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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL IV SEAD - SEMINÁRIO DE ESTUDOS EM ANÁLISE DO DISCURSO 1969-2009: Memória e história na/da Análise do Discurso Porto Alegre, de 10 a 13 de novembro de 2009 SUJEITO E AUTORIA: ENTRE A UNIDADE E A DISPERSÃO O EFEITO DE FECHAMENTO Mariele Zawierucka Bressan mzbressan@yahoo.com.br Mestranda em Letras Universidade de Passo Fundo (UPF) Este trabalho aborda a questão da autoria assim como a concebe a Análise de Discurso de linha francesa. Apresentam-se os resultados de uma pesquisa realizada com alunos do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola da rede estadual de Ensino Médio do município de Getúlio Vargas/RS, a qual teve como objetivo principal verificar a ocorrência ou não da autoria nos textos dos sujeitosalunos na produção de textos argumentativos. Analisa-se a relação entre unidade e dispersão para o que se refere às noções de discurso, texto e sujeito. Se o discurso e o sujeito estão para a dispersão, o texto e o autor estão para a unidade. Busca-se analisar o sujeito-aluno que, ao colocar-se na posição de autor, responsabiliza-se pelos seus efeitos de sentido, dentre eles, o efeito de fechamento em textos, argumentativos nesse caso. Nesse sentido, o olhar volta-se para as relações textuais que são aquelas produzidas no interior do texto e resultam do trabalho de textualização realizado pelo sujeito que exerce a função-autor. Textualização, neste caso, pode ser vista como a costura do texto que o sujeito faz entre os diversos recortes discursivos. Dessa costura produz-se o efeito-texto, o espaço discursivo organizado, simbolicamente fechado e ilusoriamente completo. Palavras-chave: Sujeito. Autoria. Texto. INTRODUÇÃO Neste artigo, busca-se na Análise de Discurso de linha francesa (doravante AD) o referencial sobre a autoria e as noções subjacentes a tal princípio. Investiga-se como o sujeito é concebido pela AD, diferentemente de outras teorias. A partir da concepção de sujeito disperso, cindido, apresenta-se uma reflexão sobre a função-autor e, por fim, aborda-se a autoria, concebida pela AD como um princípio de textualidade, como uma função do sujeito que, na posição de autor, responsabiliza-se pelo efeito de fechamento do texto.

O referencial teórico aqui apresentado subsidiou uma pesquisa desenvolvida com alunos do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola da rede estadual de ensino de Getúlio Vargas/RS. Esta pesquisa teve como objetivo analisar a ocorrência ou não da autoria em textos argumentativos produzidos pelos alunos sendo que alguns dos seus resultados serão aqui apresentados. O presente trabalho revela que os estudos desenvolvidos pela AD, especificamente a noção de autoria, podem contribuir na melhoria da qualidade do ensino de língua, em particular no trabalho com o texto. Isso porque os resultados das produções textuais propostas serão melhores se os sujeitos/alunos se colocarem na posição de autores de seus textos. 1 UM POUCO DE TEORIA... 1.1 O SUJEITO DA ANÁLISE DE DISCURSO E A FUNÇÃO-AUTOR A noção de sujeito para a AD difere de outras correntes teóricas por várias razões. Uma delas e, talvez, a principal, é que na AD o sujeito não é uma entidade empírica, dono de si, de suas vontades, sem história e ideologia. A AD não se identifica com a visão cartesiana de sujeito, propondo a identidade como uma construção, processo inacabado. A compreensão do que constitui o sujeito para a AD pressupõe a compreensão do que seja a forma-sujeito. Com base em Althusser (1973), a AD aborda a forma-sujeito como uma forma de existência histórica de qualquer indivíduo, agente das práticas sociais (ORLANDI, 2006, p. 18). Pêcheux (1975, apud ORLANDI, 2006) afirma que não é possível pensar o sujeito como origem se si. Pelo simbólico e pela ideologia, o indivíduo é interpelado em sujeito. Dessa interpelação resulta uma forma-sujeito histórica. Além disso, a interpelação do indivíduo em sujeito social se dá pela identificação do sujeito com a formação discursiva que o domina. Essa identificação funda a unidade imaginária do sujeito e apóia-se no fato de que os elementos do interdiscurso que constituem, no discurso do sujeito, os traços daquilo que o determina, são inscritos