LABORATÓRIO DE GEOMORFOLOGIA: ESPAÇO DE CONHECIMENTO ACADÊMICO E ESCOLAR Fernanda de Souza Maia/UNIBH fernandamaia.geo@gmail.com Carla Juscélia de Oliveira Souza/UNIBH carlaju@uol.com.br INTRODUÇÃO O laboratório é um espaço de aprendizagem e de possíveis descobertas, onde o trabalho com os conteúdos de Geomorfologia não representam somente uma atividade de oficina ou visitas, mas uma forma de socialização dos saberes e dos conhecimentos construídos pelas pessoas que integram a teia de conhecimento, a qual é composta por todos os envolvidos, alunos, colegas e professores, que direcionam esforços para a construção conjunta do conhecimento geomorfológico (SOUZA, 2004). As atividades experimentais, em sala de aula ou em laboratórios, têm sido consideradas como essenciais para a aprendizagem científica. É durante a atividade prática que o aluno consegue interagir muito mais com seu professor. Utilizando-se desse tipo de atividade o aluno pode elaborar hipóteses, discutir com os colegas e com o professor e testar para comprovar ou não a idéia que teve. Esse procedimento, sem dúvida, resulta numa melhor compreensão das Ciências (ZIMMERMANN, 2005). STERNBERG (1946), em seus estudos publicados, já apontava a importância do uso dos laboratórios no ensino superior: Mesmo diante da paisagem real, observando as múltiplas formas do relevo ou assistindo ao que poderíamos chamar a fisiologia telúrica, não podemos dispensar o aparelhamento demonstrativo e experimental, se é nosso propósito orientar a aprendizagem. (STERNBERG, 1946, p.68)
Nesse sentido os laboratórios de Geomorfologia se tornam essenciais para fazer com que o aluno tenha uma visualização de regiões distantes e/ou desconhecidas e também de fenômenos que não sejam diretamente observáveis por eles, se tornando então um meio didático necessário para uma maior aprendizagem. Mas para haver resultados satisfatórios, tanto para alunos quanto para professores, o docente deve levar em conta os conhecimentos prévios de cada discente, pois cada um passou por experiências diferentes e suas dificuldades e facilidades também não são as mesmas. Sabe-se que os alunos como sujeitos apresentam trajetórias sócio-histórica e cultural particulares. Nessas, incluem a formação escolar, os ritmos e as dificuldades com a aprendizagem, os saberes e os conhecimentos dos alunos (SOUZA, 2009). A teoria do construtivismo na aula-prática do laboratório A idéia defendida pelo construtivismo é de que o conhecimento é construído pelo sujeito na sua interação social e com o meio. Também é preciso saber que as experiências e os conhecimentos de cada aluno são diferentes dos outros e por essa razão é preciso saber como trabalhar com elas para que, da melhor forma possível, possa levar a construção e aperfeiçoamento do conhecimento e para assim, o aluno ser capaz de construir seus próprios conceitos. O construtivismo surgiu para superar outras duas teorias que em alguns aspectos deixavam a desejar: o empirismo e o apriorismo, que atualmente ainda são usados em muitas escolas. O primeiro é uma teoria filosófica, onde o conhecimento é adquirido através das experiências. E o segundo é o oposto, onde o sujeito já nasce com noções que permitem a compreensão da realidade, sendo que o meio nada interfere na aprendizagem. No empirismo o professor é quem valoriza o conhecimento, ele é o centro da aula e já no apriorismo o ensino é focado no aluno. No construtivismo o docente é um mediador entre o aluno e o conteúdo, ele tem a função de facilitar a aprendizagem do aluno a partir de observações e análises do mesmo. Partindo dessa idéia, o professor precisa respeitar, ouvir e valorizar o aluno, para assim, haver uma troca de saberes. E o laboratório se torna um espaço formador importante nessa troca, pois nele o aluno expõe suas idéias ao mesmo tempo em que adquire conhecimento.
