QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?

Documentos relacionados
PATOLOGIA DO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO

Anais do 38º CBA, p Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de

Peculiaridades do Hemograma. Melissa Kayser

31/10/2013 HEMOGRAMA. Prof. Dr. Carlos Cezar I. S. Ovalle. Introdução. Simplicidade. Baixo custo. Automático ou manual.

Hemoparasitas 1) DEFINIÇÃO 10/23/2017. Thais Schwarz Gaggini. Grande maioria transmitida por vetores; Carrapatos;

Medico Vet..: HAYANNE K. N. MAGALHÃES Idade...: 11 Ano(s) CRMV...: 2588 Data da conclusão do laudo.:05/08/2019

OCORRÊNCIA DE CÃES INFECTADOS POR HEPATOZOON SP.

Análise Clínica No Data de Coleta: 22/03/2019 1/5 Prop...: RAIMUNDO JURACY CAMPOS FERRO Especie...: CANINA Fone...: 0

Anais do 38º CBA, p.1478

INFLUÊNCIA DA TRANSMISSÃO TRANSPLACENTÁRIA DO ANAPLASMA MARGINALE NO HEMOGRAMA E NO METABOLISMO OXIDATIVO DOS NEUTRÓFILOS (NBT) EM BOVINOS ABSTRACT

Sangue: funções gerais

O Hemograma. Hemograma: Interpretação clínica e laboratorial do exame. NAC Núcleo de Aprimoramento Científico Jéssica Louise Benelli

Leucograma: Avaliação normal e alterações quantitativas

EXAME HEMATOLÓGICO Hemograma

INFLUÊNCIA DO TEMPO DE ARMAZENAMENTO DA AMOSTRA SOBRE OS PARÂMETROS HEMATOLÓGICOS DE CÃES

ALTERAÇOES LABORATORIAIS RANGELIOSE: RELATOS DE CASOS

Estudo comparativo entre alterações hematológicas de filhotes com babesiose canina e os achados comuns em animais adultos acometidos.

DOENÇAS INFECCIOSAS DE CÃES

LEUCOGRAMA O que realmente precisamos saber?

Anais do 38º CBA, p.0823

DEPARTAMENTO DE CLÍNICA MÉDICA CURSO DE HEMATOLOGIA

Análise Clínica No Data de Coleta: 16/07/2019 1/6 Prop...: PAULO ROBERTO PINHO ARRUDA Especie...: CANINA Fone...: 0

DETECÇÃO MOLECULAR DE Hepatozoon spp EM CÃO DO MUNICÍPIO DE MINEIROS

INTRODUÇÃO AO LINFOMA EM GATOS

Medico Vet..: REINALDO LEITE VIANA NETO. Data da conclusão do laudo.:30/04/2019

Aspectos epidemiológicos, clínicos e hematológicos de 251 cães portadores de mórula de Ehrlichia spp. naturalmente infectados

Curso de Hematologia RCG0448 Lista de Hemogramas para discussão

Hepatozoon spp.: RELATO DE CASO NO OESTE DO PARANÁ - BRASIL.

CONSCIENTIZAÇÃO DA POPULAÇÃO SOBRE MALES QUE OS CARRAPATOS PODEM CAUSAR A CÃES E DONOS

Análise Clínica No Data de Coleta: 08/04/2019 1/7 Prop...: MARINA LEITÃO MESQUITA Especie...: CANINA Fone...: 0

ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS EM CÃES POSITIVOS PARA LEISHMANIA spp. NA MICRORREGIÃO DE ARAGUAÍNA-TO.

CYNTHIA DE ASSUMPÇÃO LUCIDI 1 ; FLÁVIA FERNANDES DE MENDONÇA UCHÔA 2

Data da conclusão do laudo.:16/10/2018

Análise Clínica No Data de Coleta: 08/04/2019 1/6 Prop...: NATHALIA RONDON BOTELHO DE CARVALHO Especie...: CANINA Fone...

