1 CURSO DE FORMAÇÃO DE DIREITO EDUCACIONAL PARA GESTORES, COORDENADORES, PROFISSIONAIS E ESTUDANTES DA EDUCAÇÃO E DO DIREITO. Prof. MS Nelson Joaquim Origem e evolução do Direito Educacional no Brasil Em primeiro lugar, existe uma relação entre a educação e o direito, que justifica a importância do Direito Educacional. Aliás, sempre existiram normas de conduta para disciplinar o comportamento humano. Inicialmente de modo natural ou informal, com base nos valores morais e religiosos, depois a educação formal institucional, coma participação do Estado. Além disso, A educação dos cidadãos pressupõe o mínimo de conhecimento jurídico, daí a existência das relações entre educação, direito e cidadania. A propósito, o art. 205 da atual Constituição Federal dispõe: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Em segundo lugar, falar sobre a origem e evolução do direito educacional no Brasil é um grande desafio, uma vez que a história do Direito Educacional é a história da educação ou do direito à educação no Brasil. Aliás, direito à educação e Direito Educacional são expressões que se equivalem. Contudo, não pretendo apresentar a história da educação brasileira, deixando está tarefa para os pedagogos e historiadores. No entanto, não podemos ignorar a existência de quase cinco séculos de educação no Brasil, com avanços e retrocessos, que certamente influenciaram o direito à educação e o Direito Educacional. Em razão disso, peço a paciência de todos, para decidirmos como vamos apresentar a origem do Direito Educacional. Enfim, quando, como e para que surgiu o Direito Educacional?
2 1º Perspectiva - Se entendemos o Direito Educacional como legislação de ensino, ele surgiu nas primeiras legislações educacionais em 1549, com a chegada ao Brasil dos primeiros jesuítas-educadores, destacando-se o Padre Manoel da Nóbrega, edificador das bases de nossa educação colonial, fundando a Escola da Bahia. Além do Padre Antônio Vieira, que ministrava aulas de gramática, matemática, teologia e oratória. Com a expulsão dos jesuítas e a reforma administrativa de Marques de Pombal, em 1759, desmorona todo sistema educacional da colônia. Abriu-se um novo capítulo da história da educação brasileira, com o reconhecimento da educação como dever do Estado. Acrescenta-se a chegada de D. João VI no Brasil em 22 de janeiro de 1808, que modificou a estrutura educacional, com a criação de diversos cursos, principalmente no Rio de Janeiro e na Bahia. Curso superior de Medicina no Rio de Janeiro, em 1809, além da biblioteca nacional, museu nacional, Jardim Botânico no Rio de Janeiro. Contudo, O Brasil colônia não criou instituições de ensino superior em seu território, tampouco universidades. Com a independência do Brasil em 1822 surgiram projetos de reformas de ensino primário, secundário e superior, sem grandes avanços de uma educação para o povo. Até porque D. Pedro I dissolveu a Assembléia Constituinte e outorgou a Carta Constitucional de 1824, cuja a preocupação com a educação pública limitava-se a declarar que a instrução primária seria gratuita para todos os cidadãos. Foram criados dois cursos jurídicos em 1827, um em São Paulo e o outro em Olinda. Quanto ao ensino secundário, surgiram as primeiras escolas normais dos pais, em Niterói em 1835; Bahia, 1836; Ceará, 1845; Liceu na Bahia e na Paraíba, em 1836; Colégio Pedro II, em 1837. Percebe-se, então, que a educação do povo não interessava diretamente ao governo Imperial e sim a preparação de uma elite no ensino secundário e superior, até porque era uma economia fundada na escravidão. Na realidade, no período, que antecedeu a abolição da escravatura e a proclamação da República, não houve nenhum interesse oficial pela educação popular. Ao contrário, no período da guerra civil, o presidente dos Estados Unidos da América, Abrão Lincoln (1861-1865) organizou o departamento dos
3 libertos, criou escolas, distribuiu terras e incentivou o alistamento eleitoral dos ex-escravos. Contudo, no caso brasileiro, não podemos de deixar de destacar a luta de Joaquim Nabuco, principal líder abolicionista, parlamentar histórico que assim se pronunciou na época: a escravidão bloqueava o desenvolvimento das classes e de um mercado de trabalho (...) A senzala e a escola são pólos, que se repelem. Enfim, apesar da liberdade alcançada pelos negros em 1988, o Estado brasileiro não concedeu o direito à educação, à terra e ao trabalho. Na primeira república, em 1889, tivemos poucos avanços na área da educação. Aliás, até regredimos, pois o texto da Constituição de 1891 foi omisso quanto à educação, considerando apenas a liberdade para o ensino leigo nas escolas públicas, mas nada disse a respeito de gratuidade de ensino. Porém, a partir de 1920, iniciou-se uma série de reformas e políticas administrativas do ensino, que acompanhavam as novas idéias de renovação educacional propostas por alguns educadores: Lourenço Filho (Introdução ao Estudo da Escola Nova), Francisco