Incidência de fistula após palatoplastia à Von Langenbeck com veloplastia intravelar estendida

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Artigo Original Incidência de fistula após palatoplastia à Von Langenbeck com veloplastia intravelar estendida Incidence of cleft palate fistula after von Langenbeck palatoplasty with extended intravelar veloplasty HUGO LEONARDO DE RESENDE RODRIGUES 1,2 * Instituição: Hospital da Baleia - Fundação Benjamim Guimarães CENTRARE, Belo Horizonte, MG, Brasil. Artigo submetido: 29/7/2013. Artigo aceito: 4/2/2014. DOI: 10.5935/2177-1235.2015RBCP0198 RESUMO Introdução: A fissura labiopalatina é a deformidade craniofacial mais frequente e sua incidência é estimada em 1:600 nascidos vivos no Brasil. O objetivo desse estudo é avaliar a incidência de fístulas para os pacientes submetidos à palatoplastia com veloplastia intravelar estendida. Métodos: Trata-se de estudo descritivo retrospectivo com 25 pacientes que foram operados pelo mesmo cirurgião no período de setembro de 2011 a setembro de 2012. A técnica de Von Langenbeck, juntamente com a veloplastia intravelar estendida, foi realizada em todos os pacientes. Foram excluídos do estudo os pacientes com fístulas palatinas, portadores de síndromes ou outras malformações. A idade média da realização da palatoplastia foi de 30,6 meses, variando de 12 meses a 159 meses. Foram selecionados 19 pacientes: onze (58%) do gênero masculino e oito (42%) do gênero feminino. A fissura palatal isolada foi a mais comum, encontrada em nove (47%) pacientes. A fissura transforame esquerda estava presente em sete (37%) pacientes e três (16%) pacientes eram portadores de fissura transforame bilateral. Resultados: Somente dois (11%) pacientes evoluíram com fístula palatina até o acompanhamento pós-operatório de 6 meses. Conclusão: A técnica de Von Langenbeck associada à veloplastia estendida mostrou-se com baixa incidência de fístulas palatinas (11%) quando comparada ao índice encontrado na literatura mundial (7% a 42%). Descritores: Fissura labiopalatina; Fissura palatina; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Anormalidades craniofaciais. 1 Hospital da Baleia - Fundação Benjamim Guimarães CENTRARE, Belo Horizonte, MG, Brasil. 2 Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Belo Horizonte, MG, Brasil. 597 Rev. Bras. Cir. Plást. 2015;30(4):597-602

Incidência de fistula após palatoplastia à Von Langenbeck com veloplastia intravelar estendida ABSTRACT Introduction: Cleft lip and palate is the most common craniofacial deformity, with an estimated incidence of 1 case per 600 live births in Brazil. The aim of this study was to determine the incidence of fistula among patients undergoing palatoplasty with extended intravelar veloplasty. Methods: This retrospective descriptive study evaluated 25 patients operated between September 2011 and September 2012 by the same surgeon. The von Langenbeck technique combined with extended intravelar veloplasty was performed in all patients. The study excluded patients with palatal fistulas, syndromes, or other malformations. The age at palatoplasty varied between 12 and 159 months, and the average age was 30.6 months. Nineteen patients were selected, comprising 11 (58%) male patients and 8 (42%) female patients. Isolated cleft palate was the most common deformity, found in 9 (47%) patients. Unilateral (left) trans-foramen cleft was present in 7 (37%) patients, and bilateral trans-foramen cleft was seen in 3 (16%) patients. Results: Only 2 (11%) patients had palatal fistula in a postoperative follow-up period of 6 months. Conclusion: The von Langenbeck technique associated with extended veloplasty resulted in a low incidence of cleft palate fistulas (11%) compared with the rate found in previous studies (7%-42%). Keywords: Cleft lip and palate; Cleft palate; Reconstructive surgical procedures; Craniofacial abnormalities. INTRODUÇÃO A fissura labiopalatina é a deformidade craniofacial mais comum e resulta do defeito de fechamento dos processos fronto-nasais laterais com os processos mediais durante o período entre a 8ª e 12ª semanas de vida intrauterina. Possui herança multifatorial e pode estar relacionada a deficiências nutricionais, uso de alguns tipos de drogas e medicamentos, tabagismo, exposição ao álcool, radiação e está associada às síndromes em 20% a 30% dos casos 1. No Brasil sua incidência é de aproximadamente 1:600 nascidos vivos 2, sendo maior nos países do leste asiático (1:400) e menos frequente nos países com população de origem caucasiana (1:1500/2000). A realização da palatoplastia entre 12 e 18 meses de idade envolve o fechamento da comunicação entre as cavidades oral e nasal e a síntese da musculatura velofaríngea levando ao adequado desenvolvimento da fala, correto alinhamento dentário com mínimo impacto no crescimento craniofacial 3-5. A primeira técnica realizada para o reparo cirúrgico do palato data de 1891 e foi divulgada por Von Langenbeck. Consiste no preparo de retalhos mucoperiostais bipediculados anterior e posteriormente para o fechamento da mucosa oral e o descolamento e síntese da mucosa nasal 6. Posteriormente, outras técnicas surgiram visando o aumento do comprimento palatino com a confecção de retalhos em V-Y no palato anterior (Veau-Wardill-Kilner), porém ainda com resultados Rev. Bras. Cir. Plást. 2015;30(4):597-602 insatisfatórios 7,8. Na década de 60, Braithwaite & Kriens já alertavam sobre a importância do reposicionamento da musculatura velofaríngea, principalmente os músculos elevadores e tensores do véu palatino, com a necessidade da realização da palatoplastia intravelar. Somente em 1980, Leonard Furlow propôs o alongamento palatino com a confecção de retalhos triangulares duplos (dupla zetaplastia oposta) de musculatura e mucosa no palato mole, promovendo um ganho no comprimento palatino e quebra na cicatriz linear, levando a um menor risco de retração cicatricial, com resultados melhores quanto à movimentação do palato e resultados satisfatórios quanto à presença de insuficiência velofaríngea 9. Porém, sua técnica possui indicação limitada para os pacientes portadores de fissuras palatinas amplas devido a maiores dificuldades técnicas na confecção dos retalhos triangulares. No entanto, a literatura mundial ainda apresenta índices elevados de insuficiência velofaríngea com o emprego dessas técnicas, chegando a 35% em alguns centros. A incidência de fístulas está em torno de 7% a 42%. No ano de 2003, Brian Sommerlad enfatiza o descolamento radical da musculatura do palato mole com o uso de microscópio, individualizando os músculos tensor e elevador do véu palatino, sua síntese e o retroposicionamento 10,11, resultando em um palato longo e menores índices de insuficiência velofaríngea (5% a 10%) com incidência de fístulas (10% a 15%) 12. 598

Rodrigues HLR www.rbcp.org.br OBJETIVO O objetivo desse trabalho é avaliar a incidência de fistulas nos pacientes submetidos à palatoplastia utilizando a técnica de Von Langenbeck com veloplastia intravelar estendida, porém sem a utilização de microscópio e a individualização da musculatura velofaríngea. MÉTODOS Trata-se de estudo descritivo retrospectivo após análise de prontuários de 25 pacientes cadastrados em centro de referência para o tratamento de fissura labiopalatinas e deformidades craniofaciais CENTRARE - no período de setembro de 2011 a setembro de 2012. Dezenove pacientes foram selecionados, sendo 11 do gênero masculino (58%) oito do gênero feminino (42%). A fissura palatina isolada foi a mais comum, correspondendo a nove (47%) pacientes. Sete (37%) pacientes com fissura transforame esquerda e três (16%) portadores de fissura transforame bilateral (Figura 1). A idade média no momento da palatoplastia foi de 30,6 meses, variando de 12 meses a 159 meses. A maioria dos pacientes (79%) era morador de zona urbana na região metropolitana de Belo Horizonte e interior do estado e apenas quatro (21%) eram provenientes de zona rural. Os pais não assinaram nenhum termo de consentimento, pois essa rotina foi iniciada no serviço somente em janeiro de 2013 e os pacientes foram operados antes desta data. A cirurgia iniciou-se sem marcação prévia com azul de metileno, fazendo-se a incisão na transição entre as mucosas oral e nasal e a confecção dos retalhos mucoperiostais, que foram descolados bipediculados, anterior e posteriormente na mucosa oral, para a síntese do palato duro com o auxílio de incisões relaxadoras laterais. A musculatura velofaríngea foi totalmente liberada em bloco da espinha nasal posterior e osso palatino com a confecção da cinta muscular de forma retroposicionada na síntese do palato mole (Figuras 2 e 3). Dessa forma, a síntese do palato duro ocorreu em duas camadas (mucosa nasal e mucosa oral) e a do palato mole em três camadas (mucosa nasal, musculatura e mucosa oral). Figura 2. Identificação e dissecção da musculatura palatina. Figura 1. Distribuição das fissuras. Todos os pacientes foram operados pelo mesmo cirurgião e acompanhados ambulatorialmente por um período mínimo de 6 meses para a verificação de fístulas baseada somente no exame clínico. A técnica cirúrgica em todos os pacientes foi a palatoplastia à Von Langenbeck com veloplastia intravelar estendida, sob anestesia geral balanceada associada com infiltração local de solução anestésica contendo lidocaína 0,5%, bupivacaína 0,15% e adrenalina 1:100000. Figura 3. Síntese da cinta dos músculos palatinos. 599 Rev. Bras. Cir. Plást. 2015;30(4):597-602

Incidência de fistula após palatoplastia à Von Langenbeck com veloplastia intravelar estendida Foi utilizado somente Vicryl 4.0 para todas as suturas. Cefalotina profilática (30 mg/kg) foi administrada na indução anestésica e a alta hospitalar foi realizada no dia seguinte. Todos os pacientes seguiram em uso de amoxacilina como antibioticoterapia oral domiciliar por sete dias e retornos ambulatoriais sequenciais com sete, 21, 45, 90 e 120 dias. A dieta líquidopastosa foi mantida por 30 dias a 45 dias e a maioria dos pacientes foi liberada para fonoterapia após 45 dias de pós-operatório. A identificação das fístulas foi feita ambulatorialmente pelas queixas de refluxo alimentar nasal e exame físico dos pacientes com o auxílio de abaixadores de língua e inspeção do palato (Tabela 1). RESULTADOS Dos 25 pacientes selecionados, seis foram excluídos do estudo por serem portadores de síndromes e outras anomalias congênitas (um paciente) ou fistula palatina após palatoplastia prévia (cinco pacientes). Não houve complicações imediatas no pós-operatório tal como sangramentos, deiscências, infecção ou obstrução respiratória. A incidência de fístula foi em 11% (dois pacientes), que foram acompanhados no ambulatório por 6 meses Ambas as fístulas localizavam-se na transição entre o palato duro e mole e eram menores que 5 mm de diâmetro transverso. Apresentavam refluxo alimentar nasal apenas para líquidos com hipernasalidade leve, sem o uso de mímica ou esforço durante a fala. Esses pacientes estão em acompanhamento com a fonoaudiologia e a decisão quanto ao tratamento cirúrgico das fístulas será baseada na sintomatologia após o término da fonoterapia. DISCUSSÃO Acreditamos que a combinação da palatoplastia pela técnica de Von Langenbeck com veloplastia intravelar estendida pode ser uma boa estratégia para o fechamento do palato nos pacientes portadores de fissura labiopalatina