ENURESE: TRATAMENTO COM ALARME ASSOCIADO OU NÃO À OXIBUTININA EM CONTEXTO AMBULATORIAL



Documentos relacionados
Azul. Novembro. cosbem. Mergulhe nessa onda! A cor da coragem é azul. Mês de Conscientização, Preveção e Combate ao Câncer De Próstata.

Enurese Noturna na Criança e no Adolescente: Uma Revisão Bibliográfica

Experiência: VIGILÂNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O dispositivo psicanalítico ampliado e sua aplicação na clínica institucional pública de saúde mental infantojuvenil

TÍTULO: AUTORES: INSTITUIÇÃO ÁREA TEMÁTICA: INTRODUÇÃO

Os efeitos do controle farmacológico no comportamento futuro de pacientes menores de três anos no consultório odontológico

Caracterização dos doentes toxicodependentes observados pela equipa de Psiquiatria de Ligação - análise comparativa dos anos de 1997 e 2004

Pesquisa Mensal de Emprego PME. Algumas das principais características dos Trabalhadores Domésticos vis a vis a População Ocupada

3.2 Descrição e aplicação do instrumento de avaliação

A Meta-Analytic Review of Psychosocial Interventions for Substance Use Disorders

ANÁLISE DE RELATOS DE PAIS E PROFESSORES DE ALUNOS COM DIAGNÓSTICO DE TDAH

PROMOVENDO A REEDUCAÇÃO ALIMENTAR EM ESCOLAS NOS MUNICÍPIOS DE UBÁ E TOCANTINS-MG RESUMO

ACOMPANHAMENTO DA PUÉRPERA HIV* Recomendações do Ministério da Saúde Transcrito por Marília da Glória Martins

DOCENTES DO CURSO DE JORNALISMO: CONHECIMENTO SOBRE SAÚDE VOCAL

CONCEITOS E MÉTODOS PARA GESTÃO DE SAÚDE POPULACIONAL

Pneumologia do HG. Centro Medicina Sono

Consulta de puericultura agora está no Rol da ANS

Prezados Associados,

Equipe: Ronaldo Laranjeira Helena Sakiyama Maria de Fátima Rato Padin Sandro Mitsuhiro Clarice Sandi Madruga

Pesquisa de Condições de Vida Gráfico 24 Distribuição dos indivíduos, segundo condição de posse de plano de saúde (1) Estado de São Paulo 2006

Desigualdades em saúde - Mortalidade infantil. Palavras-chave: mortalidade infantil; qualidade de vida; desigualdade.

DIABETES MELLITUS: ADESÃO E CONHECIMENTO DE IDOSOS AO TRATAMENTO

RESUMO PARA O CONGRESSO AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 2011

Diretrizes da OMS para diagnóstico de Dependência

Envelhecimento populacional e a composição etária de beneficiários de planos de saúde

INTRODUÇÃO DE FATOR MODERADOR DE USO EM PLANOS DE SAÚDE COMO ELEMENTO DE CORREÇÃO DA SINISTRALIDADE NO SEGURO- SAÚDE

O Câncer de Próstata. O que é a Próstata

AVALIAÇÃO DA EPIDEMIA DE AIDS NO RIO GRANDE DO SUL dezembro de 2007

SEJA BEM-VINDO! AGORA VOCÊ É UM DENTISTA DO BEM

Saúde da mulher em idade fértil e de crianças com até 5 anos de idade dados da PNDS 2006

Pedro e Lucas estão sendo tratados com. Profilaxia

Pesquisa Semesp. A Força do Ensino Superior no Mercado de Trabalho

CORRELAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA RENAL E ANEMIA EM PACIENTES NORMOGLICEMICOS E HIPERGLICEMICOS EM UM LABORATÓRIO DA CIDADE DE JUAZEIRO DO NORTE, CE

PARECER CREMEC Nº 07/ /02/2011

ISO/IEC 12207: Gerência de Configuração

A INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA E A SUA EVOLUÇÃO

PNAD - Segurança Alimentar Insegurança alimentar diminui, mas ainda atinge 30,2% dos domicílios brasileiros

PROJETO DE LEI Nº, DE 2013

Título: Modelo Bioergonomia na Unidade de Correção Postural (Total Care - AMIL)