no discurso do próprio sujeito. O sujeito, na AD, é o resultado da interpelação do indivíduo pela ideologia; já o autor é a representação de unidade e delimita-se na prática social como uma função específica do sujeito (ORLANDI, 2007, p. 73). Há, na base de todo discurso, um projeto totalizante do sujeito que o converte em autor. Orlandi (2007, p. 73) afirma que o autor é o lugar em que se realiza esse projeto totalizante, o lugar em que se constrói a unidade do sujeito. Como o lugar da unidade é o texto, o sujeito se constitui como autor ao constituir o texto como unidade, com sua coerência e completude. Na AD, portanto, há uma distinção entre sujeito e autor, assim como se faz entre texto e discurso. O sujeito, como aponta Orlandi (2007) está para o discurso assim como o autor está para o texto. Neste sentido, instaura-se uma relação entre unidade e dispersão. Se a relação do sujeito com o

texto é a da dispersão, no entanto, a autoria implica em disciplina e organização, em unidade (ORLANDI, 2007, p. 73). A autoria constitui-se como a função mais afetada pelo contato com o social e com as coerções, pois está submetida às regras das instituições e nela são mais visíveis os procedimentos disciplinares. Segundo Foucault (1971 apud ORLANDI, 2007, p. 74) existem processos internos de controle do discurso que se dão a título de princípios de classificação, de ordenação, de distribuição, os quais visam a domesticar a dimensão de acontecimento e de acaso do discurso. Em outras palavras, o discurso é normatizado. A AD concebe o sujeito submetido à linguagem. Portanto, a autoria seria uma posição do sujeito que permite o efeito de fechamento dos sentidos e a instalação da singularidade. Carreira (2001) coloca que instala-se no sujeito a busca pelo sentido, por um fechamento provisório, o que se dá a partir dos sentidos já-lá (interdiscurso) os quais são re-significados. Nesta re-significação é que se instala a singularidade na posição de autor. O sujeito, disperso, na posição de autor estará constituindo ao mesmo tempo sua identidade e a unidade do texto. 1.2 O TEXTO E A AUTORIA A AD concebe o texto como uma materialização discursiva, a partir das relações estabelecidas com a exterioridade, afetado pelas suas condições de produção. Levar em consideração as condições de produção consiste em ultrapassar os elementos internos ao texto propriamente dito. Indurky afirma que a exterioridade do texto vai além daquilo que se considera como co-texto. Ou seja, Pode-se pensar o texto como um espaço discursivo, não fechado em si mesmo, pois ele estabelece relações não só com o contexto, mas também com outros textos e com outros discursos, o que nos permite afirmar que o fechamento de um texto [...] é a um só tempo simbólico e indispensável. Nesta concepção, o texto não se fecha em si mesmo, pois faz parte de sua constituição uma série de outros fatores, tais como relações contextuais, relações textuais, relações intertextuais, e relações interdiscursivas [...]. (INDURSKY, 2006, apud ORLANDI, 2006, pp. 69-70). Um texto, do ponto de vista de sua apresentação empírica, pode ser visto como um objeto com começo, meio e fim. Porém, se o texto for considerado como discurso, será incompleto, uma vez que não é uma unidade fechada. Não interessa, portanto, apenas a organização do texto, mas o que o texto organiza em sua discursividade. Nesse sentido, se o discurso está para a dispersão, o texto está para a unidade. Assim, na autoria, o sujeito ao se colocar na posição de autor, tornar-se-á responsável pelo efeito de fechamento do texto. A autoria, na AD, é considerada como um princípio necessário a todo discurso, estando, pois, na origem da textualidade. Orlandi e Guimarães (1988) consideram a própria unidade do texto como efeito discursivo que deriva do princípio da autoria. Para Lagazzi-Rodrigues (2006 apud ORLANDI, 2006, p. 93)

