Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada Universidade Federal da Paraíba apesb@terra.com.br ISSN (Versión impresa): 1519-0501 BRASIL 2005 Andrezza de Almeida Bastos / Camila Belo Falcão / Antônio Luiz Amaral Pereira / Adriana de Fátima Vasconcelos Pereira / Claúdia Maria Coêlho Alves OBESIDADE E DOENÇA PERIODONTAL Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada, setembro-dezembro, año/vol. 5, número 003 Universidade Federal da Paraíba Joao Pessoa, Brasil pp. 275-279 Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal Universidad Autónoma del Estado de México
Andrezza de Almeida BASTOS* Camila Belo FALCÃO** Antônio Luiz Amaral PEREIRA*** Adriana de Fátima Vasconcelos PEREIRA*** Claúdia Maria Coêlho ALVES*** Introdução: A obesidade vem registrando crescimentos assustadores nas populações dos países desenvolvidos, e também nos países em desenvolvimento; acarretando sérias preocupações à saúde publica. Além da conhecida associação da obesidade corporal e visceral com algumas doenças sistêmicas graves, essa condição também está sendo relacionada atualmente com a ocorrência da periodontite, principalmente em adultos jovens, constituindo-se como mais um fator de risco à doença periodontal. Objetivo: analisar a relação entre a obesidade e a ocorrência da doença periodontal, por meio de evidências apresentadas na literatura, devido ao aumento da incidência de ambas as doenças na população. Conclusão: Embora os recentes estudos revelem evidências convincentes quanto à predisposição do obeso à doença periodontal, os mecanismos envolvidos no processo patogênico ainda permanecem desconhecidos. Introduction: Obesity has come recording accentuated increase on the population of developed and in development countries, causing serious apprehension on Public Health. Besides the known association between corporal and visceral obesity with some serious systemic diseases, this condition is related with the occurrence of periodontitis, mainly in young adults, consisting of a great risk factor to periodontal disease. Objective: To analyze the relationship between obesity and the occurrence of periodontal diseases by evidence presented on literature review, due to improvement of incidence of both diseases on population. Conclusion: Although recent researches show strong evidences as to predisposition of obese patient to periodontal disease, the mechanisms involved on the pathogenic process remain unknown. * Especialista em Periodontia pela UECE. Mestranda em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Maranhão. ** Mestranda em Ciências da Saúde - Universidade Federal do Maranhão. *** Professores da Disciplina de Periodontia do Curso de Odontologia da Universidade Federal do Maranhão. Pesq Bras Odontoped Clin Integr, Joã o Pessoa, v. 5, n. 3, p. 275-279, set./dez. 2005 275
A placa bacteriana é o agente etiológico primário das doenças periodontais. Em estudo chamado Gengivite Experimental em Humanos, Löe, Theilade e Jensen (1965) verificaram que em indivíduos que deixavam de realizar procedimentos de higiene oral por certo período de tempo, ocorria o desenvolvimento de gengivite. Com o retorno do controle diário de placa bacteriana desapareciam os sinais clínicos da inflamação gengival. Durante muito tempo permaneceram inabaláveis alguns paradigmas da Periodontia, que embora alimentados por dados científicos válidos, eram limitados. Entre eles, encontra-se o referente à patogênese das doenças periodontais, onde os estudos basearam-se quase que exclusivamente em pesquisas sobre periodontopatógenos (GENCO, 2002). Entretanto, observando o comportamento de tais afecções, verificouse que os microrganismos por si só, não eram capazes de desenvolvê-las, sendo necessário, para isso, a interação com fatores de risco do hospedeiro (ALBANDAR et al., 2000). Desta forma, o conceito atual da etiologia multifatorial das doenças periodontais inclui o hospedeiro como componente fundamental. A doença periodontal só ocorre quando a agressão microbiana e a resposta do hospedeiro são alteradas, para um ou outro lado. Assim, todo tipo de alteração capaz de modificar o equilíbrio fisiológico do hospedeiro pode também mudar a etiologia, extensão, curso e resposta ao tratamento das doenças periodontais (GENCO, 2002). A obesidade vem aumentando no mundo e representa atualmente um dos maiores problemas de saúde pública não só nos países desenvolvidos, mas também nos que