SISTEMA DE REGULAÇÃO E CONTROLE DO ICS

UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ CAMPUS CURITIBA CURSO DE ENGENHARIA INDUSTRIAL ELÉTRICA/ELETROTÉCNICA

Sistemas de Gestão Ambiental O QUE MUDOU COM A NOVA ISO 14001:2004

GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE PERNAMBUCO SECRETARIA EXECUTIVA DE ATENÇÃO À SAÚDE UPA ENGENHO VELHO

AS TEORIAS MOTIVACIONAIS DE MASLOW E HERZBERG

NÍVEL DE CONHECIMENTO DOS PROFISSIONAIS ENFERMEIROS SOBRE A SAÚDE DO HOMEM NO MUNICÍPIO DE CAJAZEIRAS-PB.

REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS ODONTOLÓGICOS DO COMPLEXO REGULADOR DE FLORIANÓPOLIS

OTRABALHO NOTURNO E A SAÚDE DO TRABALHADOR: ESTUDO EXPLORATÓRIO EM TAUBATÉ E SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

E-learning para servidores públicos de nível médio

TEMA: Uso de Insulina Humalog ou Novorapid (aspart) ou Apidra (glulisina) no tratamento do diabetes mellitus

Câncer de Próstata. Fernando Magioni Enfermeiro do Trabalho

Perguntas e respostas sobre imunodeficiências primárias

GUIA DE INTERPRETAÇÃO DO CELLA DA FLÓRIDA

As crianças adotadas e os atos anti-sociais: uma possibilidade de voltar a confiar na vida em família 1

RESPOSTA RÁPIDA 219/2014 Insulina Glargina (Lantus ) e tiras reagentes

Panorama de 25 anos da mortalidade por Aids no Estado de São Paulo

CONHECIMENTO DE PROFESSORES ACERCA DO DESENVOLVIMENTO DE FALA E AÇÕES

MANUAL DE PROCEDIMENTOS DO PROFISSIONAL VOLUNTÁRIO DENTISTAS GUIA DO VOLUNTÁRIO.

MUDANÇAS NA ISO 9001: A VERSÃO 2015

ipea A EFETIVIDADE DO SALÁRIO MÍNIMO COMO UM INSTRUMENTO PARA REDUZIR A POBREZA NO BRASIL 1 INTRODUÇÃO 2 METODOLOGIA 2.1 Natureza das simulações

TEMA: Seretide, para Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC).

A IMPORTÂNCIA DO PRÉ-NATAL

Professor Doutor titular de Geometria do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Santa Cecília Santos SP.

RELATÓRIO PARA A. SOCIEDADE informações sobre recomendações de incorporação de medicamentos e outras tecnologias no SUS

APARELHO DE AMPLIFICAÇÃO SONORA INDIVIDUAL: ESTUDO DOS FATORES DE ATRASO E DE ADIAMENTO DA ADAPTAÇÃO

RESPOSTA RÁPIDA /2014

MOBILIDADE DOS EMPREENDEDORES E VARIAÇÕES NOS RENDIMENTOS

Brasil é 2º em ranking de redução de mortalidade infantil 3

PALAVRAS-CHAVE: Uso Racional de Medicamentos. Erros de medicação. Conscientização.

ÍNDICE DE QUALIDADE DE VIDA DO TRABALHADOR DA INDÚSTRIA - SESI/SC

PERFIL EMPREENDEDOR DE ALUNOS DE GRADUAÇÃO EM DESIGN DE MODA

Instruções gerais para o preenchimento do formulário

Manual Ilustrado Menu Pronto Atendimento

O PSICÓLOGO (A) E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR ¹ RESUMO

LEIA ATENTAMENTE AS SEGUINTES INSTRUÇÕES:

TEMA: Uso de Calcitriol no hipoparatireoidismo após cirurgia de tireóide

INFLUÊNCIA DOS ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS NO RESULTADO DA TRIAGEM AUDITIVA NEONATAL

CAPÍTULO 5 CONCLUSÕES, RECOMENDAÇÕES E LIMITAÇÕES. 1. Conclusões e Recomendações

Gerenciamento de Riscos do Projeto Eventos Adversos

ACIDENTE E INCIDENTE INVESTIGAÇÃO

Modelo de Atenção às Condições Crônicas. Seminário II. Laboratório de Atenção às Condições Crônicas. O caso da depressão. Gustavo Pradi Adam

PERCEPÇÃO DO CONHECIMENTO DE PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA E ACOMPANHAMENTO DE ATIVIDADES VOLTADAS À SAÚDE DO COLETIVO

OUTUBRO. um mes PARA RELEMBRAR A IMPORTANCIA DA. prevencao. COMPARTILHE ESSA IDEIA.

