Lei Maria da Penha -Vitimação ou Construção da Cidadania
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- Nelson Salvado Sales
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1 Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008 Lei Maria da Penha -Vitimação ou Construção da Cidadania Renata Aparecida Paupitz Dranka (CESUSC) Análise do Discurso; violência; Lei Maria da Penha. ST 62 - Direitos Humanos, Democracia e Violência. Este trabalho propõe-se a analisar, á luz dos pressupostos teóricos da Análise do Discurso Francesa, os gestos de leitura e interpretação sobre o papel da Memória, Arquivo, Interdiscurso em relação á trajetória da lei número , Lei Maria da Penha, sancionada no dia 07 de agosto, pelo presidente Luiz Inácio da Silva. A Lei Maria da Penha um mecanismo criado para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. (Lei N , de 7 de agosto de 2006, Art. 1 ).Ela foi criada a partir de uma sentença condenatória no ano de 2001 ao Estado Brasileiro, por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos onde responsabilizou o Estado brasileiro por negligenciar, omitir e principalmente ironizar a violência doméstica contra as mulheres. Recomendou-se a adoção de políticas públicas, dentre elas, legislação específica para prevenir, punir e erradicar a violência contra as mulheres. Teve como escopo o caso da farmacêutica Maria da Penha que sofreu recorrentes agressões de seu marido até ficar paraplégica. Quinze anos após ela ter entrado com pedido à justiça brasileira, nada havia sido feito e seu marido, o colombiano Marco Antônio Heredia Viveiros continuava livre até o ser encaminhado, em 1998 à OEA por meio de duas ONGs, o CEJIL-Brasil (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) e o CLADEM-Brasil (Comitê Latino-americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) sob a égide da Convenção de Belém do Pará e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A opção metodológica adotada, Análise do Discurso de Linha Francesa se justifica pelo fato da AD não ser um instrumento de análise, mas constrói seu objeto teórico e estabelece seus procedimentos analíticos na interface com as demais áreas. A sua constituição se da às margens das chamadas ciências sociais, não acumulando conhecimentos, mas discutindo seus pressupostos. A AD coloca questões da lingüística no campo de sua constituição, interpelando o que ela apaga (cristaliza) do mesmo modo que coloca questões para as ciências sociais em seus fundamentos. A AD transita na constituição, observa, fica entre o que foi cristalizado, descentraliza, questiona a historicidade que a lingüística apaga e interroga a transparência da linguagem em qual está assentada. Ela mostra que não há separação entre a linguagem e sua exterioridade constitutiva. A linguagem, para a AD é o lugar do conflito, de confronto ideológico, não podendo ser estudada fora da sociedade uma vez que os processos que a constituem são histórico- sociais. Ela é o elemento de mediação entre o homem e a realidade natural e social. Ela não é neutra, por isso seu
2 estudo não pode estar desvinculado de suas condições de produção, da relação estabelecida pela língua com os sujeitos que a falam e as situações em que se produz o dizer. A AD procura compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico. Essa instância conjuntural, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade, quanto o deslocamento e transformação do sujeito e da realidade em que ele vive. O trabalho simbólico do discurso está na base da produção da existência humana. A matéria prima da AD é o discurso. Segundo Orlandi (2000, p.15) a palavra discurso etimologicamente, tem em si a idéia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso não é um conjunto de textos e sim uma dispersão de textos, uma prática. A exterioridade na AD também é chamada de condições de produção, inclui o contexto imediato, o lugar da enunciação, e o contexto amplo, que e o lugar sócio- histórico, ideológico. O importante na AD é refletir as condições de produção, a exterioridade. A AD visa compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos. O sentido verdadeiro é sempre relativo a uma Formação Discursiva. Existe uma compreensão da construção do sentido que pode ser atingida pela AD. Para o sujeito da Formação Discursiva o sentido aí produzido é um real. E é este