Planos de Pormenor: AAE e/ou AIA? Raquel Pinho e Miguel Coutinho IDAD Instituto do Ambiente e Desenvolvimento Campus Universitário, 3810-193 Aveiro Tel: 234400800 / Fax: 234382876 / e-mail: rdpinho@ ua.pt Palavras-Chave: Plano de Pormenor, Avaliação Ambiental Estratégica, Avaliação de Impacte Ambiental, Relatório Ambiental Resumo: O Decreto-Lei n.º 316/2007 de 19 de Setembro refere que os Planos de Pormenor (PP) só serão objecto de avaliação ambiental estratégica (AAE) no caso de se determinar que são susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente. No relatório ambiental (RA), serão identificados, descritos e avaliados os eventuais efeitos significativos no ambiente resultantes da aplicação do respectivo plano e as suas alternativas razoáveis que tenham em conta os objectivos e o âmbito de aplicação territorial. Um PP consiste, na maioria dos casos, numa proposta de ocupação e alteração de uso do solo numa determinada área, sendo expectáveis a priori efeitos significativos no ambiente, os quais deverão ser devidamente analisados através do processo de AAE, contribuindo para a concepção de um plano ambientalmente mais sustentável. Em termos processuais, qualquer alteração de uso do solo, subjacente a áreas delimitadas para PP deveria ser integrada e avaliada aquando a AAE do Plano Director Municipal (PDM). Contudo, na prática, tal não se verifica. A urgência de concretizar os PP, muitas vezes associados a intervenções promovidas por privados, não encaixa no período de elaboração do processo de revisão dos PDM e respectiva AAE. Neste âmbito, e assegurando uma acção mais rápida, os PP são sujeitos ao processo de AAE. Considerando que os impactes mais significativos dos PP são avaliados e minimizados atempadamente durante o processo AAE de plano de nível superior, fará sentido realizar a AAE do mesmo plano, mas em fase posterior? Quais as condições necessárias de submeter um PP ao processo de AAE? 1
1. Avaliação Ambiental Estratégica 1.1 Conceito Segundo o Decreto-Lei n.º 232/2007 de 15 de Junho (alínea a, Artigo 2.º) entende-se por avaliação ambiental a identificação, descrição e avaliação dos eventuais efeitos significativos no ambiente resultantes de um plano ou programa, realizada durante um procedimento de preparação e elaboração do plano ou programa e antes de o mesmo ser aprovado ou submetido a procedimento legislativo, concretizada na elaboração de um relatório ambiental e na realização de consultas, e a ponderação dos resultados obtidos na decisão final sobre o plano ou programa e a divulgação pública de informação respeitante à decisão final. Embora a legislação não adopte o termo estratégica conforme a Directiva 42/2001/CE, considera-se, no entanto, que a essência da avaliação ambiental ao nível dos planos e programas é a sua dimensão estratégica, baseada na definição de objectivo e, na análise de alternativas articulada com objectivos de sustentabilidade. A avaliação ambiental estratégica (AAE) constitui uma ferramenta de apoio à tomada de decisão, cujo papel é mais efectivo e eficiente quanto mais cedo for usada (Partidário, 2000) aquando a elaboração do plano ou programa. O momento mais apropriado da AAE verifica-se quando ainda é possível, caso seja pertinente, alterar as características da política, plano ou programa em preparação, sendo, deste modo, efectivamente útil para os decisores (Verheem e Post, 2005). 1.2 Hierarquia Em termos de hierarquia, a AAE consiste no enquadramento estratégico para o desenvolvimento de projecto, o qual será posteriormente sujeito à elaboração de estudo de impacte ambiental (EIA) durante o processo de avaliação de impacte ambiental (AIA). Por vezes, não existe uma clara distinção entre alguns níveis de decisão: política, plano, programa e projecto, existindo contudo uma definição genérica (Figura 1). Tendo em linha de conta a hierarquia (política, plano, programa e projecto) assume-se que as características locais específicas aumentam do nível da política para o nível do projecto, enquanto que as hipóteses de alternativas a considerar diminuem (Fischer, 2001). Na ausência desta hierarquia definida adequadamente, o processo de comunicação rompe-se, criando dissonância entre os diferentes níveis de decisão (ICON, 2001). 2
