A CONTRIBUIÇÃO DE NICOLAU MAQUIAVEL PARA A ATUALIDADE 1



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Transcrição:

A CONTRIBUIÇÃO DE NICOLAU MAQUIAVEL PARA A ATUALIDADE 1 Moisés do Carmo Conceição 2 RESUMO O contexto no qual Nicolau Maquiavel desenvolveu sua perspectiva realista da política e, conseqüentemente, os aspectos fundamentais em sua teoria como os conceitos de Virtú e Fortuna foram frutos de uma Itália dividida e sujeita a instabilidades políticas. A tirania impera em pequenos principados, governadosdespoticamente por casas reinantes sem tradição dinástica ou de direitos contestáveis. Essa ilegitimidade de poder gera fortes situações de instabilidade permanente, onde somente a astúcia política contra adversários é capaz de manter o Príncipe. Nos dias atuais, é de fundamental importância que se observe a exigência do contexto político para entendermos os aspectos principais do pensamento de Maquiavel, presente em sua obra mais controversa O Príncipe. A primeira contribuição de Maquiavel para a atualidade é esta: Não confundirmos contextos e, sob a capa de uma suspensão maquiavélica da moral na política, aprovarmos atos indecorosos e até imorais na cambaleante política hodierna. Somente os objetivos fundamentais do político virtuoso conquistar e manter o poder do Estado sobrepõem a ética. Neste sentido, mais que constatar quando a atitude de um Príncipe conquista ou mantém o poder, ou quando este possui algumas das características abordadas (Virtú e Fortuna), em maior ou menor grau, o importante, no contexto contemporâneo, é o exame da influência destas características no governante moderno e sua contribuição para atualidade. Palavras-Chave: Virtú, Fortuna, Política, Atualidade. 1 Trabalho Acadêmico-Científico apresentado durante o VII Encontro Humanístico da Universidade Federal do Maranhão UFMA. Centro de Ciências Humanas CCH, São Luís MA. 2 Professor-Tutor do Curso de Filosofia do Núcleo de Tecnologias para a Educação UEMANET da Universidade Estadual do Maranhão UEMA; Possui Graduação em Filosofia (UFMA) e Pós-Graduação Lato Sensu em Psicopedagogia (UEMA) e Gestão Pública (UEMANET/UEMA). 1

1. O CENÁRIO E AS CIRCUNSTÂNCIAS O Renascimento foi um movimento de caráter artístico e filosófico que teve como berço a Itália e posteriormente expandiu-se em direção aos países europeus. Simbolicamente foi a expressão da libertação das amarras transcendentais divinas e a criação de um Humanismo que reconhecia plenamente as potencialidades inerentes ao homem. Nesta conjuntura formidável, Nicolau Maquiavel (1469-1527) e seu realismo político foram atores conscientes em busca de Virtú. E muito desse dinamismo foi proveniente da Itália de seu tempo. Com muita propriedade, Chevalier analisa que: A situação política da Itália era propícia a essa irrupção dos indivíduos plenos de virtú, a seu florescer além do bem e do mal. O sentimento de italianidade, obscuro na maioria, claro em alguns espíritos raros, juntamente com o orgulho da herança romana, achava-se sufocado por uma poeira de principados efêmeros. Ao redor de quatro eixos fixos, Roma, Veneza, Milão e Florença, havia uma multidão de Estados, proliferando, pululando, apodrecendo, fazendo-se, desfazendo-se, refazendo-se, frequentemente com auxílio dos estrangeiros, franceses e espanhóis, que haviam invadido a Itália. Roma, a Roma pontifical, que oferecia (em particular sob Alexandre VI Bórgia) o menos edificante, o menos evangélico dos espetáculos, empregava também, quando oportuno, exércitos estrangeiros, como qualquer outro meio conveniente para aumentar, quer a sua propriedade temporal, quer os domínios dos filhos, irmãos, sobrinhos, primos do soberano Pontífice. Os condottieri, que alugavam pela melhor oferta seus bandos mercenários, batendo-se mal e traindo melhor, esforçavam-se para saquear mesmo em tempo de paz. Tal era a Itália em fins do século XV, devastada por dissensões e crimes, em meio a mais esplêndida floração artística que a humanidade jamais conheceu desde os tempos antigos. (CHEVALIER, 2002, p. 18) Com base nessa análise de Chevalier, percebe-se o contexto em que Maquiavel desenvolveu sua perspectiva realista da política. Conseqüentemente, os aspectos fundamentais em sua teoria, como os conceitos de Virtú e Fortuna, foram frutos do contexto de uma Itália dividida e sujeita a instabilidades políticas. 2