Assumir a autoria, colocando-se na origem de seu dizer é fazer do dizer algo imaginariamente seu, com começo, meio e fim, que seja considerado original e relevante, que tenha clareza e unidade. É, dessa maneira, responsabilizar-se pelo que foi dito e pelo que foi silenciado. Isso significa que no processo de textualidade, a autoria é concebida como prática de textualização. Na autoria, o sujeito que assume a posição de autor, torna-se responsável por aquilo que diz e não diz, pela textualidade do texto, ou seja, pela sua unidade, coerência, pelo seu fechamento, mesmo que empírico. Na prática de textualização, o autor se constitui ao mesmo tempo em que o texto se configura. Isto é, o autor (se) produz (n)o texto, dá ao texto seus limites e se reconhece no texto (LAGAZZI-RODRIGUES, 2006, apud ORLANDI, 2006, p. 93). A autoria, nesta perspectiva, é um princípio que precisa ser levado em consideração quando se fala em prática de produção textual na escola. Se a autoria deriva da função-autor que dá unidade ao texto, isso significa que os alunos, ao produzirem seus textos, precisam se colocar na posição de autores desses textos, conferindo-lhes sentido. A autoria deriva desse dialogo que se estabelece entre textos e discursos. A proposta de trabalhar com a noção de autoria na escola tem como objetivo, justamente, fazer com que os alunos, ao produzirem seus textos, assumam a responsabilidade que é conferida ao autor, no sentido de dar ao texto o acabamento necessário, embora ilusório. 2 AUTORIA NOS TEXTOS DOS ALUNOS No primeiro semestre de 2009, uma pesquisa foi realizada como parte de um trabalho monográfico do curso de Pós-graduação em Letras pela URI campus de Erechim. Nesta pesquisa, buscou-se verificar a ocorrência ou não da autoria nos textos argumentativos dos alunos do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola da rede estadual de ensino de Getúlio Vargas/RS. A professora da turma propôs a produção textual, sendo que o tema da escrita era livre. A pesquisadora não fez interferências quanto à proposta, apenas recolheu os textos dos alunos que se dispuseram em participar da pesquisa espontaneamente. O estudo de caso de cinco textos, especificamente, permitiu que algumas reflexões fossem feitas. Na análise dos textos, observou-se se os sujeitos/alunos, ao colocarem-se na posição de autores, produziam o efeito de fechamento nos seus textos. Além disso, procurou-se evidenciar qual era a formação discursiva dominante nos textos, uma vez que a identificação dos sujeitos com dada formação discursiva contribui para a produção do efeito de fechamento. Observou-se que os sujeitos/alunos estão em constante luta entre duas formações discursivas distintas: a da escrita e a da oralidade. Na maioria dos textos, os alunos se identificaram com a formação discursiva da escrita, tanto na escrita do texto em si quanto na sua organização com relação ao gênero proposto. Isso pode ser verificado no trecho a seguir: [...] Talvez ainda não tenhamos alcançado o ápice deste caos urbano e seria muito mais plausível se antes de alcançá-lo tentássemos aprimorar o tão desgastado sistema

judiciário. [...] Neste recorte, o sujeito/aluno escreve sobre o tema pena de morte e o título de seu texto é Pena de morte: vale a pena?. Verifica-se que o sujeito/aluno se identifica com a formação discursiva da escrita e inclusive faz um jogo lingüístico com o uso da palavra pena. Há autoria no texto. No entanto, a identificação com a FD da escrita pode ser o resultado do discurso pedagógico dos professores os quais escravizam a escrita de seus alunos em modelos de textos que os alunos devem seguir. Quando isso ocorre há na verdade reprodução mecânica de modelos e não autoria. Há casos em que há autoria mesmo que o sujeito/aluno não se identifique com a formação discursiva da escrita. Isso porque há originalidade no ponto de vista apresentado, há boas idéias, embora a escrita não esteja de acordo com o padrão da norma culta. É o que pode ser observado no trecho a seguir: Hoje em dia está cada vez mais difícil de ser criança. Não é mais como antigamente, que a infância era de brincadeiras e de diversão. [...] Percebe-se, portanto, que devemos ter cada período de nossas vidas como deve ser: na infância brincar, na adolescência dançar e quando adulto trabalhar. O sujeito/aluno escreveu sobre o tema infância e, embora em seu texto haja uma identificação com a FD da oralidade isso é visto pelas infrações da norma culta padrão da língua há autoria, pois o sujeito se singulariza pela escrita. Isso significa que ser autor de um texto, ser responsável pelo seu efeito de fechamento, é muito mais do que ter o domínio das normas da