAMP. ** Professor do Centro de Ciências do Homem da UENF.

A recente queda da desigualdade de renda no Brasil da renda no Brasil. A análise dos dados da pesquisa mostra, no período 1995-2006, uma redução significativa da desigualdade de rendimentos, tanto para a distribuição da renda do trabalho quanto para a distribuição da renda domiciliar per capita, que inclui ganhos de aposentadorias, pensões, aluguéis, juros, bolsas e outros. Informações sobre a renda captadas por meio de questionários estão sempre sujeitas a erros substancias de declaração. Há uma tendência geral de subdeclarar as rendas. A maior parte dos rendimentos recebidos pelo capital em forma de juros e dividendos é omitida. De acordo com estudo de Barros et al. (2006), a renda de ativos no Sistema de Contas Nacionais (SCN) é quase quatro vezes superior ao valor captado na PNAD. No caso da renda do trabalho, por sua vez, é muito difícil captar valores de rendimentos eventuais e em espécie, tais como 13 o salário, indenizações, vendas ocasionais, e auxílio-transporte e auxílio-alimentação. Dessa forma, não deixa de ser razoável manter algum grau de desconfiança em relação a resultados obtidos por meio de pesquisas domiciliares. É interessante recordar, nesse contexto, o que ocorreu logo depois que os trabalhos de Hoffmann e Duarte (1971 e 1972) e Fishlow (1972) constataram o intenso processo de concentração da renda durante a década de 1960, com base nos dados dos Censos Demográficos de 1960 e 1970. Ninguém menos do que Mario Henrique Simonsen, depois de assinalar o extraordinário crescimento da economia brasileira a partir de 1968, afirmou que diante do sucesso econômico era inevitável surgir algum tipo de contestação. E ela havia se concentrado nos aspectos distributivos do crescimento. Após listar várias limitações dos dados censitários, concluiu ele que o debate sobre o aumento de concentração de renda de 1960 a 1970 só podia ser sustentado com uma boa dose de leviandade estatística (SIMONSEN, 1972, p. 50). Citando resultados obtidos por Hoffmann (1971) e Duarte (1971), afirmou que a evidência estatística apoiava a conjectura, mas não provava o aumento da desigualdade de renda no país. Apenas depois da publicação do livro de Langoni (1973) é que passou a haver concordância a respeito do aumento da desigualdade entre 1960 e 1970, e a questão polêmica passou a ser a identificação das causas do fenômeno. Hoje a dúvida novamente ronda a mudança na distribuição

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney de renda no país, só que agora ela envolve a queda da desigualdade. Para avaliar se de fato ela ocorreu recentemente no Brasil, mais especificamente no período 2001-2006, cabe considerar outras informações, além das fornecidas pela PNAD. As análises sobre a reeleição de Lula em 2006, por exemplo, indicam que o voto foi afetado pela relativa melhora da situação econômica da população de baixa renda, uma melhora que, sem ter sido acompanhada de um crescimento substancial da renda nacional per capita, só pode ser atribuída à redução da desigualdade da distribuição da renda. Mesmo tendo visto seu governo envolvido em alguns escândalos, Lula venceu em 20 dos 27 estados brasileiros, obtendo um percentual bem maior de votos nas duas regiões mais pobres do país, o Norte e Nordeste, que nas duas regiões mais ricas, o Sul e Sudeste. Em estados com grande incidência de pobreza, tais como Maranhão, Piauí e Bahia, teve, respectivamente, 84%, 77% e 78% dos votos válidos. Provavelmente o principal dado objetivo usado para colocar em dúvida a recente queda na desigualdade da distribuição da renda no Brasil é a redução da participação dos salários na renda apurada pelo Sistema de Contas Nacionais, elaborado pelo IBGE. Trata-se de uma informação sobre distribuição funcional da renda que indicaria um aumento da concentração da renda, já que para os economistas clássicos (e Marx) o salário é a forma de remuneração dos relativamente pobres, em contraposição a juros, lucros e renda da terra, típicas formas de rendimento de classes relativamente ricas. Como entender essa aparente contradição entre as duas fontes de informação do IBGE? Na próxima seção serão apresentados os índices de desigualdade obtidos da PNAD, que mostram a redução na desigualdade no período 1995-2006. As seções seguintes analisam as terminologias usadas pelo IBGE na PNAD e no Censo Demográfico de 2000, discutindo suas interpretações em termos de distribuição funcional da renda. Na seção 5 discute-se o significado da distribuição funcional da renda obtida no Sistema de Contas Nacionais. A seção 6 expõe as principais conclusões apresentadas ao longo do artigo.

10 A recente queda da desigualdade de renda no Brasil 2. Evolução da desigualdade no período 1995-2006 de acordo com dados da PNAD Para todos os anos da PNAD foram utilizados os microdados fornecidos pelo IBGE, considerando sempre a última versão disponível para os fatores de expansão associados a cada observação da amostra. Até 2003 a PNAD não cobria a área rural da antiga região Norte. A fim de manter a comparabilidade dos resultados ao longo do tempo, nas PNAD de 2004 a 2006 foram desconsiderados os dados referentes à área rural da antiga região Norte. Os dados da PNAD permitem analisar a evolução da desigualdade das seguintes distribuições: a) do rendimento domiciliar per capita (RDPC), definido como o cociente entre a renda domiciliar e o número de pessoas residentes no domicílio, excluindo pensionistas, empregados domésticos e parentes de empregados domésticos, e considerando apenas os domicílios particulares permanentes com declaração de rendimento; b) do rendimento mensal de todas as fontes por pessoa economicamente ativa com rendimento positivo (PEA com renda positiva); c) do rendimento mensal de todas as fontes para a PEA total (PEA com declaração de rendimento, incluindo os que declararam rendimento nulo); d) do rendimento mensal de todos os trabalhos das pessoas ocupadas com rendimento no trabalho (POC). A Tabela 1 mostra a variação do índice de Gini e da medida T de Theil para as quatro distribuições de renda definidas anteriormente, de 1995 a 2006. A Figura 1 permite visualizar graficamente as variações nos índices de Gini de cada distribuição. Conforme se pode observar, para a renda domiciliar per capita (RDPC) a queda no índice de Gini entre 1995 e 2001 é muito pequena, e apenas a partir de 2001 se verifica uma clara tendência decrescente. Para as outras três distribuições analisadas, é possível considerar que há uma tendência de redução da desigualdade ao longo de todo o período 1995-2006. Percebe-se ainda, em 2005, uma desaceleração do ritmo de redução da desigualdade medida pelo índice de Gini. Quando medida pelo T de Theil, índice mais sensível a mudanças na cauda direita da distribuição, a desigualdade entre as pes-

