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Transcrição:

Introdução O ENSINO DA GEOMETRIA E A TEORIA DO CAMPOS CONCEITUAIS Paula Moreira Baltar Bellemain UFPE Marilena Bittar UFMS Neste trabalho discutem-se questões relativas ao ensino e à aprendizagem de conteúdos de geometria nos diversos níveis de escolaridade (desde as séries iniciais até a universidade), tomando o referencial teórico da Teoria dos Campos Conceituais, a qual segundo seu criador, é uma teoria cognitivista que visa fornecer um quadro coerente e alguns princípios de base para o estudo do desenvolvimento e da aprendizagem de competências complexas, notadamente das que relevam das ciências e das técnicas (Vergnaud, 1990, p. 133). 1 A Teoria dos Campos Conceituais tem uma inspiração piagetiana clara, mas traz também contribuições novas evidentes, como aquelas destacadas por Franchi (1999): uma primeira consiste em afirmar que um enfoque mais frutífero para o desenvolvimento é obtido utilizando um sistema tendo por referência o próprio conteúdo do conhecimento e a análise conceitual do domínio desse conhecimento. Uma segunda consiste em deslocar o interesse das pesquisas do estudo das estruturas gerais de pensamento para o estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situação [...] (p. 160) Pretende-se aqui ilustrar o uso desta teoria no estudo de fenômenos didáticos relativos à geometria, por meio de duas investigações nas quais são enfocados respectivamente os conceitos de área de superfícies planas (Baltar, 1996) e de vetor (Bittar, 1998). Para Vergnaud, um conceito é considerado, de maneira pragmática, como constituído de três conjuntos indissociáveis: a referência: conjunto de situações que lhe dão sentido; significado: conjuntos de invariantes operatórios subjacentes à ação dos sujeitos; significante: conjunto das formas de representação simbólica (lingüísticas e não lingüísticas) do conceito, de suas propriedades, das situações e dos procedimentos de tratamento das situações. O mapeamento, análise e classificação dos elementos deste tripé trazem uma contribuição importante para a compreensão da construção de conceitos pelos sujeitos, e mais especificamente, em situação escolar. Além disso, na medida em que se evidencia que as 1 Tradução livre das autoras do presente artigo.

2 situações que dão sentido a um conceito são múltiplas, tem-se como conseqüência sobre a organização do ensino, que é importante abordar situações de ensino variadas que permitam a construção pelos alunos de um significado amplo para os conceitos. O estudo das estruturas aditivas e multiplicativas já tem um difusão razoável no Brasil. Já se observa inclusive nos livros didáticos atuais a tendência a abordar vários enfoques para as situações envolvendo números e operações, não restringindo-se a situações de juntar para a adição, tirar, para a subtração, soma de parcelas iguais para a multiplicação e assim por diante. Tem-se por propósito neste minicurso mostrar, entretanto que o aporte teórico da Teoria dos Campos Conceituais não se limita aos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas, além de discutir a relação entre problema de pesquisa e campo teórico, e os procedimentos metodológicos relacionados com o uso da teoria, na investigação de problemas de pesquisa. 1. Um estudo das situações que dão sentido ao conceito de área Este estudo teve sua origem na pesquisa desenvolvida em uma tese de doutorado (Baltar, 1996), como parte das análises prévias que subsidiaram a concepção de uma engenharia didática (Artigue, 1988) para alunos do terceiro ciclo do ensino fundamental na França. Naquele momento, dispunha-se de alguns resultados de pesquisa importantes relativos à construção do conceito de área de superfícies planas no ensino fundamental. Percebeu-se, por meio de um levantamento de avaliações de desempenho dos alunos e de resultados de pesquisas anteriores sobre o tema, que as dificuldades conceituais apresentadas pelos alunos eram variadas e resistentes à aprendizagem. Entre os elementos de análise dos erros cometidos pelos alunos destacava-se a modelização das concepções em dois pólos as concepções geométricas e as concepções numéricas (Douady & Perrin-Glorian, 1989; Balacheff, 1988). Assim, evidenciava-se a importância da articulação entre os aspectos geométrico e numérico na construção do conceito de área, mostrando que muitas das dificuldades de aprendizagem eram associadas ao tratamento dos problemas de área do ponto de vista puramente numérico ou considerando apenas os aspectos geométricos. A concepção e experimentação de uma engenharia didática (Douady & Perrin- Glorian, 1989) havia evidenciado que a abordagem do conceito de área como grandeza autônoma favorecia a construção de relações entre conhecimentos geométricos e numéricos na resolução de problemas sobre o conceito de área.