INCOR REALIZA MUTIRÃO NESTE FINAL DE SEMANA PARA CORREÇÃO DE ARRITMIA

Você conhece a Medicina de Família e Comunidade?

ANÁLISE DOS INDICADORES DE ASSISTÊNCIA AO PACIENTE CIRÚRGICO

O tipo de gestão pública aplicado no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de Alagoas: Um estudo de caso no Campus Arapiraca.

RELATÓRIO DE ATIVIDADE CURSO DE INICIAÇÃO POLÍTICA ETEC-CEPAM

A UTILIZAÇÃO ADEQUADA DO PLANEJAMENTO E CONTROLE DA PRODUÇÃO (PCP), EM UMA INDÚSTRIA.

Localização dos inquéritos de rua para Arroios e Gulbenkian

Diretrizes Assistenciais. Medicina Psicossomática e Psiquiatria

Conceitos Fundamentais de Qualidade de Software

TEMA: Octreotida LAR no tratamento de tumor neuroendócrino

BOLSA FAMÍLIA Relatório-SÍNTESE. 53

RESPOSTA RÁPIDA 435/2014

Aplicativo para elaboração de questionários, coleta de respostas e análise de dados na área da saúde em dispositivos móveis

FINALIDADE E BREVE HISTÓRICO

TÍTULO: EQUIPE INSTITUIÇÃO: ÁREA TEMÁTICA 1 INTRODUÇÃO ,

2.1 Os projetos que demonstrarem resultados (quádrupla meta) serão compartilhados na Convenção Nacional.

Curso de Capacitação em Bullying

Transcrição:

ENURESE: TRATAMENTO COM ALARME ASSOCIADO OU NÃO À OXIBUTININA EM CONTEXTO AMBULATORIAL NOCTURNAL ENURESIS: ALARM TREATMENT IN ASSOCIATION WITH OXIBUTYNIN IN AN OUTPATIENT SAMPLE ALARM TREATMENT FOR NOCTURNAL ENURESIS Rodrigo F. Pereira Doutor em psicologia clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Pós-doutorando do departamento de psicologia clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil Jarques L. Silva II Formação em Urologia pela Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil. Assistente da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil Fábio J. Nascimento Mestre em ciências da saúde pela Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil. Chefe do grupo de Uropediatria da disciplina de Urologia da FMABC, Santo André, SP, Brasil Edwiges F. M. Silvares Livre-docente pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Professora Titular do Instituto de Psicologia da USP, São Paulo, SP, Brasil Antonio C. L. Pompeo Livre-docente pela Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP, Brasil. Professor titular da Disciplina de Urologia da FMABC, Santo André, SP, Brasil Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, n.º 4 (2011) 125

Rodrigo F. Pereira, Jarques L. Silva, Fábio J. Nascimento, Edwiges M. Silvares e António L. Pompeo Conflito de interesse: nada a declarar Instituição: Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do ABC Correspondência e contatos pré-publicação: Rodrigo Fernando Pereira Faculdade de Medicina do ABC Disciplina de Urologia Av. Príncipe de Gales, 821 Anexo II CEP 09060-650 Santo André, SP Phone: 55-11-4993-5462 Fax: 55-11-4436-0003 E-mail: rpereira@usp.br Financiamento: FAPESP Resumo Objetivo: verificar a eficácia do tratamento com alarme para a enurese noturna associado ou não à oxibutinina em um contexto ambulatorial em serviço público de saúde. Métodos: foram tratados 38 participantes de 6 a 15 anos, encaminhados ao ambulatório por pediatras da rede básica de saúde. Casos de enurese monossintomática foram tratados com alarme e casos de enurese nãomonossintomática foram tratados com combinação de alarme e desmopressina. Foi utilizado como critério de sucesso a obtenção de 14 noites consecutivas sem episódios. Resultados: dos 38 participantes, 29 atingiram o critério de sucesso. Não houve associação do resultado com variáveis como género, presença de sintomas diurnos, obstipação intestinal. Crianças mais novas tenderam a ter um resultado pior no tratamento, possivelmente devido à menor aderência. Conclusão: Verificou-se que o tratamento com alarme é uma boa alternativa no contexto ambulatorial de atendimento público de saúde. Palavras-chave: enurese; tratamento com alarme; oxubutinina; saúde pública. Abstract Objective: to verify the efficacy of alarm treatment with or without oxybutinin association for nocturnal enuresis in a public health ambulatory environment. Methods: 38 patients of ages from 6 to 15 referred by public health system pediatricians were treated. Monosymptomatic enuresis was treated with alarm only and non monosymptomatic enuresis was treated with alarm plus oxybutynin. Success criterion was achieving 14 consecutive dry nights. 126 Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, n.º 4 (2011)