Para que os aspectos principais do pensamento de Maquiavel, presentes na sua obra mais controversa O Príncipe, sejam entendidos é de fundamental importância que se observe a exigência do contexto político. Neste sentido, a contribuição primeira de Maquiavel para a atualidade diz respeito acontextos:confundir contextos para, sob a capa de uma suspensão maquiavélica da moral, aprovar atos indecorosos e até imorais na cambaleante política hodierna é um dos maiores erros de um governante. 2. A OBRA Na obra prima O Príncipe, Nicolau Maquiavel mostra a sua preocupação em analisar acontecimentos ocorridos ao longo da história, de modo a compará-los à atualidade de seu tempo. Na verdade, O Príncipe consiste em um manual prático, dado ao príncipe de Florença, Lourenço de Médici (1449-1492), como um presente, o qual envolve experiência e reflexões do autor. Maquiavel analisa a sociedade de maneira fria e calculista e não mede esforços quando trata sobre como obter e manter o poder. A obra está dividida em 26 capítulos, que por sua vez, podem ser divididos da seguinte forma: Capítulos I ao XI: análise dos diversos grupos de principados e meios de obtenção e manutenção destes; Capítulos XII ao XIV: discussão da análise militar do Estado; Capítulos XVao XIX: considerações sobre a conduta de um Príncipe; Capítulos XX ao XXIII: conselhos de interesse ao Príncipe; 3

CapítulosXXIV ao XXVI: reflexão sobre a conjuntura da Itália à sua época. 2.1. Os Principados ou Monarquias No que se refere à análise dos diversos grupos de principados, assim como a forma e a manutenção dos mesmos, Maquiavel os divide em três tipos: Hereditários: Neste caso, é tal a facilidade da tarefa do príncipe, que Maquiavel, atormentado pela instabilidade dos regimes políticos da Itália do seu tempo, quase não atribui interesse a esses regimes hereditários, demasiado estáveis, demasiado fáceis, em que basta ao príncipe evitar transgredir os costumes tradicionais e saber adaptar-se a circunstâncias imprevistas. (MAQUIAVEL, 2002, p. 31, Cap. II) Novos: As verdadeiras dificuldades, tanto para a aquisição quanto para a conservação, encontram-se nos principados novos. Entre estes, porém, é preciso fazer uma subdivisão: uns são inteiramente novos; os outros, agregados ao Estado hereditário, como o reino de Nápoles ao da Espanha: neste caso, o principado novo e o Estado hereditário formam então, em conjunto, um corpo que se pode chamar de misto. Eclesiásticos: Formam também uma categoria à parte. Como tais Estados respondem a razões superiores, que a mente humana não tem acesso, são mantidos e abençoados por Deus. Conquistados com mérito ou com a sorte, nem de um nem da outra é preciso para conservá-los, pois são sustentados por antigos costumes religiosos. Tão fortes e de tal qualidade são estes que permitem aos príncipes se manterem no poder qualquer que seja sua conduta e modo de vida. (MAQUIAVEL, 2002, p. 76, Cap. XI) Mas, deve-se levar em conta, na avaliação das dificuldades de conquista e manutenção do poder, o modo de governo: despótico, aristocrático ou republicano. 4