3 Por outro lado, a forte resistência de dificuldades conceituais, conduzia à necessidade de construir um instrumento de caráter local para a análise dos procedimentos de resolução de problemas utilizados pelos alunos, visando complementar a modelização em termos de concepções geométricas e numéricas. Tal instrumento consistiu em um estudo sistemático das situações que dão sentido ao conceito de área 2, adotando como referencial a Teoria dos Campos Conceituais (Vergnaud, 1990). 1.1. Área como grandeza geométrica A construção do conceito de área como grandeza consiste, grosso modo, na consideração da área de uma superfície como uma propriedade invariante para algumas operações. Por exemplo, superfícies eqüicompostas têm mesma área e tendo sido escolhida uma unidade de área, superfícies de mesma medida têm mesma área. Neste caso, distinguemse, três quadros: o geométrico ao qual pertencem as superfícies, o das grandezas ao qual pertence a área e o das medidas que são números reais positivos. Um par (número, unidade de área) é uma maneira de designar uma área, a qual é considerada como uma classe de equivalência de superfícies. De um ponto de vista estritamente matemático, a relação de equivalência ter mesma área (que permite considerar a área como grandeza), é definida pela escolha de uma unidade seguida da medida das superfícies: duas superfícies de mesma medida têm mesma área. Não há preocupação com mudanças de unidade. Entretanto, do ponto de vista das exigências da sociedade e da matemática escolar, coloca-se a questão da adequação da escolha da unidade à situação, ao grau de precisão desejado e ao resultado numérico que será obtido, entre outros fatores. É preciso, portanto, distinguir o número e a grandeza, pois a mudança de unidade de área pode conduzir a alterações no número que expressa a medida da área desta superfície e não há razão para que mudanças de unidade alterem a área de uma superfície. Da mesma forma, é preciso diferenciar a área e a superfície, uma vez que figuras de mesma área não precisam necessariamente ser idênticas. Douady e Perrin-Glorian (1989) mostraram que, do ponto de vista da aprendizagem, a construção da relação de equivalência ter mesma área deve ser anterior à medida, tendo por suporte fundamental a noção de eqüicomposabilidade, por meio do procedimento de corte-colagem conveniente (sem perda nem sobreposição). 2 Uma parte deste estudo foi apresentada em Bellemain (2000).

