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Transcrição:

Comunicação GRUPO ESPECIALIZADO EM ÁREAS DE RISCO (GEPAR) OS DILEMAS DE UMA EXPERIÊNCIA INOVADORA DE PREVENÇÃO E CONTROLE DE TRÁFICO DE DROGAS E HOMICÍDIOS EM FAVELAS VIOLENTAS EM BELO HORIZONTE, BRASIL. Elenice de Souza * BRASIL INTRODUÇÃO Uma das inovações da Polícia Militar de Minas Gerais é a criação do Grupo Especializado de Policiamento em Áreas de Risco, o Gepar específico das unidades com responsabilidade territorial, as companhias de Polícia Militar. Esse grupo, criado em 2005, foi implementado para atuar preventivamente em favelas da cidade de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, onde o tráfico de drogas e o crime de homicídios foram identificados como sendo problemas crônicos. Atualmente o Gepar tem sido criado também nas demais favelas da região metropolitana e em todo o estado de Minas Gerais. Inspirado no Grupo de Policiamento em Áreas Especiais (Gepae), desenvolvido pela Polícia Militar do Rio de Janeiro no ano de 2000, o Gepar conjuga estratégias de polícia comunitária, o policiamento orientado para solução de problemas, e a repressão qualificada como ferramentas essenciais para o controle e prevenção da criminalidade, restituição da paz e qualidade de vida em comunidades carentes. O Gepar é por definição um policiamento pró-ativo, de repressão qualificada, que atua de forma permanente e diuturna em comunidades específicas (Doutrina do Gepar, 002/05 CG). Neste sentido, esse grupo especializado se diferencia do policiamento mais tradicional direcionado para o atendimento reativo a chamadas de emergência, e das atividades de polícia desenvolvidas pelos grupos de operações especiais e táticas de cunho essencialmente repressivo e esporádico. Atuar de forma pró-ativa e através da repressão qualificada significa que as ações do Gepar devem ser pautadas num diagnóstico prévio da criminalidade local, constantemente atualizado a partir do uso, troca, e análise sistemática de informação entre os policiais integrantes do grupo, dos policiais de inteligência e das seções de análise criminal e estatística das companhias de Polícia Militar, a qual cada Gepar faz parte. Os resultados de suas atividades devem ser, assim, avaliados e monitorados de forma continuada. Além disso, * Elenice de Souza, mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, e doutoranda em Justiça Criminal e Criminologia, pela Rutgers State University of New Jersey, USA. É pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais e professora dos Estudos Técnicos promovidos por essa instituição desde 2005. 457

Grupo Especializado em Áreas de Risco (GEPAR) o Gepar deve procurar não apenas conhecer e entender a dinâmica do tráfico de drogas e dos homicídios na base territorial em que atua, identificando indivíduos infratores, mapeando gangues criminosas e seus integrantes, mas também conhecer a comunidade local mais ampla, sua organização social e características sócio-demográficas, seus membros, e suas principais demandas. Ao conjugar as ações pró-ativa e de repressão qualificada, o Gepar procura reconstruir no imaginário social da população marginalizada das favelas a idéia de uma polícia próxima às comunidades carentes; uma polícia que conhece e é conhecida pela população local; uma polícia para proteger e servir; uma polícia que tem no uso inteligente da informação, na mediação de conflitos, na solução de problemas da comunidade, e no uso legal da força os principais instrumentos para solução de conflitos. O GEPAR E O PROGRAMA FICA VIVO! A idéia inicial de se criar o Gepar pela Polícia Militar de Minas Gerais coincide com um período das primeiras discussões entre essa instituição e o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (Crisp/UFMG), sobre a concepção de uma estratégia inovadora de prevenção de homicídio capaz de intervir no problema crônico das mortes envolvendo jovens principalmente em favelas onde o tráfico de drogas foi instalado. Essas discussões foram concretizadas na realização de um projeto de iniciativa do Crisp denominado Fica Vivo! Esse projeto mobiliza não apenas a polícia, mas a comunidade, e vários órgãos do governo do estado e do Município. O Fica Vivo! sustenta-se em três grandes pilares: (1) gestão coordenada envolvendo as várias agências do sistema de Defesa Social e outros órgãos do governo; (2) ações de proteção social direcionadas para jovens entre 12 e 24 anos de idade envolvidos ou não com a criminalidade, através de oficinas de arte, cultura, esporte, lazer e profissionalizantes e, o (3) Grupo de Intervenção Estratégica, composto por representantes das polícias estaduais: Militar e de Investigação; da Polícia Federal; da Promotoria Pública, e do poder Judiciário. Além disso, participam desse grupo os representantes do sistema prisional. Assim, o grupo de intervenção estratégica tem como principal objetivo promover a integração entre essas várias instituições, dando celeridade aos processos judiciais principalmente de indivíduos infratores contumazes e envolvidos em gangues ao nível de cada comunidade onde o programa Fica Vivo! está presente. 458

