Ilídio Jorge Silva, Arquitecto, Mestre assistente, Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Fernando Pessoa Iilidio@ufp.



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Transcrição:

61 Feiinho mas escorreito * ou nem por isso. O Pavilhão de Consulta Externa do Hospital Geral de Santo António - Celestino Joaquim de Abreu Castro, Porto, 1976 Ilídio Jorge Silva, Arquitecto, Mestre assistente, Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Fernando Pessoa Iilidio@ufp.pt Resumo Obra tardia, dum período quase totalmente ignorado da produção de Celestino de Castro, o Pavilhão de Consulta Externa do Hospital Geral de Santo António, resume, no entanto, muita da história do Movimento Moderno português. Palavras chave Celestino de Castro, Pavilhão de Consulta Externa, Movimento Moderno, Purismo, Brutalismo, Tardo-Moderno, Regionalismo Crítico, Post-Moderno. Abstract A late design,, springing from an all but ignored period from Celestino de Castro s work, the Pavilhão de Consulta Externa from the Santo António General Hospital, sums up most of the history of the Portuguese Modern Movement. Keywords Celestino de Castro, Pavilhão de Consulta Externa, Modern Movement, Purism, Brutalism, Late-Modern, Critical Regionalism, Post-Modern

62 Quando resolvi escrever sobre o Pavilhão de Consulta Externa do Hospital Geral de Santo António, calhando falar disso a colegas, encontrei um muro tépido de expressões surpreendidas pela autoria do projecto e intrigadas pelo interesse indescortinável que existiria em analisá-lo. À primeira, ainda sem sequer ter refrescado a minha memória do edifício, retorqui galhardamente com a defesa em epígrafe. A verdade é que, nos meus tempos de início de Faculdade, sem nunca ter sabido quem o projectara (e, à altura, o nome do arquitecto nada me teria dito, confesso), tive uma paixoneta por aquele edifício. Mais de que ser seduzido pela sua presença plástica, havia nele uma lógica perfeitamente visível da utilização da linguagem arquitectónica que me atraía muito. Vivíamos nós, os alunos - num tempo em que, sem lhes destrinçarmos as origens, sobrepúnhamos grelhas compositivas à la Richard Meier, revivalismos contextualistas que de alguma forma nos tinham chegado dos Kriers, ironias linguísticas despudoradamente devedoras de Venturi e Graves, e simbolismos tipológicos Rossianos, e nos espantávamos por não chegar à simplicidade final que a escola começava a cultivar, redigerindo a primeira modernidade. Nessa altura, sim, o Pavilhão de Consulta Externa do Hospital Geral de Santo António parecia-me feiinho, mas escorreito e ter aquilo que as visões críptico-revisteiras que enchiam os nossos estiradores não tinham. É-me fácil agora ver o quanto o eclectismo sem consciência nem fio condutor que praticávamos (e não seríamos só nós, não...) empalidece facilmente frente ao que me parece ser uma recapitulação integrada e serena de todo um século XX modernista, por alguém que efectivamente lhe acompanhou as metamorfoses. Senão, vejamos: aquilo que eu definiria como os vectores principais de identidade deste edifício o seu discurso funcional, a sua tectonicidade escultórica e ainda uma detectável referenciação vernacular e sensibilidade patrimonial são, na realidade, dimensões projectuais que aludem às fases identificáveis do Movimento Moderno, respectivamente ao primeiro modernismo, ao tardo-moderno e a um regionalismo crítico às portas da sua conclusão (então em vias de acontecer) post-moderna. É um ponto de situação da época e é certamente um fulcro sobre aquilo de que Celestino de Castro pode falar com propriedade, ele que é certamente um dos heróis do nosso primeiro modernismo dos anos 40 e 50 do século XX (descartando as modernidades da década de 30, nomeadamente protagonizadas pelo seu patrono de estágio, Luís Cristino da Silva, como referenciadas sobretudo à via Art Deco e só muito difusamente tendo relação com o Movimento Moderno neo-plástico/bauhausiano/corbusiano - propriamente dito leia-se Ana Tostões (2004a), pp.105-109), mas também participante dos processos maturadores e regeneradores do Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa, em 1955, da adaptação da Carta de Atenas (e da cartilha arquitectónica moderna em geral) que se verificou nos Olivais Sul, a que esteve ligado entre 1960 e 1962, e no aggiornamento post-revolucionário, verificado à volta de processos como o SAAL, tendo integrado as Brigadas de Apoio Local dos Serviços de Habitação da Câmara Municipal de Lisboa, de 1975 a 1976 (Sandra Vaz Costa, Maria Cortesão (2004), p.378).

