ARGUMENTAÇÃO E DIALOGISMO NO TEXTO ACADÊMICO: OS INTERLOCUTORES EM JUSTIFICATIVAS DE MONOGRAFIA DE GRADUAÇÃO

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Transcrição:

1642 ARGUMENTAÇÃO E DIALOGISMO NO TEXTO ACADÊMICO: OS INTERLOCUTORES EM JUSTIFICATIVAS DE MONOGRAFIA DE GRADUAÇÃO Gilton Sampaio de Souza - PPGL 1 /UERN Crígina Cibelle Pereira - PPgEL/UFRN; UERN Maria Leidiana Alves - PIBIC/CNPq UERN Considerações iniciais A análise e o ensino do texto têm merecido, nos últimos tempos, uma atenção especial de estudiosos da linguagem e educadores em geral, especialmente nas atividades propostas para o trabalho com o texto. Muitas alterações curriculares têm ocorrido na Educação Básica e no Ensino Superior, atualmente, em conseqüência desses estudos, interferindo diretamente no ensino da leitura e da produção de textos que se efetivam na Educação Básica e nas novas grades curriculares dos cursos de graduação. Em vista disso, elaboramos o presente artigo, que traz resultados da pesquisa institucional Argumentação e construção de sentidos na elaboração de hipóteses e/ou questões de pesquisa em monografias: um estudo sobre a produção textual no Ensino Superior, que tem apoio financeiro da UERN e do CNPq (SOUZA, 2008a), cujo objetivo é investigar os processos discursivos e argumentativos de construção das hipóteses e/ou questões centrais de pesquisa, articulando-as à construção argumentativa da justificativa das temáticas abordadas nos trabalhos, na produção textual do gênero acadêmico monografia, considerando as especificidades e a funcionalidade do gênero. Em consonância com essa pesquisa, optamos por investigar o texto acadêmico, os seus processos argumentativos, especialmente aquele que é prototípico desse nível de ensino: os trabalhos monográficos. Desse modo, objetivamos verificar como os interlocutores estão marcados argumentativamente nas monografias de graduação, considerando, para isso, a constituição do ethos dos sujeitos, no processo dialógico entre estes e os possíveis leitores, interlocutores desses textos acadêmicos. Isto porque partimos do pressuposto de que os interlocutores (auditório particular) dos autores da monografia podem ser revelados, quando da análise do ethos desses autores (pesquisadores, profissionais da área, somente estudantes etc): (i) das referências às atividades e/ou estudos desenvolvidos que culminaram com o trabalho monográfico; (ii) dos possíveis impactos e/ou repercussões que advenham dos resultados das pesquisas relatadas nas monografias, entre outros aspectos. Para condução dessa investigação, apresentamos as seguintes questões de pesquisa: como o ethos dos oradores (autores da monografia) se apresenta no texto, nas justificativas analisadas? E, em consonância com essa pergunta, que interlocutor está pressuposto no processo de argumentação, nas justificativas das temáticas e/ou dos problemas a serem investigados? Para a efetivação desse trabalho, nos aspectos metodológicos, constituímos um corpus formado por seis justificativas/introduções de monografias dos Cursos de Graduação em Ciências Econômicas, Educação Física e Letras (duas de cada curso), do Campus de Pau dos Ferros, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), elaboradas pelos concluintes do Semestre 2007.2 e 2008.1, conforme período de conclusão de cada curso, uma vez que somente esses três cursos, dos existentes no CAMEAM, adotavam a monografia como trabalho final de curso e formariam turmas no período da coleta dos dados dessa pesquisa. A opção pelas justificativas das monografias deve-se ao fato de que, entre as características de uma monografia de graduação, destaca-se a necessidade de apresentar temática única e ter um problema de investigação bem delimitado, uma vez que, para convencer seus interlocutores da pertinência da temática e da relevância do problema a ser investigado, é preciso que se elabore argumentativamente a justificativa para que o(s) interlocutor(es) possa(m) ser convencido(s) dessa 1 PPGL (Programa de Pós-Graduação em Letras); UERN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte); PPgEL (Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem); UFRN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte).