Prof. Dr. Adilson Donizeti Damasceno Professor Adjunto I DMV/EV/UFG

LEISHMANIOSE CANINA (continuação...)

Perfil Hematológico de ratos (Rattus novergicus linhagem Wistar) do Biotério da Universidade Luterana do Brasil

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Avaliação hematológica em cães errantes da região urbana de Maringá-PR

Palavras-chave hemoparasito; gametócito; carrapato; filhotes.

Lygia Silva GALENO 1 ; Brenda Fernanda Sodré MORENO 2 e Daniel Praseres CHAVES 3

Análise Clínica No Data de Coleta: 05/02/2019 1/7 Prop...: RAIMUNDO JURACY CAMPOS FERRO Especie...: CANINA Fone...: 0

Medico Vet..: REINALDO LEITE VIANA NETO. Data da conclusão do laudo.:25/04/2019

LEUCOGRAMA. MV. ESP. MSc. Fernanda Martinato. I. Introdução

EFEITOS DO PERÍODO PUERPERAL SOBRE O HEMOGRAMA E TESTE DE NBT EM VACAS GIROLANDO ABSTRACT

Avaliação Nutricional - Profa. Raquel Simões

ANEMIA EM CÃES E GATOS

Análise Clínica No Data de Coleta: 07/02/2019 1/4 Prop...: ELIAS FONTENELE VALDEREZ Especie...: CANINA Fone...: 0

Análise Clínica No Data de Coleta: 03/04/2019 1/7 Prop...: REJANE MARIA DA SILVEIRA PEREIRA

Análise Clínica No Data de Coleta: 05/11/2018 1/7 Prop...: JOSE CLAUDIO DE CASTRO PEREIRA Especie...: CANINA Fone...: 0

Análise Clínica No Data de Coleta: 27/08/2018 1/6 Prop...: SAMARA MARIA NEGUREIRO DE CARVALHO Especie...: CANINA Fone...

INTERPRETAÇÃO DO HEMOGRAMA

Data da conclusão do laudo.:12/04/2019

TÍTULO: DIFERENÇAS DE VOLUME SANGUÍNEO COLETADO E SUA INFLUÊNCIA NO HEMOGRAMA INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

Medico Vet..: HAYANNE K. N. MAGALHÃES Idade...: 8 Ano(s) CRMV...: 2588 Data da conclusão do laudo.:02/11/2018

PERFIL HEMATOLÓGICO DE CÃES POSITIVOS PARA PARVOVIROSE DIAGNOSTICADOS POR IMUNOCROMATOGRAFIA NO HOSPITAL VETERINÁRIO UNIVERSITÁRIO UFPI.

Hemograma. Exame laboratorial que expressa a quantidade e a qualidade dos elementos figurados do sangue periférico em 1 microlitro

ENFERMAGEM EXAMES LABORATORIAIS. Aula 2. Profª. Tatiane da Silva Campos

[ERLICHIOSE CANINA]

Senha para inscrição no Moodle Mecanismos de Agressão e Defesa turma E. #aluno-mad1e

DOENÇAS INFECCIOSAS DE CÃES

Data da conclusão do laudo.:12/04/2019

INFECÇÃO SIMULTÂNEA POR Leishmania chagasi E Ehrlichia canis EM CÃES NATURALMENTE INFECTADOS EM SÃO LUÍS, MARANHÃO, BRASIL

Contagem eletrônica automatizada realizada em equipamento Sysmex XE-D 2100 Roche.

GRUPO SANGUÍNEO e FATOR Rh VDRL. ANTÍGENO p24 e ANTICORPOS ANTI HIV1 + HIV2. Grupo Sanguíneo: "O" Fator Rh: Positivo. Resultado: Não Reagente

Medico Vet..: REINALDO LEITE VIANA NETO. Data da conclusão do laudo.:17/12/2018

Elementos do hemograma

TÍTULO: ESTUDOS HEMOPARASITOLÓGICOS EM EQUINOS, OVINOS E CANINOS DO IFSULDEMINAS CÂMPUS MUZAMBINHO.