ou palatina isolada apresentando baixa incidência de fístulas (11%), com possibilidade de menor impacto no crescimento craniofacial e melhor resultado na fala devido ao retroposicionamento da musculatura velofaríngea. Sabe-se que a ocorrência de fístulas é a complicação mais frequente após a realização da palatoplastia (10% a 42%). São comumente encontradas na transição entre os palatos duro e mole e não região anterior (alveolar) do palato duro. As fístulas que apresentam sintomas de refluxo alimentar nasal e hipernasalidade devem ser consideradas para o tratamento cirúrgico. Tabela 1. Dados dos pacientes. Identificação Sexo Origem Classificação da fissura (SPINA) Idade no momento da palatoplastia Fístula EGO M ZONA RURAL/LEME DO PRADO FLP PÓS-FORAME 3a 8m O d Não CCS F URBANA/BETIM FLP PÓS-FORAME 1a 5m 23 d Não IVIS F URBANA FLP PÓS-FORAME 3a Om e 15 d Não BSF F URBANA/CONTAGEM FLP PÓS-FORAME 1a 8m 3 d Não DLMA M URBANA/UNAI FLP TRANFORAME ESQUERDA 1a 3m 19 d Sim RFCB M URBANA/BELO HORIZONTE FLP PÓS-FORAME 1a 2m 23 d Não EFL F URBANA/CONTAGEM FLP TRANSFORAME ESQUERDA 2a 8m 11 d Não KSRS F URBANO /ANTONIO DIAS FLP PÓS-FORAME 13a 3m 21 d Não DLP M URBANA/ IBIRITE FLP PÓS-FORAME 1a 5m 20 d Não CJBF M URBANA/BELO HORIZONTE FLP TRANSFORAME BILATERAL 1a 3m 7 d Não DPS M ZONA RURAL / FELIXLANDIA FLP TRANSFORAME BILATERAL 1a 7m 7 d Não NRM M URBANA / CARBONITA FLP TRANSFORAME ESQUERDA 1a 8m 17 d Não JEGP F URBANA/BELO HORIZONTE FLP PÓS-FORAME 1a 9m 9 d Sim VDS F URBANA/BELO HORIZONTE FLP TRANSFORAME ESQUERDA 1a 4m 20 d Não FFSO M URBANA / BELO HORIZONTE FLP TRANSFORAME BILATERAL 1a 3m 16 d Não MM PS M URBANA / IPATINGA FLP TRANSFORAME ESQUERDA 1a Orn 27 d Não DAF M ZONARURAL FLP TRANSFORAME ESQUERDA 2a Om 21 d Não CDXB M URBANA FLP TRANSFORAME ESQUERDA 2a 2m 13 d Não PPG F URBANA FLP PÓS-FORAME 5a 1m 10 d Não Rev. Bras. Cir. Plást. 2015;30(4):597-602 600

Rodrigues HLR www.rbcp.org.br Existem várias técnicas para o fechamento do palato e a de Veau-Wardill-Kilner é a mais comumente realizada em vários centros de referência, assim como a de Von Langenbeck, com os retalhos bipediculados. Acreditamos que a técnica de Von Langenbeck, escolhida por nós, apresenta facilidade para execução, principalmente nos pacientes com fissura palatina isolada. Porém, sabe-se que vários fatores influenciam na ocorrência das complicações agudas, como idade, condições préoperatórias, transoperatórias, infecções no sítio cirúrgico e das vias aéreas superiores, condição e conservação dos dentes e acesso aos centros de referência, o que pode ser complicado para os pacientes provenientes de zona rural e da região interiorana do estado. Muitas vezes, uma infecção de vias aéreas superiores precocemente diagnosticada e devidamente tratada pode evitar a deiscência da ferida operatória no palato e diminuir as chances para a ocorrência das fístulas. Provavelmente, um destes fatores contribuiu para a formação das duas fístulas em nosso estudo, já que ambos os pacientes eram da área rural. É protocolo no nosso serviço manter a antibioticoterapia sequencial oral por 7 dias em todos os pacientes considerando que grande parte dos pacientes reside em locais distantes dos centros de referência e possui atendimento limitado aos profissionais de saúde. Dentes em mal estado conservação (cáries) também é um fator que pode aumentar o aparecimento de infecção de ferida operatória e, consequentemente, a incidência de fístulas. Os exames pré-operatórios solicitados devem estar dentro da normalidade e o índice de hemoglobina não pode ser menor que 10 g/dl. Os fatores nutricionais também são importantes para a cicatrização e os cuidados pós-operatórios essenciais para uma boa recuperação. A dieta líquida pastosa é necessária e mantida por 30 dias a 45 dias com o intuito de evitar pressão