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney 11 soas economicamente ativas (PEA) e entre pessoas ocupadas com renda no trabalho (POC) chega a apresentar ligeiro crescimento em 2005. 1 Todas as medidas de desigualdade analisadas voltam, porém, a mostrar redução de 2005 a 2006. Tabela 1. Valor do índice de Gini e do T de Theil para a desigualdade na distribuição da renda domiciliar per capita (RDPC), do rendimento mensal total de pessoas economicamente ativas com rendimento positivo (PEA) ou incluindo os sem-rendimento (PEA total), e do rendimento de todos os trabalhos das pessoas ocupadas com rendimento no trabalho (POC). Brasil, (1) 1995-2006. Ano Índice de Gini para T de Theil para RDPC PEA PEA total POC RDPC PEA PEA total POC 1995 0,599 0,589 0,662 0,585 0,727 0,710 0,907 0,698 1996 0,600 0,584 0,657 0,580 0,726 0,698 0,889 0,687 1997 0,600 0,584 0,659 0,580 0,731 0,703 0,902 0,690 1998 0,598 0,581 0,659 0,575 0,728 0,697 0,903 0,677 1999 0,592 0,572 0,655 0,567 0,706 0,666 0,881 0,650 2001 0,594 0,571 0,642 0,566 0,720 0,680 0,862 0,664 2002 0,587 0,569 0,637 0,563 0,705 0,670 0,843 0,655 2003 0,581 0,561 0,630 0,554 0,680 0,652 0,824 0,635 2004 0,569 0,553 0,616 0,547 0,656 0,637 0,791 0,623 2005 0,566 0,550 0,616 0,544 0,650 0,641 0,800 0,624 2006 0,559 0,546 0,605 0,541 0,634 0,630 0,769 0,616 Fonte: Elaboração dos autores. Nota: (1) Exclusive as áreas rurais de RO, AC, AM, RR, PA e AP.

12 A recente queda da desigualdade de renda no Brasil Figura 1. A queda do índice de Gini da distribuição da renda no Brasil (1) de 1995 a 2006. Fonte: Elaboração dos autores. Nota: (1) Exclusive as áreas rurais de RO, AC, AM, RR, PA e AP. É compreensível que a desigualdade da RDPC mostre um comportamento distinto do observado para a PEA ou para as pessoas ocupadas, pois as duas últimas distribuições refletem mais diretamente o que ocorre no mercado de trabalho. As pessoas inativas, que recebem aposentadorias e pensões, são abrangidas no cálculo da RDPC, mas estão excluídas das outras três distribuições analisadas. A distribuição da RDPC também é afetada pela composição das famílias: número de crianças, idosos e pessoas economicamente ativas. Nota-se ainda que, embora o índice de Gini da distribuição da renda da PEA total seja sempre maior do que o da PEA com renda positiva, ambos apresentam a mesma tendência de redução ao longo do período analisado, mostrando que as variações no desemprego não chegaram a inverter o sentido das variações na desigualdade (exceto no período 1996-1998). A seguir serão analisadas mais pormenorizadamente as mudanças na distribuição da renda domiciliar per capita entre 2001 e 2006. Foi constatado, na Tabela 1, que o índice de Gini da distribuição do rendimento

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney 13 domiciliar per capita (RDPC) cai de 0,594 em 2001 para 0,559 em 2006. Essa redução de 3,5 pontos percentuais em 5 anos pode parecer pequena, mas cabe assinalar que o valor absoluto de sua intensidade anual é semelhante ao do crescimento de 8 pontos percentuais do índice de Gini do rendimento da PEA no Brasil na década de 1960, cuja determinação mereceu grande destaque na literatura sobre distribuição de renda e no debate político. Outros indicadores de desigualdade apontam no mesmo sentido. A porcentagem da renda apropriada pelos 10% mais ricos cai de 47,2% em 2001 para 44,4% em 2006, ao mesmo tempo que a porcentagem da renda total recebida pelos 5% mais ricos cai de 33,8% para 31,6%. Em 2001, a porcentagem da renda total apropriada pelo 1% mais rico (13,8%) ainda era maior que a porcentagem da renda apropriada pelos 50% mais pobres (12,7%). A situação se inverte em 2006, ficando 12,6% para o centésimo mais rico e 14,7% para a metade mais pobre. O índice T de Theil diminui de 0,720 em 2001 para 0,634 em 2006. Para comparar os rendimentos de diferentes anos, eles serão expressos em reais de agosto de 2007, utilizando o INPC como deflator. Como a PNAD levanta o rendimento de setembro e a maioria das pessoas recebe o pagamento no início de outubro, obtém-se um deflator para início de outubro calculando a média geométrica entre os valores do INPC de setembro e outubro. 2 A Tabela 2 mostra o valor médio do RDPC na população e em seis estratos delimitados por percentis. Cada um dos quatro primeiros estratos inclui 20% da população, ordenada conforme valores crescentes do RDPC. Assim, o primeiro estrato é o quinto mais pobre. O quinto estrato é formado pelos 10% da população delimitados pelo oitavo e pelo nono decil. Finalmente, o sexto estrato é constituído pelos 10% mais ricos. Cabe ressaltar que os limites entre estratos variam de ano para ano. O valor do quarto decil (o limite entre o segundo e o terceiro estrato) aumenta de R$ 179,1 em 2001 para R$ 225,6 em 2006, ao mesmo tempo que o nono decil (o limite entre o quinto e o sexto estrato) aumenta de R$ 983,6 para R$ 1.061,0.