Campos, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e outros. Vale lembrar que a primeira universidade brasileira foi criada da em 1920 a Universidade do Rio de janeiro onde reunia Faculdades Profissionais. Além disso, em 15 de outubro de 1924 foi criada a Associação Brasileira de Educação (ABE). A Revolução de 1930, cujo representante maior foi Getúlio Dornelles Vargas, uma nova política de educação começou a tomar corpo com a criação do Ministério de Educação e Saúde Pública. Houve a Reforma de Francisco Campo em 1931, que foi muito importante para educação brasileira, reorganizando os ensinos secundários e superiores. Em 1932, um grupo de educadores lança o manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, com marcante influência de Anísio Teixeira e Lourenço Filho. Surgem as Universidades de São Paulo (1934), Universidade do Distrito Federal (1935), por iniciativa de Anísio Teixeira, a Universidade de Porto Alegre (1935). Acrescentam-se a Universidade de Brasília (1961), inaugurada em 1962. 2º Perspectiva Se entendemos o Direito Educacional como direito à educação, ele teria surgido na Constituição de 1934, com 11 artigos, que foi
4 a primeira constituição a incluir um capítulo próprio sobre direito à educação como direito social e direito público subjetivo, com forte influência do movimento dos pioneiros da educação em 1932, em especial Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo. O art. 149 apresenta pela primeira vez o direito à educação como um direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos. Nesta Constituição estava previsto a criação do Conselho Nacional de Educação, cuja principal função seria de elaborar o Plano Nacional de Educação. Nesta época, o jurista Pontes de Miranda publicou uma obra inédita, em 1933, com o titulo Direito à Educação. Nesta obra ele ressaltou a importância da escola única e para todos. Segundo ele existem cinco direitos básicos do homem num estado socialista, chamados novos direitos: Direito a subsistência, direito ao trabalho, direito à educação, direito à assistência e direito ao ideal. Para ele, o direito à educação é o mais importante, pois dêem tudo ao homem, mas não dêem educação, com igualdade de escola para todos, não deram nada. Com o golpe de Estado de 10 de novembro de 1937, o governo autoritário do Estado Novo, Getúlio Vargas, suspendeu as liberdades de imprensa e fechou o congresso. Contudo vale destacar que em 1938 foi criada a UNE (União Nacional dos Estudantes) sob fiscalização do aparelho repressivo policial e até mesmo as forças armadas. O golpe de Estado instituiu um regime de perda das liberdades públicas, sendo o maior objetivo preparar a juventude ao cumprimento de seus deveres e defesa da nação. Contudo, houve alguns avanços da educação na era Vargas, devido as reformas do ministro Gustavo Capanema, com a expansão de escolas no ensino primário e secundário, aliás, crescimento superior ao que ocorreu em um século de independência. Além disso, com prioridade para o ensino secundário e técnico-industrial, expansão das escolas técnicas e cursos profissionalizantes como, por exemplo, SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (1942); SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (1946), que atendiam a população de baixa renda A Constituição de 1946 representou a redemocratização do país, com a queda da ditadura Vargas, embora sem maiores inovações educacionais. Mas
5 atribuiu à União competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 5º, XV, d ). Em 1961 surge a primeira lei brasileira de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4024/61).. Com o golpe militar e o regime autoritário instalado em 1964, ocorreu um retrocesso na área educacional, bem como foram suspensas as garantias constitucionais, direitos políticos, liberdade de imprensa, mandatos cassados. Aliás, os avanços populares foram contidos na área da educação durante vinte anos. E Paulo Freire é preso passando 75 dias na prisão, como subversivo. Em 1967, a ditadura militar coloca fora da lei às organizações chamadas subversivas, como a UNE (União Nacional dos Estudantes). Em 1968 o governo militar procedeu à Reforma Universitária, através da Lei n. 5.540/68, para neutralizar a luta dos estudantes por mais vagas nas escolas públicas. O ato Institucional nº 5 (13/12/1968) estava acima da Constituição e dava plenos poderes ao Presidente da República, para fechar o congresso, cassar mandatos, suspender direitos políticos, etc. Na área da educação, professores e funcionários também teriam o seu AI-5: Decreto nº 477, de 26 de fevereiro de 1969. A reforma do ensino fundamental e médio, no início da década de setenta, realiza-se, através da Lei nº 5.692/71, de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º Graus, que modificou a estrutura anterior do ensino. O curso primário (Quatro a seis anos) e o ginásio foram unificados num único curso chamado 1º grau, com duração de oito anos. O ensino do 2º grau tornou-se profissionalizante (Auxiliar técnico três anos ou de técnico quatro anos) Trata-se de uma década de desacertos e equívocos na área educacional, que exigiram revisão da lei. 1 E em razão disso, por força da Lei nº 7.044/82, os estabelecimentos de ensino ficaram livres para oferecer ou não a habilitação profissional. A nova república, a partir de 1985 inaugura uma fase de transição com alguns avanços na área da educação. Aliás, em 1985, na gestão do educador e 1 Os estabelecimentos de ensino foram obrigados a implantar habilitações profissionais, mesmo sem as mínimas condições para tanto. O que se verificou, então, foi que grande parte dos estabelecimentos de ensino procurou burlar a lei ou cumpri-la de forma mais fácil possível.