real do sentido, sua materialidade que interessa à AD. A AD não procura atravessar o texto para ver o que tem do outro lado. O analista pergunta, Como este texto significa? e não tenta extrair sentidos do texto, perguntando, o que este texto quer dizer. O texto é um documento de um momento histórico que já foi trabalhado em outro lugar, por isso, quando perguntamos o que o texto quer dizer? já estamos presos a um sentido, pois a interpretação trabalha com as frases do texto e o contexto imediato. Mas quando perguntamos, como o texto significa?, a materialidade é simbólica, e o analista vai compreender as condições que explicam aquela produção de sentido, aquela interpretação. Compreender é percorrer o funcionamento da interpretação, explicitando como o texto se organiza. Nesta organização, os dizeres deixam vestígios, rastros de onde vieram. Os vestígios existem, mesmo se não há ninguém para olhá-los. O analista vai apreender estes rastros para compreender os sentidos aí produzidos, pondo o dizer em relação com suas condições de produção, com seus sentidos préconstruídos. Compreender é saber como um objeto simbólico (enunciado, texto, pintura, música), produz sentido. A compreensão procura a explicitação dos processos de significação presentes no texto, permitindo que se possa escutar outros sentidos que ali estão em concorrência. Esses sentidos têm relações com que é dito ali e o que não é dito, mas aí significam, assim como, com o que poderia ser dito e não foi. O interessante é que na AD também fazem parte do texto as margens do dizer. O texto é espaço significante, lugar de jogos de sentidos, de trabalho da ideologia, de funcionamento da discursividade, e o recorte é o olhar. A análise não é realizada a partir de uma 2
3 seqüência lingüística fechada em si mesma, mas refere-se ao texto de acordo com formações ideológicas, que se materializam em formações discursivas, a partir das condições de produção desse texto. O texto é carregado de significações e não existe um significado apriorístico, por isso é importante verificar as condições de produção nas quais se constituem os discursos. As condições de produção levam em conta certos fatores: relações de sentidos, antecipação e relações de força. A análise não é realizada a partir de uma seqüência lingüística fechada em si mesma, mas refere-se ao texto de acordo com formações ideológicas, que se materializam em formações discursivas. Estes mecanismos de funcionamento do discurso têm por base as formações imaginárias, que segundo Pêcheux (1969) designam o lugar que A e B [ os protagonistas do discurso ] se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro. Sendo assim é importante ressaltar as seguintes considerações de Orlandi: não são os sujeitos físicos nem os seus lugares empíricos como tal, isto é, como estão inscritos na sociedade, e que poderiam ser sociologicamente descritos, que funcionam no discurso, mas suas imagens que resultam de projeções. São essas projeções que permitem passar das situações empíricas os lugares dos sujeitos para as posições dos sujeitos no discurso. Essa é a distinção entre lugar e posição. (Orlandi, 2000,p.40) As marcas lingüísticas são analisadas, considerando o modo como aparecem no texto. Fazem parte da análise os ditos e os não ditos, relacionados não com a intenção de um sujeito (enunciação) ou sujeito universal, mas com a posição particular que o sujeito ocupa a partir de certas condições de produção. Deve-se assim levar em consideração o contexto imediato e o contexto mais amplo que inclui as condições históricas, sociais e ideológicas. Aquilo que está presente em outro lugar parece que na AD tem oportunidade de (re)velar-se. Mas não se revela por completo, pois se assim fosse, deixaria de ser o que é, ou seja, o(s) outro(s) sentido(s). Por isso a AD compreende o véu que como num jogo, (en)cobre aquilo que nem o próprio enunciador percebe. O trabalho do analista não é o de desvelar, mas o de revelar como se vela. No próprio cobrir, se descobre. O que torna possível este revelar é a prática de análise discursiva que relaciona o dizer com determinada formação ideológica, pois a interpelação do sujeito em uma dada formação discursiva é que determina o que pode e o que deve ser dito por ele. E quando este sistema se fecha, os sentidos se sustentam para além (ou aquém) do enunciado e da enunciação, embora tenham aparente transparência. É tarefa do analista do discurso, diante da transparência enunciativa e da materialidade discursiva, constituir um corpus, um constructo para interpretar o discurso. O 3