4 Articulando os resultados de pesquisas relativos à construção do conceito de área, apoiados na teoria dos jogos de quadros e dialética ferramenta objeto (Douady, 1987), Lima e Bellemain (2002) propuseram o seguinte esquema conceitual: O esquema acima pode ser estendido às demais grandezas geométricas, e subsidia o estudo do campo conceitual das grandezas geométricas. 1.2. O campo conceitual das grandezas geométricas Analogamente à caracterização dos campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas, uma primeira leitura do campo conceitual das grandezas geométricas consiste no conjunto de situações que envolvem as grandezas geométricas comprimento, área, volume e ângulo. Como se pode ver, de acordo com o esquema conceitual acima, entre os componentes deste campo conceitual podem-se destacar as superfícies e figuras geométricas objetos do quadro geométrico, os conceitos de comprimento (perímetro aí incluído), área, volume (capacidade) e ângulo objetos do quadro das grandezas, os números reais positivos, representando as medidas das grandezas objetos do quadro numérico as fórmulas de área e de volume objetos do quadro algébrico-funcional. Neste campo conceitual estão profundamente imbricados a geometria, os sistemas numéricos, as operações aritméticas, as estruturas aditivas, as estruturas multiplicativas, a álgebra, o estudo das funções, entre outros. Trata-se, portanto, de um espaço privilegiado de articulação entre conhecimentos de vários ramos da Matemática, o que lhe confere relevo na educação escolar. O potencial das grandezas e medidas como fonte de articulações com outros conteúdos é ressaltado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental (MEC-SEF, 1997, MEC-SEF, 1998). Como se sabe, os conteúdos de Matemática nos PCN apresentam-se agrupados em quatro blocos Números e Operações, Espaço e Forma, Grandezas e Medidas

5 e Tratamento da Informação. O bloco das grandezas e medidas é caracterizado pela riqueza de articulações possíveis com outros conteúdos de Matemática, o que é particularmente evidente no caso das grandezas geométricas, as quais fornecem excelentes oportunidades para articular os conteúdos de geometria, aritmética e álgebra. Outras características marcantes dos conteúdos deste bloco, destacadas nos PCN, são sua forte relevância social, a possibilidade de conexões com outras disciplinas e o fato de evidenciar o caráter histórico e cultural da construção do conhecimento matemático. A maneira como as grandezas geométricas e suas medidas vêm sendo trabalhadas na escola não tem permitido, entretanto, explorar toda essa riqueza, uma vez que seu ensino dá ênfase ao sistema métrico decimal e às fórmulas convencionais usadas para calcular a área e o volume de figuras geométricas. A presente pesquisa tem o propósito de ampliar a reflexão sobre as situações que dão sentido ao conceito de área. Acredita-se que este tipo de questionamento pode ter reflexos bastante positivos sobre a concepção de seqüências de aprendizagem voltadas para o ensino fundamental, além de subsidiar estudos relativos às diretrizes curriculares e à elaboração de livros didáticos, contribuindo para que os problemas matemáticos trabalhados no ensino fundamental não sejam restritos às situações do cálculo de área de superfícies usuais, usando fórmulas e às mudanças de unidades. 1.3. Mapeamento e classificação das situações que dão sentido ao conceito de área Tomou-se neste trabalho como fio condutor inicial, a reflexão sobre as situações que dão sentido ao conceito de área, como parte do mapeamento do tripé que caracterizaria o conceito de área do ponto de vista da teoria dos campos conceituais. Nesta reflexão, além da matemática escolar (por meio da análise de diretrizes curriculares, de livros didáticos e de avaliações diversas), foram considerados elementos da história da Matemática, das práticas sociais ancestrais e atuais (incluindo algumas práticas profissionais), da matemática acadêmica atual, das conexões da Matemática com outras disciplinas e das pesquisas anteriores em educação matemática. Entende-se que um levantamento deste tipo não é exaustivo e deve ser permanentemente realimentado. Apresentam-se então, aqui, os resultados provisórios das reflexões acerca das seguintes questões: quais são as situações que dão sentido ao conceito de área de superfícies planas? como estas situações podem ser consideradas na abordagem da área como grandeza no ensino fundamental?

