1 A CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA EM MARX 1 Rogério José de Almeida 2 No presente trabalho, tem-se por objetivo apresentar uma breve análise da concepção de história em Marx, a qual sofreu influências de vários pensadores. A maior influência vem do pensamento hegeliano, que concebia a história como um movimento dinâmico e progressivo, processando-se segundo leis dialéticas. Há também em seu pensamento a identificação de vários estágios do processo histórico. Essas características do pensamento hegeliano sobre a história são marcantes na concepção de história de Marx. Contudo, Hegel pressupõe a existência de um espírito abstrato se desenvolvendo e definindo os rumos da história da humanidade. Portanto, em sua concepção idealista, Hegel concebe um espírito da humanidade, ao contrário de tratar o homem apenas como integrante do real. Nesse ponto, Marx inverte essa forma idealista de pensar a história, advogando uma concepção materialista da história. Marx parte do pressuposto de que somente os indivíduos reais, atuando sobre suas condições materiais de existência, fazem a história. Desta forma, Marx procura explicar que a formação das idéias decorre da prática material, e não, ao contrário, como diria Hegel, que explicava a prática a partir das idéias. Em A Ideologia Alemã (1965), Marx discute a idéia de que são os indivíduos reais que fazem a história. São os indivíduos que devem estar em condições de fazer à história. Ora, os indivíduos devem estar em condições porque possuem certas necessidades que são básicas para a sua subsistência, como comer e beber. Para suprir tais necessidades, é preciso que se produzam os meios necessários que permitam satisfazê-las. Ao suprirem suas necessidades, os indivíduos estão produzindo a própria vida material, que é a condição fundamental de toda a história. Dessa forma, o que os indivíduos são depende das condições materiais de sua produção. O conceito fundamental dessa concepção de história de Marx é o conceito de modo de produção. O modo de produção é constituído pelas forças produtivas e pelas relações de 1 Texto inicialmente apresentado para a disciplina Teoria Sociológica I do Programa de Mestrado em Sociologia da Universidade Federal de Goiás UFG. É aqui disponibilizado com objetivo didático. Goiânia, 2011. 2 Doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília UnB. Professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás PUC/GO. Professor da Faculdade Araguaia FARA. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq.
2 produção. As forças produtivas correspondem aos meios de produção e à força de trabalho. Tais conceitos merecem uma rápida explicação. As forças produtivas são os elementos necessários ao processo de produção, já que os meios de produção são os meios de trabalho (oficinas, máquinas, etc) e a força de trabalho é o elemento essencial das forças produtivas, que expressa o grau de capacidade física e intelectual (técnica) do desenvolvimento social. As relações de produção, por sua vez, correspondem às relações sociais instituídas pelos indivíduos no processo de produção. Estas relações de produção, quando se instaura a propriedade privada, se tornam relações de propriedade, ou seja, relações sociais entre os proprietários dos meios de produção e aqueles que possuem somente a força de trabalho. São, portanto, relações entre classes sociais distintas. Esses dois conceitos, forças produtivas e relações de produção, são importantes pelo fato de que Marx aponta uma contradição entre os fenômenos que eles expressão. Essa contradição explica a existência da história como uma sucessão de modos de produção. Portanto, o fim de um modo de produção acarreta sua substituição por outro e assim sucessivamente. Nas palavras de Marx, no Prefácio da Contribuição à crítica da economia política : Em certa fase de seu desenvolvimento, as forças produtivas da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma era de revolução social. (1965, p. 103). Na medida em que as forças produtivas se desenvolvem, as relações de produção devem mudar para que essas forças produtivas sejam ajustadas adequadamente à produção. Dessa forma, a dialética entre forças produtivas e relações de produção é a base da transformação histórica. Apesar de Marx dedicar seus principais esforços teóricos para estudar o modo de produção capitalista, ele, ao longo de sua obra, procura explicar também as formações econômicas pré-capitalistas. Para isso, ele elabora uma tipologia dos distintos modos de produção no Prefácio da Contribuição crítica da economia política, os quais caracterizam etapas da história humana. São eles: o modo de produção asiático, o antigo, o feudal e o capitalista (1965, p. 104). Com essa tipologia, Marx buscava evidenciar sua teoria da contradição entre as forças produtivas e as relações de produção e a maneira pela qual os
3 elementos particulares do capitalismo surgiram, além de apontar o curso do desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista. Segundo Bottomore (1988) citando as obras de Marx e Engels, o modo de produção asiático aparece como a primeira das formações econômicas progressivas da sociedade. Nas sociedades asiáticas a ausência da propriedade privada da terra era a causa básica da estagnação social, sendo que a organização as atividades agrícolas eram de controle do Estado, o qual era o verdadeiro proprietário da terra. A natureza estática das sociedades asiáticas apoiava-se na consistência da velha comunidade de aldeia que, combinando agricultura e artesanato, era economicamente auto-suficiente. O modo antigo de produção é caracterizado pela escravidão. A escravidão concretiza o potencial das forças produtivas e garante o seu desenvolvimento. Marx via o modo de produção antigo como sendo baseado na propriedade fundiária de grande escala, tendo o latifúndio como sua unidade básica de produção. De certa forma, ao longo do desenvolvimento histórico, a produção escrava típica do modo antigo se pouco produtiva e obsoleta. A estrutura imperial romana decai, e assim, paulatinamente, a fazenda escravista se constitui em arrendamentos hereditários, deste modo o feudalismo acabou aos substituindo a antiga formação social. O modo de produção feudal se baseia em um campesinato subjugado. Existe uma dependência pessoal que assinala as relações feudais de produção. O mundo medieval para Marx era essencialmente produto da servidão. Os camponeses, não sendo juridicamente livres, estavam privados de direitos de propriedade, embora tivessem o direito ao uso da terra. Eram obrigados a entregar seu trabalho ou o produto desse trabalho que excedesse o necessário à subsistência familiar e a reprodução simples da economia familiar do camponês. A decadência do feudalismo e a conseqüente liberação das forças produtivas são requisitos do início do mundo capitalista. Houve uma dissolução das relações, que só se tornou possível graças ao desenvolvimento das forças produtivas. Com a dissolução dessas relações feudais de produção, e a difusão da propriedade privada e das relações monetárias, o aumento da troca e do comércio desatrela as forças que precipitam a acumulação primitiva. Então, segundo Marx apud Shaw: Vemos, então: os meios de produção e de troca, em cujo alicerce a burguesia se erige, foram gerados na sociedade feudal. A certa altura do desenvolvimento (deles)... as relações feudais de propriedade tornar-se não mais compatíveis com as forças produtivas já desenvolvidas; tornaram-se outros tantos obstáculos. Tinham de ser destruídas; e foram destruídas (1979, p. 130).