Carretero, em 1993, fez uma análise sobre todo esse processo de ensinaraprender: [...] o indivíduo não é um mero produto do meio, nem um simples resultado de suas disposições interiores, mas uma construção própria que vai se produzindo dia-a-dia como resultado da interação entre esses dois fatores. Em conseqüência, segundo a posição construtivista, o conhecimento não é uma cópia da realidade, mas uma construção do ser humano. (CARRETERO, 1993, p.17) O uso do laboratório de geomorfologia como espaço de conhecimento Sabe-se que a Geografia e conseqüentemente o uso dos laboratórios de Geomorfologia ao longo do tempo sofreram grandes alterações, pois a tecnologia que temos hoje facilita em todos os termos para uma melhor aprendizagem. STERNBERG (1946) em seu livro fez uma comparação dos métodos de ensino da Geografia dos anos de 1846 com os de 1946. Segundo ele, toda a metodologia de memorização de dois séculos atrás já em 1946, estava ultrapassada, porque em vez de obrigar o aluno a decorar, por exemplo, todos os nomes de rios, eles já procuravam explicar a origem e a evolução dos cursos d água, reduzindo ao mínimo a memorização. E isso é muito parecido com o que temos na atualidade. Outro fator importante para uma análise são as maquetes que foram e ainda são confeccionadas nesses laboratórios. Em 1946, chamadas de blocos de gesso, elas já eram utilizadas como um dos principais meios de representação de diferentes relevos, vegetações, fenômenos, entre outros. Havendo pequenas diferenças das da atualidade, pois seus tamanhos eram relativamente grandes se comparados com os que se tem hoje. Em vez de grupar as feições topográficas, segundo critério de simples justaposição ou de altitudes, grupamento este que despreza freqüentemente o conceito mais importante da gênese, o estudante de nossos dias aprende uma sistematização racional, genética, do relevo à qual serão referidos os acidentes topográficos das regiões estudadas. Para a aprendizagem das formas orográficas, o professor lança mão dos blocos de gesso, dos paralelepípedos geológicos, do taboleiro de modelagem, dos aparelhos que reproduzem (em camadas de feltro, borracha ou gesso) enrugamentos na crosta terrestre. (STERNBERG, 1946, p.67)
STERNBERG (1976) ainda enfatiza esses blocos de gesso, pois podem ser utilizados nas aulas em laboratórios no ensino superior ou no ensino secundário, na licenciatura ou bacharelado, como um facilitador para a aprendizagem do aluno. Com relação aos materiais utilizados na década de 40 se comparados com os da atualidade vemos grandes semelhanças, pois muitos ainda são utilizados, como os mapas (que podem ser divididos em cartas topográficas, climática, geológica, econômica, etc.), os atlas, globos, quadro negro, estereoscópios, projeções luminosas, maquetes, entre outros. Lecionar essas aulas em laboratórios geomorfológicos envolve toda uma metodologia, pois é essencial o professor ter uma proposta e seus objetivos a priori para assim, construir todo seu planejamento e em seguida colocá-lo em prática. São várias as etapas que antecedem as aulas, que podem ter o formato de oficinas, como no caso da maquete: a pesquisa em diferentes fontes; a elaboração de um planejamento; a confecção do objeto propriamente dito; a montagem de um relatório e a socialização do assunto geomorfológico por meio do uso da maquete (SOUZA, 2004). A proposta de trabalho tem que ter como base todo um estudo aprofundado no tema escolhido, buscando esclarecer possíveis dúvidas e trazer para mais próximo possível da realidade do aluno o assunto abordado. Os objetivos a serem alcançados devem estar bem definidos para não haver uma dispersão e não sair do planejamento que deve ser cronometrado e avaliado quanto aos materiais necessários e como utilizálos adequadamente. Sabe-se que, mesmo respeitando os ritmos dos alunos, não deixa de existir um programa e cronograma escolar que devem ser atendidos, com qualidade e não quantidade. Diferentes utilizações do laboratório de geomorfologia no Uni - BH No ensino de Geomorfologia, no nível superior, ocorre também a necessidade de superar os desafios impostos pelos ritmos e pelas dificuldades de aprendizagem dos discentes. Esses desafios podem ser superados, em sua maior parte, por meio da combinação de métodos e técnicas que englobam o exercício da compreensão e da reflexão do próprio processo de aprendizagem (SOUZA, 2003). Dentre as várias metodologias utilizadas para uma melhor compreensão dos conteúdos o uso dos laboratórios de Geomorfologia ainda é um dos principais, pois