6 Foram identificadas três grandes classes de situações: as de comparação, as de medida e as de produção de superfícies. Como se sabe, a origem do conceito de área está relacionada ao problema de medida da terra em civilizações tais como a dos egípcios, dos babilônios ou dos chineses na Antigüidade. Essas civilizações obtiveram fórmulas (exatas ou aproximadas) para o cálculo da área de certas figuras. O problema de medida da terra e o cálculo aproximado da área de terrenos são até hoje presentes e importantes nas práticas sociais rurais e urbanas. Por exemplo, o camponês precisa estimar áreas para plantio, o habitante das cidades paga o IPTU (imposto predial e territorial urbano) em função da área do terreno e da área ocupada (entre outros fatores), os profissionais da construção civil (pedreiros, pintores, engenheiros, arquitetos, etc.) manipulam freqüentemente cálculos ou estimativas de área, etc. As situações de medida de área têm uma importância social inquestionável, mas que não deve ser confundida com a redução do campo de problemas e situações que dão sentido ao conceito de área. Ao lado dos problemas práticos de medida, observou-se na história da matemática o enfrentamento de problemas teóricos relacionados à medida. Dois momentos-chave devem ser ressaltados: o aparecimento do cálculo diferencial e integral, no século XVIII, e o desenvolvimento das teorias da medida, no século XIX. As questões matemáticas que se colocam, então, são de definir o conjunto de superfícies mensuráveis (e de procurar torná-lo cada vez mais amplo) e de determinar as propriedades dessa função-medida. Pode-se, entretanto, considerar que há um tipo de problema anterior ao da medida que é o problema de comparação de áreas. Muitas vezes, atribuem-se números às áreas de superfícies para poder decidir se as mesmas têm áreas iguais ou em caso contrário, para ordená-las. O terceiro tipo de problemas focalizados no presente estudo são os problemas de produção de superfícies segundo critérios relativos à área. Os problemas de comparação e de produção também estão presentes na história da matemática. Tome-se, por exemplo, a Proposição 36, no Livro I dos Elementos de Euclides: os paralelogramos construídos sobre bases iguais e entre as mesmas paralelas são iguais entre si. Na linguagem contemporânea tal proposição corresponde a estabelecer que paralelogramos de mesma base e mesma altura relativa a esta base têm mesma área. Não se trata, portanto de um problema de medida, mas de comparação entre as áreas de paralelogramos. Outro exemplo clássico de situação relativa ao conceito de área são os problemas de quadratura. A quadratura do círculo na Grécia antiga consistia na construção com régua não graduada e compasso de um quadrado com mesma área que um círculo. Trata-

7 se, portanto, de um problema de produção de superfície de mesma área que uma superfície dada. No século XVII, o problema de quadratura volta à tona, com uma interpretação um pouco diferente daquela dada pelos gregos: trata-se de comparar as áreas de figuras, sabendose que a área de uma delas é conhecida. Espera-se com este estudo fornecer subsídios para a pesquisa sobre o ensino da Matemática e para a formação do professor dessa disciplina. Os exemplos aqui apresentados evidenciam elementos da construção histórica do conceito de área movida por problemas a serem resolvidos. Os problemas são ora vinculados a práticas sociais, ora contextualizados em questões internas à própria Matemática. A construção do significado do conceito de área, no ensino fundamental hoje, exige uma reflexão ampla em torno desses tipos de problemas diversos que participam da sua construção, tanto nas práticas sociais, quanto no desenvolvimento do conhecimento matemático teórico. 