Elenice de Souza Busca também avaliar e monitorar de forma conjunta os resultados das ações judiciais e das polícias no controle e prevenção do crime. O Gepar foi criado de forma incipiente com a primeira experiência de implementação do Fica Vivo! no Morro das Pedras em 2002 (Beato, 2002; 2003). Com o sucesso desse projeto na redução dos homicídios e sua conseqüente institucionalização como um dos principais programas de prevenção e controle de homicídios do governo do estado de Minas Gerais, o Gepar passou a ser criado em todas as comunidades onde esse programa foi instalado. A associação direta com esse programa e com que o Gepar tornasse parte integrante do Grupo de Intervenção Estratégica do Fica Vivo! além de desenvolver um papel central como catalisador das demandas da comunidade e elo fundamental entre as ações de proteção social desse programa e as atividades de polícia comunitária. Em agosto de 2005, as diretrizes do Gepar são definidas a partir da instrução no. 002/05 CG, que regula a criação e emprego do Gepar como um recurso estratégico fundamental da Polícia Militar na prevenção e controle do tráfico de drogas e homicídios. OS POLICIAIS DO GEPAR O Gepar reúne policiais voluntários, com no mínimo um ano de experiência em atividade operacional, devendo permanecer no grupo por um período mínimo de dois anos. Esses policiais são treinados pela Academia de Polícia Militar num curso com duração de 40 horas que abrange diversas disciplinas entre elas: direitos humanos aplicados à atividade policial; polícia comunitária; mobilização comunitária; prevenção e controle de drogas, entre outras. Além disso, os policiais ingressam num curso especial promovido pelo Crisp/UFMG denominado Estudos Técnicos. Esse curso é direcionado para os representantes das diversas instituições que integram o Grupo de Intervenção Estratégica do Fica Vivo! que reúne: policiais do Gepar, policiais da Polícia Investigativa, policiais da Delegacia Especializada de Homicídios, além de ter como convidados profissionais do Ministério Público e do Poder Judiciário. Esse curso treina esses profissionais no uso da metodologia de solução de problemas; no tratamento, uso, e troca de informações para fins de planejamento estratégico e monitoramento das atividades que serão desenvolvidas pelo grupo de intervenção estratégica ao nível de cada comunidade onde o programa Fica Vivo! é implementado (Estudos Técnicos, 2005). Além desse curso, os policiais do Gepar também participam do 459

Grupo Especializado em Áreas de Risco (GEPAR) curso de Gestores Comunitários promovido pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais, onde junto com demais representantes da comunidade onde atuam desenvolvem um plano de segurança local. De acordo com a Instrução do Gepar no. 002/05 CG, em termos de estrutura o Gepar é distribuído geralmente em três guarnições, cada qual composta por três policiais que atuam por turno de oito horas. Essas guarnições estão sob o comando de um tenente e são submetidas de forma regular ao controle e acompanhamento operacional e administrativo. Os policiais do Gepar são equipados com instrumentos típicos da atividade policial militar, tais como colete à prova de bala, armamento de porte, pistola.40, rádios transmissores, algemas, bastão tipo tonfa, entre outros. Além disso, por ser a geografia das favelas e aglomerados bastante irregular, com terreno de topografia acidentada, o Gepar utiliza viatura Troler, ou camionetes. Isso permite que os policiais possam cobrir uma área territorial que tradicionalmente era impossível de ser policiada. A presença diária dos policiais do Gepar nas comunidades das favelas onde a polícia só entrava para atendimento de ocorrências emergenciais, e operações repressivas esporádicas, tem despertado à primeira vista curiosidade e estranhamento mútuo entre policiais e população local, muitas vezes pautado por preconceitos de ambos os lados. Entretanto, é no cotidiano das relações entre polícia e comunidade que os olhares de desconfiança mútua são substituídos por olhares de expectativa de confiança mútua. Os policiais passam pouco a pouco a ser percebidos pela população como policiais do Gepar, e diferentes dos outros tipos de polícia, com a função de proteger e servir a comunidade. Nesse processo, também os membros da comunidade passam a se tornar familiares aos olhos dos policiais, sendo percebidos não apenas como aqueles que acionam as chamadas de emergências, mas como parceiros na produção da segurança pública local. OS DESAFIOS DO GEPAR Um dos grandes desafios do Gepar tem sido o de construir sua identidade social como parte integrante da comunidade local, desenvolver sua atividade tanto preventiva quanto repressiva, alcançando assim a legitimidade por parte da população. Um dos problemas enfrentados pelos policiais do Gepar é a expectativa social de que uma policia próxima da comunidade é uma polícia 460