Definição de objectivos, prioridades, regras e mecanismos POLÍTICA Conjunto de prioridades, opções e medidas para alocar recursos de acordo com a disponibilidade, seguindo a orientação de políticas relevantes PLANO AAE Definição de objectivos para atingir durante a implementação do programa, especificando actividades e programas de investimentos, enquadrados em políticas relevantes PROGRAMA Proposta detalhada, esquema ou desenho de acção ou actividade de desenvolvimento, a qual representa um investimento e envolve a implementação de objectivos PROJECTO AIA Figura 1 Níveis de tomada de decisão e avaliação ambiental. Aquando da AAE, deve-se ter em linha de conta o conteúdo e o nível de pormenor do plano ou programa, a sua posição no procedimento de tomada de decisão e as questões a avaliar nos diferentes níveis da hierarquia em que o plano ou programa se integre por forma a evitar a duplicação da avaliação (ponto 2, Artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 232/2007). De um modo geral, a AAE tem como objectivo integrar objectivos de sustentabilidade no desenvolvimento de planos e programas, enquanto que a AIA pretende assegurar a protecção ambiental e avaliar impactes ambientais, sociais e económicos de projectos (Figura 2). Projectos Planos e Programas AIA AAE Impactes Ambiente Social Economia Objectivos Figura 2 AAE e AIA. 3
1.3 Articulação entre AAE e AIA Face à AAE a realizar e à provável realização do procedimento de AIA a posteriori, é fundamental optimizar a AAE, de modo a: 1) minimizar os custos e tempo; 2) assegurar a ligação entre o nível estratégico e o projecto concreto; 3) assegurar que a tipologia dos efeitos ambientais são avaliados no nível de decisão mais apropriado, evitando duplicação de avaliações; e 4) considerar a avaliação de alternativas. De salientar que os processos de AAE e AIA devem-se complementar. A AAE ajuda a compreender e direcciona apropriadamente um problema enquanto que o AIA visa encontrar uma solução para o problema. Isto é, a escala de avaliação ajuda a compreender e a definir o problema (Partidário, 2007). Neste âmbito, caso a AAE direccione o problema adequadamente, será mais fácil e célere encontrar a solução, em fase de AIA. Os resultados da avaliação ambiental de plano ou programa realizada nos termos do presente decreto-lei são ponderados na definição de âmbito do estudo de impacte ambiental (EIA) do projecto que esteja previsto de forma suficientemente detalhada nesse mesmo plano ou programa, quando à mesma houver lugar (ponto 2, Artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 232/2007). O EIA apresentado pelo proponente no âmbito de procedimento de AIA de um projecto previsto de forma suficientemente detalhada em plano ou programa submetido a AAE pode ser instruído com os elementos constantes do relatório ambiental ou da declaração ambiental que sejam adequados e se mantenham actuais (ponto 3, Artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 232/2007). 1.4 Vantagens da AAE De um modo geral, o processo de AAE contribui para identificar novas oportunidades de desenvolvimento associadas aos planos e programas, assegurando: Sustentabilidade do desenvolvimento urbano proposto (avaliação pro-activa); Avaliação de todas as alternativas possíveis, contribuindo para adoptar a opção mais sustentável; Análise mais abrangente de impactes cumulativos; Identificação da origem dos problemas; Alterações adequadas em tempo oportuno; Enquadramento a futuros projectos de desenvolvimento. 4
2. Plano de Pormenor 2.1 Planos de ordenamento territorial De acordo com o Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 232/2007 os planos de ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos estão sujeitos a AAE. Os instrumentos de ordenamento territorial organizam-se em três âmbitos: nacional, regional e local. O âmbito local é concretizado através dos 1) planos intermunicipais e 2) planos municipais. Os planos municipais compreendem: Planos directores municipais (PDM) estabelecem a estratégia de desenvolvimento territorial, a política municipal de ordenamento territorial e de urbanismo e o modelo de organização espacial do território (classificação e qualificação do solo); Planos de urbanização (PU) estabelecem a política de ordenamento territorial e de urbanismo e definem a estrutura urbana, o regime de uso do solo e os critérios de transformação do território. Planos de pormenor (PP) - desenvolvem e concretizam uma proposta de ocupação de uma determinada área do território municipal, estabelecendo regras para a implantação das infra-estruturas e o desenho dos espaços de utilização colectiva, a forma de edificação, a integração na paisagem e a organização espacial. Os PU e PP que impliquem a utilização de pequenas áreas a nível local