Results: of the 38 patients treated, 29 achieved success. There was no association between outcome and other variables such as gender, type of enuresis or bowel obstruction. Younger children had fewer successes, probably due to lower adherence to procedures. Conclusion: alarm treatment combined with oxybutynin is an effective treatment method for enuresis that can be implemented in public health system. Key-words: enuresis; alarm treatment; oxybutynin; public health. Introdução A enurese, ou incontinência noturna, é tanto um sintoma como uma condição, conforme definição estabelecida pela International Chidren s Continence Society (ICCS), caracterizada pela perda de urina em episódios discretos durante o sono, a partir dos cinco anos de idade (Nevéus, von Gontard, Hoebke, Hjälmas, Bauer & Bower, 2006). Ela é considerada primária, quando nunca houve controle por parte da criança, ou secundária, quando esse controle se estabeleceu por pelo menos seis meses. Diz-se que a enurese é monossintomática quando não está associada a sintomas diurnos e não-monossintomática quando tais sintomas (e.g. urgência miccional) estão presentes. A etiologia da enurese pode ser entendida a partir de uma perspectiva denominada de três sistemas (Butler & Holland, 2000). Um deles é a incapacidade de acordar frente aos sinais de iminente esvaziamento da bexiga. Os episódios ocorrem pela interação desse fator com um dos outros dois sistemas: a poliúria noturna, que leva a criança a produzir mais urina do que a bexiga é capaz de comportar durante o período do sono ou a hiperatividade detrusora, na qual há uma hipercontratibilidade da bexiga mesmo com pequeno enchimento. Os guias de tratamento elaborados pela ICCS (Hjälmas, Arnold, Bower, Caione, Chiozza, von Gontard et al., 2004; Nevéus, Eggert, Evans, Macedo, Rittig, Tekgül et al., 2010) estabelecem duas vertentes de tratamentos baseados em evidência para a enurese: medicamentosa e comportamental. Entre as opções farmacológicas, destacam-se a demopressina, análogo sintético da vasopressina, que atua na poliúria noturna e a oxibutinina, um anticolinérgico. Entre as opções comportamentais, a de maior nível de evidência e recomendação é o tratamento com alarme, que atuaria na capacidade de despertar e/ou na capacidade funcional da bexiga. Questiona-se a necessidade de tratamentos combinados para a enurese, já que uma avaliação precisa poderia indicar a monoterapia adequada para cada caso (Butler, 2001). No entanto, a combinação com oxibutinina pode ser útil na enurese não-monossintomática, uma vez que ela é altamente eficaz no controle da hiperatividade detrusora (Kosar, Arikan & Dincel, 1999). Há poucos estudos sobre a enurese na população brasileira, sejam de prevalência ou de tratamento, embora a sua prevalência pareça ser similar às Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, n.º 4 (2011) 127