Análise Clínica No Data de Coleta: 13/02/2019 1/4 Prop...: ADALGISA MONICA MOURÃO SIMOES Especie...: FELINA Fone...

Leucemias Agudas: 2. Anemia: na leucemia há sempre anemia, então esperamos encontrar valores diminuídos de hemoglobina, hematócrito e eritrócitos.

Análise Clínica No Data de Coleta: 11/03/2019 1/4 Prop...: RENATA MACHADO PINHEIRO Especie...: FELINA Fone...: 0

Procedimentos Técnicos Código: PROHEM NOME FUNÇÃO ASSINATURA DATA ELABORADO POR

Medico Vet..: HAYANNE K. N. MAGALHÃES Idade...: 6 Mes(es) 24 Dia(s) CRMV...: 2588 Data da conclusão do laudo.:01/03/2019

Avaliação Hematológica, Interpretação e Importância em Nutrição

SOROLOGIA PARA CITOMEGALOVÍRUS - ANTICORPO CLASSE IgG. SOROLOGIA PARA CITOMEGALOVÍRUS - ANTICORPO CLASSE IgM

Palavras Chave: Cães, Hepatozoonose, hemoparasitose, carrapato. Keywords: Dogs, Hepatozoonosis, Hemoparasitosis, ticks.

INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA EM GATOS

PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO BONITO- RJ DECISÃO DOS RECURSOS CONTRA GABARITO PRELIMINAR I DOS RECURSOS

Resumo: Palavras-chave: erliquiose canina, bioquímica, hematologia. Keywords: canine ehrlichiosis, biochemistry, hematology.

HEMOGRAMA EM GERIATRIA. AVALIAÇÃO NUMA POPULAÇÃO DA CIDADE DE AMPARO, SP. Município de Amparo II Biomédica. Município de Amparo RESUMO

SANIDADE DE CÃES COMUNITÁRIOS DE CURITIBA/PR SANITY OF NEIGHBORHOOD DOGS IN CURITIBA/PR

PSA - ANTÍGENO ESPECÍFICO Coleta: 20/11/ :05 PROSTÁTICO LIVRE. PSA - ANTIGENO ESPECÍFICO Coleta: 20/11/ :05 PROSTÁTICO TOTAL

HEMOGRAMA COMPLETO. PLAQUETAS : /mm /mm3 GLICOSE. Método: Citoquímico/Isovolumétrico Material: Sangue Edta

Hemograma automatizado

Archives of Veterinary Science ISSN X

NOME FUNÇÃO ASSINATURA DATA. HISTÓRICO DAS REVISÕES Versão Revisado por Data Assinatura Aprovado por Data Assinatura

Método : HPLC (Cromatografia Líquida de Alta Performance) por troca Iônica. Material: Sangue Edta

Autonomia em diagnósticos para clínicas e hospitais veterinários

INTERPRETAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE LIBERAÇÃO DOS RESULTADOS DE HEMOGRAMA ATRAVÉS DE CONTADORES AUTOMATIZADOS EM LABORATÓRIO DE URGÊNCIA

Valores Referenciais: Resultado: 180 mg/dl

1) Qual translocação é característica da Leucemia mielóide crônica? a) t(14;18) b) t(9,21) c) t(9;22) d) t(22,9) e) t(7;22)

Aulas e discussão dos casos.