63 > discurso funcional parece-me claro que há sinais detectáveis da formação modernista de Celestino de Castro neste edifício. Por um lado, a própria função social e técnica a que responde o facilita (Ana Tostões (2004b), p.325). Aliás, o regresso após o 25 de Abril do arquitecto, no seu trabalho, enquadrado no funcionalismo (e serviço) público, na habitação e nos equipamentos de saúde, acusa uma recuperação, mesmo que deslocada no tempo, do ideal socialmente interventivo da arquitectura do Movimento Moderno (e das suas premissas de eficiência constructiva e económica, fortemente adequadas às circunstâncias de então), que, nele como noutros, fez reviver algumas práticas do primeiro modernismo. Aqui, há obviamente uma definição funcional (leia-se funcionalista) dos volumes (gabinetes/consultórios e espaços de circulação, pelo menos, são legíveis imediatamente) e uma orientação solar lógica (blocos de gabinetes voltados às fachadas Nascente, Poente e Sul, acompanhados dos brise-soleil consequentes ), que lhes atribui o local certo. Os acessos, finalmente, modelam o edifício, que parte conceptualmente um rigoroso paralelipípedo, quer pelo escavar do piso térreo, para dar acesso ao núcleo central de deslocações verticais e horizontais do edifício (e que provoca uma sugestão de pilotis na zona de entrada), quer pela introdução pragmática de outros acessos, através de duas escadas apensas, uma das quais, na fachada Norte, se interliga a uma projecção desse núcleo espacial para fora do contorno simples do volume de base. > tectonicidade escultórica A maior parte dos factores plásticos e linguísticos do Pavilhão de Consulta Externa apontam, no entanto, para as dinâmicas de reformulação do dialecto modernista, internacionalmente em curso após a segunda Grande Guerra, a que chamaria genericamente de tardo-modernas. Trata-se aqui sobretudo dum projecto segundo coordenadas brutalistas, e de referência corbusiana (Kenneth Frampton (2003), pp.271-280,303-318), mas arriscar-me-ia a adivinhar outras, nomeadamente pelo próprio recorte da aludida tectonicidade escultórica que caracteriza a obra, e a que poderão não ser estranhas aportações de Khan, numa procura de uma certa monumentalidade e na caracterização de espaços servidos e servidores (Kenneth Frampton (2003), p.294), que é igualmente aplicável à definição espacial do edifício. De qualquer forma, a volumetria dura e fortemente metalinguística em termos da construção, evidenciando-lhe os processos e componentes, é a afirmação principal com que nos deparamos. A estrutura é destacada e predominante (lajes aligeiradas e vazadas, quando projectadas e não acessíveis, numa afirmação quase expressionista de valores constructivos - vigas, pilares, platibandas, escadas) e numa dicotomia clássica (mas algo hipertrofiada) de elementos portantes e não portantes. A correspondência entre papel tectónico e materiais constitutivos e de revestimento desse elementos assenta também nesse padrão explicativo o betão identifica o estrutural, o cerâmico os paramentos expostos e o reboco pintado aparece na área protegida da entrada,