14 A recente queda da desigualdade de renda no Brasil Tabela 2. Evolução do rendimento médio para seis estratos da distribuição da renda domiciliar per capita. Brasil (1), 2001-2006. Estrato Renda média em R$ de agosto/2007 Variação % 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2001-2004 2001-2006 Quinto mais pobre 53,6 58,3 55,2 62,2 67,9 76,9 16,0 43,5 Segundo quinto 134,1 137,4 132,6 144,0 154,6 174,5 7,4 30,1 Terceiro quinto 235,4 237,8 229,7 244,0 262,2 291,5 3,7 23,8 Quarto quinto 412,0 413,5 395,5 414,2 438,3 480,6 0,5 16,7 Nono décimo 741,5 738,6 700,3 721,6 754,6 827,2 2,7 11,6 Décimo mais rico 2.156,7 2.142,7 1.982,8 2.004,1 2.129,0 2.298,7 7,1 6,6 Total 456,9 457,6 430,9 445,4 472,9 517,3 2,5 13,2 Fonte: Elaboração dos autores. Nota: (1) Exclusive as áreas rurais de RO, AC, AM, RR, PA e AP. O rendimento médio para toda a população permanece praticamente o mesmo em 2001 e 2002, cai em 2003, se recupera parcialmente em 2004, e cresce 6,2% em 2005 e mais 9,4% em 2006. No período 2001-2004 esse rendimento médio diminui 2,5%, mas ele cresce 13,2% entre 2001 e 2006. Devido à redução na desigualdade, o comportamento da renda mediana é mais favorável que o da renda média: ela aumenta de R$ 230,2 em 2001 para R$ 257,6 em 2005 (crescimento de 11,9%) e para R$ 287,2 em 2006 (crescimento de 24,7% em relação a 2001). A tabela 2 mostra que, entre 2001 e 2004, aumentou a renda média dos três primeiros estratos e diminuiu a renda média dos dois últimos estratos. A variação no rendimento médio é de 16,0% para o quinto mais pobre e 7,1% para os 10% mais ricos. Os pobres ficaram menos pobres e os relativamente ricos se tornaram menos ricos no período 2001-2004. Considerando, por sua vez, todo o período 2001-2006, no qual a média geral cresceu 13,2%, verifica-se, novamente, que o crescimento percentual da renda média dos estratos é tanto menor quanto mais alto é o nível de renda. Enquanto a renda média do quinto mais pobre cresce 43,5%, a renda média do décimo mais rico cresce apenas 6,6%.

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney 15 Em lugar de comparar, ao longo do tempo, estratos com determinadas porcentagens da população, pode-se delimitar os estratos por valores constantes. A Tabela 3 mostra a evolução do número e da proporção de pessoas cuja renda domiciliar per capita (RDPC), em valor real de agosto de 2007, é igual ou menor que R$ 100,00, e, também, duas medidas de pobreza que levam em consideração sua intensidade: o índice de Sen e o índice de Foster, Greer e Thorbecke (FGT). Nota-se que a linha de pobreza é representada pelos mesmos R$ 100,00. Para o outro extremo da distribuição, a Tabela ainda mostra a evolução do número e da proporção de pessoas com RDPC acima de R$ 2.000,00, sempre considerando valores reais em moeda de agosto de 2007. Tabela 3. Porcentagem e número de pessoas com renda domiciliar per capita (RDPC), em valor real de agosto de 2007, igual ou abaixo de R$ 100,00 e acima de R$ 2.000,00, e medidas de pobreza. Brasil (1), 2001-2006. Estrato e variável 2001 2002 2003 2004 2005 2006 RDPC 100 Pessoas, milhões 36,12 34,81 37,66 33,23 29,25 24,73 % 21,8 20,6 22,0 19,2 16,5 13,8 Índice de Sen (2) 0,1286 0,1152 0,1250 0,1058 0,0916 0,0764 Índice FGT (3) 0,0577 0,0490 0,0542 0,0446 0,0387 0,0323 RDPC > 2000 Pessoas, milhões 5,49 5,81 5,06 5,11 5,83 6,92 % 3,3 3,4 2,9 2,9 3,3 3,9 Fonte: Elaboração dos autores. Notas: (1) Exclusive as áreas rurais de RO, AC, AM, RR, PA e AP. (2) Índice de pobreza de Sen, com linha de pobreza de R$ 100. (3) Índice de pobreza de Foster, Greer e Thorbecke com linha de pobreza de R$ 100 (em moeda de agosto de 2007). Verifica-se que tanto o número e a proporção de pobres (RDPC R$ 100,0) quanto o número e a proporção de ricos (RDPC > R$ 2.000,0) diminuem de 2001 a 2004. Com crescimento de 16,1% na renda média, entre 2004 e 2006, ocorre uma redução mais significativa da pobreza absoluta, fazendo com que o número e a proporção de pobres em 2006 sejam bem menores que em 2001. No período 2001-2006, a queda relativa nos valores do índice de pobreza de Sen e da medida FGT é mais intensa do que na

16 A recente queda da desigualdade de renda no Brasil proporção de pobres. Por outro lado, o crescimento da renda média, entre 2004 e 2006, também favorece o crescimento do número e da proporção de ricos (RDPC > R$ 2.000,0), que se tornam maiores que em 2001. 3. Categorias de rendimento na PNAD Ao divulgar os dados da PNAD, o IBGE denomina rendimento de trabalho aquele obtido por meio de qualquer atividade exercida pela pessoa, incluindo não só o salário de empregados, como também o ganho (rendimento bruto menos despesas efetuadas com o empreendimento, como pagamentos de empregados, matéria-prima, energia elétrica, telefone etc.) da pessoa que explorava um empreendimento como conta própria ou empregadora (IBGE, 2007, p. 36). No caso do empregador, certamente os economistas clássicos e Marx chamariam isso de lucro, e não de rendimento de trabalho. Não é raro que os pesquisadores, ao usarem os dados da PNAD, denominem de salários a variável que o IBGE denomina rendimento de todos os trabalhos. A rigor, só cabe chamar de salário o rendimento do trabalho de um empregado. Infelizmente, mesmo os salários não podem ser considerados exclusivamente remuneração do trabalho no sentido clássico-marxista. Na economia capitalista moderna, os altos executivos recebem salários, mas desempenham essencialmente o papel dos empresários capitalistas da época dos economistas clássicos. Na sua brilhante análise da elite do poder nos Estados Unidos, Wright Mills (1968, p. 145) assinala que os altos executivos e os muito ricos não são duas classes distintas e claramente separadas. E o que dizer dos salários dos postos mais altos na administração pública e na hierarquia militar, também incluídos na elite do poder de Wright Mills? A seguir será analisada a composição da renda declarada na PNAD de 2006, utilizando as categorias definidas pelo IBGE, mas lembrando que, com esses dados, é praticamente impossível separar a remuneração do trabalho, os lucros e a renda da terra. Ao contrário da seção anterior, como o nosso objetivo aqui não é fazer comparações com os dados das PNAD até 2003, as áreas rurais da antiga Região Norte não foram excluídas das estimativas.