2. Estudo das dificuldades dos alunos na passagem da geometria afim à geometria vetorial Quando se define um vetor, inicialmente, à partir de dois pontos, associando-lhes uma direção, um sentido e um comprimento, este objeto nasce fortemente ligado à geometria afim, longe do objeto vetor elemento de um espaço vetorial. Isso pode acontecer em cursos universitários introdutórios sobre vetores (como Vetores e Geometria Analítica) ou no Ensino Médio (como é o caso da França). Neste texto, vamos discutir algumas das dificuldades dos alunos em estabelecer relação e fazer a passagem entre a geometria afim e a geometria vetorial. Para tanto utilizaremos resultados de uma pesquisa de doutorado realizada na França sobre o ensino de vetores (Bittar, 98). A Teoria dos Campos Conceituais (Vergnaud, 1990) é adotada como referencial teórico por permitir modelizar concepções de alunos acerca de um conceito, no caso o conceito de vetor. Nesse texto centramos atenção sobre alguns teoremasem-ação falsos que os alunos são suscetíveis de construir, discutimos algumas atividades elaboradas com objetivo de tentar desestabilizar estes teoremas e comentamos resultados obtidos em uma experimentação realizada com alunos de 14-15 anos. Um conceito-em-ação é um conceito (objeto ou predicado) implicitamente tipo por pertinente, e teorema-em-ação é uma proposição tida por verdadeira (Vergnaud, 1995, p. 178) 3

8 2.1 Estudo de Situações Para realizar o estudo das situações (Vergnaud, 1990), decidimos nos restringir aos problemas propostos aos alunos de 14-15 anos das escolas francesas 4. Este estudo foi feito com base nos livros didáticos mais usados na França, nos anos de 1994 a 1998, época do desenvolvimento da pesquisa aqui relatada. Nesse nível da escolaridade, podemos distinguir duas grandes categorias de exercícios sobre vetores propostos aos alunos: aquela cujo objetivo é treinar as noções vetoriais vistas em classe e aquela onde a noção de vetor aparece como uma ferramenta para resolver problemas de geometria. Para o estudo das situações, nos interessamos sobretudo à primeira categoria de exercícios centrados na aprendizagem da noção de vetor como objeto. Para a segunda categoria, estudamos o que releva da noção de vetor como objeto, deixando de lado sua função como ferramenta para a resolução do problema proposto 5. Com este objetivo a atenção foi então centrada nas definições e propriedades que remetem ao conceito de classe de equivalência. Neste texto apresentamos as ações exigidas dos alunos, que foram extraídas do estudo de situações realizado, e que podemos resumir em três categorias: (a) reconhecer dois vetores iguais; Trata-se aqui de identificar sobre uma figura dois vetores iguais; o desenho permite verificar a direção e o comprimento, e o sentido é escolhido pelo aluno de forma a satisfazer as condições de igualdade vetorial. (b) reconhecer, em uma figura, as operações definidas; Isto significa efetuar, ou identificar, sobre uma figura uma soma vetorial ou um produto por um escalar. Por exemplo, uma figura é dada e pede-se para mostrar uma relação vetorial ou o alinhamento de três pontos. (c) saber utilizar as condições analíticas de paralelismo e ortogonalidade. Para isto é preciso calcular as coordenadas de um vetor a partir de seus pontos extremidades e aplicar as condições de paralelismo e ortogonalidade sobre as configurações para resolver problemas relativos à equação de uma ou duas retas dadas. 3 Tradução livre das autoras do presente artigo. 4 Estes mesmos problemas são encontrados em livros de Vetores e Geometria Analítica, usados em cursos universitários no Brasil. 5 Nossa pesquisa se dedicou a esse estudo também porém este não é o tema central deste mini curso.

9 2.2 Estudo dos Invariantes 6 Em geometria analítica, o aluno deve ser capaz de dar as coordenadas de um vetor a partir das coordenadas de seus pontos extremidades, o que implica em distinguir coordenadas de um ponto e coordenadas de um vetor (ou seja, distinguir propriedades afins de propriedades vetoriais). As coordenadas de um ponto dependem de sua posição no plano, o mesmo não acontece com as coordenadas de um vetor, que podem ser as mesmas apesar de as coordenadas de seus pontos extremidades terem mudado. Com efeito, para mudar as coordenadas de um vetor é preciso mudar sua direção, seu sentido ou seu comprimento. Esta independência das coordenadas de um representante de um vetor com relação à sua posição no plano não é discutida claramente nos livros didáticos, o que permitiu elaborar a hipótese de que os alunos seriam levados a confundir