DOENÇA RENAL CRÔNICA E SUBJETIVIDADE: IMPLICAÇÕES CLÍNICAS DA DIFERENÇA ENTRE SER E TER UMA DOENÇA Priscila Rodrigues da Silva * Prof. Ms. Clovis E. Zanetti ** RESUMO: A doença renal crônica é considerada como um grande problema de saúde pública devido às altas taxas de morbimortalidade, e recebe grande atenção dos profissionais na área da saúde. Contudo, no campo da psicologia são poucos os estudos que aprofundam aspectos clínicos da subjetividade do paciente submetido à hemodiálise, demarcando a especificidade da escuta psicológica. O objetivo deste projeto de pesquisa é investigar a posição subjetiva do paciente renal crônico diante do adoecimento, expressa pela diferença entre ser e ter uma doença articulada com a diferença das concepções de corpo na medicina e na psicanálise. PALAVRAS-CHAVE: Doença renal crônica, subjetividade, psicanálise, corpo, ser e ter uma doença. REFERÊNCIAL TEÓRICO A Sociedade Brasileira de Nefrologia revela cerca de 54,5 mil o número aproximado de pessoas em programa de hemodiálise. (SBN, 2012). A insuficência renal crônica é o comprometimento da função renal, podendo ser acometido os dois ou apenas um dos rins, porém, se o resultado final for a falência de ambos os órgãos, ou seja, insuficiência terminal, o resultado final, imprecindivelmente, será o tratamento de hemodiálise. A hemodiálise, por sua vez, consiste na diálise promovida por uma máquina que filtrará o sangue fora do organismo do paciente, ou seja, desempenhará a função que os rins exercia. Esse tratamento acaba sendo uma tarefa árdua e intensa, pois o período que o paciente cumprirá será em média de três a quatro vezes por semana, dependendo da necessidade física de cada indivíduo, favorecendo assim um cotidiano restrito, com atividades limitados e mudanças, tanto físicas quanto psicológicas. * Discente do 4º ano de Psicologia - Disciplina Estágio em Pesquisa. priscilarodrigues.psic@hotmail.com ** Docente do Centro Universitário Filadélfia UniFil. clovis.zanetti@unifil.br
Para entender os múltiplos fatores que podem prejudicar o funcionamento renal ao ponto de deixar de funcionar é necessário entender alguns fatores considerados fatores de risco para a função renal, são eles: hipertensão arterial, diabetes mellitus, glomerulonefrite e história familiar de doença renal crônica. Há também os motivos de risco médio, não menos importantes, que são: enfermidades sistêmicas, infecções urinárias de repetição, litíase urinária repetida, uropatias, crianças menores de 5 anos, adultos com mais de 60 anos e mulheres grávidas. Entretanto, do ponto de vista das relações entre corpo e subjetividade é preciso se levar em conta outros fatores que podem contribuir para o adoecimento em questão mais além dos acima citados. Moretto (2006) estabelece que é preciso tratar, no doente, da sua posição subjetiva em relação a sua doença. Há uma distância que precisa ser considera nessa relação que é a distancia entre o corpo tal como ele é, e o corpo simbolicamente representado. A relação que o doente fará com essa distância do corpo real, a matéria, para a forma como ele é subjetivamente representado por um sujeito no contexto de uma história que precede e determina sua posição diante das questões com a vida e a morte. É considerando essa diferencia que se pode avaliar do ponto de vista clínico como um determinado sujeito se relacionará com seu corpo doente. Sabemos que, quando o corpo dá sinal, é hora de procurar intervenção médica, pois algo então não vai bem. Contudo, segundo Moretto (2006, p. 123), quando os órgãos nos chamam a atenção o impacto é bem maior, causa de angústia e estranhamento com algo familiar porém desconhecido que habita em cada sujeito (FREUD apud MORETTO, 2006, p. 120), Porém, apesar da estranheza, há sempre a impressão de isso diz algo de nos mas não podemos dizer exatamente o que e como. Observa-se que mudanças físicas acontecem em uma grande maioria de pacientes que iniciam o tratamento de hemodiálise, como escurecimento da cor da pele, algumas manchas, a fístula aparente em um dos braços, entre outra. Condições estas que podem angustiar o paciente, onde então podemos entender a questão do estranho, a partir da relação que o paciente faz com o espelho, ele se olha e o que enxerga é algo diferente do que ele era.
