O ENSINO DE GEOMETRIA DURANTE O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA (MMM) NO BRASIL: ANÁLISE DO ARQUIVO PESSOAL DE SYLVIO NEPOMUCENO.

Documentos relacionados
ABAIXO EUCLIDES E ACIMA QUEM? Uma análise do ensino de Geometria nas teses e dissertações sobre o Movimento da Matemática Moderna no Brasil

A Geometria escolar ontem e hoje: algumas reflexões sobre livros didáticos de Matemática

PERFIL DO ALUNO APRENDIZAGENS ESPECÍFICAS - 5.ºANO

PERFIL DO ALUNO APRENDIZAGENS ESPECÍFICAS - 5.ºANO

Algumas sugestões para a gestão curricular do Programa e Metas curriculares de Matemática do 3º ciclo

Acadêmica do curso de Matemática - Licenciatura - UNIJUÍ. 3

MATRIZ CURRICULAR CURRÍCULO PLENO

O Movimento da Matemática Moderna e a geometria nas séries iniciais

O Movimento da Matemática Moderna e a geometria nas séries iniciais

UNIDADE 1 ESTATÍSTICA E PROBABILIDADES 9 tempos de 45 minutos

DISCIPLINA DE MATEMÁTICA: PARALELO ENTRE O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA NO BRASIL E A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR ATUAL

CURRÍCULO DO CURSO. Mínimo: 6 semestres. Prof. Nereu Estanislau Burin

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS PROF. PAULA NOGUEIRA - OLHÃO DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA DOS 2º E 3º CICLOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DE MATEMÁTICA

ESCOLA BÁSICA DE MAFRA 2016/2017 MATEMÁTICA (2º ciclo)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE MATEMÁTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE MATEMÁTICA PLANO DE ENSINO

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS ANSELMO DE ANDRADE

CURRÍCULO DO CURSO. Mínimo: 6 semestres. Prof. Nereu Estanislau Burin

CURRÍCULO DO CURSO. Curso Reconhecido pelo Decreto Federal n de 10/04/75, publicado no Diário Oficial da União nº 445/75 de 05/02/75

Agrupamento de Escolas Eugénio de Castro Escola Básica de Eugénio de Castro Planificação Anual. Ano Letivo 2016/17 Matemática- 3º Ciclo 9º Ano

Relação de ordem em IR. Inequações

Matemática. 1 Semestre. Matemática I 75h. Ementa: Estuda as noções de conjuntos e de funções polinomial, modular, racional, exponencial e logarítmica.

Metas/Objetivos/Domínios Conteúdos/Competências/Conceitos Número de Aulas

Agrupamento de Escolas Eugénio de Castro Escola Básica de Eugénio de Castro Planificação Anual. Ano Letivo 2017/2018 Matemática- 3º Ciclo 9º Ano

1 o Semestre. MATEMÁTICA Descrições das disciplinas. Didática para o Ensino de Números e Operações. Tecnologias para matemática

NICOLAS BOURBAKI NO BRASIL: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE MINAS GERAIS IFMG

A GEOMETRIA ESCOLAR EM PORTUGAL E NO BRASIL: POSSIBILIDADES DE UM ESTUDO COMPARATIVO

Plano de Ensino. Identificação. Câmpus de Bauru. Curso Licenciatura em Matemática. Ênfase. Disciplina A - Geometria Plana

RESOLUÇÃO 25/2004. Art. 2º - Para atendimento às dimensões dos componentes comuns:

Rumo ao Oeste do Paraná: saberes elementares matemáticos no ensino primário ( )

Ano lectivo 2010 / 2011 Conteúdos programáticos essenciais

Matemática. EMENTA: Estuda as noções de conjuntos e de funções polinomial, modular, racional, exponencial e logarítmica.

Agrupamento de Escolas Fragata do Tejo Moita. Escola Básica 2º e 3º Ciclos Fragata do Tejo

PLANO DE ESTUDOS DE MATEMÁTICA 9.º ANO

2MAT017 ELEMENTOS DE MATEMÁTICA

Metas Curriculares do Ensino Básico Matemática 3.º Ciclo. António Bivar Carlos Grosso Filipe Oliveira Maria Clementina Timóteo

Quadro 1 Matriz Curricular. Dimensões da formação docente Componentes curriculares Carga horária (h/a) Fundamentos de Matemática I* *

Departamento de Matemática

G6 - Ensino e Aprendizagem de Matemática nos anos finais do Ensino Fundamental e na EJA