segundo Souza (2003) ele tem revelado as potencialidades e também as dificuldades cognitivas dos discentes. O laboratório de Geomorfologia do curso de Geografia e Análise Ambiental é utilizado por todos os alunos do curso, professores e comunidade externa. Nele acontecem oficinas, monitorias, estágios, aulas práticas, entre outros. De acordo com Souza (2003), a metodologia utilizada, em uma das atividades práticas, compreende três eixos-chave: ideias, oficinas e avaliação. Para um bom trabalho é importante uma boa ideia combinada com um bom problema a ser verificado. Portanto, durante o momento do aparecimento da ideia, o professor acompanha e problematiza os temas propostos, a fim de despertar ou aguçar o interesse. A partir da definição do tema, dos diálogos sobre como fazer, por que fazer, que materiais e escala utilizarem, os discentes, organizados em grupos, confeccionam as suas maquetes, em atividades nomeadas de oficinas. Por meio desse processo discussão, reflexão e confecção - os discentes são capazes de si autoavaliarem, ao mesmo tempo em que expõem suas idéias e dúvidas ao docente. Havendo assim, uma troca de conhecimentos. Na formação profissional o uso do laboratório contribui de diversas formas, como na produção de maquetes, na construção de conceitos, na visualização de modelos teóricos e de formas de relevo. Durante o processo de produção de maquetes além de abordar os temas trabalhados na disciplina de Geomorfologia Climática e Estrutural, há uma interdisciplinaridade com a disciplina de Hidrologia e Recursos Hídricos, possibilitando aos alunos relacionar as formas de relevo e todas suas transformações, tanto endógenas quanto exógenas, com os cursos d água. Essa interdisciplinaridade é fundamental, à medida que almeja um objetivo comum, o da construção do conhecimento de forma significativa e não fragmentada. Um exemplo do emprego de um mesmo elemento de estudo tanto da geomorfologia quanto da hidrologia é a água. Ana Netto (2001) no capítulo 3 do livro Geomorfologia: Uma atualização de bases e conceitos. Ela salienta que, Dentre as múltiplas funções da água destacamos seu papel como agente modelador do relevo da superfície terrestre, controlando tanto a formação como o comportamento mecânico dos mantos de solos e rochas (NETTO, 2001, p.93). Isso mostra não somente como os objetos de cada disciplina, água e o relevo, se interligam, mas também dá a oportunidade aos alunos de licenciatura de descobrir o uso da maquete como um recurso didático excelente no processo de aprendizagem de crianças e jovens nas escolas contemporâneas.
Durante o processo de análise de maquetes temáticas, como aquelas que representam paisagens dos domínios tropical, árido e semi-árido e outros, é possibilitada, também, aos docentes, a construção e ou retomada de conceitos comuns aos modelos teóricos, como os de W. Penck e de Davis relacionando o soerguimento com a denudação (Fig. 02), ou os de Lester C. king quando fala sobre o recuo paralelo das vertentes (fig. 03). Fig. 02 Relação soerguimento-denudação apresentado por Davis e Penck. Fonte: Elementos de Geomorfologia, pág. 25. Fig. 03 Destruição dos pontos elevados por recuo e conseqüente entulhamento de depressões proporcionando a pediplanação apresentado por Lester C. king. Fonte: Elementos de Geomorfologia, pág. 25. Outro fator de grande importância para os estudantes do ensino superior é a visualização de diferentes formas de relevo proporcionada pelas maquetes, pois mesmo
sem ter ido a alguns lugares, como nos Alpes ou mesmo o Himalaia, eles conseguem ter uma base da altitude pela escala trabalhada ou da dimensão de alguns fenômenos naturais, como o vulcanismo, por exemplo. Para a educação básica, o laboratório de Geomorfologia do Uni - BH Morfolab - tem sido, freqüentemente, visitado por crianças de escolas tanto públicas, quanto particulares. Essas visitas possibilitam aos graduandos de geografia outro tipo de experiência, no referido laboratório, onde ocorrem atividades lúdicas com os alunos da escola básica. Essas atividades contemplam temas de interesse das crianças, como fenômenos naturais, vulcões, terremotos, enchentes, secas e os relacionando com a sociedade, para assim, discutir e expressar o imaginário através de modelagem com massinhas (Fig. 04). Também são utilizadas as maquetes confeccionadas pelos próprios graduandos. Por meio delas são colocadas algumas problematizações, como: o que são fenômenos naturais? Onde eles ocorrem? Quais são os fenômenos naturais que ocorrem em nossa cidade? Como as pessoas e a sociedade fazem para conviverem com os fenômenos naturais? Essas questões possibilitam tanto realizar uma sondagem sobre o conhecimento prévio das crianças e jovens, quando despertar a curiosidade dos mesmos. Não se têm a pretensão de se esgotar as discussões durante as atividades no Morfolab com crianças e jovens da escola básica, mas promover tempo e espaço para a discussão e aprendizagem de noções e conceitos importantes para a sociedade, como relação natureza-sociedade, fenômenos naturais, ação antrópica, processos naturais, distribuição e explicação espacial de alguns fenômenos e outros.