elevada nos tecidos palatinos em cicatrização, assim como facilitar a limpeza após a alimentação, o que acreditamos diminuir a possibilidade de infecção do sítio cirúrgico por restos alimentares. A idade média de 30,6 meses para a realização da palatoplastia foi considerada alta, pois o protocolo adotado no CENTRARE aponta a realização da operação entre 12 e 18 meses de idade. Os pacientes operados tardiamente, principalmente aqueles com mais de 5 anos, apresentam maior dificuldade técnica para o descolamento dos retalhos, que se mostram muito aderidos na maioria casos, menor mobilidade e com maior possibilidade de sangramento, deiscência e necrose. Porém, na nossa casuística as fístulas não ocorreram nos pacientes operados tardiamente. Grande parte dos pacientes é proveniente da região urbana interiorana do estado, muitas vezes com difícil acesso aos centros especializados e, dessa forma, são cadastrados e inseridos tardiamente nos locais de referência. A veloplastia com dissecção estendida da musculatura velofaríngea foi realizada buscando melhorar os resultados de fala dos pacientes, pois os índices de insuficiência velofaríngea (IVF) encontrados na literatura são de até 35%. O seu tratamento pode ser difícil, com resultados limitados. Normalmente, utilizamos a palatoplastia pela técnica de Furlow com dupla zetaplastia oposta para a correção da IVF ou até mesmo re-palatoplastia com veloplastia estendida naqueles pacientes operados por outra técnica inicialmente ou provenientes de outros serviços. Nos casos mais complicados com pouca mobilidade do palato a nossa escolha são os retalhos faríngeos de pedículo superior pela técnica descrita por Hynes. A avaliação e acompanhamento por fonoaudiólogo experiente é fundamental para o ganho na fala dos pacientes, principalmente naqueles operados tardiamente e com a presença de distúrbios articulatórios compensatórios (DACs). A avaliação da presença de fístulas foi exclusivamente clínica nos nossos pacientes. Exames endoscópicos como a fibronasolaringoscopia são utilizados principalmente para avaliar a função do esfíncter velofaríngeo e são solicitados nos casos de insuficiência velofaríngea. Após a realização do exame, podemos programar o melhor tratamento para a IVF, seja com o alongamento palatino por meio da técnica de Furlow nos casos de palato móvel, porém curto, ou a confecção do retalho faríngeo descrito por Hynes nos pacientes com pouca mobilidade velofaríngea e boa movimentação das paredes laterais e posterior da faringe 12-14. A realização da palatoplastia em tempo único é a tática mais encontrada em diversos centros de referência no tratamento de fissuras. Tal escolha baseia-se na síntese do palato no momento da aquisição da fala (entre 12 e 18 meses de idade), facilitando o seu desenvolvimento e diminuindo a ocorrência dos distúrbios articulatórios. Não foi demonstrado cientificamente déficit de crescimento maxilar significativo quando comparada à palatoplastia em dois tempos, em que é feita a veloplastia intravelar aos 12 meses e a síntese do palato duro tardiamente por volta dos 5 anos aos 7 anos de idade. No entanto, ambas táticas apontam para déficit de crescimento craniofacial quando comparadas com pacientes que não foram submetidos a nenhum tipo de cirurgia 15,16. Acreditamos que a presença de cicatrizes, fibrose e principalmente áreas de cicatrização por segunda intenção no palato anterior são os grandes responsáveis pelo aprisionamento da maxila com a sua consequente dificuldade de crescimento. Isso leva à oclusão classe III de Angle e, por vezes, os pacientes são submetidos à cirurgia ortognática na adolescência. 601 Rev. Bras. Cir. Plást. 2015;30(4):597-602