língua culta padrão. Lagazzi-Rodrigues (2006, apud ORLANDI, 2006, p. 94) chama a atenção para o fato de que a escola é o lugar onde se possam criar condições para a passagem da função de sujeito-enunciador para a de sujeito-autor. A escola seria, então, o espaço onde os alunos, como sujeitos, possam assumir a responsabilidade pela sua produção textual. Ou seja, ao tornarem-se autores, os alunos imprimem no texto a sua unidade, o seu fechamento ilusão necessária, de acordo com Pêcheux (apud ORLANDI, 2006) que afirma que o falante tem a ilusão de se considerar como fonte do que diz. O trabalho dos professores será, pois, fundamental. Se a autoria implica a passagem da posição de sujeito dispersão para a de autor unidade então, é necessário que o trabalho em sala de aula vá além da reprodução de modelos de textos. A escola precisa levar em consideração que a escrita envolve o sujeito, este concebido pela AD como cindido, opaco, disperso e heterogêneo. Isso significa que, para produzir um texto, o aluno sujeito fará emergir várias formações discursivas, as quais precisam ser organizadas obedecendo as convenções sociais construídas pelos grupos sociais convenções essas que é preciso dar a conhecer aos alunos, a fim de que, na posição de autores, possam conferir aos textos, a unidade necessária, o efeito de fechamento. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho abordou-se a questão da autoria como a forma através da qual o sujeito ao se colocar na posição de autor, assume a responsabilidade pelo efeito de fechamento do texto. Pode-se afirmar, portanto, que subjaz à autoria uma relação entre a unidade e a dispersão. Isso porque se o sujeito está para a dispersão, o autor está para a unidade. A partir do referencial teórico e da pesquisa desenvolvida, observa-se que a AD pode contribuir para melhorias no ensino de língua, especificamente no que se refere à produção textual. Coracini (1999) afirma que para que o aluno assuma a sua identidade como autor, as múltiplas vozes que o constituem e que constituem o seu texto não podem ser abafadas. Cabe, portanto, à escola, transformar a prática de escrita em sala de aula na possibilidade de os alunos assumirem a função de autores de seus textos. O sujeito só se faz autor se o que produz for interpretável. Isso significa que para ser interpretável, não basta que se atribua sentido a um texto, mas que o produtor e seu possível leitor exponham-se a sua opacidade, explicitando como um objeto simbólico produz determinados efeitos de sentido. Expor-se a opacidade do texto implica tanto a verificação de sua legitimidade enquanto objeto social como de sua transgressão. A produção textual precisa se configurar como uma possibilidade para o sujeito deixar suas marcas de autoria como forma de ter garantida a sua identidade não no sentido cartesiano, una, logocêntrica mas como uma soma de vozes que a configuram e que no texto possuem unidade. REFERÊNCIAS ALTHUSSER, l. Observação sobre uma categoria: processo sem sujeito nem fim (s). In: Posições -1. Rio de Janeiro: Graal, 1978. CARREIRA, A. F. Sobre a singularidade do sujeito na posição de autor. Revista Linguagem em (Dis)curso. Vol. 1, Nº 2, jan/jun, 2001. CORACINI, M. J. F. A produção textual em sala de aula e a identidade do autor. In:. Interpretação, autoria e legitimação do livro didático. Campinas, SP: Pontes, 1999. GADET, F.; PÊCHEUX, M. A língua inatingível. Campinas, SP: Pontes, 2004. INDURSKY, F. O texto nos estudos da linguagem: especificidades e limites. In: ORLANDI, Eni. (org). Introdução às ciências da linguagem: discurso e textualidade. Campinas, SP: Pontes Editores, 2006. LAGAZZI-RODRIGUES, S. Texto e autoria. In: ORLANDI, Eni. (org). Introdução às ciências da linguagem: discurso e textualidade. Campinas, SP: Pontes Editores, 2006. ORLANDI, Eni. (org). Introdução às ciências da linguagem: discurso e textualidade. Campinas, SP: Pontes Editores, 2006.. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 5ª ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2007.

. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 7ª ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2007.. E GUIMARÃES, E. Unidade e Dispersão: uma questão do texto e do sujeito. In: ORLANDI, E. Discurso e leitura. SP: Cortez, 1988.