Na sua obra, Maquiavel faz a distinção entre os Estados a conquistar, segundo o modo de seu governo antes da conquista. São eles: Principado despótico: Governado por um príncipe de quem são todos escravos (Turquia), é difícil de conquistar; Principado aristocrático: Nele sempre se encontram grandes descontentes, prontos a abrir caminho ao estrangeiro. É fácil de conquistar; República: Estado extraordinariamente difícil de manter sob o jugo de um novo príncipe. No que se refere aos principados mistos tudo se resume em ter forças suficientes, tanto para conquistar, como para conservar. A razão primeira e última da política do príncipe é o emprego dessas forças. Em outra categoria, Maquiavel analisa os novos domínios conquistados com valor ecom as próprias armas. Neste, o príncipe conhece muitas dificuldades para se instalar no principado, para nele se radicar, mas depois, muita facilidade para conservá-lo. A maior dessas dificuldades iniciais consiste nainstituição ouestabelecimento de uma nova ordem de coisas, pois quem toma tal iniciativa suscita a inimizade de todos os que são beneficiados pela ordem antiga, e é defendido tibiamente por todos os que seriam beneficiados pela nova ordem. (MAQUIAVEL, 2002, p. 51, Cap. VI). Quanto aos novos domínios conquistados com as armas alheias e boa sorte, existe facilidade para se instalare dificuldade para conservar. Nenhuma dificuldade detém o caminho dos novos príncipes.masas dificuldades mostram-lhe após a chegada; dificuldades tais que é quase fatal acabarem por perder seu Estado. Na categoria intitulada Os que com atos criminosos chegaram ao governo de um Estado, Maquiavel deprecia um tanto essa terceira categoria, nela não incluindo César Bórgia filho do Papa Alexandre VI apesar de seus famosos crimes.o interesse essencial 5

do capítulo reside na moral que Maquiavel sabe extrair acerca do bom e do mau emprego das crueldades para conservar um Estado usurpado. Há crueldades bem praticadas e crueldades mal praticadas. As crueldades bem praticadassão as que se cometem todas ao mesmo tempo, no início do governo, a fim de prover a segurança do novo príncipe. Crueldades mal praticadas são as que se arrastam, se renovam e, pouco numerosas no princípio, crescem com o tempo, em vez de diminuir. (MAQUIAVEL, 2002, p. 66, Cap. VIII) Em relação aos principados ou governos civis, onde um cidadão pode se tornar soberano pelo favor dos seus concidadãos, o florentino exige alguma fortuna e alguma virtú, mas nem toda fortuna, nem toda virtú. O cidadão chegaa tal posição com o apoio da opinião popular ou da aristocracia. Essas duas facções encontram-se em todas as cidades, pois em qualquer cidade elas nascem do desejo do povo de se subtrair à opressão dos poderosos, e da tendência destes últimos para dirigir e oprimir o povo. (MAQUIAVEL, 2002, p. 68, Cap. IX). Assim, quem se tornar um príncipe pelo favor do povo deve acima de tudo procurar ganhar a estima deste. No capitulo intitulado de Como avaliar a força dos Estados, está de modo bastante evidente a importância do príncipe se manter no poder através de um exército forte, com abundância de homens. Neste caso, fica claro a importância que Maquiavel concede a um exército para a manutenção de um príncipe no poder. Já no referente aos Principados ou Estados Eclesiásticos, esses adquirem-se também, por fortuna ou por virtú, mas o admirável é que, para conservá-los, não se precisa nem de fortuna nem de virtú. Basta o poder das antigas instituições religiosas. Somente esses Estados, portanto, são seguros e felizes. É interessante ressaltar que no tom de Maquiavel, misturam-se aqui o respeito fingido e o surdo sarcasmo: é o tom de um homem do Renascimento, que não tem simpatia pelos sacerdotes. (CHEVALIER, 2002, p. 33) 6