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney 17 A Tabela 4 mostra a participação de onze componentes do rendimento domiciliar na renda total. As seis primeiras parcelas se referem ao valor do rendimento de todos os trabalhos (conceituação do IBGE), conforme a posição na ocupação da pessoa que recebe o rendimento. Elas constituem quase 76% da renda total declarada. Apenas a segunda, terceira e quarta parcelas se referem a assalariados (empregados), correspondendo a cerca de 50% da renda total declarada. Os outros 26% representam os ganhos dos trabalhadores por conta própria e dos empregadores. É provável que a maior parte do rendimento dos trabalhadores nessas duas posições possa ser considerada, efetivamente, remuneração do trabalho, mas certamente há outra parte importante representada por lucros e renda da terra. Tabela 4. Decomposição do rendimento domiciliar per capita, no Brasil, em 2006, em nove parcelas, e a contribuição de cada parcela para a desigualdade medida pelo índice de Gini. Parcela do rendimento Participação (ϕ h ) Razão de concentração (C h ) Parcela de G Progressividade ϕ n C h (%) (G - C h ) Renda de todos os trabalhos 0,7595 0,5636 0,4281 76,4 0,003 Empregados (1) 0,4990 0,5175 0,2582 46,1 0,043 Militar e func. público (1) 0,1063 0,7473 0,0795 14,2 0,187 Outros empregados (1) 0,3927 0,4553 0,1788 31,9 0,105 Conta própria (1) 0,1415 0,4805 0,0680 12,1 0,080 Empregador (1) 0,1190 0,8559 0,1018 18,2 0,296 Aposent. e pensões oficiais 0,1793 0,5788 0,1038 18,5 0,019 Outras aposent. e pensões 0,0152 0,5835 0,0088 1,6 0,023 Doações de outros domic. 0,0071 0,4449 0,0032 0,6 0,115 Renda de aluguéis 0,0173 0,7916 0,0137 2,4 0,231 Juros, Bolsa-família e 0,0217 0,1216 0,0026 0,5 0,439 outros (2) Total 1,0000 0,5602 0,5602 100,0 - Fonte: Elaboração dos autores. Notas: (1) Rendimento de todos os trabalhos de pessoa do domicílio classificada nessa categoria de posição na ocupação. (2) Inclui outros programas de transferências do governo.

18 A recente queda da desigualdade de renda no Brasil Se ao total do rendimento de todos os trabalhos for agregado o valor de aposentadorias e pensões, considerando-as um pagamento pelo trabalho pretérito, chega-se a 95,4% da renda total declarada. 3 Tendo em vista que perto da metade dos rendimentos da parcela juros, bolsa família e outros é composta por transferências governamentais (Bolsa-família, benefício de progressão continuada BPC, etc.), os rendimentos decorrentes exclusivamente da posse de patrimônio na forma de juros, dividendos e aluguéis não chegam a 3% da renda total declarada na PNAD. Não há dúvida de que o grau de subdeclaração varia com o tipo de rendimento: é pequeno no caso de aposentadorias e pensões oficiais, e muito elevado no caso de juros e dividendos. Uma informação minimamente confiável sobre juros e dividendos poderia ser obtida das declarações de imposto de renda, e seria altamente desejável que esses dados estivessem disponíveis para os pesquisadores, respeitando-se, obviamente, o sigilo das informações individuais. A Tabela 4 também mostra a decomposição do índice de Gini, considerando k parcelas do rendimento domiciliar per capita (RDPC). Nota-se que o componente renda de todos os trabalhos é classificado pela posição das pessoas ocupadas: renda de empregado, conta própria e empregador. Além disso, os empregados são ainda divididos em militares e funcionários públicos e outros empregados. Se todas as posições na ocupação são agregadas, tem-se k=6; se ela é dividida em três, tem-se k=8; e, quando ela separa os dois tipos de empregados, tem-se k=9. Seja x i o RDPC da i-ésima pessoa e sejam x hi as respectivas parcelas, de maneira que (1) Admite-se que as rendas x i estão ordenadas de maneira que (2) Seja µ a renda média e seja µ h o valor médio da h-ésima parcela. Pode-se definir o índice de Gini da RDPC como

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney 19 (3) A razão de concentração da h-ésima parcela é definida como (4) Seja ϕ h a participação da h-ésima parcela na renda total, isto é, (5) De (3), (4) e (5) pode-se deduzir que (6) Essa expressão mostra que o índice de Gini é uma média ponderada das razões de concentração. Se a razão de concentração de uma parcela positiva é menor do que o índice de Gini, diz-se que essa parcela é progressiva, pois ela contribui para reduzir a desigualdade. Por outro lado, se C h > G, diz-se que a parcela é regressiva. O valor de G - C h, por sua vez, é uma medida do grau de progressividade da parcela. 4 Observa-se, na Tabela 4, que as duas parcelas mais regressivas são o rendimento de aluguéis e, principalmente, de todos os trabalhos de empregadores, que, é importante lembrar, também abrangem lucros. Pelo fato de ter uma razão de concentração inferior ao índice de Gini, o rendimento do trabalho de empregados do setor privado (outros empregados) é progressivo e tem uma participação no índice de Gini (31,9%) inferior à sua participação no rendimento total (39,3%). Mesmo assim, trata-se claramente da maior contribuição para o índice de Gini, entre todas as parcelas analisadas. Agregando as parcelas referentes aos assalariados, chega-se a mais de 46% do índice de Gini, o mesmo índice

20 A recente queda da desigualdade de renda no Brasil que leva a classificar o Brasil como um país com grande desigualdade na distribuição da renda. Mesmo reconhecendo as limitações dos dados da PNAD, não há como negar a importância de analisar a desigualdade entre assalariados. A última parcela da renda da Tabela 4 abrange tanto rendas altamente regressivas, como juros e dividendos, quanto rendimentos altamente progressivos de programas oficiais de auxílio, como Bolsa-família e Renda Mínima. Apesar disso, ela é a parcela mais progressiva entre as analisadas. Estimativas da razão de concentração para o Bolsa-família mostram que ela estaria próxima de 0,5, fazendo com que a respectiva medida de progressividade supere 1 (ver Soares et al., 2006, e Hoffmann, 2007). 4. A composição do rendimento domiciliar per capita conforme dados do Censo Demográfico de 2000 O Censo Demográfico de 2000 apresenta dados estranhos na cauda inferior da distribuição da renda. Há uma proporção de domicílios com renda total declarada nula substancialmente maior do que na PNAD, o que só não representaria grave problema se essa tendência estivesse restrita às famílias com todos os membros desocupados ou com algum deles ocupado em atividade mal remunerada. Em boa parte dos casos, porém, vive no domicílio pelo menos um membro empregado como militar do exército, delegado, juiz, entre outras profissões cuja renda é relativamente alta. Outro problema dos dados do Censo é a existência de pessoas ocupadas em atividades de baixa remuneração, como auxiliar de higiene, garçom, marceneiro e vigilante, que informaram renda muito elevada, algumas até mesmo acima de R$ 100.000 por mês, colocando novamente em dúvida se o valor do rendimento declarado corresponde de fato ao recebido. A fim de contornar os dois problemas e obter um conjunto de informações mais coerentes e homogêneas sobre as características da distribuição da renda, excluímos da amostra as pessoas com renda domiciliar per capita igual a zero e as com valor maior do que R$ 30.000.

