A Dinâmica da Oferta e Demanda de Energia Elétrica no Brasil em 2005-2006. 1 - Introdução Nivalde J. de Castro * Pedro Paulo Ballarin Bruni** O Setor de Energia Elétrica SEE - em 2005 apresentou evolução que indica progresso no processo de reestruturação. Há indicadores de que a oferta de energia elétrica está garantida no curto e médio-prazo, dada a recomposição do nível dos reservatórios após a crise de 2001 e os resultados verificados no leilão de energia nova - LEN. Analistas de mercado esperam um crescimento do PIB em 2006, entre 3% e 4%. Como resultado o nível do consumo de energia elétrica de 2006 deverá ser superior ao de 2005. O GESEL Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ avalia que deverá ocorrer crescimento um pouco maior do PIB, devido aos fatores externos e internos, em especial a influência do processo eleitoral sobre o crescimento econômico. Como conseqüência, deverá ocorrer um maior crescimento da demanda por energia elétrica, que tenderá a contribuir para a consolidação do processo de reestruturação do setor elétrico brasileiro, na medida em que criará expectativas positivas para os agentes do setor e uma ação mais pró-ativa do governo. As próximas linhas procuram detalhar esta análise com base nos argumentos apresentados. 2 - A Oferta de Energia Elétrica O nível dos reservatórios das bacias hidrológicas no Brasil é um importante indicador das condições de oferta de energia elétrica. Esta importância é determinada pelo alto grau de participação das hidroelétricas na oferta total da energia elétrica, situada em torno dos 92%. ---------------------- * Professor do Instituto de Economia da UFRJ. Coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (nivalde@ufrj.br) ** Pesquisador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico do IE-UFRJ 1
O Gráfico nº1 apresenta a composição do volume total dos reservatórios do sistema hidroelétrico brasileiro por regiões. Observa-se a alta participação das bacias da região sudeste. Esta concentração, a despeito da grande interligação entre os diferentes sub-mercados, determina um potencial risco hidrológico na medida em que eventuais diminuições no índice pluviométrico nesta região impactam diretamente o volume total e representam risco para a geração de eletricidade. Gráfico nº 1 Brasil. Composição dos Reservatórios por Região. Janeiro de 2006 nordeste 17% norte 12% sul 9% sudeste/centro oeste 62% Fonte: Elaboração própria com base na ONS. A evolução no nível de reservatórios apresentada no Gráfico nº 2 indica que, pelo lado da oferta, não há sinais de risco no abastecimento de energia elétrica, pelo menos no curto e médio prazo. Por estes dados constata-se também, a partir de 2002, um processo gradativo de recomposição do nível dos reservatórios. Esta recomposição deve-se, basicamente, a dois fatores: redução da demanda e melhora nos índices pluviométricos. 2
Gráfico nº 2 Nível Médio Ponderado dos Reservatórios 90 80 70 60 (%) 50 40 30 20 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 2001 2002 2003 2004 2005 Fonte: Elaboração própria com base na ONS. No período de 2004-2005, verifica-se uma significativa melhora nos patamares dos reservatórios. Um fator que explica esta alteração foi a melhoria das condições pluviométricas, em especial a partir de março de 2004 e do último trimestre de 2005, quando, historicamente, há diminuição das chuvas. Além disto, neste último período ocorreram temperaturas médias menores, em especial na região sul e sudeste, contribuindo também para o aumento dos reservatórios. O Gráfico nº 3 apresenta a evolução do nível de consumo nacional para o período maior, compreendendo os anos de 1996 a 2005. Verifica-se que o nível de consumo pré-crise de 2001 foi retomado somente em meados de 2004. O ajuste da curva de demanda, feita para o período de 1996 a 2000, mostra que o consumo, caso a crise de oferta não houvesse ocorrido, deveria ser maior do que o observado atualmente. A principal causa desta diferença foi a mudança no padrão de comportamento da demanda de energia elétrica, reflexo direto do programa de racionamento compulsório imposto pela Crise do Apagão. 3
Gráfico nº 3 Evolução da Carga do Sistema Interconectado: 1996 2005 50.000 47.500 45.000 Mw médio 42.500 40.000 37.500 35.000 32.500 30.000 jan/96 jul/96 jan/97 jul/97 jan/98 jul/98 jan/99 jul/99 jan/00 jul/00 jan/01 jul/01 jan/02 jul/02 jan/03 jul/03 jan/04 jul/04 jan/05 jul/05 Mês Fonte: ONS Como resultado mais pontual, no período de outubro a dezembro de 2005, os reservatórios das bacias hidrelétricas apresentaram um nível de acúmulo médio de 61%. Este nível indica folga na oferta de energia elétrica, especialmente no Sul e Sudeste, conforme indicado no Gráfico 4. Gráfico nº 4 Brasil. Evolução do Nível dos Reservatórios: outubro dezembro 2005 100 80 outubro dezembro % 60 40 20 0 Sudeste /Centro Oeste Fonte: Elaboração própria com base na ONS. Sul Nordeste Norte 4