só são objecto de AAE no caso de se determinar que são susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente (pontos 5 e 6, Artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de Setembro). A necessidade de estabelecer o processo de AAE foi justificada pela não abrangência de AIA a políticas, planos e programas. No âmbito da legislação, um PP, sendo um plano, pode ser sujeito ao processo de AAE. Mas, na prática, mantém-se vaga a pertinência e as vantagens de submeter um PP ao processo de AAE quando este se encontra na fase final de desenho e, portanto, a um nível equivalente ao projecto 1. Deste modo, fará sentido submeter o PP ao processo de AAE? 1 Projecto Concepção e realização de obras de construção ou de outras intervenções no meio natural ou na paisagem ( ) (artigo 2.º Decreto-Lei n.º 197/2005 de 8 de Novembro). 5
2.2 Objecto de avaliação de um PP Uma questão fundamental e talvez decisória para justificar a necessidade de realizar a AAE de um PP será: a tomada de decisão do PP, na fase em que se encontra, é estratégica? A AAE é um mecanismo para antecipar e resolver problemas, enquanto que o processo de AIA é mais reactivo. Deste modo, torna-se importante definir o objecto de avaliação do PP e se o mesmo é estratégico, ou seja, se a avaliação a efectuar irá permitir identificar os problemas atempadamente (antes das decisões) e promover o desenvolvimento sustentável, assegurando a (s) opção (ões) mais adequadas. Tendo em linha de conta que os efeitos sobre o ambiente de um PP dependem significativamente das características da área a afectar, o nível estratégico da decisão refere-se essencialmente à sua localização, principais usos previstos e respectivas alternativas. As áreas a urbanizar e sujeitas a PP são normalmente avaliadas ao nível do Plano Director Municipal (PDM), sujeito à realização de uma AAE. Contudo, na prática, e face à urgência de intervir em áreas subjacentes a PP e à lentidão da revisão do PDM que integra estas novas áreas, os PP, são sujeitos a uma AAE. Mas qual o objecto de avaliação: a localização do PP, com consequências ao nível de alteração de uso do solo e/ou o conteúdo do PP propriamente dito? 3. AAE e Plano de Pormenor Num PP, o processo de AAE deverá focar nas questões estratégicas, ou seja, nas questões relacionadas com a localização da área do PP e principais usos previstos. Na maioria dos casos, o PP é para uma área já definida, para a qual já não está em causa qualquer alternativa de localização, estando apenas em avaliação o conteúdo do plano. Neste caso, faz sentido proceder à AAE do plano? Contudo, o próprio desenho da área do PP pode incluir decisões estratégicas, sendo no entanto condição necessária acompanhar a sua elaboração desde o início, assegurando assim a avaliação das várias alternativas e a adopção da (s) opção (ões) mais sustentável (s). Na Figura 3 são apresentadas várias situações possíveis relativamente ao objecto de avaliação de um PP, e consequentemente disso, qual o processo de avaliação ambiental mais adequado. 6
Em primeiro lugar questiona-se se a localização e os usos previstos foram avaliados noutro plano de nível superior (PDM ou PU). Se sim, existem duas hipóteses: 1. Se o PP se encontrar na fase inicial de elaboração fará sentido proceder à AAE que assegure a correcta integração dos aspectos ambientais na definição e no desenho das várias opções do plano; a AAE deverá, além de assegurar a adopção das opções ambientalmente mais adequadas, identificar medidas de minimização e de controlo; 2. Caso o desenho do PP se encontrar já na fase final, ou seja em fase de projecto, surge a dúvida se é oportuno submeter o PP a AAE (dado que não existem decisões estratégicas por adoptar); neste caso, e na ocorrência de efeitos significativos sobre o ambiente identificados a priori poderá fazer mais sentido submeter o PP a uma avaliação mais próxima do processo de AIA, embora não tão exaustivo como refere a respectiva legislação e mais ajustado às características do mesmo. De referir ainda que, o PP pode incluir projecto (s) sujeito (s) ao processo de AIA de acordo com o Decreto-Lei n.º 197/2005 de 8 de Novembro, e neste caso, os efeitos significativos sobre o ambiente serão devidamente avaliados. Caso ainda não tenha sido avaliada a localização e usos previstos noutro plano, existem duas hipóteses: 1. No caso da localização e usos se encontrarem ainda por definir fará sentido proceder à AAE, assegurando a adopção das opções ambientalmente mais sustentáveis; 2. Caso contrário dependerá se a elaboração do plano se encontra na fase inicial ou não. No caso do PP se encontrar já finalizado, ou seja, todas as opções já foram adoptadas não existindo alternativas para avaliar, e sendo expectável a ocorrência de efeitos significativos sobre o ambiente, fará sentido proceder à sua AAE? Ou fará mais sentido adoptar a metodologia do processo de AIA? Neste caso, seria necessário haver flexibilidade que permitisse ajustar o objecto de avaliação do PP à metodologia mais adequada. 7