64 sujeita a um grau menor de agressão. É notório também um quadro cromático que faz corresponder cores aplicadas a elementos específicos; para além do cinza/betão/estrutura e do branco/azulejo/parede, a cor expressiva vai do verde para as caixilharias, o amarelo para paramentos associados às deslocações verticais (nas escadas exteriores e interiores), o vermelho para a zona de entrada, e o azul para alguns elementos estruturais ou sub-estruturais (nomeadamente os relacionados com a luz, como as arestas dos brise-soleil, o interior das clarabóias, etc). > referenciação vernacular e sensibilidade patrimonial Creio, finalmente, que é detectável, apesar da jactância ainda modernista com que a lógica projectual parece aludir expressamente aos factores edificatórios e funcionais, uma dimensão, culturalista em última instância, de recuperação de valores identitários, que moveu a arquitectura moderna portuguesa, pelo menos desde o Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa, levando-a, num processo comparativamente sereno e eclético (se pensarmos, nomeadamente, nas convulsões pró e contra ortodoxia a que se assistiu nos Estados Unidos da década de 60 à de 80 do século XX), do Moderno ao Post-Moderno, através de um Regionalismo Crítico (Kenneth Frampton (2003), pp.381-398, e Ana Tostões (2004a), pp.141-142). Havendo ou não outros factores concorrentes (nomedamente os de tradução racional do programa, que analisámos acima), a verdade é que é inegável que a implantação urbana que aqui encontramos é notoriamente conciliatória; o edifício isola-se, é certo, mas respeita o alinhamento da rua e do(s) edifício(s) que o ladeia(m) (não só o antigo edifício da Reitoria da Universidade do Porto, mas também a casa Art Deco que lhe está a Nascente e que na altura ainda não tinha o Crystal Park de permeio), e coloca-se em cércea respeitosamente inferior, mas não categoricamente oposta, não havendo no alçado da rua uma presença de descontinuidade, radicalmente horizontal ou vertical (mecanismo de destaque tipicamente modernista). Além disso, ao nível dos materiais e do cromatismo as escolhas suportam tantas ilações que dificilmente poderia ser aleatória. Assim, e isto fala quase por si, o edifício apoiase, a Sul, num envasamento de alvenaria de granito, recorre ao azulejo para a maior parte dos paramentos exteriores e reveste as clarabóias, a única cobertura visível da rua, a tijoleira de barro. No que toca ao uso da cor, mais do que a já notada distinção de elementos e do seu papel por cores diferentes, e se não é dispiciendo ver no jogo betão/azulejo uma glosa ao cinza/branco do granito/reboco da antiga Reitoria, há outros ecos de correlações tradicionalistas: o verde nas caixilharias não poderia ser mais típico, assim como a escolha do bordeaux e do amarelo (próximas dos ocres naturais do reboco tradicional) para as cores aplicadas mais visíveis no exterior. Celestino de Castro sofre da maldição de ter projectado duas moradias paradigmáticas muito cedo na sua carreira, e de, num certo momento, ter optado pela Vida em detrimento da arquitectura. A casa José Braga, de 1948, e a Joaquim Costa, de 1950, panfletariamente (se bem que com um ligeiro anacronismo referente à prática internacional) referenciadas ao dialecto corbusiano (e a primeira até mais directamente a uma postura Purista), são dois projectos fundamentais e sumamente inesquecíveis, que, somados ao longo exílio (e portanto ausência arquitectónica) de Celestino de Castro, se lhe sobrepuseram - sempre lembradas aquelas onde ele é, como arquitecto, largamente esquecido. Faltaria corrigir a injustiça que lhe é feita; pois onde aquelas duas obras são elegantes, dogmáticas e épicas (numa época que sedutoramente o era, e nas três vertentes), uma obra como o Pavilhão de Consulta Externa do Hospital Geral de Santo António é inteligente, ecléctica no melhor sentido da palavra, e serena, numa altura de indecisões teóri-

cas profundas e que, plasticamente, suspeitava dum valor como a elegância. E, por último embora, duma certa forma, se me tenha tornado irrelevante - resta-me dizer que, quanto mais vejo o edifício, mais concluo que escorreito é certamente, mas feio, nem por isso. Bibliografia COSTA, Sandra Vaz e CORTESÃO, Maria (2004). Biografias, in AAVV, Arquitectura Moderna Portuguesa: 1920-1970, pp. 376-383. Lisboa, IPPAR / Ministério da Cultura. TOSTÕES, Ana (2004a). Arquitectura Moderna Portuguesa: os três modos, in AAVV, Arquitectura Moderna Portuguesa: 1920-1970, pp. 104-155. Lisboa, IPPAR / Ministério da Cultura. TOSTÕES, Ana (2004b). 10 temas da modernidade, in AAVV, Arquitectura Moderna Portuguesa: 1920-1970, pp. 287-375. Lisboa, IPPAR / Ministério da Cultura. FRAMPTON, Kenneth (2003). História Crítica da Arquitectura Moderna. São Paulo, Editorial Martins Fontes.