Neste sentido, pode-se concluir que são remotas as possibilidades de desequilíbrio na oferta vinculado ao nível dos reservatórios. Mantida esta tendência, em especial na região sudeste, ficam minimizados, no curto e médio prazo, problemas e riscos de escassez. O nível dos reservatórios - importante componente da complexa equação da oferta do setor elétrico brasileiro - tende a contribuir para a estabilidade e equilíbrio da oferta e, consequentemente para a consolidação do processo de reestruturação do setor. 3 - A Demanda por Energia Elétrica O consumo de energia elétrica apresenta uma alta correlação com o desempenho da economia como um todo. Praticamente todos os setores econômicos, que no somatório anual de sua produção definem a magnitude do PIB, têm um componente de consumo de energia elétrica. As estimativas mais recentes vêm indicando um crescimento do PIB para 2005 abaixo de todas as estimativas formuladas no início deste ano. No entanto, mesmo com o menor crescimento do PIB, as estimativas da EPE, indicam um aumento da demanda de energia elétrica em 4,5%, apresentando assim uma elasticidade da demanda por eletricidade superior a 100%. A demanda de energia do setor industrial, responsável por 45% da demanda por eletricidade, cresceu 2,6%. O fator de compensação, que explica a expansão estimada de 4,5%, foi o comportamento da demanda residencial (4,9%) e consumo comercial (6,8 %). Confirmadas as estimativas da EPE, o resultado final mostra uma mudança pontual do coeficiente de consumo de energia elétrica em relação ao PIB, demonstrando que alterações nos padrões de consumo por classe de consumo não 5
estão sendo percebidas pelas estimativas. Esta constatação deve ser levada em consideração na análise das estimativas do consumo de energia elétrica formuladas para 2006, que segundo a EPE, deverá crescer em 5,1% para uma estimativa de aumento do PIB de 4,0%. Do ponto de vista das empresas distribuidoras, o crescimento da demanda de energia elétrica em 2005 foi favorável. As duas classes de consumo residencial e comercial, onde a demanda foi maior, tendem a gerar maior impacto no faturamento das distribuidoras. Esta avaliação baseia-se no fato de que o segmento industrial está diminuindo sua participação no mercado cativo em função do franco processo de transformação das empresas industriais em consumidor livre, segmento que atingiu 21% do total nacional em novembro de 2005. Ao mesmo tempo, as empresas industriais que atuam no mercado livre estão buscando operar na rede básica do Sistema Interligado Nacional para diminuir os custos de transmissão, reduzindo assim o faturamento das distribuidoras. Para o ano de 2006, as perspectivas do crescimento do PIB e do consumo de energia elétrica são, em nossa avaliação, muito positivas. Segundo as instituições de pesquisa IPEA, Instituto de Economia-UFRJ e EPE, o crescimento do PIB deve situar-se entre 3,4 a 4,0%. Estas previsões levam em conta a tendência decrescente que o PIB industrial apresentou ao longo dos trimestres de 2005, somadas com a valorização cambial e manutenção da política do Banco Central em relação à taxa de juros. No entanto, dois fatores devem impactar especialmente o setor industrial. O mais importante é o efeito eleição. Deve-se incorporar nestas estimativas uma provável influência do processo eleitoral sobre a política econômica. Este efeito deverá impor a meta de um crescimento do PIB mais elevado, na medida em que o desempenho desta variável irá ter um papel importante na propaganda eleitoral. Nesta perspectiva, pode-se assinalar e supor que o governo deverá utilizar 6
instrumentos de política econômica para estimular o PIB, em especial os investimentos públicos, gerando um efeito multiplicador da renda. O segundo fator é a manutenção do crescimento da economia mundial. De acordo com dados do World Economic Outlook, o crescimento mundial vem apresentando taxas crescentes de expansão: 2,5% em 2001, 3% em 2002, 4% em 2003 e 5,1% em 2004. Como as estimativas indicam a manutenção de um crescimento elevado para 2006, ele irá impactar positivamente a economia mundial e do Brasil. Este impacto se dará pelo aumento nos preços dos produtos de exportação e pela manutenção da entrada de divisas no país. Esta última variável estará também influenciada pela situação dos fundamentos macroeconômicos e pelas taxas de juros do mercado interno. Partindo-se da posição de que o PIB brasileiro terá estes dois fatores exercendo pressão de crescimento, pode-se prever que a demanda por energia elétrica tenderá a ser maior, situando-se, possivelmente, em patamar acima dos 5%, em especial por conta do impacto do crescimento do PIB industrial, que em 2005 ficou bem abaixo das estimativas. Assinale-se que a expansão do setor industrial deverá ser influenciada pelos investimentos públicos. O crescimento da demanda residencial se dará por conta da ampliação do emprego e aumento da massa salarial, que também influenciará a demanda do segmento comercial. O maior crescimento da demanda por energia elétrica terá, na nossa avaliação, um efeito positivo sobre a reestruturação do setor. Os resultados verificados no LEN - leilão de energia nova - realizado em dezembro de 2005, deverão ser melhores em 2006. A experiência dos leilões das linhas de transmissão são um bom indicador. A partir do primeiro leilão de LT, realizado em 1999, ocorreu um aumento no número de empresas participantes e da concorrência resultaram em deságios maiores, dinâmica competitiva que, incluso, é entendida pelo TCU. Neste sentido, pode-se prever que o conhecimento e consolidação das regras do LEN e a 7
necessidade do governo atrair novos investimentos e empresas, em especial os players do setor, tendem a agir como fator de aumento do interesse e da dinâmica competitiva. Por último, deve-se destacar como um fator determinante para os próximos LEN a intensificação de parcerias estratégicas entre agentes públicos, em especial o Grupo Eletrobrás, e agentes privados. Em síntese, o maior crescimento do consumo de energia elétrica, neste ano eleitoral, deverá contribuir para a confirmação dos LEN como instrumento e fator decisivo para a estabilidade e equilíbrio de médio e longo prazo entre a oferta e demanda. * Este artigo utilizou dados disponíveis até 17 de janeiro de 2006 8