6 pedagogo Darcy Ribeiro como secretario da educação, no governo de Leonel Brizola, são criados os CIEPS (Centros Integrados de Educação Pública), consolidando os ideais de Anísio Teixeira. Os prédios foram concebidos por Oscar Niemeyer e construídos com blocos pré-fabricados, para acomodar mil crianças em horário integral de dois turnos, com objetivo de ministrar ensino popular de boa qualidade em todo estado do Rio de Janeiro, biblioteca, quadras de esporte, áreas de lazer para comunidade, refeitório, vestiário, gabinete médico e odontológico. Trata-se de um avanço na educação brasileira, que hoje é reconhecido pela sociedade brasileira. Em seguida, a Constituição de 1988 consolidou a democracia e o Estado de Direito. O que levou o governo federal a redefinir o seu papel na educação. A Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, destinou dez artigos à educação (art.s 205 a 214), mas a Emenda Constitucional nº 14, de 13 de setembro de 1996, trouxe grandes mudanças no que diz respeito à organização do ensino e ao financiamento do ensino público. Contudo, os efetivos avanços em matéria educacional ocorreram a partir da década 90 e no início do terceiro milênio, em duas frentes: Uma por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/9)0), que considera o aluno como tomador de serviço educacional e a instituição de ensino como fornecedora da prestação de serviço educacional. Outra frente diz respeito às políticas públicas educacionais, ações afirmativas educacionais, programas, planos setoriais e decretos do Executivo, conferência mundial de educação e influências dos organismos internacionais. A propósito, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos realizada na cidade de Jomtien, na Tailândia, em 1990, resultou na elaboração de um dos documentos mais significativos em educação: DECLARAÇÃO MUNDIAL SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS. No ano 2000 a ONU Organização das Nações Unidas com as recomendações da UNESCO incluiu entre os objetivos prioritários de todos os povos do mundo a Educação para todos. Neste sentido, o Brasil em 2005, deu uma contribuição importante com PROUNI Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005, que instituiu o
7 Programa Universidade para Todos. Programa destinado à concessão de bolsas de estudos integrais e bolsas de estudos parciais de 50% (meia bolsa) para cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior com ou sem fins lucrativos. Enfim, não podemos negar os avanços legislativos, políticas públicas e ação afirmativas na educação, a partir dos anos 90, No entanto, embora tenha melhorado o acesso à educação, a qualidade da educação básica da rede pública ainda não atingiu o que desejamos. 3ª Perspectiva Numa perspectiva atual da educação, o Direito Educacional, como novo ramo da ciência jurídica, surgiu no 1º seminário de Direito Educacional, realizado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em 1977. Onde ocorreu análise e discussão sobre as relações entre educação e direito, que justificaram o surgimento do Direito Educacional Neste seminário participaram renomados juristas e educadores: Esther de Figueiredo Ferraz, Lourival Vilanova, Guido Ivan de Carvalho, Álvaro da Silva Campos, José Alves de Oliveira. As primeiras discussões e análise sobre as relações entre educação e direito, que passaram a fazer parte das preocupações tanto de educadores quanto de juristas, foram às fontes primárias do Direito Educacional. Após os debates e discussões dos educadores e juristas sobre a autonomia e sistematização do Direito Educacional. Eles fizeram uma síntese das exposições e dos debates, com treze conclusões ou recomendações. 1. Dar ampla divulgação aos resultados do 1º Seminário de Direito Educacional. 2. Sensibilizar os Poderes Públicos e, em especial, os órgãos e entidades diretamente responsáveis pela educação para a importância da sistematização da legislação de ensino. 3. Recomendar ao MEC, o patrocínio de recursos especiais sobre Direito Educacional para o pessoal, que diretamente trabalha no setor de aplicação da legislação do ensino. 4. Recomendar ao MEC, seja propiciado recurso e condições para a realização de estudos destinados a explicações para realização científica do Direito Educacional.