estão em desenvolvimento. Somente nos Estados Unidos cerca de 50% da população ou está acima do peso (IMC >25) ou é obesa (IMC > 30). A obesidade é tida como fator de risco para diversas afecções como diabetes tipo 2, hiperlipidemia, hipertensão, arteriosclerose, doenças cardiovasculares e cerebrovasculares (KOPELMAN, 2000), além de aumentar o risco de mortalidade em outras desordens (STEVENS et al., 1998). Da mesma forma que o índice das pessoas obesas cresce, as doenças periodontais, reconhecidas com infecções bacterianas, estão entre as doenças mais comuns e crônicas do ser humano, afetando de 5 a 30% da população adulta na faixa etária de 25 a 75 anos ou mais (GENCO, 2002). Existem fatores de risco inerentes ao hospedeiro responsáveis pelo aumento da probabilidade de ocorrência da doença periodontal como o estresse, dieta, álcool, predisposição genética, defeitos imunológicos, doenças sistêmicas e tabagismo (WILSON JR.,1998). Recentemente, além de todos esses fatores, vem sendo sugerida também uma relação de periodontite com a obesidade devido à presença de alterações imunes observadas em indivíduos obesos (SAITO et al., 2001). Portanto, esse trabalho tem por objetivo analisar a relação entre a obesidade e a ocorrência da doença periodontal, mediante revisão de evidências apresentadas na literatura, devido ao aumento da incidência de ambas as doenças na população e conseqüente importância para a saúde pública. A OBESIDADE COMO FATOR DE RISCO PARA AS DOENCAS PERIODONTAIS A Organizacao Mundial de Saude define a obesidade como uma condicao de acumulo excessivo de gordura corporal em um determinado grau, onde a saude e o bem estar dos individuos podem ser muito afetados (DEUREMBERG; YAP, 1999). A obesidade e a desordem nutricional mais comum no continente americano (KOPELMAN, 2000) e e um significante fator de risco para numerosas enfermidades do adulto, inclusive as doencas periodontais. O indice de massa corporal (IMC) (ELTER et al, 2000; GROSSI; HO, 2000; WOOD; JOHNSON; STRECKFUS, 2003), a circunferencia abdominal e o consumo maximo de oxigenio (SAITO et al., 2001) podem ser fatores na incidencia dessa doenca. A obesidade afeta a imunidade do hospedeiro (TANAKA et al., 1993), devido a diminuicao do fluxo sanguineo. Tal fato foi comprovado em um estudo realizado por Perstein e Bissada (1977) com 44 ratos normais, que eram espontaneamente obesos, hipertensos ou obesos e hipertensos, onde foi avaliada histopatologicamente a estrutura periodontal que mostrou hiperplasia e hipertrofia das paredes dos vasos sanguineos periodontais. Esses resultados indicaram que a obesidade contribui para a severidade da doenca periodontal. O inibidor do ativador de plasminogenio 1 (PAI- 1), cuja expressao genica e aumentada na obesidade visceral (SHIMOMURA et al., 1996), induz a aglutinacao de sangue e exacerba o risco de doencas vasculares isquemicas. Desta maneira, PAI-1 pode decrescer o fluxo sanguineo no periodonto de obesos e entao promover o desenvolvimento da periodontite. O tecido adiposo secreta grande quantidade de TNF-α e IL-6 (ORBAN et al., 1999) e os niveis dessas 276 Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, v. 5, n. 3, p. 275-279, set./dez. 2005
citocinas pro-inflamatorias sao proporcionais ao indice da massa corporal; em particular em individuos com obesidade visceral (VGONTZAS et al., 1997). Estes autores tambem constataram que estas citocinas se elevavam de forma circadiana, com aumentos marcantes nos periodos de final de tarde e nas madrugadas; cuja tendencia e normalmente evidenciada em pacientes portadores de doencas inflamatorias cronicas. Baseando-se em tais dados, Chrousos (2000) considera a obesidade um estado inflamatorio cronico, que se associa com variadas sequelas comportamentais, metabolicas, imunologicas e cardiovasculares. A luz dessas informacoes, pode-se levantar a hipotese de que a obesidade na hiper inducao das citocinas promovem o processo inflamatorio cronico das estruturas periodontais. Uma vez que os macrofagos superativados servem como fonte principal dos mediadores da inflamacao cronica da doenca periodontal (TNF-α, IL-6, IL-1, IL-8, metaloproteinases, prostaglandinas e NO; dentre outros), e de supor que o tecido adiposo nao so secreta algumas das citocinas proinflamatorias, como tambem estimula, de alguma forma, a participacao dos macrofagos no processo patogenico da doenca, ora por meios diretos ainda desconhecidos, ora