PLANIFICAÇÃO ANUAL Programa e Metas de Aprendizagem, apoiado pelas novas Orientações de Gestão para o Ensino Básico S- DGE/2016/3351 DSDC

Metas/Objetivos/Domínios Conteúdos/Competências/Conceitos Número de Aulas

MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DA MATEMÁTICA DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO LIETH MARIA MAZIERO

Agrupamento de Escolas Eugénio de Castro Escola Básica de Eugénio de Castro Planificação Anual

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA E INFORMÁTICA DISCIPLINA: Matemática (8º Ano) METAS CURRICULARES/CONTEÚDOS ANO LETIVO 2016/

CURRÍCULO DO CURSO. Mínimo: 6 semestres. Profª Drª Silvia Martini de Holanda Janesch

Zaqueu Vieira Oliveira Sala 128 do bloco A

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DR. VIEIRA DE CARVALHO. Escola Básica e Secundária Dr. Vieira de Carvalho. Departamento de Matemática e Ciências Experimentais

CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA - Curso: 7 currículo: 3 Resolução UNESP nº 91, de 25/11/2006 Ingressantes a partir de 2015

9.º Ano. Planificação Matemática 16/17. Escola Básica Integrada de Fragoso 9.º Ano

Matemática. 1º Semestre. Matemática I 75h. Ementa: Estuda as noções de conjunto e de funções polinomial, modular, racional, exponencial e logarítmica.

Educação Matemática MATEMÁTICA LICENCIATURA. Professora Andréa Cardoso

O DESENHO GEOMÉTRICO NAS DÉCADAS DE 60/70 NO COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UFSC: EM BUSCA DE UMA ESCRITA HISTÓRICA

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE MINAS GERAIS IFMG

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA INFORMÁTICA DISCIPLINA:

Natureza - Formação Básica. Natureza - Formação Básica. Natureza - Formação Básica. Natureza - Formação Básica. Natureza - Formação para Docência

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio

MATEMÁTICA 3.º CICLO

Educação Matemática MATEMÁTICA LICENCIATURA. Professora Andréa Cardoso

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA INFORMÁTICA DISCIPLINA: Matemática (9º Ano) METAS CURRICULARES/CONTEÚDOS ... 1º PERÍODO. Medidas de localização

Programação anual. 6 º.a n o. Sistemas de numeração Sequência dos números naturais Ideias associadas às operações fundamentais Expressões numéricas

Calendarização da Componente Letiva

ANEXO VII DO CONTEÚDO PROGRAMADO DAS PROVAS OBJETIVAS

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA E INFORMÁTICA DISCIPLINA: Matemática (8º Ano) METAS CURRICULARES/CONTEÚDOS ANO LETIVO 2017/

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA E CIÊNCIAS DA NATUREZA CRITÉRIOS ESPECÍFICOS DE AVALIAÇÃO

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DR. VIEIRA DE CARVALHO. Escola Básica e Secundária Dr. Vieira de Carvalho. Departamento de Matemática e Ciências Experimentais

EMENTAS E OBJETIVOS DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA 1ª SÉRIE

Planificação de Matemática 9º ano. Ano letivo: 2014/15

Matemática. 1 Semestre. Matemática I 75h. Ementa: Estuda as noções de conjuntos e de funções polinomial, modular, racional, exponencial e logarítmica.

Formação do Professor de Matemática: Reflexões e Propostas

2ª Ana e Eduardo. Competência Objeto de aprendizagem Habilidade

9.º Ano. Planificação Matemática

7. ORGANIZAÇÃO CURRICULAR

O GEOGEBRA COMO FERRAMENTA DE SUPORTE NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM ENVOLVENDO CONCEITOS E CÁLCULOS DE ARÉA DE FIGURAS PLANAS

Metas/Objetivos/Domínios Conteúdos/Competências/Conceitos Número de Aulas

RESOLUÇÃO N.º 005/2014

Eduardo. Competência Objeto de aprendizagem Habilidade

Eixo Temático: Eixo 01: Formação inicial de professores da educação básica. 1. Introdução

PLANO DE CURSO DISCIPLINA: GEOMETRIA EUCLIDIANA PLANA E DESENHO GEOMÉTRICO PERÍODO: 2 O. DISCIP. OBRIGATÓRIA ( X )

O ENSINO DE ÁLGEBRA NUM CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS ANSELMO DE ANDRADE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA UNIDADE ACADÊMICA DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA PROGRAMA DE EDUCAÇÃO TUTORIAL

Metas Curriculares Conteúdos Aulas Previstas. - Números primos; - Crivo de Eratóstenes;