1643 pertinência. É nesse aspecto que observamos que há uma maior interseção entre ciência e argumentação na produção do texto acadêmico, sendo esse o foco principal desse estudo. 1. A argumentação no discurso acadêmico: a construção do ethos Essa pesquisa se vincula teoricamente aos estudos da Nova Retórica (ou Teoria de Argumentação no Discurso), especialmente nas discussões de Perelman e Tyteca (2005), Reboul (1999), Souza (2008b), entre outros, e, na concepção de língua como interação social e na teoria dos gêneros do discurso, nos estudos de Bakhtin (2003). A teoria da argumentação no discurso (TAD) apresenta uma abordagem discursiva da argumentação e pressupõe a interação como princípio da linguagem que se concretiza entre os interlocutores no processo de discursivização. É uma concepção de argumentação como prática social, como ação humana, que assumimos nesse trabalho. Para compreender melhor o funcionamento da argumentação, utilizamo-nos dos objetivos da própria teoria: o objetivo de toda argumentação [...] é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentamento: uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstração) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação, que se manifestará no momento oportuno. (PERELMAN e TYTECA, 2005, p. 50). Conforme postula esses autores, a argumentação é entendida como uma ação humana que visa a provocar a aceitação dos interlocutores das teses que são apresentadas, convencê-los da validade de determinada idéia defendida. Assim, sendo a argumentação um ato de convencer o outro de determinado argumento/opinião defendida, incitando-o à ação, concebemos o ato de argumentar como aquele que implica uma interação (BAKHTIN, 2003; PERELMAN e TYTECA, 2005), um contato entre orador, um possível auditório e ecos de discursos que circulam socialmente. O ato de argumentar, conforme Souza e Costa (2008), deve ser visto como um processo no qual o orador preocupa-se em convencer seu auditório da validade de suas teses (logos), mediante imagem que esse orador tem de seus interlocutores/auditório (pathos) para o qual dirige seu discurso. No entanto, é necessário, ainda, construir a imagem de si (ethos), visando à credibilidade e confiabilidade de seu discurso, uma vez que o ethos é o caráter que o orador deve assumir para inspirar confiança no auditório, pois, sejam quais forem seus argumentos lógicos, eles nada obtêm sem confiança. (REBOUL, 2000, p. 48). Considerando que toda pessoa, ao argumentar, ao escrever ou ao falar o seu texto e ao defender uma tese, já tem em mente o auditório ao qual está direcionado o seu discurso, supomos, então, que qualquer discurso ao ser falado/escrito, já traz em si influências recebidas de seus possíveis leitores/interlocutores (SOUZA, 2008). Entre os posicionamentos que devemos assumir mediante a análise de textos, estão algumas definições para melhor desvelar os efeitos argumentativos no texto. A definição de tese é uma delas, tendo em vista que, no processo dialógico, ela assume a função central do logos, do conhecimento, do lado racional da argumentação (SOUZA, 2008). Em qualquer situação comunicativa, o sujeito/falante ou o sujeito/escritor está sempre argumentando, defendendo idéias. Para tanto, mesmo inconscientemente, esse sujeito se utiliza de estratégias, técnicas discursivas de acordo com seus objetivos para conseguir a adesão de seus possíveis interlocutores às teses a serem apresentadas. Nos estudos da Nova Retórica, essas estratégias são conhecidas como técnicas argumentativas, que são recursos discursivos utilizados pelo orador na construção de um texto, visando a convencer o interlocutor de sua tese defendida. Sendo assim, na análise dos textos, sempre haverá uma técnica argumentativa central funcionando como a tese do texto. Em seu Tratado da Argumentação, Perelman e Tyteca (2005), apresentam quatro grandes técnicas argumentativas, sendo as três primeiras através de associações de noções e, a última, por dissociações: (i) os argumentos quase lógicos: a) de contradição, b) por identidade, definição, analiticidade e tautologia, c) a regra de justiça, e

1644 reciprocidade, d) argumentos de transitividade, de inclusão e de divisão, e) argumentos de comparação; (ii) argumentos baseados na estrutura do real: a) as ligações de sucessão; e b) as ligações de coexistência e (iii) argumentos que fundam a estrutura do real: a) fundamento pelo caso particular (exemplo, ilustração e do modelo/antimodelo) e o raciocínio pela analogia; e (iv) os argumentos por dissociação das noções: aparência/validade, meio/fim, individual/universal etc. O processo argumentativo está situado num contexto social e histórico operado pela ideologia, tendo em vista que a intencionalidade de um discurso nem sempre estar condicionada à vontade própria do falante/escritor (BAKHTIN, 2003). Assim, todo discurso se constitui no processo dialógico e pretende, em última instância, convencer seus possíveis interlocutores. 