por mecanismos indiretos, induzindo a producao do interferon (IFN-γ) ativador dos macrofagos pelos linfocitos (NK). Saito, Shimazaki e Sakamoto (1998) reportaram que a obesidade tem uma significativa associacao com a doenca periodontal em termos de IMC (indice de massa corporal), circunferencia abdominal e consumo maximo de oxigenio. Esses achados sugerem que a periodontite pode ser exacerbada por algumas condicoes associadas a obesidade como a sindrome metabolica (VANHALA et al., 1997). Em estudo para investigar a associacao da composicao corporal (obesidade) e a doenca periodontal no NHANES III, em individuos caucasianos com mais de 18 anos, Wood, Johnson e Streckfus (2003) puderam concluir que existe uma forte correlacao positiva entre a obesidade abdominal e a doenca periodontal. Esse padrao de obesidade em termos de patogenia da doenca periodontal segue o mesmo observado em outros problemas de saude relacionados a tal afeccao. A gordura localizada na regiao abdominal e um significante fator de risco para diabetes tipo II, para a hipertensao vista na sindrome metabolica e para varios tipos de cancer. Isso pode levar a suposicao de que tanto a doenca periodontal como esses outros males possuem uma intima relacao com o metabolismo obeso (GROSSI; GENCO, 1998). A influencia da obesidade sobre a incidencia da doenca periodontal foi analisada em estudo populacional com 13.665 jovens adultos norte-americanos? 18 anos, Pesq Bras Odontoped Clin Integr, Joã o Pessoa, v. 5, n. 3, p. 275-279, set./dez. 2005 submetidos ao exame periodontal. Foi observada a relação da obesidade com a idade, o índice de massa corporal (IMC) e a circunferência abdominal numa análise multivariável. Empregaram as seguintes variáveis: sexo, raça, nível de escolaridade, índice de pobreza, tabagismo, diabetes, e o interstício entre o último exame odontológico e o estudo. Os resultados revelaram que tanto a obesidade geral quanto a obesidade visceral possuem uma associação significativa com a ocorrência da doença periodontal em jovens adultos (18-34 anos). Porém, tal relação não se confirmou em obesos adultos (35-59 anos) e obesos adultos mais velhos (60-90 anos), apesar da conhecida suscetibilidade dessas faixas etárias a doença periodontal. Muito significativamente, a magreza com peso corporal abaixo do padrão de normalidade (IMC < 18,5) foi relacionada com a redução da suscetibilidade à periodontite (associação negativa). Os autores concluíram que a obesidade precoce dos indivíduos de 18 a 34 anos de idade pode ser considerada como um fator de risco em potencial para a doença periodontal. Esses dados estabelecem, de forma convincente que a obesidade é um fator predisponente para a doença periodontal, particularmente em adultos jovens (AL- ZAHRAN; BISSADA; BORAWSKIT, 2003). Considerando que nenhum desses trabalhos avaliou os mecanismos da patogênese da doença periodontal em indivíduos obesos, uma análise criteriosa de vários dados conhecidos sobre as alterações metabólicas, fisiológicas e emocionais induzidas nos organismo pela obesidade poderá elucidar mesmo parcialmente a relação etiopatogênica da obesidade com a doença periodontal. De acordo com Löe, Theilade e Jensen (1965) a doença periodontal é um mecanismo de defesa caracterizado por uma resposta inflamatória de origem bacteriana que se inicia na gengiva marginal, podendo se estender ao conjuntivo de inserção e ao tecido ósseo, ocasionando reabsorção do mesmo e formação da bolsa periodontal. Embora, a doença periodontal tenha o biofilme dental bacteriano como seu fator etiológico primário, esta também apresenta um caráter multifatorial, em que a manifestação e a progressão da doença podem ser influenciadas por uma grande variedade de determinantes. Incluem-se aí, características do indivíduo, fatores sociais, comportamentais, sistêmicos, genéticos e composição microbiana do biofilme dental, dentre outros fatores de risco (GENCO, 2002). 277