Incidência de fistula após palatoplastia à Von Langenbeck com veloplastia intravelar estendida Este estudo necessita de continuidade tanto para aumentar a casuística como fazer um acompanhamento por tempo mais prolongado de todos os pacientes, para posterior avaliação de fala e crescimento maxilar. CONCLUSÃO A palatoplastia pela técnica de Von Langenbeck com veloplastia intravelar estendida mostrou baixa incidência de fístula (11%), apesar do maior descolamento na região posterior do palato. Os índices encontrados na literatura internacional variam de 7 a 42%. REFERÊNCIAS 1. Rajion ZA, Alwi Z. Genetics of cleft lip and palate: a review. Malays J Med Sci. 2007;14(1):4-9. 2. Franco D, Iani M, Passalini R, Demolinari I, Arnaut M, Franco T. Profile evaluation of patients with cleft lip and palate undergoing surgery at a reference center in Rio de Janeiro, Brazil. Plast Surg Int. 2012;2012:620302. DOI: http://dx.doi.org/10.1155/2012/620302 3. da Silva Filho OG, Rosa LA, Lauris Rde C. Influence of isolated cleft palate and palatoplasty on the face. J Appl Oral Sci. 2007;15(3):199-208. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s1678-77572007000300009 4. Gongorjav NA, Luvsandorj D, Nyanrag P, Garidhuu A, Sarah EG. Cleft palate repair in Mongolia: Modified palatoplasty vs. conventional technique. Ann Maxillofac Surg. 2012;2(2):131-5. 5. de Ladeira PR, Alonso N. Protocols in cleft lip and palate treatment: systematic review. Plast Surg Int. 2012;2012:562892. DOI: http://dx.doi.org/10.1155/2012/562892 6. Leow AM, Lo LJ. Palatoplasty: evolution and controversies. Chang Gung Med J. 2008;31(4):335-45. 7. Mølsted K. Treatment outcome in cleft lip and palate: issues and perspectives. Crit Rev Oral Biol Med. 1999;10(2):225-39. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/10454411990100020801 8. Paranaíba LM, Almeida HD, Barros LM, Martelli DR, Orsi Júnior JD, Martelli Júnior H. Current surgical techniques for cleft lip-palate in Minas Gerais, Brazil. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75(6):839-43. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/s1808-8694(15)30546-2 9. Gage-White L, Mankekar C. Furlow palatoplasty-double opposing z-plasty. Indian J Otolaryngol Head Neck Surg. 1997;49(4):422-3. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/bf02994668 10. Sommerlad BC. Surgical management of cleft palate: a review. J R Soc Med. 1989;82(11):677-8. 11. Sommerlad BC. A technique for cleft palate repair. Plast Reconstr Surg. 2003;112(6):1542-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/01. PRS.0000085599.84458.D2 12. Becker M, Hansson E. Low rate of fistula formation after Sommerlad palatoplasty with or without lateral incisions: an analysis of risk factors for formation of fistulas after palatoplasty. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2013;66(5):697-703. DOI: http://dx.doi. org/10.1016/j.bjps.2013.01.031 13. Bicknell S, McFadden LR, Curran JB. Frequency of pharyngoplasty after primary repair of cleft palate. J Can Dent Assoc. 2002;68(11):688-92. 14. Murthy J. Descriptive study of management of palatal fistula in one hundred and ninety-four cleft individuals. Indian J Plast Surg. 2011;44(1):41-6. DOI: http://dx.doi.org/10.4103/0970-0358.81447 15. Pradel W, Senf D, Mai R, Ludicke G, Eckelt U, Lauer G. One- -stage palate repair improves speech outcome and early maxillary growth in patients with cleft lip and palate. J Physiol Pharmacol. 2009;60 Suppl 8:37-41. 16. Pereira RMR, Melo EMC, Coutinho SB, Vale DM, Siqueira N, Alonso N. Avaliação do crescimento craniofacial em portadores de fissura labiopalatina submetidos a palatoplastia em tempo único. Rev Bras Cir Plást. 2011;26(4):624-30. *Autor correspondente: Hugo Leonardo de Resende Rodrigues Rua Juramento, 1464, Belo Horizonte, MG, Brasil CEP 30285-000 E-mail: hugo@doutorhugorodrigues.com.br Rev. Bras. Cir. Plást. 2015;30(4):597-602 602