Rodrigo F. Pereira, Jarques L. Silva, Fábio J. Nascimento, Edwiges M. Silvares e António L. Pompeo de outros países, com 10% de ocorrência entre crianças de 5 a 10 anos (Fonseca, Bordallo, Garcia, Munhoz & Silva, 2009) e haver impacto na sua qualidade de vida em comparação com crianças sem enurese (Netto, Rangel, Seabra, Ferrarez, Soares & Figueiredo, 2010). Na literatura internacional sobre tratamentos para enurese no Brasil, há apenas duas séries reportadas de tratamento com alarme (Rocha, Costa & Silvares, 2008; Pereira, Silvares & Braga, 2010) e uma de tratamento comportamental sem alarme (Féra, Lelis, Glashan, Nogueira & Bruschini, 2002). O objetivo deste trabalho é relatar os resultados de uma série de casos brasileiros de enurese tratados com alarme combinado ou não à oxibutinina em ambulatório específico de um hospital municipal. Métodos Foram tratados 38 participantes de 6 a 15 anos (M=9,13; DP=2,20), sendo 26 (68,4%) do género masculino e 12 (31,6%) do género feminino. Trinta e quatro (87,5%) crianças relataram ter enurese primária, enquanto quatro (12,5%) apresentavam enurese secundária. Cinco crianças (13,2%) relatavam ter sintomas diurnos associados à enurese noturna. Duas crianças (6,7%) apresentavam obstipação intestinal. A maior parte (60,5%) das crianças tinha familiares em primeiro grau que também haviam tido enurese na sua infância. A taxa média de noites com episódios por semana antes do tratamento era de 5,97 (DP=1,28). Os participantes foram encaminhadas por pediatras da rede pública municipal de saúde para o ambulatório de urologia pediátrica, entre 2007 e 2009. Os participantes foram triados por um urologista. Nos casos de enurese monossintomática, os participantes eram encaminhados para o ambulatório de enurese, em que eram atendidos por um psicólogo especialista no tratamento com alarme. Nos casos de enurese não-monossintomática, os pacientes eram tratados com oxibutinina (dose) para em seguida serem encaminhados para o tratamento com alarme. O protocolo de tratamento comportamental envolvia instruções sobre medidas comportamentais, como evitar ingestão de irritantes vesicais, não acordar a criança durante a noite, urinar antes de dormir e ter um horário de sono regular. Após essas medidas, o alarme era introduzido. O alarme utilizado foi o do tipo de cabeceira, que consiste em uma esteira plástica colocada sob o lençol e conectada a uma unidade sonora que é acionada quando a micção ocorre. O alarme era utilizado por no máximo 26 semanas. O acompanhamento foi realizado através de consultas mensais no ambulatório. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina do ABC. Os critérios utilizados para avaliação do resultado foram adaptados de Butler (1991): Sucesso: criança obteve 14 noites secas consecutivas, mas não realizou o 128 Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, n.º 4 (2011)

procedimento de prevenção e recaída durante o tratamento. Insucesso: criança não conseguiu obter 14 noites secas consecutivas durante o tratamento ou a família deixou de comparecer às consultas agendadas. Resultados Dos 38 participantes, 29 (76,3%) atingiram o critério de sucesso durante o período de tratamento. Dos nove que não obtiveram sucesso, três (7,9%) finalizaram o tratamento sem apresentar 14 noites consecutivas sem episódios e seis (15,8%) perderam o acompanhamento. Dos cinco casos que receberam oxibutinina associada ao alarme, apresentando, portanto, sintomas diurnos, três obtiveram sucesso (60% de sucesso). Foi realizada análise estatística para verificar possíveis relações entre o resultado do tratamento e variáveis demográficas e fisiológicas, conforme apresentado na Tabela 1. Tabela 1 - Relação entre o resultado do tratamento e variáveis dos participantes Género Oxibutinina associada Tipo de enurese Obstipação intestinal Enurese na família Idade Episódios Resultado M F Sig. a N S Sig. a Prim. Sec. Sig. a N S Sig. a N S Sig. a Média (DP) Sig. b Média (DP) Sig. c Sucesso 20 9 26 3 25 4 27 2 12 17 9,48 (2,35) 5,89 (1,28) 0,6 0,34 0,32 0,58 0,49 0,9 Insucesso 6 3 7 2 9 0 9 0 3 6 8 (1,11) 6,22 (1,30) 0,51 a Teste Exato de Fisher b Teste de Mann Whitney c Teste T para amostras independentes N: Não S: Sim Prim.: primária Sec.: secundária Verifica-se que o resultado do tratamento não esteve associado ao género, associação de oxibutinina, tipo de enurese, presença de obstipação intestinal, parentes em primeiro grau que tiveram enurese e média de episódios no início do tratamento. Houve uma tendência de que os participantes que obtiveram sucesso tivessem idade média superior aos que não obtiveram sucesso. Discussão Observa-se que o tratamento ambulatorial com uso de alarme para pacientes com enurese noturna é efetivo, obtendo nesta amostra um resultado Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, n.º 4 (2011) 129