ESTUDO CLÍNICO DAS CÉLULAS SANGUÍNEAS

PERFIL HEMATOLÓGICO DE GATOS DOMÉSTICOS NATURALMENTE INFECTADOS POR EHRLICHIA PLATYS NA REGIÃO SUL FLUMINENSE-RJ

ACADEMIA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Parasitologia VET05596 REINO PROTOZOA. Jankerle Neves Boeloni

PARÂMETROS HEMATOLÓGICOS DE CÃES APRESENTANDO CORPÚSCULOS DE LENTZ EM ESFREGAÇO SANGUÍNEO

AVALIAÇÃO DE UM HEMOGRAMA COMPLETO - SÉRIE VERMELHA

Alterações hematológicas em coelhos infectados experimentalmente pelo Trypanosoma evansi - NOTA -

DOSAGEM DE 25 - HIDROXIVITAMINA D

Classificação das Anemias

Transcrição:

- 2016 QUAL O SEU DIAGNÓSTICO? Patologia Clínica Veterinária MV. MSc. Nathan da Rocha Neves Cruz 1,2 *, MV. Fabian Aguirre 3, MV. Dr. MSc. Aureo Evangelista Santana 2, MSc. Dr. Marcelo Ruiz 3 1 Intercambista da Asociación de Universidades Grupo Montevideo (AUGM) 2 Universidade Estadual Paulista, Câmpus Jaboticabal FCAV/UNESP, Jaboticabal, São Paulo, Brasil. 3 Universidad Nacional do Litoral, Faculdad de Ciencias Veterinarias FCV / UNL, Esperanza, Santa Fe, Argentina. *Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castelanni, s/n. CEP: 14884-900, Jaboticabal, São Paulo. email: nathancruzbr@gmail.com Prévia Em um hemograma solicitado pelo Setor de Clínica Médica de Pequenos Animais ao Laboratório de Análisis Clínicos no Hospital de Salud Animal da Faculdad de Ciencias Veterinarias (HSA/FCV/UNL), o contador automático hematológico advertiu a presença de eosinofilia em diferencial leucocitário, porém, na análise diferencial por microscopia, encontrou-se eosinopenia e significativas inclusões citoplasmáticas em neutrófilos. Caso Clínico Após solicitação do Setor de Clínica Médica de Pequenos Animais ao Laboratório de Análises Clínicas no Hospital de Salud Animal da Faculdad de Ciencias Veterinarias (HSA/FCV/UNL) foi realizado hemograma de um cão mestiço com 3 meses de idade, macho e com diagnóstico presuntivo de diarreia por parvovírus. O sangue estava acondicionado em tubo coletor com anticoagulante EDTA e não apresentava aglutinação macroscópica. A análise hematológica foi realizada em contador hematológico automático BC2800 Vet (Midray, 2007) e a contagem diferencial dos leucócitos em extensão sanguínea corada com May-Grunwald-Giemsa. O resultado da contagem automática revelou leucopenia (1.200/mm³), predomínio relativo de população linfocitária (60,7%), advertência (flag) para presença de eosinófilos (23,7%) (Figura 1) e anemia (hemoglobina: 8,5 g/dl) normocítica (VCM: 72,5 fl) e hipocrômica (CHCM: 29,9 g/dl). 40

41 Figura 1. Contagem automática do hemograma A, representada na forma de histograma de leucócitos (WBC). R1 é a região de leucócitos pequenos: linfócitos e basófilos; R2 é a região de leucócitos médios: monócitos, neutrófilos imaturos e eosinófilos; R3 é a região de leucócitos grandes: granulócitos segmentados, bastonetes e eosinófilos. Seta branca indica advertência (flag) para eosinofilia A contagem diferencial do esfregaço sanguíneo evidenciou a presença de 17% de neutrófilos segmentados, 2% de neutrófilos bastonetes, 74% de linfócitos, 2% de eosinófilos e 5% de monócitos, cuja contagem absoluta revelou um quadro de pancitopenia (Tabela 1 Hemograma A). Dentro dos neutrófilos foram encontradas inclusões citoplasmáticas de formato elíptico, cor azul-gelo, e núcleo discretamente basofílico (Figura 2). Figura 2. (B) Fotomicrografia de neutrófilo com inclusão citoplasmática de formato elíptico, cor azul-gelo e núcleo discretamente basofílico (Coloração May-Grunwald-Giemsa, 1000x). Antes de informar o resultado, o histórico laboratorial do paciente foi consultado, no qual se verificou que outro hemograma havia sido realizado dois dias antes do atual (Tabela 1 Hemograma B). Neste hemograma, também havia sido observada flag para eosinofilia de 15,7% (Figura 3), linfocitose relativa automática, ausência de quadro anêmico, desvio à esquerda degenerativo, neutrófilos tóxicos e com inclusões elípticas. Figura 3. Contagem automática do hemograma B. Seta branca indica advertência (flag) para eosinofilia. Tabela 1. Resultados dos hemogramas do paciente da espécie canina e valor de referência do Laboratório de Análises Clínicas (HSA/FCV/UNL).