Plano de Pormenor NÃO 1.A localização e os principais usos propostos foram avaliados noutro Plano? SIM 2.Localização e usos propostos ainda por decidir? SIM NÃO SIM 3.Fase inicial de desenho do Plano? NÃO 4.O Plano inclui projecto (s) sujeitos a AIA? SIM NÃO 5.Efeitos significativos sobre o ambiente? NÃO Não se realiza avaliação SIM AAE? AIA Figura 3 Plano de Pormenor: AAE e/ou AIA. 8
Na Tabela 1 são apresentadas as características da avaliação ambiental de um PP para os diferentes objectos de avaliação. Tabela 1 Características da avaliação ambiental de PP (AAE e AIA). Objecto de avaliação Objectivos da avaliação Factores ambientais Resultados Política de localização Principais usos previstos (aquando a elaboração do Plano) Eventuais aspectos de projecto com efeitos ambientais significativos Avaliar a capacidade ambiental da área (efeitos da urbanização sobre os recursos naturais) e identificar os efeitos associados aos usos previstos Avaliar alternativas de projecto ambientalmente mais sustentáveis Aspectos sócioeconómicos e ambientais; alternativas espaciais Análise territorial Identificação de constrangimentos e oportunidades associados à localização alteração ou não? Assegurar correcta integração dos aspectos ambientais no desenho do projecto Projecto Avaliar os impactes do projecto sobre o ambiente e sócio-economia Aspectos sócioeconómicos e ambientais Identificação de impactes e medidas de minimização 4. Conclusões A AAE deveria focar nos planos e programas que podem ser ainda influenciados, ou seja, nas situações em que a estratégia ainda não está totalmente definida, e nos casos em que a AAE tem o potencial de assegurar uma decisão ambientalmente mais sustentável. O objecto de avaliação AAE deve ser conceptualizado, devendo existir um sistema de avaliação ambiental adaptável aos resultados expectáveis. Existe portanto a necessidade de consolidar a dimensão estratégica de um PP, a partir do objecto de avaliação. A dimensão estratégica de um PP depende da possibilidade ou não de incluir objectivos de sustentabilidade ambiental e de assegurar uma avaliação pró-activa, identificando a origem dos problemas e contribuir para a adopção da opção mais sustentável a partir da comparação de alternativas. O objecto de avaliação passível de ser considerado estratégico pode ser: localização, usos previstos e eventualmente o próprio conteúdo do plano, ou seja, o desenho, se acompanhado desde o início, e se as decisões em causa são consideradas estratégicas. A questão fundamental consiste em definir o que é estratégico num PP, e que justifica a importância de efectuar a AAE. 9
Posteriormente, e para o caso em que se proceda à AAE de um PP, importa definir os seguintes aspectos: Objecto de análise e escala de detalhe; Objectivos da AAE; Factores ambientais a avaliar; Eventual articulação com AIA, se o PP inclui projecto(s) a submeter a AIA. Face às características de um PP, e ao contrário de outros planos de ordenamento territorial, torna-se importante clarificar as condições a que um PP deva ser sujeito a AAE, de modo a assegurar uma avaliação mais ajustada ao objecto de avaliação. 5. Bibliografia Fischer, Thomas B., 2001, SEA approaches and tools - requirements of tiered planning systems (This chapter is based in parts on a paper presented at the Nordic EIA Conference in Helsinki, 6-7 September 2001 Environmental assessment and links to decision making ) Imperial College Consultants Ltd (ICON), 2001, SEA and Integration of the Environment into Strategic Decision-Making - Volume 1 - Main Report. Partidário, M. Rosário, 2000, Elements of an SEA framework improving the added-value of SEA, Environmental Impact Assessment Review, Volume 20, 647-663. Partidário, M. Rosário, 2007, Scales and associated data What is enough for SEA needs?, Environmental Impact Assessment Review, Volume 27, 460-478. Verheem, Rob e Post, Reinoud, 2005, Strategic Environmental Assessments: Capacity Building in Conflict-Affected Countries, Social Development Papers, N.º 30. 10