2. Análise dos Dados No gênero monográfico, as marcas dos interlocutores se apresentam com maior ênfase nas justificativas das pertinências da temática e de seus objetos de estudos, uma vez que é também nessa parte que a monografia revela sua face mais argumentativa. Na própria construção das monografias, os autores devem convencer o(s) possíveis interlocutor(res) da pertinência do objeto de estudo, o que se torna um processo longo de escrita e de convencimento devido ao fato de que o aluno: (i) inicia com a escolha da temática sobre a qual se pretende pesquisar; nesse momento, precisa convencer o seu orientador, para orientá-lo com a temática pretendida; (ii) deve elaborar um projeto de pesquisa, cuja pertinência do estudo deve ser justificado ao ponto de convencer o orientador, a banca, a comunidade científica; (iii) após isso, chega-se ao processo de elaboração do gênero monografia cuja escrita demanda um processo no qual a argumentação e a ciência se encontram para convencer a academia da importância do estudo e descrever, analisar e interpretar o objeto de estudo. É partindo da idéia de que o autor (aluno responsável pela monografia) está sempre em interação com seus interlocutores a fim de convencê-los, que apresentamos alguns fragmentos de justificativas abaixo, nas quais esses autores relatam experiências vividas ao longo do curso que culminaram no interesse pela temática. Os relatos dessas experiências são elementos constitutivos do ethos desses autores e, de certa forma, funcionam como técnicas argumentativas. Vejamos o fragmento que segue: Fragmento (1): No ano de 2007 iniciamos um trabalho voluntário com um Grupo de Convivência no Município de José da Penha/RN, através da prática sistemática de atividade física. A aproximação com o grupo nos permitiu uma visão de alguns fatores que poderiam estar proporcionando um envelhecimento satisfatório e quais variáveis que possibilitariam uma melhor qualidade de vida na velhice. Durante as atividades desenvolvidas com o grupo, era sempre perceptível a satisfação e o envolvimento dos idosos e com o grupo e como aquele momento estava contribuindo de maneira positiva para uma nova mudança de hábitos e comportamentos. Assim, despertamos para o ideal de que a Educação Física enquanto área de conhecimento pode estar atuando com essa população de forma a colaborar com uma velhice com menos transtornos físicos, psicológicos, ambientais e sociais. (MCEF12) Fragmento (2): Participei de grupos de estudo, projeto de extensão e programas de monitoria. Os primeiros, tanto na área de ciências humanas e sociais como também na área das ciências biomédicas; último apenas na área das ciências naturais [...] tenho continuado o exercício da docência em outra escola no mesmo município e tenho percebido a diferença com que o município e o estado tratam este componente curricular. [...] elaborei e ministrei oficinas de educação física a professores da rede estadual e municipal de ensino em Tenente Ananias-RN, me fazendo recorrer a teorias que só fortaleceram a minha estima pela disciplina na escola. (MCEF15)

1645 No fragmento (1), o autor constrói uma imagem de si, o ethos, de um estudante engajado em participar de projetos voluntários e em construir seu trabalho de monografia partindo de uma realidade vivida na sua comunidade. Além disso, o autor revela sua preocupação em articular teoria e prática, a fim de orientar a sociedade de como buscar uma melhor qualidade de vida. Assim, o autor procura convencer da pertinência de seu estudo mediante relato de uma experiência de vida, utilizando, para isso, o argumento baseado na estrutura do real, ou seja, sua experiência vivenciada na sua comunidade, ressaltando a importância que a atividade física provoca na vida do ser humano. É, portanto, essa realidade que dá mais consistência e credibilidade ao seu argumento, a sua justificativa. No fragmento (2), o ethos do autor também se edifica com base em relatos de experiência vivenciadas na própria academia. E, nesse caso, nos parece que a preocupação em construir uma imagem de si é ainda maior por parte do autor da monografia citada, uma vez que este se apresenta sempre em primeira pessoa no discurso. Como sabemos, uma das características do discurso acadêmico-científico é a crítica à subjetividade individualista; no entanto, o autor assume a primeira pessoa do discurso, tais como: participei, tenho, elaborei e ministrei, que marcam fortemente a presença do sujeito-autor como participante efetivo de projetos de extensão universitária, e atuante no ensino, o que fortaleceu a afinidade com a disciplina no âmbito educacional e possibilitou ainda o diagnóstico da realidade do ensino de Educação Física como merecedor de atenção durante sua atuação em sala de