4 analista do discurso interpreta o discurso do outro, levando em conta sua própria inscrição enquanto sujeito, pois a escolha dos textos e a constituição do corpus significam. O movimento do corpus não é cumulativo, é contínuo, analítico, como se ele fosse se construindo também no decorrer da análise. E, por ser esta constituição nunca pronta, do corpus, que o analista faz recortes, para que o possa olhar, apreender os processos discursivos colocando se questões. Convém lembrar que na AD há uma certa constância do dispositivo teórico, o que não ocorre com o dispositivo analítico. E isso garante que o objeto possa ser interpretado de várias faces, e que sua interpretação nunca se esgote. Por isso uma análise nunca é igual à outra. Por outro lado, o quadro teórico é mobilizado diferentemente a cada análise, em razão da especificidade do corpus, e com isso ganha sempre um deslocamento, e está em permanente movimento. A questão, a pergunta que se formula sobre o corpus, é de responsabilidade do analista, e essa responsabilidade organiza a sua relação com o discurso, levando-o à construção de seu dispositivo analítico. Poder-se-ia dizer também que o dispositivo analítico está sempre latente, e tece vínculos quando é colocado em questão pela relação com a pergunta, que por sua vez desenvolverá o dispositivo analítico. Este caráter de incompletude do dispositivo analítico corresponde à incompletude do sujeito, é dialética, por isso o dispositivo analítico não é fixo, mas se desenvolve na e pela relação do analista e seu objeto ou recorte. O recorte é absoluto e fugaz. Absoluto no instante, mas fugaz devido a sua natureza, porque na Análise do Discurso a interpretação/compreensão acarreta uma mudança naquele que analisa e concomitantemente no objeto, porque este não é mais desconhecido. Seria pretensão também do analista pensar que a análise do recorte esgota a capacidade do corpus. O recorte desperta sentidos e outros recortes. Os sentidos despertados assediam o envolvimento com a ideologia trazendo novas interpretações. Não há perigo de se perder nestas vagas de interpretação, pois a análise se garante na relação estabelecida entre o discurso e o interdiscurso. Outra garantia é o próprio recorte. Só se vê aquilo que se olha. Mas como aquilo que se olha é uma representação do real e esta representação é ideológica, o analista não está ele mesmo fora do recorte. O reflexo do real embaralha sua visão, levando-o a moldar seu dispositivo analítico que encontra seus limites no recorte. Há uma estreita relação entre teoria e dispositivo analítico. Entende-se que o dispositivo teórico encampe o dispositivo analítico e quando se refere a dispositivo analítico está se pensando em dispositivo teórico já individualizado, num corpus. Por isso o dispositivo teórico é o mesmo, mas o analítico não. O analista se pergunta por que as palavras, naquele momento, estão ali. O que está em jogo para que aquela forma produza um sentido e não outro. O que é que se esconde para mostrar-se? Na AD aquilo que está no inconsciente é um significante em potencial e se mostra na linguagem. O 4
5 analista procura os sentidos articulados e apreendidos na palavra que se coloca como um objeto reconhecível de acordo com o dispositivo analítico que vai se desenvolvendo na e pela relação do analista e seu objeto. Mostra-se, neste sentido, a dificuldade da análise e justamente sua virtude. A responsabilidade do analista é mostrar, a partir de seu recorte, aquilo de que todos participam sem perceber. É mostrar algo que não é de domínio de ninguém e se mostra. Seria como, segundo Orlandi, desfazer a ilusão de transparência da linguagem. O recorte seria como uma obra de arte e o trabalho do analista seria como o trabalho do artista. A AD poderia ser chamada análise primordial, não no sentido de verdade, mas no sentido de que desperta sentidos. Não há verdade oculta atrás do texto, há gestos de interpretação que o constituem. O analista pergunta como as significações se organizam para ter este ou aquele sentido. Dependendo da riqueza do dispositivo analítico desenvolvido na relação do analista e seu objeto, será possível um trabalho