Elenice de Souza mais boazinha, que passa a mão na cabeça de bandido. Policiais reclamam que a aproximação com a comunidade cria na população a expectativa de que a polícia terá um comportamento mais conivente, certa cumplicidade diante de alguns pequenos delitos. Em geral, isso tem gerado a quebra de confiança de parte da população em relação aos policiais quando esses agem de forma repressiva. Assim, é comum ouvir relatos de policiais do tipo: Uma senhora que me chamava para tomar café na casa dela com certa freqüência mudou seu comportamento comigo depois que o filho dela foi preso por estar envolvido com crime. Ela não me convida mais para o café e quando passo por perto ela faz que não me conhece. (depoimento de policial do Gepar, 2007). Esse tipo de comportamento de alguns moradores das áreas onde o Gepar é implementado é relatado também por lideranças comunitárias, tal como é demonstrado num depoimento abaixo: Aqui no bairro, os jovens costumam pilotar motos sem documento e a polícia aborda esses meninos e acaba apreendendo as motos. A população fica com raiva da polícia e não entende que a polícia embora seja da comunidade tem que reprimir ações fora da lei. (depoimento de liderança comunitária em encontro comunitário realizado em 2007). Outra dificuldade enfrentada pelos policiais do Gepar é o sentimento de medo e desconfiança que geralmente a população de favelas e aglomerados tem em relação à polícia. A entrada da polícia nessas comunidades tradicionalmente foi pautada por ações repressivas, que acabavam em algumas situações por extrapolar a legalidade, resultando em violência e abuso de autoridade. Com isso, a presença do Gepar em algumas comunidades não tem sido percebida à primeira vista com bons olhos, sendo acompanhada por reclamações e questionamentos por parte da população em relação à polícia. Isso também é explicado pelo próprio desconhecimento que a comunidade tem da polícia, da sua função, e de como deve agir. Isso é evidente nos primeiros encontros promovidos pela própria polícia em parceria com o Fica Vivo! para apresentação dos policiais do Gepar para a comunidade local. Dúvidas sobre a legalidade das abordagens policiais, sobre a necessidade ou não de apresentação de mandados judiciais para busca e apreensão e prisão de pessoas, além de questionamentos quanto se a ação do Gepar será 461

Grupo Especializado em Áreas de Risco (GEPAR) semelhante a dos outros tipos de polícia que atendem ocorrências na favela são freqüentes. A grande expectativa nesse caso por parte da população é que a polícia respeite a população. Por fim um dos maiores dilemas tem sido a aproximação clara e visível do Gepar como parceiro direto do programa de prevenção Fica Vivo! Essa é uma situação que tem gerado muitas discussões. Como o programa é aberto a jovens envolvidos com a criminalidade, a parceria com a polícia pode ser vista por esses jovens com grande suspeita. Assim, coloca-se em dúvida a relação de confiança construída com os técnicos e trabalhadores do programa. Esses podem ser identificados como X9, ou informantes da polícia. Uma das conseqüências disso é colocar em xeque a viabilidade e sucesso do programa em atingir os jovens que buscam no programa uma saída do mundo do crime, colocando também em risco os profissionais do próprio programa. A criação do Gepar tem assim trazido à tona vários dilemas sobre a relação entre polícia, comunidade, e programas de prevenção. A solução para esses desafios parece ser sem dúvida reforçar um conceito de polícia que supere a idéia dicotômica de que a função da polícia se resume em proteger a população ordeira e reprimir os fora da lei. Mais do que isso, o conceito de polícia deve incluir a idéia de que a polícia tem um importante papel enquanto representante da lei e da ordem em dissuadir o comportamento violento, mediando conflitos e promovendo a mudança do comportamento dos jovens envolvidos com a criminalidade a partir do incentivo e participação em atividades de proteção social e comunitária que incluam esses jovens como públicos alvo. Desta maneira, a polícia se torna um elo importante entre os jovens fora da lei, a justiça e a proteção social. Referencia Bibliográfica Beato, Cláudio Filho (2002) Programa de Controle de Homicídios FICA VIVO! Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. (2003) Homicide Control Project in Belo Horizonte. CRISP Study Center on Crime and Public Safety, Federal University of Minas Gerais, www.crisp.ufmg.br. Estudos Técnicos (2005). Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, Universidade Federal de Minas Gerais. Instrução 002/05, Comando Geral da Polícia Militar de Minas Gerais. Souza, Elenice de (2007) Relatórios Estudos Técnicos. CRISP Centros de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, Universidade Federal de Minas Gerais. (1999). Polícia Comunitária: Avaliação de um Programa de Segurança Pública em Belo Horizonte, Minas Gerais. www.crisp.ufmg.br 462