2.2. O Príncipe Após analisar os tipos de principados, as dificuldades inerentes à conquista e a manutenção dos mesmos, Maquiavel passa a analisar as regras que um príncipe virtuoso deve observar. Esta parte, que vai do capítulo XV ao XXIII, costumou-se chamar de a essência do maquiavelismo. Do capítulo XV ao XIX, podemos observar a necessidade de certa versatilidade que o príncipe deve adotar em relação ao seu modo de ser e de pensar a fim de que se adapte às circunstâncias momentâneas. As qualidades, em certas ocasiões mostram-se não tão eficazes quanto os defeitos, que às vezes tornam-se próprias virtudes: ser temido ou ser amado (ou vice-versa) como medida de precaução à revolta popular, devendo o príncipe evitar o ódio; utilização da força sobreposta à lei quando disso dependerem condições mais favoráveis ao seu desempenho; e ter boa imagem em face aos cidadãos e Estados estrangeiros, de modo a evitar possíveis conspirações. No que se refere à utilização da força sobreposta à lei, Maquiavel adverte que é louvável em um príncipe o manter a palavra empenhada e viver com integridade e não com astúcia. Entretanto, o príncipe deve saber bem usar os dois métodos empregados para manter o poder: Como sabemos, pode-se lutar de duas maneiras: pela lei e pela força. O primeiro método é próprio dos homens; o segundo, dos animais. Porém, como o primeiro pode ser insuficiente, convém recorrer ao segundo. É necessário, portanto, que o príncipe saiba usar bem quer o procedimento dos homens, quer o dos animais. (MAQUIAVEL, 2002, p. 102, Cap. XVIII) Portanto, a complexidade organizacional de um Estado justifica o Príncipe (o governante) recorrer a todo e qualquer meio, justo ou injusto, da república à tirania, para 7

ter-se como conseqüência não um país justo no sentido próprio da palavra, mas estável e governável. Eisa segunda contribuição de Maquiavel para nossos dias. Em seguida, do capítulo XX ao XXIII, Maquiavel traz alguns conselhos que um príncipe virtuoso deve observar, como a utilidade das fortalezas com fins de proteção do príncipe. No rastro dessa análise, Maquiavel aproveita para discutir como o príncipe deve agir para obter mais confiança e maior estima entre seus súditos. Discute, ainda, a importância da boa escolha de seus ministros em uma espécie de guia sobre o que fazer com os conselhos dados, quando se considera o interesse oculto de quem os dá. No critério de escolha de colaboradores e conselhos, se detecta a terceira contribuição de Maquiavel para a política hodierna. 2.3. A Itália A última parte da obra O Príncipe de Maquiavel, que corresponde aos últimos três capítulos, se refere à sua maior paixão: a Itália. O sonho de um Estado italiano legítimo brota precocemente neste florentino É importante salientar que a Itália só se unificou em meados do século XIX. No entanto, podemos concluir que Maquiavel foi um precursor da ideia de unificação do Estado italiano.a maior parte de O Príncipe foi devotada a analisar os principados e principalmente dar as coordenadas para a formação de um príncipe virtuoso. Este, através da virtú que conquista a fortuna, deveria concretizar o sonho de uma grande Itália. Maquiavel vê o momento como o mais fértil para a imersão desse príncipe virtuoso e acreditava fielmente que a família dos Médici deveria se encarregar de tal tarefa. Não é por acaso que o livro foi dedicado para um Médici. 8

3. OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS Maquiavel foi um autor que teve como mérito instaurar uma teoria política. Nele, a política épensada, ou melhor, é demonstrada como esfera autônoma da vida social e também não é pensada a partir da ética nem da religião. A política é pensada como a esfera do poder por excelência. Dever ser pensada, também, como uma forma de conciliar a natureza humana com a marcha inevitável da história, na medida em que envolve virtú e fortuna. 3.1. Virtú e Fortuna Para conceder sua teoria política como esfera autônoma da realidade, Maquiavel cunhou os termos fortuna e virtú. A fortuna é a contingência própria das coisas políticas, na medida em que há no mundo, a todo o momento, igual massa de bem e de mal. Dessa relação resultam os eventos da sorte, isto é, da fortuna. No entanto, o homem pode ser sujeito da história. Para isso, é exigida a prática da virtú, que requer qualidades como a força de caráter, a coragem militar, a habilidade no trato com os adversários, a astúcia, etc. A virtú pode desafiar e mudar a fortuna. No penúltimo capítulo de O Príncipe, Maquiavel discorre sobre o caráter desafiador da virtú perante a fortuna. Acredito seguramente que é melhor ser impetuoso do que cauteloso, pois a sorte é uma mulher, sendo necessário, para dominá-la, empregar a força;pode-se ver que ela se deixa vencer pelos que ousam, e não pelos que agem friamente. Como mulher, é sempre amiga dos jovens mais bravos, menos cuidadosos, prontos a dominá-la com maior audácia. (MAQUIAVEL, 2002, p. 140/141, Cap. XXV) 9