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney 21 A decisão de excluir alguns indivíduos situados nas caudas inferior e superior da distribuição da renda elimina boa parte das pessoas pobres e das pessoas muito ricas, tendendo a subestimar as medidas de desigualdade da distribuição dos rendimentos. Sua inclusão, no entanto, teria o efeito contrário e contribuiria para a superestimação do nível de desigualdade, uma vez que algumas famílias com rendimento não-declarado no Censo, particularmente as que vivem da produção para o autoconsumo, seriam consideradas sem renda, e outras com rendimento relativamente baixo teriam sua renda drasticamente superdeclarada. A Tabela 5 mostra as principais características da distribuição da renda no Brasil em sua totalidade, e nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste menos o estado de São Paulo (RJ+ES+MG), estado de São Paulo, Sul e Centro-Oeste. Apesar da exclusão das pessoas com renda domiciliar per capita igual a zero e renda superior a R$ 30.000, a desigualdade de renda medida pelo índice de Gini e T de Theil com base no Censo é maior do que nas PNADs de 1999 e 2001 (ver Tabela 1). Conforme se pode observar, a proporção da renda total apropriada pelo 1% mais rico é de 16,0%, valor substancialmente maior que a parcela apropriada pela metade mais pobre da população, que é de 11,3%. A situação da desigualdade no Nordeste é particularmente grave porque a região se destaca tanto por ter a menor renda média do país quanto por ter a maior desigualdade (ver Tabela 5). A renda média, estimada em R$ 166,1 na Região, é menos da metade dos R$ 341,6 no Sudeste (exclusive o estado de São Paulo), dos R$ 348,0 na região Sul, e dos R$ 350,6 no Centro-Oeste, chegando a ser mais de 60% menor que o ganho médio de R$ 452,7 no estado de São Paulo. Com um nível de renda menor, mesmo se a desigualdade no Nordeste fosse igual à das demais regiões, ela já estaria associada a um maior nível de pobreza. Mas essa região ainda se destaca por apresentar a maior concentração de renda.

22 A recente queda da desigualdade de renda no Brasil Tabela 5. Principais características da distribuição do rendimento domiciliar per capita. Brasil e regiões, 2000. Estatística Brasil Norte Nordeste MG+ES+RJ SP Sul Centro-Oeste N. na amostra 4.969.136 301.136 1.270.905 1.098.252 1.076.907 859.673 362.263 Pessoas (1000) 160.386,7 11.768,5 43.941,8 33.898,0 35.451,7 24.266,0 11.060,7 Rdmto. Médio 308,8 193,5 166,1 341,6 452,7 348,0 350,6 % da renda recebida pelos 40% mais pobres 7,3 7,9 7,4 8,4 9,5 9,5 8,2 50% mais pobres 11,3 11,9 11,3 12,6 14,1 14,1 12,1 10% mais ricos 51,0 51,8 54,5 49,4 46,4 46,7 52,4 5% mais ricos 37,3 38,9 41,7 35,8 33,2 33,6 38,7 1% mais ricos 16,0 17,9 19,2 14,9 13,7 14,2 16,8 Índice de Gini 0,626 0,623 0,641 0,604 0,575 0,576 0,624 T de Theil 0,834 0,874 0,949 0,771 0,687 0,699 0,857 Fonte: Elaboração dos autores. A Tabela 6 mostra a participação de 12 componentes da renda domiciliar per capita. Como o Censo não informa a posição na ocupação do trabalho secundário, a classificação da renda de todos os trabalhos por posição na ocupação considerou apenas a atividade principal. Note-se que, além dos ganhos de empregados, conta própria e empregadores, existe um tipo de renda do trabalho classificada como mal definida. Ela é composta por pouquíssimos indivíduos com algum ganho na atividade secundária e cuja atividade principal não é remunerada: aprendiz ou estagiário sem remuneração, não-remunerado em ajuda a membro do domicílio e trabalhador na produção para o próprio consumo. Os rendimentos de todos os trabalhos respondem por 77,8% de toda renda declarada no censo. O ganho de militares e funcionários públicos, outros empregados, trabalhadores por conta própria e empregadores corresponde, respectivamente, a 6,9%, 39,6%, 19,9% e 11,3% da renda total. A razão de concentração da renda dos trabalhos, por sua vez, é de 0,625, valor praticamente igual ao do índice de Gini, embora variando

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney 23 significativamente conforme a posição na ocupação: 0,727 para militares e funcionários públicos, 0,527 para outros empregados, 0,621 para os trabalhadores por conta própria, e 0,914 para os empregadores. Entre os rendimentos do trabalho, apenas os ganhos de funcionários públicos e, principalmente, de empregadores contribuem para aumentar a desigualdade. A mesma conclusão pode ser tirada observando os dados da PNAD de 2006 (ver Tabela 4). Tabela 6. Decomposição do rendimento domiciliar per capita em 12 parcelas, e a contribuição de cada parcela para a desigualdade medida pelo índice de Gini. Brasil, 2000. Parcela do rendimento Participação (ϕ h ) Razão de concentração (C h ) Parcela de G ϕ n C h % Progressividade (G - C h ) Renda de todos os trabalhos 0,778 0,625 0,486 77,9 0,001 Empregado (1) 0,465 0,556 0,259 41,5 0,624 Militar e func. público (1) 0,069 0,727 0,050 8,0 0,103 Outros empregados (1) 0,396 0,527 0,209 33,5 0,097 Conta própria (1) 0,199 0,621 0,124 19,8 0,624 Empregador (1) 0,113 0,914 0,104 16,6 0,624 Mal definido (1) 0,00004 0,592 0,00002 0,004 0,032 Aposentadorias e pensões 0,161 0,592 0,095 15,3 0,031 Aluguéis 0,028 0,790 0,022 3,6 0,166 Doações 0,013 0,602 0,008 1,2 0,022 Renda mínima 0,003 0,175 0,001 0,1 0,449 Outros rendimentos 0,017 0,695 0,012 1,9 0,071 Total (Índice de Gini) 1,000 0,624 0,624 100,0 0,000 Fonte: Elaboração dos autores. Nota: (1) Rendimento de todos os trabalhos de pessoa do domicílio classificada nessa categoria de posição na ocupação. Além dos rendimentos do trabalho, podem-se ainda analisar nos dados do Censo outros cinco componentes da renda domiciliar: a)