42 Hemograma A B Valores de Referência Hemácias (x106/µl) 3,93 5,76 5,5 8,5 Hemoglobina (g/dl) 8,5 12,2 12 18 Hematócrito (%) 28,4 40,5 37 55 VCM (fl) 72,5 70,4 60 77 HCM (pg) 21,6 21,1 22 26 CHCM (%) 29,9 30,1 32 36 Metarrubrícitos (%) - 1 0 Leucócitos (cél/µl) 1.200 6.800 6.000 17.000 Neutrófilos Bastonetes (cél/µl) 24 (2%) 2.448 (36%) Neutrófilos Segmentados (cél/ µl) 204 (17%) Linfócitos (cél/µl) 888 (74%) 1.224 (18%) 1.836 (27%) Monócitos (cél/µl) 60 (5%) 1.156 (17%) 0 300 3.000 11.500 1.000 4.800 150 1.350 Eosinófilos (cél/µl) 24 (2%) 136 (2%) 150 1.250 Plaquetas (x10³/ µl) 316 599 200 500 Observações Inclusões neutrofílicas elípticas de cor azul-gelo Neutrófilos tóxicos Inclusões neutrofílicas elípticas de cor azul-gelo 1. Qual o diagnóstico laboratorial considerando as inclusões neutrofílicas? 2. Qual a etiologia e os achados clínicos e laboratoriais da doença? 3. Eosinofilia é um achado comum na doença em questão? 4. A automação alertou sobre eosinofilia relativa, mas na contagem diferencial do esfregaço houve eosinopenia. O resultado da automação é confiável? 5. Qual seria a possível explicação para pancitopenia do paciente, uma vez que a literatura relata que pacientes portadores desta doença apresentam leucocitose neutrofílica? 6. Há algum parâmetro do contador automático que confirma definitivamente a doença em questão? Discussão 1. Qual o diagnóstico laboratorial considerando as inclusões neutrofílicas? Com base no achado laboratorial do esfregaço sanguíneo, as inclusões neutrofílicas são gametócitos de Hepatozoon sp. Na hepatozoonose, pode-se encontrar, em sangue periférico, o gametócito intracelular em neutrófilos e monócitos, apresentando formato ovalado ou elíptico, coloração azul-gelo ou incolor e tamanho médio de 11 a 4 µm (BANETH et al. 2007; SCHULTZE, 2012). 2. Qual a etiologia e os achados clínicos e laboratoriais da doença? O agente etiológico é o Hepatozoon spp. que foi classificado em 1905 por S.P James, na Índia, como pertencente ao filo Apicomplexa, classe Sporozoea, ordem Eucoccidia e família Haemogregarinidae. Inicialmente, dentro do gênero Hepatozoon, destacava-se somente uma espécie de interesse: H. canis (NAVARRETE e NIETO, 2002). Posteriormente, o H. americanum também foi considerado uma espécie de interesse para os cães, que difere do H. canis por suas alterações estruturais (sítio das merogônias), ocorrência restrita à América do Norte, ter como hospedeiro definitivo o carrapato Amblyomma maculatum e pela sintomatologia clínica no hospedeiro intermediário (cão) dados reportados por Davis et al. em 1978 no Texas, Estados Unidos (ALLEN et al. 2011). O Hepatozoon canis tem uma ampla distribuição (Europa, Ásia, África e Américas) e afeta canídeos e felídeos (hospedeiros intermediários) (BANETH et al. 2007). Seu hospedeiro definitivo