Seguindo a idéia de Moretto (2006), o homem costuma estar bem quando seu corpo está normal, saudável, logo, se o corpo está bem então tudo vai bem. No caso do doente renal ele sabe 24h por dia que o seu corpo real não está bem, que algo dentro dele não funciona, como então ficar bem? Quando este corpo matéria sofre alterações o corpo simbólico, por sua vez, é convidado a se posicionar. Um reposicionamento subjetivo diante das alterações orgânicas que muitas vezes são causa de angústia e depressão (Thomas e Alchieri, 2005). Contudo, do ponto de vista clínico o conflito fundamental que aflige o doente é aquele que diz respeito a dificuldade em assumir a doença como sendo sua, e de se responsabilizar por ela. Essa posição de assumir a doença e aceitá-la como parte que integra o seu ser vai além do paciente querer ou ser convencido, é preciso que ele tenha uma estrutura que lhe permita isso, ou seja, não é a nível de consciênci. Segundo Moretto (2006) a argumentação lógica não promove mudança de posição na estrutura psíquica, este então, é o campo de intervenção da psicanálise, tentar operar uma mudança que implique a passagem da posição de ser uma doença, fazendo dela parte de sua identidade, para outra posição que é a de ter uma doença, e assim poder assumir e responsabilizar-se por seu tratamento. Este projeto de pesquisa, tem a psicanálise como referencia fundamental, não se restringirá apenas ao psiquismo do paciente, mas também o sofrimento que decorre, nem tanto de sua doença em si, mas de sua posição diante dela, de seu corpo, por conta da constatação da existência de um órgão dentro dele não desenvolver mais suas funções naturais; ou até mesmo porque este órgão precisou ser retirado em função de complicações e comprometimentos. OBJETIVOS O objetivo geral que o projeto irá propor será o de investigar o que acontece com o paciente quando esse assume uma posição de sujeito frente à doença, como alguém que assumiu ter algo que é a doença, e o que acontece quando se assume uma posição de objeto, ou seja, se identifica com a doença e passa a ser a doença.
Os objetivos específicos serão o de analisar como foi receber a notícia do diagnóstico médico, analisar as mudanças que o paciente percebe após ter iniciado o tratamento de hemodiálise tendo como referencia a diferença e as implicações recíprocas entre: corpo simbolicamente representado e corpo como organismo, com seus órgãos e sistemas. Além desta contribuição clinica, o estudo também permitira demarcar a especificidade da escuta psicanalítica diante de outras modalidades de escuta utilizadas por outras praticas e profissionais da área da saúde. MÉTODO Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva que fará uso da especificidade da escuta psicológica como método terapêutico e instrumento de pesquisa, cujo referencial teórico é a psicanálise. A pesquisa prevê a coleta de dados mediante a realização de entrevistas semi-dirigidas com pacientes renais crônicos em tratamento de hemodiálise. REFERÊNCIAS FIGUEIREDO, A. C. Vastas confusões e atendimentos imperfeitos: a clínica psicanalítica no ambulatório público. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1997. MORETTO, M.L.T. O outro em si: O transplante como risco e renascimento. In: QUAYLE, J.; LUCIA, M.C.S. (Organizadoras) Adoescer: compreendendo as interações do doente com sua doença. p. 117-131.São Paulo: Atheneu, 2007.. O psicanalista num programa de transplante de fígado: a experiência do outro em si. 2006. 251 p. Tese (Doutorado). Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. SBN SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA. Rede Credenciada. Brasil. Ministério da Saúde. 2012. Disponível em: <http://www.sbn.org.br/leigos/index.php?insuficienciarenal&menu=24>. Acessado em 16 abr. 2012.
SZPIRKO, J. Ser doente, ter uma doença. In: Sonia Alberti e Luciano Elia (orgs.). Clínica e pesquisa em psicanálise. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2000. THOMAS, C.V.; ALCHIERI, J.C. Qualidade de vida, depressão e características de personalidade em pacientes submetidos à Hemodiálise. In. Avaliação Psicológica 4(1). Rio Grande do Norte. p. 57-64. 2005. ZANETTI, C. E. Psicanálise e o desenvolvimento de dispositivos clínico-institucionais no atendimento integral a saúde. Rev. SBPH, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, dez. 2010. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1516-08582010000200006&lng=pt&nrm=iso>. Acessado em: 21 de abril de 2012.