Dentro deste contexto, a maior parte dos estudos epidemiológicos tem demonstrado a associação da obesidade, determinada por índice de massa corpórea ou por medidas de circunferência, com a periodontite (SAITO; SHIMAZAKI; SAKAMOTO, 1998; GROSSI; HO, 2000; WOOD, JOHNSON; STRECKFUS, 2003). Vecchia et al. (2004) acrescentam que a obesidade e sua relação com a doença periodontal vêm recebendo grande atenção na periodontia. Trabalhos como os de Nishimura e Murayama (2001) consideram que a plausibilidade biológica para essa associação está no papel das citocinas pró-inflamatórias e fator de necrose tumoral produzidos pelos tecidos adiposos em indivíduos obesos. Esses estão relacionados ao desenvolvimento da resistência à insulina e à produção de um estado inflamatório crônico, o biofilme dental bacteriano como seu fator etiológico primário que aumenta o risco à doença periodontal. Do ponto de vista clínico, estudos de Grossi e Ho (2000), Wood, Johnson e Streckfus (2003) e Al-Zahrani, Bissada e Borawskit (2003) demonstraram a perda de inserção como identificação de experiência anterior de doença periodontal em pacientes obesos, sendo o parâmetro mais adequado para determinar a associação entre as doenças. Outro aspecto importante é a existência de associação entre obesidade e periodontite, que pode ser explicada por razões comportamentais relacionadas a ambas. Assim, indivíduos que adotam um comportamento inadequado em relação à saúde podem apresentar, com maior freqüência, as duas condições. Isto pode ser explicado porque essas pessoas não dão a devida importância a aspectos relacionados com estilo de vida saudável, tais como alimentação adequada, atividade física e cuidados com a saúde geral e bucal, assim como o estresse (AL-ZAHRANI; BISSADA; BORAWSKIT, 2003). A periodontite pode ser exacerbada por algumas condições associadas à obesidade como a síndrome metabólica (SAITO; SHIMAZAKI; SAKAMOTO, 1998). Entretanto, há uma correlação positiva entre obesidade e doença periodontal (WOOD; JOHNSON; STRECKFUS, 2003; AL-ZAHRANI; BISSADA; BORAWSKIT, 2003). Considerando todas as evidências aqui discutidas em conjunto, pode-se concluir que: 1) A obesidade predispõe o organismo à doença periodontal, uma vez que diminui a resistência imunológica do indivíduo; 2) O tecido adiposo secreta grande quantidade de TNF-a e IL-6 que são responsáveis pelo processo inflamatório crônico nas doenças periodontais; 3) A correlação mais forte entre obesidade e doença periodontal é observada em adultos jovens; 4) Embora estudos mostrem evidências quanto à predisposição do obeso à doença periodontal, os mecanismos envolvidos neste processo permanecem ainda desconhecidos. ALBANDAR, J. M.; STRECKFUS, C. F.; ADESANYA, M. R.; WINN, D. M. Cigar, pipe and cigarette smoking as risk factors for periodontal diseases and tooth loss. J Periodontol, Indianapolis, v. 71, n. 12, p. 1874-1881, Dec. 2000. AL-ZAHRANI, M. S.; BISSADA, N. F.; BORAWSKIT, E. A. Obesity and periodontal disease in young, middle-aged, and older adults. J Periodontol, Indianapolis, v.74, n. 5, p. 610-615, May 2003. CHROUSOS, G. P. The stress response and immune functions. The 1999 Novera H. Spector Lecture. Annals of New York Academy Science, New York, v. 917, p. 38-67, 2000. DEURENBERG, P.; YAP, M. The assessment of obesity: methods for measuring body fat and global prevalence of obesity. Baillières Clin Endocrinol Metab, London, v. 13, n. 1, p.1-11, Apr. 1999. ELTER, J. R.; WILLIAMS R. C.; CHAMPAGNE, C. M. E.; OFFENBACHER, S.; BECK, J. D. Association of obesity and periodontitis. J Dent Res, Washington, v. 79, Special Issue, p. 625 (Abstract 3855), 2000. GENCO, R. J. Fatores de risco na doença periodontal. In: ROSE, L. E.; GENCO, R. J.; MEALEY, B. L.; COHEN, D. W. Medicina periodontal. São Paulo: Santos; 2002. p. 11-34. GROSSI, S. G.; GENCO, R. J. Periodontal disease and diabetes mellitus: a two-way relationship. Ann Periodontol, Chicago, v. 3, n. 1, p. 51-61, Jul. 1998. GROSSI, S. G.; HO, A. W. Obesity, Insulin Resistence and Periodontal Disease. J Dent Res, Washington, v. 79, Sp. Issue, p. 625 (Abstract 3854), 2000. LOE H.; THEILADE, E.; JENSEN, S. B. Experimental gingivitis in man. J Periodontol, Indianapolis, v. 36, p. 177-187, 1965. KOPELMAN, P. G. Obesity as a medical problem. Nature, London, v. 6, n. 6778, p. 635-643, Apr. 2000. NISHIMURA F.; MURAYAMA, Y. Periodontal inflammation and insulin resistance-lessons from obesity. Journal of Dental Research, Washington, v. 80, n. 8, p.1690-1694, Aug. 2001. ORBAN, Z.; REMALEY, A. T.; SAMPSON, M.; TRAJANOSKI, Z.; CHROUSOS, G. P. The differential effect of food intake and beta-adrenergic stimulation on adipose-derived hormones and cytokines in man. J Clin Endocrinol Metab, Philadelphia, v. 84, v. 6, p. 2126-2133, Jun. 1999. 278 Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, v. 5, n. 3, p. 275-279, set./dez. 2005
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