43 pode ser qualquer invertebrado hematófago, incluindo ácaros, moscas, mosquitos, pulgas, piolhos e sanguessugas (BANETH, 2011), além do carrapato. Smith (1996) também relata a ocorrência de anfíbios, répteis, aves e marsupiais como possíveis hospedeiros intermediários. Sua forma de transmissão, além do contato com hospedeiro definitivo infectado, pode ocorrer por predação de animais infectados e via intrauterina (NAVARRETE e NIETO, 2002). A severidade da doença está relacionada à parasitemia, que pode variar de baixa a alta, dependendo do status de imunidade do animal. Desta forma, idade, imunodeficiência, imaturidade do sistema imunológico, desordem genética, terapia imunossupressora ou coinfecção com outros agentes etiológicos como Ehrlicha canis, Leishmania canis, Babesia canis e Toxoplasma gondii (BANETH et al. 2007; ALLEN et al. 2011; SCHULTZE, 2012), são fatores predisponentes à evolução da doença e ao aparecimento de sintomatologia clínica caracterizada por febre, anemia, letargia, apatia, depressão, anorexia, perda de peso, palidez das mucosas, dor, diarreia, vômito, claudicação e poliúria (BANETH, 2011). Para O Dwyer (2011), o status imune do hospedeiro é o fator de reativação ou aumento da severidade da hepatozoonose. A infecção por H. canis tem condição subclínica em cães saudáveis, porém, quando há aumento da severidade da enfermidade, a parasitemia pode estar associada à neutrofilia (80.000 150.000 cél/µl). Baneth (2011) afirma que a contagem de leucócitos geralmente é normal quando a parasitemia é baixa, mas outras infecções concomitantes (parvovirose, erliquiose, babesiose, anaplasmose, toxoplasmose ou leishmaniose) podem ser reportadas e influenciar os parâmetros laboratoriais. Schultze (2012) descreveu a ocorrência de anemia normocítica normocrômica (70,43%), leucocitose (39,13%), neutrofilia (40,87%) em cães infectados experimentalmente com o H. canis. Além disso, segundo Macintire et al. (2006), a trombocitopenia pode estar presente em um de cada três cães infectados com H. canis. 3. Eosinofilia é um achado comum na doença em questão? Sim, há relatos da ocorrência de eosinofilia em cães com hepatozoonose (BANETH, 2011; O DWYER, 2011). A principal causa de aumento de eosinófilos está relacionada à presença de endo e ectoparasitas, enfermidades alérgicas e neoplásicas. A contagem dos eosinófilos pode estar normal no sangue periférico, porém o enfermo pode apresentar eosinofilia tecidual localizada, que é uma alteração histológica bem comum na hepatozoonose devido ao seu ciclo muscular (ALLEN et al, 2011; SCHULTZE, 2012). 4. A automação alertou sobre eosinofilia relativa, mas na contagem diferencial do esfregaço houve eosinopenia. O resultado da automação é confiável? O analisador hematológico que utiliza tecnologia de impedância, além de contar as células sanguíneas, pode classificálas e organizá-las através de um histograma que correlaciona volume celular (eixo x) com frequência de contagem (eixo y). Em relação aos leucócitos, o contador dimensiona os glóbulos em três sub-populações, sendo R1: População pequena (<90 fl) linfócitos; R2: População Intermediária (90 160 fl) - monócitos, neutrófilos imaturos e eosinófilos; e R3: População grande eosinófilos, neutrófilos segmentados e bastonetes. Quando há saliência gráfica entre a região de R1 e R2, pequenas e médias células, o contador adverte ao operador por meio de flags que a amostra tem a presença de linfócitos atípicos ou alta contagem de eosinófilos (MINDRAY, 2007). De acordo com Moritz e Becker (2012), a presença de populações atípicas, imaturas ou com alta contagem de eosinófilos pode prejudicar a diferenciação automática, sendo uma limitação que deve ser conferida pelo patologista clínico, principalmente quando há advertência de flags. Chabot-Richards e George (2014) ressaltam que, quando calibrado e controlado corretamente, os contadores automáticos possuem acurácia de contagem e diferencial populacional superior aos métodos manuais, oferecendo rapidez, versatilidade e direcionamento do patologista para investigação das enfermidades. O contador automático neste caso alertou para a possibilidade de alteração na amostra, a qual deveria ser impreterivelmente confirmada pelo patologista clínico. Nos casos de inclusões parasitárias, neutrófilos e monócitos aumentam de tamanho em relação às células normais, situação advertida pelo contador automático em ambos os hemogramas realizados e confirmada na microscopia com a visualização do Hepatozoon spp. 5. Qual seria a possível explicação para pancitopenia do paciente, uma vez que a literatura relata que pacientes portadores desta doença apresentam leucocitose neutrofílica? O paciente, possivelmente, possui uma doença concomitante indutora de pancitopenia. Com base no histórico e na sugestão clínica, considera-se a possibilidade de gastroenterite induzida por Parvovírus, fazendo-se necessária a confirmação por outros testes laboratoriais.