Dessa forma, Maquiavel exorta a virtú a dominar a fortuna, mesmo tendo consciência de que esta última está inserida em um jogo de circunstâncias que independem da ação humana, na medida em que são acontecimentos que não foram programados. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O contexto histórico da obra de Maquiavel tem como pano de fundo a Itália no Renascimento. Nesse sentido, tal contexto favoreceu a elaboração de um pensamento voltado para a política em bases realistas. A obra de Maquiavel possibilita múltiplas interpretações. Alguns veem nele o autor, o mentor maior do poder centralizado, ditatorial e absolutista. Outros, a exemplo do genebrino Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), acreditam que, dando lições ao Príncipe, Maquiavel estava, na verdade, ensinando ao povo como libertar-se do poder absolutista dos governos europeus da época, uma vez que a verdadeira condição humana caracteriza-se pela ação política na sociedade. Para Rousseau, Maquiavel, fingindo dar lições aos reis, as deu grandes aos povos. E Conclui, no Terceiro Livro do Contrato Social que O Príncipe, de Maquiavel, é o livro dos republicanos. (ROUSSEAU, 2002, p. 75) O Príncipe evidencia a questão do Estado voltando-se para as relações que os governantes devem estabelecer com ele, tendo a preocupação de não somente conquistar o poder, mas mantê-lo através das manipulações de todos os tipos. Para o contexto contemporâneo, Maquiavel imprescindivelmente contribui no exame das qualidades (virtú e fortuna) do governante moderno.para o florentino, a virtú é a qualidade do homem que o capacita a realizar grandes obras e feitos, o poder humano de efetuar mudanças e controlar eventos. É mais ainda, o pré-requisito da liderança, a 10

motivação interior e a força de vontade. Já a fortuna é o acaso, o curso da história, o fatalismo ou a necessidade natural. Segundo Maquiavel, um dos elementos essenciais para a conquista e manutenção do poder é a virtú, que consiste na capacidade natural que o governante tem de induzir os homens conforme os seus próprios objetivos, de forma a aproveitar as oportunidades que lhe são oferecidas, daí a celebre frase os fins justificam os meios. Na conduta dos homens, especialmente dos príncipes, contra a qual não há recurso, os fins justificam os meios. Portanto, se um príncipe pretende conquistar e manter o poder, os meios que empregue serão sempre tidos como honrosos, e elogiados por todos, pois o vulgo atenta sempre para as aparências e os resultados. (MAQUIAVEL, 2002, p. 104, Cap. XVIII) Isso significa que, em política, os objetivos do príncipe sobrepõem à ética. Deste modo, a política ressaltada no livro O Príncipe deixa de ter um caráter utópico para ganhar o terreno da prática. Observar a contextualização política, saber manter a estabilidade de uma Instituição e bem escolher colaboradores são ações que compreendem a real contribuição de Nicolau Maquiavel para todos que hoje desempenham cargos na direção quer de um país ou mesmo de uma escola ou sala de aula. 11

REFERÊNCIAS CHEVALIER, Jean-Jacques. Das grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Agir, 2002. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe.(Coleção A Obra Prima de Cada Autor). São Paulo: Editora Martin Claret, 2002. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ou Princípio do Direito Político. (Coleção A Obra Prima de Cada Autor). São Paulo: Editora Martin Claret, 2002. 12