4 Vê-se, então, que a sociedade capitalista é produto de um longo curso do desenvolvimento histórico, ou seja, da troca de um modo de produção por outro. Marx, a partir dessa análise dos diversos modos de produção, acreditava que sua teoria tornava possível predizer com segurança qual seria o ápice dessa dialética, o comunismo. Marx compreendia as relações de produção, que significam uma luta de classes, como elemento fundamental e determinante das forças produtivas e da superestrutura 3. São as lutas entre duas classes sociais distintas e fundamentais que formam o novo modo de produção. Contudo, numa sociedade, como exemplo, a sociedade capitalista, não existem somente duas classes sociais. Há outras classes sociais que co-existem juntamente na sociedade. Dessa forma, Marx trabalha com outras categorias de classe, como classe/fração de classe. No entanto, segundo Marx, haveria uma polarização em somente duas classes sociais (burguesia e proletariado). A transformação social tem como fundamento à luta de classes, Marx e Engels descrevem essa idéia mais profundamente no Manifesto Comunista, segundo eles: A história de todas as sociedades que já existiram é a história de luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, chefe de corporação e assalariado; resumindo, opressor e oprimido estiveram em constante oposição um ao outro, mantiveram sem interrupção uma luta por vezes, por vezes aberta, uma luta que todas às vezes terminou com uma transformação revolucionária ou com a ruína das classes em disputa. (1999, p. 9). Então, o motor que empurra a transformação social é a luta de classes, na qual a classe dominante procura conservar o status quo e as classes sociais exploradas buscam transformálo. Com relação ao modo de produção capitalista, a burguesia ao consolidar esse modo de produção, criou juntamente as condições para o surgimento da classe que iria desenvolver a revolução social rumo à próxima fase do desenvolvimento histórico, que é o proletariado. Segundo Marx, numa perspectiva finalista, somente o proletariado pode intervir para solucionar o conflito entre as forças produtivas e as relações de produção que são engendradas pelo modo de produção capitalista. As relações de produção burguesas, por sua vez, seriam a ultima forma contraditória do processo de produção social. A transformação do modo de produção capitalista para o comunismo decorre da contradição das forças produtivas sob a produção capitalista, e dos modos e meios pelos quais 3 Superestrutura: Essa metáfora procura explicar, quase sempre, a relação entre três níveis gerais de sociedade, por meio da qual, os dois níveis de superestrutura são determinados pela base. Isso significa que a superestrutura não é autônoma, que não aparece por si mesma, mas tem um fundamento nas relações de produção sociais. (...) A qualquer transformação na base econômica de uma sociedade leva a uma transformação da superestrutura... (BOTTOMORE, 1988. p. 27).
5 esse desenvolvimento ocorre. De acordo com Marx, com esta formação social termina, pois, a pré-história da sociedade humana. (1965, p. 104) E da sociedade comunista que se engendraria, se criaria uma estrutura nova, onde não haveria diferenças de classes e toda a produção estaria concentrada nas mãos dos indivíduos associados, com poder público perdendo seu caráter político. Então, segundo Marx e Engels, no lugar da sociedade burguesa antiga, com suas classes e antagonismos de classe, teremos uma associação, na qual o desenvolvimento livre de cada um é a condição para o desenvolvimento livre de todos (1999, p. 44). Marx, em suas obras, somente prevê que o desenvolvimento histórico da humanidade chegaria até o comunismo. Contudo, em seus escritos a respeito da sociedade comunista não há uma descrição exata de como viria a ser essa sociedade. O que Marx aponta, como foi colocado acima, são as possibilidades de liberação se acaso um dia acabassem as contradições entre classes, ou seja, no dia em que não mais existissem classes sociais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOTTOMORE, Tom (Ed.). Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. MARX, Karl. Prefácio da Contribuição à crítica da economia política. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: e outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1965. p.101-106. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.. A ideologia alemã: e outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1965. SHAW, William H. Teoria marxista da história. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. OBRAS CONSULTADAS ARON, Raymond. Os fundadores Karl Marx. In:. As etapas do pensamento sociológico. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. IANNI, Octavio (org.). Karl Marx: coleção grandes cientistas sociais. 6. ed. São Paulo: Ática, 1988.