aula. É, exatamente, nesse ponto, que o autor justifica seu estudo acerca do papel da Educação Física no contexto educacional. Para que possamos verificar como os interlocutores estão marcados argumentativamente nas justificativas de monografias de graduação, é necessário, ainda, observar a constituição do ethos do autor da monografia na apresentação dos possíveis impactos e/ou repercussões que advenham das pesquisas realizadas, e que figuram como os argumentos utilizados pelos autores para dar credibilidade e sustentação à pertinência da temática estudada. Com esse intuito, apresentaremos, a seguir, alguns fragmentos de justificativas das monografias analisadas. Fragmento (3): Nesse contexto, o estudo vigente é de fundamental relevância para o maior aprofundamento das pesquisas sobre a formalização dos pólos turísticos do Alto Oeste Potiguar, limitando-se à análise do município de Portalegre/RN. Com base nisto, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar a importância do turismo para o Alto Oeste Potiguar, evidenciando Portalegre, como uma alternativa para o desenvolvimento socioeconômico e tendo como objetivos específicos verificar o apoio governamental para implantação do turismo, analisando a contribuição que o mesmo acarreta para gerar emprego e renda, e quais as áreas beneficiadas com essas medidas. MCE1 Fragmento (4): [...] esperamos que a realização desse trabalho monográfico venha a contribuir para a reflexão acerca do comportamento do ser humano diante da castração que o mundo civilizado impõe, e, também, esperamos contribuir para os estudos literários, dentro da instituição UERN, visto que os estudos sobre crítica psicanalítica são pouco explorados. MCL6 Fragmento (5): [...] Portanto, acreditamos que nossa pesquisa se configure como um trabalho inovador e possibilitador de espaço para outras pesquisas que se interessem por estudos inerentes aos temas Gêneros Digitais e multimodalidade. MCL10 No fragmento (3), o autor da monografia tem a preocupação de evidenciar, no próprio objetivo, a contribuição que o trabalho irá oferecer para o município de Portalegre. Além disso, revela o ethos de um estudioso iniciante na área, mas com autoridade no assunto, ao ponto de abrir caminhos

1646 para o surgimento de outros trabalhos com a mesma temática. Já no fragmento (4), o autor do texto constrói uma imagem de si não apenas como pesquisador, mas também como a imagem de um estudante-pesquisador preocupado com a repercussão desse estudo na sociedade, uma vez que espera promover reflexões acerca do próprio comportamento do ser humano. No fragmento (5), a imagem que o autor da monografia cria de si, é a de inovador e possibilitador de novos trabalhos na área; ele apresenta-se com o ethos de um estudioso da área, afirmando que seu trabalho é inovador e possibilitador de espaço para outros trabalhos. Em sua justificativa, portanto, o produtor do texto se propõe a dar uma contribuição teórica com o seu trabalho sem que seja mencionada nenhuma aplicabilidade na prática. Nos fragmentos que mostraremos a seguir, os produtores dos textos apresentam uma preocupação maior com a repercussão social que o trabalho provocará, construindo assim imagem de estudante pesquisadores ou profissionais da área como podemos observar: Fragmento (6): Em face do exposto, acreditamos na pertinência desse trabalho, como contribuição aos estudos que estão sendo desenvolvidos na referida temática, e também como contribuição à própria instituição, enquanto instância de produção do saber, e à sociedade que a sustenta; de modo que, ao estudar essa realidade, a universidade estará cumprindo, também, uma função social importante, numa região que acumula inúmeros problemas. E, sendo o comércio uma atividade importante para o desenvolvimento econômico do município de Pau dos Ferros, bem como da região, espera-se que este trabalho tenha relevância, não só para a produção de conhecimento na academia, mas que possa trazer uma contribuição ao setor comercial desta região, uma vez que o acesso a esse conhecimento poderá resultar em iniciativas favoráveis ao atual momento dessa atividade econômica, principalmente no que se refere às relações de trabalho, em face das modificações exigidas, no contexto da reorganização das empresas. MCE2 Fragmento (7): Na expectativa de conter uma inquietação que acredito não ser só minha, mas de todo o corpo docente que discute os caminhos do referido componente nos últimos anos e ter uma análise do nível de valorização que é dado a essa disciplina. MCEF15 No fragmento (6), o autor da monografia se propõe a contribuir com a universidade por meio do estudo realizado, considerando-a uma instância de produção de conhecimento para a sociedade. Outra contribuição proposta pelo autor é para o setor comercial, pois, segundo ele, o trabalho interferirá positivamente nas relações de trabalho, o que seria