Fig. 04 Oficina com crianças realizada no Morfolab. Essas atividades são realizadas sempre sob a orientação de uma professora, que auxilia na preparação e organização de todo o material de uso e processo de realização das atividades, a fim de atender aos objetivos didáticos, pedagógicos, formativos e sociais propostos. Considerações finais A partir das leituras realizadas sobre construtivismo conseguimos entender que cada aluno tem suas dificuldades e facilidades e que para lecionar temos que conciliar as experiências e a vivencia dos alunos, a fim de, da melhor forma possível, trabalhá-las e fazer com que o aluno seja capaz de construir seu próprio conhecimento.
Notamos que desde o ano de 1846 que os laboratórios são utilizados nas escolas, mas que esses sofreram grandes mudanças no decorrer do tempo. Deixaram de utilizar toda a metodologia de memorização e iniciaram uma fase de experimentos, de entender os fenômenos, suas causas e conseqüências. Observamos, também, grandes semelhanças nos métodos e materiais utilizados nesses laboratórios de Geomorfologia no ano de 1946 e nos dias atuais, havendo algumas diferenças graças à tecnologia que possuímos hoje e que facilita para uma melhor aprendizagem. O laboratório de Geomorfologia (Morfolab) também se mostrou relevante, pois, a partir dos estudos realizados nele é possível superar os desafios impostos pelos ritmos e pelas dificuldades de aprendizagem dos discentes, tanto dos licenciandos, como os bacharéis e também as crianças do ensino básico. É esse espaço que permite ao aluno não somente uma visualização de formas de relevo e fenômenos, mas também a construção de conceitos e termos presentes na Geomorfologia, unindo suas habilidades ao seu conhecimento prévio e promovendo, assim, a descoberta e a construção de outros saberes. Bibliografia BRITO, Renata C. M.; SOUZA, Carla J. O. Oficina de Geomorfologia e a construção dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Caderno de Geografia. Belo Horizonte. MG. 2004.P.123-127. BORGES, Tarciso. Novos rumos para o laboratório escolar de ciências. Colégio Técnico da UFMG.Belo Horizonte. MG. 2002. P. 291-313. CASSETI, Valter. Elementos de Geomorfologia. Goiânia: CEGRAF-UFG, 1994. CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira (Org.) Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. FONSECA, Geraldo M. e SOUZA, Carla J. O. A importância do laboratório para o ensino de geomorfologia. Caderno de geografia. PUC-MG, v. 14; n. 22; jun. 2004, p.128-132. SOUZA, Carla J.O. Geomorfologia no Ensino Superior: difícil, mas interessante! Por quê? Uma discussão a partir dos conhecimentos e das dificuldades entre alunos de geografia do IGC-UFMG. Belo Horizonte, 2009 (Tese de doutorado). SOUZA, Carla J. O. Conhecimento e aprendizagem de Geomorfologia no ensino superior. Uma pesquisa em andamento: seu foco, suas indagações e seu desenho
metodológico. In: I Simpósio de pesquisa em ensino e História de ciências da Terra. Campinas, set. 2007. SOUZA, Carla J. O. Ensino de geomorfologia e a formação profissional em licenciatura. Caderno de geografia. PUC-MG, v. 14; n. 22; jun. 2004. P.117-122. SOUZA, Carla J. O. Ensino de Geomorfologia contextualizado na transposição didática. In: Simposio de geografia fisica e aplicada, 10. Rio de Janeiro, 2003. Anais... Rio de Janeiro, Nov. 2003 STERNBERG, Hilgard O reilly. Contribuição ao estudo da geografia. Belo Horizonte: UFMG, 1946.135 p. ZIMMERMANN, Licia. A importância dos laboratórios de Ciências para alunos da terceira série do Ensino Fundamental. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. RS. 2005.