a relação entre comportamento das coordenadas de um ponto e comportamento das coordenadas de um vetor. Essa hipótese se traduz no seguinte invariante: Se um representante de um vetor está situado no primeiro quadrante então ele tem coordenadas positivas; no terceiro quadrante terá coordenadas negativas; no segundo e quarto quadrante, suas coordenadas terão sinais diferentes. Ou seja, as coordenadas de um representante de um vetor dependem de sua posição no plano. Da mesma forma, ao se definir vetor diretor de uma reta, não se trabalha o fato de que, desde que um representante de um vetor tenha mesma direção da reta dada, ele será um vetor diretor dessa reta, ou seja, existe uma infinidade de vetores que podem ser tidos como vetores diretores dessa reta (basta que sejam representantes de vetores paralelos à reta dada). Além disso costuma-se traçar um vetor diretor de uma reta sempre sobre essa reta, o que permite concluir que os alunos poderão construir o seguinte teorema em ação falso: Se u é um vetor diretor de uma reta d, então u só tem representantes sobre essa reta. 2.3 A realização da seqüência didática alguns resultados. Esta seqüência foi aplicada com 33 alunos de uma classe de Seconde (equivalente ao primeiro ano do Ensino Médio brasileiro), e teve uma duração média de dois meses. Trabalhamos com o professor sugerindo atividades a serem inseridas (levantadas na análise a 6 Os conhecimentos explícitos formam apenas a parte visível do iceberg da conceitualização: sem a parte oculta formada pelos invariantes operatórios, esta parte visível nada seria. Vice-versa, não se sabe falar dos invariantes operatórios integrados nos esquemas, senão pela ajuda de conhecimentos explícitos: proposições, funções proposicionais, argumentos-objetos (Vergnaud, 1990, p. 145) 6

10 priori das situações) e trabalhamos diretamente com os alunos, o que permitiu questioná-los individualmente, e melhor compreender suas dúvidas. A seqüência didática foi elaborada com o auxílio do software Cabri-Géomètre, que permitiu abordar aspectos de vetores que são pouco trabalhados no ambiente papel e lápis, evidenciando a presença de alguns invariantes. A seguir relatamos sucintamente dois grupos destas atividades. 2.3.1 - Distinção entre coordenadas de um ponto e coordenadas de um vetor Esta distinção foi trabalhada uma primeira vez com a seguinte atividade: a) Prever o que acontece com as coordenadas do vetor AB quando o deslocamos com a ajuda do ponteiro. Escreva suas previsões no caderno, em seguida valide sua resposta usando o Cabri-Géomètre. b) Prever o que acontece com as coordenadas do vetor AB quando o deslocamos com a ajuda do giro. Escreva suas previsões no caderno, em seguida valide sua resposta usando o Cabri-Géomètre. A maioria absoluta dos alunos disse que as coordenadas mudariam ao se deslocar o vetor, evidenciando a presença do primeiro invariante enunciado acima. Após discussão, foi proposta a atividade abaixo: a) No caderno, fixar um eixo de coordenadas de origem O.; desenhar um vetor de coordenadas positivas e um vetor de coordenadas negativas. Validar sua conjectura usando o software. b) Determinar em que caso o vetor AB tem coordenadas positivas, ou negativas, ou de sinais contrários. Aproximadamente ¼ dos alunos forneceu um vetor de coordenadas positivas no primeiro quadrante e um vetor de coordenadas negativas no terceiro quadrante. Em alguns casos, trata-se de um representante do mesmo vetor que era simplesmente desenhado em outro quadrante. Outras vezes desenhavam vetores diferentes porém sem que as respostas estivessem corretas. Ao verificarem com o software que sua resposta estava incorreta, alguns alunos tentavam arrumar a resposta de forma a torná-la verdadeira. Vejamos o exemplo de um aluno que forneceu inicialmente a seguinte resposta: O vetor AB tem coordenadas positivas quando está no primeiro quadrante. O vetor AB tem coordenadas negativas quando está no terceiro quadrante. O vetor AB tem coordenadas contrárias no segundo e quarto quadrantes. Após verificar que sua conjectura não estava correta, este aluno corrigiu a resposta que passou a ser a seguinte:

11 O vetor AB tem coordenadas positivas quando está no primeiro quadrante/ quando o ponto A é menor que o ponto B. O vetor AB tem coordenadas negativas quando está no terceiro quadrante/ quando o ponto A é maior que o ponto B. O vetor AB tem coordenadas contrárias no segundo e quarto quadrantes/ mas é preciso ter atenção com o sentido do vetor. Assim para este aluno, as coordenadas de um vetor estão relacionadas com sua posição no plano, mas é preciso algo mais para que sua resposta seja verdadeira. 2.3.1 Relação entre uma reta e um vetor diretor dessa reta Durante toda a realização da seqüência didática, foi trabalhado, em diversos momentos, o fato de que para determinar as coordenadas de um vetor basta pegar um representante desse vetor em qualquer lugar do plano, portanto no lugar mais conveniente para efetuar os cálculos. Porém, as atividades propostas em torno do conceito de vetor diretor de uma reta, mostravam que os alunos tinham dificuldade tanto em apreender esse resultado quanto em compreender que o essencial para determinar um vetor diretor de uma reta consiste em pegar um vetor paralelo a essa reta. Isso pode ser constatado durante a realização da atividade seguinte, proposta ao final da seqüência: Utilizando uma única vez coordenadas de um ponto do menu de Cabri-Géomètre, resolva as seguintes questões: a) traçar uma reta qualquer e um vetor diretor dessa reta; b) dar as coordenadas do vetor traçado. Essa atividade pode ser considerada como fundamental na compreensão do conceito, pois a única possibilidade de solução consiste em traçar um representante do vetor diretor (anteriormente traçado) partindo da origem, e em seguida calcular as coordenadas do ponto extremidade final desse representante. Porém, nenhum aluno resolveu espontaneamente o problema proposto, o que mostra que o invariante que diz que um vetor diretor de uma reta só tem representantes sobre a reta, ainda não tinha sido desestabilizado. 2.3.1 Considerações finais... A partir da análise de livros didáticos, elaboramos alguns teoremas-em-ação que os alunos seriam suscetíveis de construir e, em seguida, validamos estas hipóteses por meio de atividades propostas aos alunos, que permitiam, entre outros, confrontá-los à esses falsos teoremas-em-ação. Foi possível verificar que, mesmo após um trabalho diferenciado em um ambiente constituído de um software que privilegiou trabalhar estes invariantes, eles continuam arraigados nos alunos. Ou seja, a desestabilização destes falsos invariantes só

12 ocorreu localmente, pois a cada reinvestida percebia-se a manifestação de uma concepção ligada a esses invariantes, o que enfim, aponta para uma necessidade de novos trabalhos investigando e propondo alternativas para o ensino de vetores. Compreender a natureza desse objeto vetor é fundamental para realizar satisfatoriamente a passagem da geometria afim para a geometria vetorial, dificuldade essa que estava à origem da pesquisa aqui apresentada. Enfim, a teoria dos campos conceituais se mostrou efetivamente uma ferramenta eficaz para o estudo das dificuldades dos alunos na passagem da geometria afim à geometria vetorial. Conclusão: voltando ao ponto de partida... Como se sabe, a geometria ainda é pouco explorada nas salas de aula de matemática. Até pouco tempo, o ensino da geometria era totalmente deixado de lado, conforme pode ser constato em Lorenzato (1995) e Pavanelo (1993). Os Parâmetros Curriculares Nacionais destacam a importância e urgência de reverter esse quadro, dando à geometria no ensino fundamental e médio um espaço mais claro. Os capítulos de geometria e grandezas e medidas eram freqüentemente situados no fim dos livros didáticos e tratados de maneira fragmentada, sem estabelecer conexões com os outros campos da matemática escolar. Porém essa situação começa a mudar; alguns livros didáticos novos têm atribuído maior importância à esses temas, ligando-os inclusive, com outros campos da matemática e até mesmo de outras áreas do conhecimento. Por outro lado, somente a mudança nos livros didáticos não é suficiente: é preciso um trabalho de base, começando desde a formação inicial do professor. O desenvolvimento de pesquisas relacionadas ao ensino da geometria