8 5. Necessidade de consolidação da legislação educacional. 6. Necessidade de catalogação dos pronunciamentos do Conselho Federal de Educação constantes da revista Documenta. 7. Apoiar a criação nas Universidades e nos estabelecimentos isolados de ensino superior, de órgãos destinados ao estudo do Direito Educacional. 8. Incentivar a promoção de Seminário e Ciclos de Palestras, em Universidades e estabelecimentos isolados de ensino superior, sobre legislação educacional. 9. Estimular a inclusão da disciplina Direito Educacional, em caráter opcional, nos cursos regulares de graduação, que não a têm em caráter obrigatório. 10. Atribuir, gradativamente aos graduados em Direito a responsabilidade do ensino de Direito Educacional. 11. Recomendar às Universidades, que promovam o estudo do Direito Educacional, em nível de Pós-graduação. 12. Sugerir, como medida de relevante efeito, no sistema nacional de ensino, a reestruturação dos Conselhos de Educação, de moldes a que atuem em caráter permanente e com observância do princípio do contraditório, sempre que couber. 13. Criação da Ordem Nacional do Magistério. Outra contribuição efetiva para o surgimento do Direito Educacional no Brasil foi a Tese de Livre Docência, apresentada a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), intitulada: Contribuição à Sistematização do Direito Educacional, elaborada pelo educador e jurista Renato Alberto Teodoro Di Dio, em 1981. Curioso é o fato, de Direito Educacional ter origem numa Faculdade de Educação, e não de Direito, através de um jurista e educador. A redemocratização do país, com o advento da nova república, a partir de 1985, bem como a Constituição de 1988, Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional, em 1996, Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, deram grande contribuição para o direito à educação e a construção do Direito Educacional. Ampliando-se as discussões em seminários, congresso,
9 simpósios, conferências e surgimento da disciplina e cursos específicos de Direito Educacional, inclusive de pós-graduação. Além disso, do ponto de vista do Direito Internacional da Educação não podemos deixar de destacar a Conferência Mundial de Educação para Todos, em 1990, quando foi elaborada e aprovada a Declaração Mundial sobre Educação para todos. Na relação educação e sociedade civil, o surgimento do Direito Educacional deve-se ao fato do aumento da demanda pela educação e dos conflitos nas relações educacionais. Aliás, em razão disso, por um lado surge à necessidade de profissionais do direito especialista na área do Direito Educacional; por outro lado, educadores, gestores educacionais, pedagogos, diretores de escolas, coordenadores, perceberam a necessidade do Direito Educacional na sua formação profissional. Enfim, os efetivos avanços em matéria educacional ocorreram a partir da década de 90, quando o Direito Educacional conquistou definitivamente a sua autonomia didática, legislativa, doutrinária, jurisprudencial e metodológica, consolidando-se como novo ramo do Direito, embora em construção. Ele proporciona aos profissionais e estudantes do direito e da educação, bem como aos gestores educacionais uma formação continuada das relações entre a educação e o direito. Texto resumido, extraído do capitulo I, item 4: Fontes históricas da educação brasileira do livro Direito Educacional Brasileiro História, Teoria e Prática. Prefácio Agostinho Reis Monteiro. Autor: Nelson Joaquim, publicado pela editora Livre Expressão, 2009. (direitos autorais reservados ao autor). Como citar este texto: JOAQUIM, Nelson. Origem e Evolução do Direito Educacional no Brasil. 5 de setembro de 2013. Disponível em:http://www.direitoeducacional.com.br Comentários: Email: nelson@direitoeducacional.com.br