mais ou menos abrangente da relação com o simbólico, dando um estatuto de rigor científico ao relacionar o dispositivo teórico ao dispositivo analítico 1. Quando o analista faz o recorte, o que ele quer? Quer desvelar os meios pelos quais aquelas palavras fazem sentido, trazem sentidos. Aquilo que não é da intenção do enunciador, mas que compõem, naquele momento, o sentido. Segundo Lacan (1992, p.159), O sentido vai sempre em direção a alguma coisa, em direção a uma outra significação. Para o autor, o sentido sempre remete a alguma coisa que está adiante ou que volta sobre si mesmo. A memória também faz parte da produção do discurso. Na Análise do Discurso, trabalha-se a memória como interdiscurso. E o interdiscurso, segundo Pechêux (1998, p.259) é o todo complexo das formações discursivas. A formação discursiva é aquilo que numa formação ideológica dada determina o que pode e deve ser dito. Pêcheux esclarece que o interdiscurso é submetido à lei de desigualdade-contradição-subordinação que caracteriza o complexo das formações ideológicas. Podemos dizer, então, segundo Orlandi (2000, p.33) que, o interdiscurso é o todo conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido, é preciso que elas façam sentido. O sujeito não tem acesso sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele, pois o dizer não é só dele. As palavras, segundo Orlandi (2000, p.32) significam pela história e pela língua. De acordo com a autora, o interdiscurso é estruturante e sustenta a possibilidade de todo dizer. Há uma relação entre o já-dito (interdiscurso) e o que se está dizendo (intradiscurso), entre a constituição de sentido e sua formulação. Todo dizer se encontra na confluência de dois eixos: o da memória (constituição) e o da atualidade (formulação). E é nesse jogo que se constituem os sentidos. A AD procura escutar o não-dito naquilo que é dito. (Orlandi, 2000, p.34). 5
6 Sendo assim o objetivo deste trabalho é analisar através de jornais ou propagandas como está sendo reproduzida a imagem social da mulher depois de sancionada a Lei Maria da Penha. Não faz parte deste trabalho discutir se a lei é inconstitucional ou não. Se viola o art.5 da CF/88, ou o principio da isonomia ou da proporcionalidade. Mas é importante constatar que se trata de uma ação afirmativa e não há inconstitucionalidade na proteção especial à mulher que neste sistema machista vem sendo constantemente submetida a uma situação de vulnerabilidade física e psicológica. O art. 5º da CF/88 estabelece uma igualdade material entre homens e mulheres e não uma igualdade formal. Há uma igualdade que está somente no texto da CF e não existe na prática. Na realidade o que encontramos são mulheres agredidas, assassinadas, torturadas, estupradas e ameaçadas. Assim, a verdadeira igualdade, que almeja primordialmente a dignidade da pessoa humana, consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, justamente para evitar qualquer tipo de desigualdade. 6 Bibliografia BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 5. ed.., GALLO, Solange Leda. Discurso da Escrita e Ensino. Campinas.Editora da Unicamp,1992. Autoria. Questão enunciativa ou discursiva?in Linguagem em (Dis)curso. Universidade do Sul de Santa Catarina. v.1.tubarão.editora da Unisul KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, MARIANI, Bethânia. O PCB e a imprensa. Os comunistas no imaginário dos jornais ( ). Rio de Janeiro: Revan Campinas. Editora da Unicamp,1998..ORLANDI, Eni Puccinelli. Analise do discurso. Princípios e procedimentos. Campinas: Pontes,1999. Interpretação, autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 2. ed.campinas: Pontes, As formas do silêncio. No movimento dos sentidos. 4 ed. Campinas: Editora da Unicamp Vozes e contrastes. Discurso na cidade e no campo. São Paulo. Cortez, Discurso fundador. A formação do país e a construção da identidade nacional. 2ed. Campinas: Pontes, Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, Campinas, Editora da Universidade Estadual de Campinas PECHEUX, Michel. Semântica e discurso uma critica á afirmação do obvio. Campinas. Editora da Unicamp, Discurso. Estrutura e acontecimento. Campinas. Pontes, TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 18 Ed. São Paulo: Malheiros, Ver no livro Análise do Discurso de Eni P. Orlandi, p.28.
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