24 A recente queda da desigualdade de renda no Brasil aposentadoria ou pensão, b) aluguel, c) pensão alimentícia, mesada ou doação, d) Renda Mínima, Bolsa-escola ou seguro-desemprego, e) outros rendimentos. Diferentemente da PNAD, no Censo Demográfico de 2000 as rendas provenientes de programas oficiais de auxílio não são colocadas na mesma categoria dos juros e dividendos, situados na categoria outros rendimentos junto com os ganhos de abono por permanência em serviço e pensão paga integralmente por seguradora ou entidade de previdência privada aberta (IBGE, 2002). Em relação aos outros componentes da renda domiciliar, a comparação da razão de concentração com o índice de Gini indica que as parcelas referentes a aposentadorias e pensões, doações e renda mínima contribuem para reduzir a desigualdade. O destaque vai para os ganhos provenientes de programas como Bolsa-escola, seguro-desemprego e outros programas oficiais de auxílio (Renda Mínima), que apresentaram conjuntamente uma razão de concentração (0,175) muito menor que a dos outros tipos de rendimentos. A razão de concentração das aposentadorias e pensões (0,592), por exemplo, é quase 240% superior à razão dos ganhos provenientes de programas oficiais de auxílio (Tabela 6). Já os ganhos de ativos, mais especificamente aluguéis, juros e dividendos, apresentam uma razão de concentração muito elevada e substancialmente superior ao valor do índice de Gini. Assim como na PNAD, trabalhadores por conta própria e empregadores também declaram, no Censo, boa parte dos lucros e da renda da terra como rendimentos do trabalho. Conforme se pôde observar nas Tabelas 4 e 6, a renda de todos os trabalhos dos empregadores, que é em parte composta por renda de ativos na forma de lucros, apresentou a maior razão de concentração de todos os componentes do rendimento domiciliar até aqui analisados para os dados da PNAD de 2006 e do Censo Demográfico de 2000. 5. A distribuição funcional da renda nas Contas Nacionais O principal dado objetivo usado para colocar em dúvida a recente queda na desigualdade da distribuição da renda é provavelmente a queda da participação dos salários na renda total no SCN. Na versão do SCN

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney 25 anterior à versão atualizada a partir de março de 2007, a participação da remuneração dos empregados no PIB vinha caindo sistematicamente: 38,9%, em 1998, 38,1%, em 1999, 37,9%, em 2000, 37,0%, em 2001, 36,1%, em 2002, e 35,5%, em 2003 (IBGE, 2003). O excedente operacional bruto, ao contrário, aumentou durante o mesmo período de 40,5% para 42,9% do PIB. Ressalte-se, porém, que desde março de 2007 o IBGE tem divulgado uma versão atualizada do SCN, com modificações substanciais nos resultados. Na nova versão, com base em 2000, a participação da remuneração dos empregados no PIB é 40,5% em 2000, 40,6% em 2001, 39,8% em 2002, 39,5% em 2003, 39,3% em 2004 e 40,1% em 2005 (ver Tabela 7). O próprio IBGE assinala que as participações dos rendimentos do capital e do trabalho mantiveram-se praticamente estáveis desde 2000 (IBGE, 2007b, p. 19). É sinal de desleixo um pesquisador usar, atualmente, a versão antiga das Contas Nacionais, sem pelo menos mencionar a nova versão, que introduziu as últimas recomendações das Nações Unidas e de outros organismos internacionais. 5 Tabela 7. Composição do PIB sob a ótica da renda. Brasil, 2001-2005. Estatística 2001 2002 2003 2004 2005 Produto Interno Bruto 1.302.136 1.477.822 1.699.948 1.941.498 2.147.239 Remuneração dos empregados 528.389 588.474 671.872 763.237 860.886 Ordenados e salários 415.886 456.402 528.173 597.452 681.067 Contribuições sociais dos empregadores 86.761 95.925 111.961 133.012 141.130 Contribuições sociais imputadas 25.742 36.147 31.738 32.773 38.689 Impostos líquidos de subsídios sobre a produção e a importação 194.735 219.996 247.440 298.317 330.412 Excedente operacional bruto 436.974 507.824 600.576 690.690 755.082 Rendimento misto bruto (renda de autônomos) 142.038 161.528 180.060 189.254 200.859 Fonte: IBGE (2007b).

26 A recente queda da desigualdade de renda no Brasil A remuneração dos empregados no SCN inclui ordenados e salários e as contribuições sociais dos empregadores, correspondendo, para o empregador, ao custo total com a força de trabalho empregada (IBGE, 2004, p. 31). Logo em seguida se esclarece que os salários e ordenados incluem: importâncias pagas no período a título de salários, remuneração de férias, honorários, comissões sobre vendas, ajudas de custo, gratificações, participações nos lucros, retiradas de sócios e proprietários dentro dos limites fixados pelas autoridades fiscais e auxílio-alimentação, nos casos em que foi possível distingui-lo no conjunto de despesas das empresas. A remuneração dos empregados inclui, portanto, retiradas de sócios e proprietários. Não devemos apenas tomar cuidado com os números, mas desconfiar também do significado dado às palavras! E, obviamente, a remuneração dos empregados inclui também o salário de altos executivos, legítimos representantes do capital. Parece que a remuneração dos empregados no SCN é conceitualmente tão indefinida e eclética como o rendimento de todos os trabalhos na PNAD. Não estamos responsabilizando o IBGE pela imprecisão nos dados e na terminologia, esta última, aliás, estabelecida em grande parte pelo manual de contas nacionais das Nações Unidas. Mas é necessário cuidado na interpretação dos resultados, não sendo correto identificar a remuneração dos empregados com o conceito clássico-marxista de pagamento da força de trabalho. Se a remuneração dos empregados inclui rendimentos que seriam mais apropriadamente denominados lucro e, mesmo assim, representa apenas cerca de 40% do PIB, o pagamento do trabalho corresponderia então a uma fração ainda menor do PIB? Possivelmente não, devido à subdeclaração dos rendimentos. Como o PIB é calculado com base no valor da produção, acredita-se que não haja um grau substancial de subestimação (excluídas, obviamente, atividades ilegais e clandestinas). O cálculo da remuneração dos empregados no SCN é, em grande parte, baseado em dados de pesquisas domiciliares. Sabe-se que usualmente os dados sobre rendimento em pesquisas domiciliares são subdeclarados. Entretanto, o relatório metodológico do IBGE (2004) não menciona esse problema de subdeclaração. Se não foi feita uma correção para a subdeclaração, o SCN tende a subestimar a participação da remune-