44 Demais, é necessário considerar que a hepatozoonose pode estar associada a outras doenças que comprometem a resposta imune (BANETH et al. 2007; ALLEN et al. 2011; BANETH, 2011; O DWYER, 2011; SCHULTZE, 2012). Neste caso, de acordo com Schultza (2012), poderá haver um processo de imunodeficiência por depleção celular. A infecção por Parvovírus pode estar associada com um quadro de citotoxicidade às células tronco hematopoiéticas, levando ao quadro de pancitopenia, que associada à severidade do quadro de enterite pode culminar em endotoxemia gastrointestinal, depleção neutrofílica dos estoques medulares e anemia microcítica hipocrômica devido à deficiência nutricional (SCHNELLE e BARGER, 2012; ALLENSPACH, 2013). 6. Há algum parâmetro do contador automático que confirma definitivamente a doença em questão? Em relação à automação hematológica, não há nenhum parâmetro que confirme a hepatozoonose ou qualquer parasitemia, porém, deve-se sempre considerar que inclusões celulares podem alterar a estrutura morfológica das células brancas e dessa forma modificar a contagem diferencial automática (MURATA, 1993; CHABOT-RICHARDS e GEORGE, 2014). É importante ressaltar que cabe ao patologista clínico veterinário fazer as inferências sobre a contagem e a diferenciação automática por meio da observação da extensão sanguínea e do histórico do paciente. Para o diagnóstico da hepatozoonose, a observação de neutrófilos e monócitos parasitados em amostras de sangue periférico, medula óssea, imprints cutâneos e de órgãos são considerados confirmatórios e dependentes da condição de parasitemia dos pacientes (NAVARRETE e NIETO, 2002). O diagnóstico sorológico tem boa aplicabilidade quando há disponibilidade de antígenos ou testes comerciais (BANETH, 2011), e o diagnóstico molecular por meio da pesquisa com sequência de 18S RNA ou DNA por PCR tem alta sensibilidade (O DWYER, 2011), sendo bastante empregados em estudos epidemiológicos e caracterização de espécies. REFERÊNCIAS Allen KE, Johnson EM, Little SE. 2011. Hepatozzon spp infections in the United States. Vet Clin Small Anim 41: 1221-1238. Allenspach K. 2013. Diagnosis of small intestinal disorders in dog and cats. Vet Clin North Am Small Anim Pract 43 (6): 1227-1240. Baneth G, Samish M, Shkap V, 2007. Life cycle of Hepatozoon canis (Apicomplexa: Adeleorina: hepatozoidar) in the tick Rhipicephalus sanguineus and domestic dog (Canis familiaris). J. Parasitol. 93: 283-299. Baneth G. 2011. Perspectives on canine and feline hepatozoonosis. Veterinary Parasitology, 18, p. 3-11. Chabot-richards D. George, T. 2014. White blood cell counts: reference methodology. Clin Lab Med, 35 (1): 11-24. Macintire DK, Vincent-Johnson NA, Craig TM. 2006. Hepatozoon americanum infection. In: Greene CE, ed. Infectious Diseases of the Dog and Cat. 3rd ed. St. Louis: Saunders Elsevier, p. 705-711. Mindray S. 2007. BC-2800 Analisador hematológico automático: Manual de operação. cap. 7. p. 13-14. Moritz A. Becker, M. 2012. Automated hematology systems. In: Weiss DJ, Wardrop KJ. Schalm s: Veterinary hematology. 6. ed. Phiadelphia: Wiley-Blackwell. p. 1054-1067. Murata T, Inoue M, Kanoe M et al. 1993.Ultrastructure and cytochemical characteristics of leukocyte infected with Hepatozoon canis. J Vet Med Sci 55 (6): 1043-1045. Navarrete I, Nieto LCG. 2002. Babesiosis, hepatozoonosis, citauxzoonosis felina. In: Campillo MC, Vázques FAR. Parasitología veterinaria. Madrid: McgraW, 2002. p. 676-677. O Dwyer LH. 2011. Brazilian canine hepatozoonosis. Rev. Bras. Parasitol. 20 (2011): 181-193. Schnelle NA, Barger AM. Neutroenia in dogs and cats: causes and consequences. Vet Clin North Am Small Anim Pract 42 (1): 111-122. Schultze AE, 2012. Interpretation of canine leukocyte responses. In: Weiss DJ, Wardrop KJ. Schalm s: Veterinary hematology. 6. ed. Phiadelphia: Wiley-Blackwell. p. 321-334. Smith TG. 1996. The genus Hepatozoon (Apicomplexa: Adeleina). J. Parasitol 82: 565-585.