uma relevância social. No fragmento (7), o autor da monografia apresenta o ethos de um pesquisador que, além de estudante, é profissional na área e, por isso, procura articular teoria a prática. Isso também funciona como um recurso argumentativo para convencer da importância de seu trabalho, uma vez a necessidade e/ou inquietação é vivenciada por todos. É um recurso aos argumentos pragmáticos, de finalidade. Ao utilizarem-se desses argumentos, os autores dessas monografias se constroem não apenas como concluintes de cursos de graduação, mas como estudantes que vêem seus trabalhos como uma forma de articulação entre a teoria e prática, e de aproximação entre a universidade e a sociedade. Após observarmos a imagem, o ethos que esses produtores constroem de si com base nos relatos de experiência e dos possíveis impactos e repercussões trazidas com seus estudos, tentaremos responder a questão central de nosso trabalho que é verificar como os interlocutores estão marcados argumentativamente nas monografias de graduação. Considerações finais De um modo geral, as justificativas das monografias apresentadas revelam a constituição de vários ethos, bem como pressupõem a existência de diferentes interlocutores que dialogam com o autor desde o primeiro momento quando da elaboração da temática até a concretização do trabalho

1647 final da monografia. Esses ethos e interlocutores se apresentam de diferentes formas: (i) o autor que se coloca como uma autoridade legitimada no assunto, procurando estabelecer um diálogo com a comunidade acadêmica, especialmente com os pesquisadores a quem procuram convencer da necessidade de novos estudos, bem como dos envolvidos no projeto; (ii) o autor que procura dialogar com sua área de conhecimento e, evidentemente, com o seu orientador e com sua banca examinadora, representados como auditório particular; (iii) e, ainda, o trabalho desses autores pressupõe também um auditório especial representado pelas comunidades das cidades de Portalegre, de Pau dos Ferros e de José da Penha e/ou cidades circunvizinhas envolvidas nos projetos das pesquisas, conforme revelam os autores MCE1, MCE2 e MCEF12, respectivamente. Esses aspectos caracterizam o perfil de um autor preocupado com o desenvolvimento de sua região, demonstrando assumir como pesquisador, um compromisso social. Já as outras justificativas analisadas, dos autores MCL6 e MCL10, nos permitem ver a construção de um ethos de aluno pesquisador e incentivador da pesquisa que se apresenta como principal justificativa de seu trabalho. Seu interlocutor, em caráter imediato, é basicamente o seu orientador (auditório particular) e os pesquisadores da área sem que esta preocupação tenha necessariamente um viés social. Desse modo, os interlocutores são marcados argumentativamente nas justificativas, numa primeira instância, como interlocutor imediato (auditório particular), os examinadores do trabalho, o orientador e, em segunda instância, um auditório universal, a comunidade acadêmica, os pesquisadores da área e, ainda, a comunidade em geral, envolvida no seu projeto e, que possivelmente, serão os beneficiados. Acreditamos que os resultados ora apresentados, colocam em foco a necessidade de discussão sobre o papel da argumentação na construção de sentidos do texto monográfico, contribuindo diretamente com a formação inicial de futuros pesquisadores. Esses resultados também terão impactos diretos na própria discussão sobre a produção textual do gênero monografia no Ensino Superior, o que possibilitará discussões sobre o ensino da produção textual também no Ensino Básico e sobre a própria formação de profissionais que assimilem a pesquisa como parte de sua formação e atuação profissional. Referências BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4 ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2003. PERELMAN, C., OLBRESCHTS TYTECA. L. Tratado de argumentação: a nova retórica. Tradução GALVÃO, M. E. A. P. 2 ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2005. REBOUL, O. Introdução à retórica. Tradução de I. C. BENEDETTI. São Paulo: Martins Fontes, 2000. SOUZA, Gilton Sampaio de (Coord.). Argumentação e construção de sentidos na elaboração de hipóteses e/ou questões de pesquisa em monografias: um estudo sobre a produção textual no Ensino Superior. Projeto de Pesquisa. Pau dos Ferros: UERN, 2008a. [Projeto aprovado pelo Comitê de Bolsas do CNPq/UERN]. SOUZA, Gilton Sampaio de. Argumentação no discurso: questões conceituais. In: FREITAS, Alessandra Cardozo de; RODRIGUES, Lílian de Oliveira; SAMPAIO, Maria Lúcia Pessoa (Orgs.). Linguagem, discurso e cultura: múltiplos objetos e abordagens. Mossoró: Queima Bucha, 2008b. SOUZA, G. S.; COSTA, R. L. Ciência e argumentação na elaboração de justificativas de monografia de graduação. In: I COLÓQUIO NACIONAL DE LINGUAGEM E DISCURSO I CONLID, 1., Mossoró: UERN, 2008.