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney 27 ração dos empregados no PIB, o que implicaria a superestimação do excedente operacional bruto. Essa é uma hipótese a ser investigada. Cabe ressaltar que o fato de no SCN serem considerados juros nominais permite preencher facilmente os vazios deixados pela subestimação da renda do trabalho. 6 De qualquer forma, seja renda de ativos ou de trabalho, é comum encontrar na literatura argumentos que defendem que, em pesquisas domiciliares, a subdeclaração da renda é tão maior quanto mais alto é o rendimento. O resultado é que, independentemente da participação da remuneração dos empregados e do excedente operacional no PIB, a desigualdade na distribuição da renda no país estaria sempre subestimada nos dados da PNAD. Embora haja também omissões de renda que tendam a incidir mais sobre os domicílios relativamente pobres, como é o caso da produção para o autoconsumo e ganhos ocasionais como o de seguro-desemprego e 13 o salário, a subdeclaração dos rendimentos mais elevados deve ser a principal causa da subdeclaração da renda nas PNAD (HOFFMANN, 1988; LLUCH, 1982). Mesmo que o problema da subdeclaração da renda leve à subestimação do nível de desigualdade de renda no país, ele não afeta necessariamente a variação da desigualdade ao longo do tempo, particularmente a recente redução das disparidades de rendimentos. Para que a subdeclaração tenha alguma influência na variação do nível de desigualdade, é preciso que a proporção da renda não-declarada dos mais ricos em relação à sua renda total cresça. Outra possibilidade seria uma redução da parcela da renda não-declarada no ganho dos mais pobres. Não há, em princípio, motivo para que qualquer uma das duas situações tenha acontecido especificamente com os dados da PNAD no período 2001 a 2006. Se o grau de subestimação da renda entre mais ricos e mais pobres permanece inalterado, não se deve esperar que o problema da subdeclaração da renda afete as estimativas da variação da desigualdade. É importante ressaltar que o fato de a remuneração dos empregados abranger rendas regressivas como os salários de altos executivos e as retiradas de proprietários do capital não a torna mais regressiva que o excedente operacional bruto do PIB: ela é constituída em grande parte por aquilo que se pode chamar de salário na acepção clássica, que de-

28 A recente queda da desigualdade de renda no Brasil signa a principal forma de remuneração dos mais pobres. Um aumento da participação da renda de ativos no PIB seria um indício de que houve aumento da desigualdade de renda, ao passo que um crescimento da participação da remuneração dos empregados indicaria uma redução da desigualdade. Se não houve nem uma situação nem outra, analisando exclusivamente os dados da composição do PIB sob a ótica da renda, não se pode afirmar nem que houve uma queda nem que houve um aumento do nível de desigualdade de renda no país. Os dados das PNAD de 2001 a 2006, por sua vez, mostram um ligeiro aumento da parcela da renda de todos os trabalhos de empregados e empregadores na composição da renda total (ver tabela 8). Verifica-se ainda uma queda do valor da parcela da renda do trabalho de 77,9% para 75,9%, explicada pela diminuição da participação de 16,5% para 14,0% da renda do trabalho dos trabalhadores por conta própria. Os componentes da renda cuja mudança da participação na renda total chama mais atenção são o aluguel e os juros, Bolsa-família e outros. Estes últimos representavam 0,9% de toda renda declarada, na PNAD de 2001, e passaram a representar 2,2% da renda, na PNAD de 2006, um aumento de 136,3%. Caso o crescimento da participação dos juros, Bolsa-família e outros fosse puxado principalmente pelo aumento dos rendimentos de juros, ele poderia significar um crescimento da desigualdade de renda no país. Mas não foi o que aconteceu. De acordo com estudo de Hoffmann (2006c), a razão de concentração dessa parcela da renda era de 0,7692, em 1997, 0,7638, em 1998, 0,6945, em 1999, 0,5394, em 2001, 0,5122, em 2002, 0,3386, em 2003, e 0,1594, em 2004. A extraordinária queda da razão de concentração dos juros, Bolsa-família e outros mostra que o aumento da sua participação na renda total é explicado principalmente pelo crescimento das rendas mais progressivas advindas de programas oficiais de auxílio, tais como o Bolsa-família e Renda Mínima.

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney 29 Tabela 8. Participação (ϕ h ) de cada parcela do rendimento domiciliar na renda total. Brasil (1), 2001-2006. Estatística 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Renda de todos os trabalhos 0,7794 0,7738 0,7667 0,7634 0,7591 0,7591 Empregados(2) 0,4974 0,4972 0,4920 0,4994 0,5004 0,4999 Militar e func. público(2) 0,0997 0,0993 0,1002 0,1014 0,0986 0,1067 Outros empregados(2) 0,3977 0,3979 0,3918 0,3979 0,4018 0,3932 Conta própria(2) 0,1647 0,1575 0,1582 0,1521 0,1457 0,1400 Empregador(2) 0,1174 0,1190 0,1166 0,1120 0,1131 0,1193 Aposent. e pensões oficiais 0,1711 0,1722 0,1848 0,1813 0,1816 0,1798 Outras aposent. e pensões 0,0143 0,0144 0,0135 0,0147 0,0162 0,0152 Doações de outros domic. 0,0067 0,0076 0,0071 0,0073 0,0071 0,0071 Renda de aluguéis 0,0193 0,0191 0,0174 0,0174 0,0182 0,0173 Juros, bolsa família e outros(3) 0,0091 0,0129 0,0105 0,0159 0,0177 0,0215 Total 1,0000 1,0000 1,0000 1,0000 1,0000 1,0000 Fonte: Elaboração dos autores. Notas: (1) Exclusive as áreas rurais de RO, AC, AM, RR, PA e AP. (2) Rendimento de todos os trabalhos de pessoa do domicílio classificada nessa categoria de posição na ocupação. (3) Inclui outros programas de transferências do governo. Uma mudança no nível de desigualdade pode estar associada a dois efeitos: o efeito-composição e efeito-concentração (SOARES, 2006). Podemos dizer que, se a razão de concentração de uma parcela da renda é superior ao valor do índice de Gini, ou seja, se ela é regressiva, um crescimento da sua participação na renda total (ϕ h ) tende a aumentar a desigualdade. No caso contrário, quando a parcela é progressiva, espera-se que um aumento da sua participação (ϕ h ) reduza a desigualdade. Caso não haja uma mudança expressiva na participação dos componentes progressivos e regressivos na renda total, a desigualdade não deve variar significativamente nem para mais nem para menos, a não ser que haja uma mudança nas razões de concentração dos componentes da renda domiciliar, ou seja, o efeito-concentração. A Tabela 9 mostra indícios de que a redução da desigualdade de rendimentos no país estaria mais associada ao efeito-concentração que ao efeito-composição. A razão de concentração da renda de todos os