Rodrigo F. Pereira, Jarques L. Silva, Fábio J. Nascimento, Edwiges M. Silvares e António L. Pompeo superior à média relatada pela literatura ICCS (Hjälmas, Arnold, Bower, Caione, Chiozza, von Gontard et al., 2004). Entre os dados de caracterização da clientela, destaca-se o fato da maior parte dos pacientes terem parentes em primeiro grau, geralmente o pai ou a mãe, que relatam também ter apresentado enurese na infância, reafirmando o aspecto hereditário do quadro. O tratamento da enurese não monossintomática com alarme associado à oxibutinina mostrou eficácia moderada (três entre cinco casos obtiveram sucesso), indicando que essa associação é uma alternativa terapêutica válida quando há a presença de sintomas diurnos, embora ainda não haja estudos mais amplos sobre essa combinação de tratamentos (Butler, 2001). Verificou-se também uma tendência de que os participantes que não obtiveram sucesso fossem mais novos. Uma vez que nos casos de insucesso estão incluídas as perdas de acompanhamento, isso pode se dever ao fato de crianças mais novas serem menos impactados pela enurese, enquanto em crianças mais velhas pode haver uma maior saturação por parte da família em relação ao problema, levando a uma maior aderência ao tratamento. Embora esse seja um estudo não controlado, com um N relativamente pequeno, ele é mais uma adição ao ainda pequeno rol de trabalhos brasileiros que investigam o tratamento com alarme na população brasileira (Rocha, Costa & Silvares, 2008; Pereira, Silvares & Braga, 2010). O tratamento com alarme vem se configurando como uma alternativa terapêutica promissora em diferentes modalidades de atendimento, sendo viável em contexto de ambulatório de atendimento público. Referências Butler, R. J. (2001). Combination therapy for nocturnal enuresis. Scand J Urol Nephrol, 35, 364-369. Butler, R.J. (1991). Establishment of working definitions in nocturnal enuresis. Archives of Disease in Childhood, 66, 267-271. Butler, R.J., & Holland, P. (2000). The three systems: a conceptual way of understanding nocturnal enuresis. Sand J Urol Nephrol. 34, 270-277. Féra, P., Lelis, M.A., Glashan, R.Q., Nogueira, M.P., & Bruschini, H. (2002). Behavioral interventions in primary enuresis: Experience report in Brazil. Urol Nurs., 22, 257-262. Fonseca, E.G., Bordallo, A.P.N., Garcia, P.K., Munhoz, C., & Silva, C.P. (2009). Lower urinary tract symptoms in enuretic and nonenuretic children. The Journal of Urology,182, 1978-1983. Hjalmas, K., Arnold, T., Bower, W., Caione, P., Chiozza, L.M., von Gontard, A. et al. (2004). Nocturnal enuresis: An international evidence based management strategy. The Journal of Urology, 171, 2545-2561. Kosar, A., Arikan, N., & Dinçel, Ç. (1999). Effectiveness of oxybutynin 130 Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, n.º 4 (2011)

hydrochloride in the treatment of enuresis nocturna. Scand J Urol Nephrol. 33, 115-118. Netto, J.M., Rangel, R.A., Seabra, C., Ferrarez, C.E., Soares, J., & Figueiredo, A.A. (2010). Quality of life in children with nocturnal enuresis. Journal of Pediatric Urology, 6, S65. Nevéus, T., Eggert, P., Evans, J., Macedo, A., Rittig, S., Tekgül, S. et al. (2010) Evaluation of and treatment for monosymptomatic enuresis: A standardization document from the International Children s Continence Society. The Journal of Urology, 183, 441-447. Nevéus, T., von Gontard, A., Hoebke, P., Hjälmas, K., Bauer, S., Bower, W. et al. (2006). The standardization of terminology of lower urinary tract function in children and adolescents: Report from the Standardization Comittee of the International Chidren s Continence Society. The Journal of Urology, 176, 314-324. Pereira, R.F., Silvares, E.F.M., & Braga, P.F. Behavioral alarm treatment for nocturnal enuresis. International Braz J Urol., 36, 332-338. Rocha, M.M., Costa, N.J.D., & Silvares, E.F.M. (2008). Changes in parents and self-reports of behavioral problems in Brazilian adolescents after behavioral treatment with urine alarm for nocturnal enuresis. International Braz j Urol. 34, 749-757. Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, n.º 4 (2011) 131