45 Flag de eosinofilia em cão inclusão neutrofílica: Qual o seu diagnóstico? Eosinophilia flag in blood count of dog with neutrophil inclusion: What is your diagnosis? Resumo: Os contadores hematológicos automatizados realizam a contagem de leucócitos totais, diferencial automatizado de três partes baseado em tamanho (leucócitos pequenos: linfócitos e basófilos; leucócitos médios: monócitos e eosinófilos; leucócitos grandes: eosinófilos, neutrófilos segmentados e bastonetes) e por meio de alertas (flags) avisam quando a amostra pode estar apresentando células imaturas, leucócitos atípicos e altas contagem de eosinófilos. No Laboratório de Análisis Clínicos da Universidad Nacional del Litoral (HSA/FCV/UNL) foi realizado o hemograma de um cão, macho, de 3 meses de idade com histórico de diarreia. Na avaliação hematológica automatizada foi observado predomínio relativo de linfócitos, flag para eosinofilia e anemia, mas na contagem diferencial manual havia pancitopenia e inclusões em neutrófilos sugestivo de Hepatozoon spp. Palavras-chave: cão, hematologia, contagem automática, parasita. Abstract Automated haematological counters perform white blood cell count, automated differential three-part based on size (small white blood cells: lymphocytes and basophils; average leukocytes: monocytes and eosinophils; large leukocytes: eosinophils, segmented neutrophils and rods) and through alerts ( flags) notify when the sample may be exhibiting immature cells, atypical white blood cells and high eosinophil count. In Laboratorio de Análises Clínicos da Universidad Nacional del Litoral was held the blood count of a dog, male, 3 months old with diarrhea history. In automated hematological evaluation was observed predominantly lymphocytes, flag for eosinophilia and anemia, however in the manual differential count there was pancytopenia and inclusions in neutrophils suggesting Hepatozoon spp. Key words: dog, hematology, automated count, parasite.