30 A recente queda da desigualdade de renda no Brasil trabalhos é quase sempre um pouco menor do que a medida geral de desigualdade, com ambas apresentando tendência decrescente no período analisado. Se analisarmos a razão de concentração da renda do trabalho por posição na ocupação, a dos empregadores apresenta, entre 2001 e 2006, pequenas variações, ao passo que a dos empregados e dos trabalhadores por conta própria mostra quedas significativas de 0,5467 para 0,5149, e de 0,5232 para 0,4857, respectivamente. Nota-se ainda a extraordinária redução no valor da razão de concentração da parcela dos juros, Bolsa-família e outros de 0,5394 para 0,1230. Tabela 9. Razões de concentração (C h ) relativas ao índice de Gini da distribuição do rendimento domiciliar per capita. Brasil (1), 2001-2006. Estatística 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Renda de todos os trabalhos 0,5889 0,5834 0,5778 0,5668 0,5642 0,5631 Empregados (2) 0,5467 0,5441 0,5347 0,5227 0,5218 0,5149 Militar e func. público (2) 0,7387 0,7411 0,7331 0,7332 0,7355 0,7455 Outros empregados (2) 0,4986 0,4950 0,4840 0,4690 0,4693 0,4524 Trabalhador por conta própria (2) 0,5232 0,5012 0,5043 0,4995 0,4863 0,4857 Empregador (2) 0,8599 0,8563 0,8596 0,8548 0,8527 0,8559 Aposent. e pensões oficiais 0,6011 0,5929 0,5938 0,5964 0,5850 0,5762 Outras aposent. e pensões 0,6260 0,5870 0,5698 0,5678 0,6142 0,5814 Doações de outros domic. 0,3951 0,4294 0,4035 0,4625 0,4135 0,4422 Renda de aluguéis 0,7971 0,8030 0,8009 0,7863 0,7886 0,7904 Juros, Bolsa-família e outros (3) 0,5394 0,5122 0,3387 0,1594 0,2384 0,1230 Total 0,5938 0,5872 0,5808 0,5687 0,5661 0,5593 Fonte: Elaboração dos autores. Notas: (1) Exclusive as áreas rurais de RO, AC, AM, RR, PA e AP. (2) Rendimento de todos os trabalhos de pessoa do domicílio classificada nessa categoria de posição na ocupação. (3) Inclui outros programas de transferências de renda do governo. Para analisar de forma mais precisa o peso do efeito-composição e do efeito-concentração na redução da desigualdade de renda no país de 2001 a 2006, utilizaremos a metodologia empregada por Soares (2006)

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney 31 e Hoffmann (2006c). No item 3, mostrou-se como o índice de Gini da distribuição da renda pode ser dividido em k componentes correspondentes a k parcelas do rendimento domiciliar per capita. Considere-se, agora, que o mesmo tipo de decomposição do índice de Gini seja feito em dois anos distintos, neste caso específico nos anos de 2001 e 2006, indicados, respectivamente, pelos índices 1 e 2: (7) (8) Então, a variação no índice de Gini entre esses dois anos é (9) Após algumas transformações algébricas (HOFFMANN, 2006c), obtemos G = Σ [(C h* - G h* ) ϕ h + ϕ h * C h ] k h=1 (10) com e ϕ h = ϕ 2h - ϕ 1h C h = C 2h - C 1h De acordo com a expressão (10), o aumento da participação de uma parcela ( ϕ > 0) contribui para aumentar ou diminuir o índice de Gini conforme a razão de concentração dessa parcela seja maior ou menor do que o índice de Gini, respectivamente.

32 A recente queda da desigualdade de renda no Brasil Adotando a expressão (10) como a decomposição da mudança no índice de Gini, a contribuição total da h-ésima parcela do rendimento para essa mudança é * ( G) = ( C - G ) ϕ + ϕ C (11) h * h e a respectiva contribuição percentual é h * h h s h = 100 [(C h* - G * ) ϕ h + ϕ h* C h ] G (12) Nas expressões (11) e (12) pode-se distinguir um efeito associado à mudança na composição do rendimento, que é denominado efeito-composição, e um efeito associado à mudança nas razões de concentração, o chamado efeito-concentração (SOARES, 2006). O efeito-composição da h-ésima parcela é ( C * h * - G ) ϕ h (13) ou, como percentagem da mudança no índice de Gini, s ϕh 100 * * = ( Ch - G ) ϕ G O efeito-composição total é k ( C h= 1 * h - G * ) ϕ h h (15) (14) O efeito-concentração da h-ésima parcela é ϕ (16) * h C h ou, como porcentagem da mudança no índice de Gini, s Ch = 100 ϕ h* C G h (17) O efeito-concentração total é

Rodolfo Hoffmann e Marlon Gomes Ney 33 k ϕ h= 1 * h C h (18) A Tabela 10 mostra a decomposição da variação de 0,0344 do índice de Gini de 2001 a 2006, distinguindo o efeito-composição e o efeito-concentração. Conforme se pode observar, o efeito das mudanças nas razões de concentração dos diversos componentes da renda, o chamado de efeito-concentração, é responsável por mais de 90% da queda na desigualdade de renda medida pelo índice de Gini, enquanto o efeito-composição, representado pela mudança na participação de cada componente no rendimento total, responde por menos de 10% da mesma variação. Tabela 10. Decomposição da mudança no índice de Gini ( G = -0,0344) da distribuição do rendimento domiciliar per capita no Brasil (1) entre 2001 e 2006. Parcela Efeito-composição Efeito-concentração Total % de % de % de (s ϕh ) (s Ch ) (s h ) Renda de todos os trabalhos - 0,03 57,60 57,57 Empregados(2) 0,34 45,98 46,31 Militar e func. Público(2) - 3,38-2,05-5,43 Outros empregados(2) - 1,32 53,07 51,75 Trabalhador por conta própria(2) - 5,17 16,61 11,44 Empregador(2) - 1,55 1,37-0,18 Aposent. e pensões oficiais - 0,30 12,72 12,41 Outras aposent. E pensões - 0,07 1,91 1,84 Doações de outros domic. 0,16-0,94-0,78 Renda de aluguéis 1,26 0,36 1,62 Juros, Bolsa-família e outros(3) 8,82 18,52 27,34 Total 9,84 90,16 100,00 Fonte: Elaboração dos autores. Notas: (1) Exclusive as áreas rurais de RO, AC, AM, RR, PA e AP. (2) Rendimento de todos os trabalhos de pessoa do domicílio classificada nessa categoria de posição na ocupação. (3) Inclui outros programas de transferências do governo. A renda de todos os trabalhos é o componente que mais contribuiu para a redução do índice de Gini e seu efeito esteve exclusivamente associado ao aumento da progressividade na sua distribuição (57,6%). Nota-se que o efeito-composição da renda tanto dos outros empregados