é também fundamental. De onde surgiu a idéia de propor esse mini-curso, que aborda duas pesquisas sobre o ensino de geometria, com o referencial teórico da Teoria dos Campos Conceituais, cada pesquisa com sua especificidade. A teoria dos Campos Conceituais apareceu em cada uma delas em função do problema de pesquisa: concepções dos alunos, análise de erros (teoremas em ação), complementaridade com outros campos teóricos: engenharia didática, registros,... É importante ainda ressaltar que uma teoria, qualquer que seja sofre alterações (ou pode sofrer), em função do objeto de pesquisa. Assim, por exemplo, é o caso da pesquisa desenvolvida sobre o ensino de vetores, em que pareceu necessário efetuar adaptações na Teoria dos Campos Conceituais para que esta pudesse responder satisfatoriamente às questões de pesquisa. De fato, a importância atribuída aos diferentes registros de representação semiótica (Duval, 1994) presentes no ensino de vetores, apontou para essa teoria como

13 elemento que melhor permitia entender e modelar o terceiro conjunto da Teoria dos Campos Conceituais, o sistema de linguagem. Bibliografia ARTIGUE, M.. Ingénierie Didactique. In: Recherches en didactique des mathématiques, vol.9, n 3, pp. 281-308, 1998. BALACHEFF, N. Processus de preuve chez des élèves de collège. Tese de Doutorado. Université Joseph Fourrier. Grenoble, França, 1988. BALACHEFF, N. Conception, connaissance et concept. In: Séminaire Didactique et Technologies Cognitives en Mathématiques 1994-1995, pp.219-244. Université Joseph Fourier. Grenoble, França, 1995. BALTAR, P. M. Enseignement et apprentissage de la notion d'aire de surfaces planes : une étude de l'acquisition des relations entre les longueurs et les aires au collège. Tese de Doutorado. Université Joseph Fourier. Grenoble, França, 1996. BELLEMAIN, P. M. B. Estudo de Situações-problema relativas ao conceito de área. In: X ENDIPE- ENCONTRO DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO, 2000, Rio de Janeiro. Ensinar e aprender: sujeitos, saberes, tempos e espaços. 2000. Publicação em CD Room. BITTAR M. Les vecteurs dans l enseignement secondaire. Aspects outil et objet dans les manuels. Etude de difficultés d élèves dans deux environnements : papier crayon et Cabrigéomètre II. Tese de doutorado. Université Joseph Fourier. Grenoble, França, 1998. BITTAR, M. A noção de vetor no ensino secundário francês: um exemplo de metodologia de pesquisa em didática da matemática. In: Anais da 22ª reunião da Anped, 1999. DOUADY R. Jeux de cadres et dialectique outil objet. Recherches en didactique des mathématiques. Vol. 7, n 2, pp. 30-115, 1987. DOUADY R., PERRIN-GLORIAN M. J. Un processus d'apprentissage du concept d'aire de surface plane. Educational Studies in Mathematics. Vol. 20, n 4, pp. 387-424, 1989. DUVAL, R.: Registres de représentation sémiotique et Fonctionnement cognitif de la pensée. Anais de Didactiques et de Sciences Cognitives, vol. 5, IREM de Strasbourg, pp. 37-65. França, 1994. FRANCHI, A. Considerações sobre a teoria dos campos conceituais. In: Educação matemática: uma introdução, pp. 155-195, Educ, São Paulo, 1999. LIMA, P. F., BELLEMAIN, P. M. B. Um estudo da noção de grandeza e implicações no ensino fundamental. Natal: Editora da SBHMat, No prelo.

14 LORENZATO, S. Por que não ensinar geometria? In: A Educação Matemática em Revista, nº 4. São Paulo: SBEM, 1995. MEC-SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais. Vol. 3. Matemática: Ensino de primeira à quarta série. Secretaria de Educação Fundamental de Ministério da Educação e do Desporto. Brasília, 1997. MEC-SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais. Matemática: Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação e do Desporto. Brasília, 1998. PAVANELO, R. M. O abandono do ensino da geometria no Brasil: Causas e Conseqüências. In: Zetetiké, nº 1. São Paulo: Unicamp, 1993. VERGNAUD, G. La théorie de champs conceptuels. Recherches en Didactique de Mathématiques,, vol 10, n 2.3, pp. 133-170. Grenoble: La Pensée Sauvage, 1990. VERGNAUD, G. Au fond de l apprentissage, la conceptualisation. Actes de l Ecole d été. Irem de Clermond Ferrand, pp. 174-185, 1995.