AGRUPAMENTO de ESCOLAS de SANTIAGO do CACÉM Ano Letivo 2017/2018 PLANIFICAÇÃO ANUAL. Documento(s) Orientador(es): Programa e Metas Curriculares

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS D. JOÃO V ESCOLA SECUNDÁRIA c/ 2º e 3º CICLOS D. JOÃO V

CO 56: O movimento da Matemática moderna em Belém do Pará: a visão de alguns professores

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Computação e Informática EMENTAS DAS DISCIPLINAS 5ª. ETAPA

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS - INEP DIRETORIA DE AVALIAÇÃO PARA CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIAS

P L A N I F I C A Ç Ã O A N U A L

VII CONGRESSO INTERNACIONAL DE ENSINO DA MATEMÁTICA

Aprovação do curso e Autorização da oferta PROJETO PEDAGÓGICO DE CURSO FIC INTRODUÇÃO AO CÁLCULO. Parte 1 (solicitante)

CÁLCULO DE VOLUMES E O PRINCÍPIO DE CAVALIERI: UMA ABORDAGEM ATRAVÉS DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COM A UTILIZAÇÃO DE MATERIAIS CONCRETOS

FORMAÇÃO CONTINUADA EM MATEMÁTICA Fundação CECIERJ Consórcio CEDERJ Matemática do 3º Ano 4º Bimestre 2014 Plano de Trabalho 2 Geometria Analítica II

AS CÔNICAS DE APOLÔNIO

Ruimar Calaça de Menezes

O PROFESSOR DOS ANOS INICIAIS E SUA RELAÇÃO COM OS MATERIAIS CURRICULARES DE ESPAÇO E FORMA

Educação Matemática. Prof. Andréa Cardoso 2013/2

O ensino de Matemática veiculado em livros didáticos publicados no Brasil: conjuntos numéricos e operações na coleção moderna de Osvaldo Sangiorgi

SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ESTUDO DAS SECÇÕES CÔNICAS COM O AUXILIO DO SOFTWARE GEOGEBRA NA MATEMÁTICA.

Transcrição:

4152 O ENSINO DE GEOMETRIA DURANTE O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA (MMM) NO BRASIL: ANÁLISE DO ARQUIVO PESSOAL DE SYLVIO NEPOMUCENO. Maria Célia Leme da Silva Maria Cristina Araújo de Oliveira Pontifícia Universidade Católica de São Paulo RESUMO Durante a década de 60, o ensino de matemática no Brasil sofre mudanças, principalmente no nível de ensino ginasial e secundário. Tais mudanças decorrem de uma discussão internacional de uma nova abordagem para o ensino de Matemática, que se propunha a aproximar o ensino realizado na educação básica àquele desenvolvido na Universidade, o que corresponde à linguagem e à estrutura empregada pelos matemáticos da época. Este movimento internacional torna-se conhecido como Movimento da Matemática Moderna (MMM).O Estado de São Paulo é considerado pioneiro no MMM, devido à criação do GEEM - Grupo de Estudos do Ensino da Matemática, em 1961, na cidade de São Paulo, liderado pelo professor Oswaldo Sangiorgi. O principal objetivo do GEEM era coordenar e divulgar a introdução da Matemática Moderna na Escola Secundária. Em 1963, o professor da rede estadual de ensino da época, Sylvio Nepomuceno participa dos cursos oferecidos pelo GEEM e ao final é convidado a ministrar o curso de Práticas Didáticas, passando a integrar, desta forma, o grupo. Por muitos anos, ministrou cursos de Geometria, Lógica, oferecidos pelo GEEM na cidade de São Paulo e no interior do estado, acompanhando a trajetória do grupo até sua extinção. Uma característica importante e peculiar de Sylvio é que apesar de trabalhar junto ao GEEM na formação de professores por meio dos cursos que apresentavam as propostas defendidas pelo MMM, este professor, ao contrário de muitos dos formadores do GEEM, nunca abandonou a sala de aula do ensino ginasial. Podemos dizer que ele teve uma dupla participação: como formador de professores em exercício, divulgando as novas idéias trazidas pelo MMM e como professor do ensino ginasial realizando a apropriação das idéias do MMM na sua prática docente. Em 1967, Sylvio ingressa como professor do Colégio Santa Cruz, ministrando a disciplina matemática para a 4o série ginasial. Quando questionado sobre quais as mudanças em sua prática docente após conhecimento e apropriação das propostas defendidas pelo MMM, Sylvio diz que um exemplo de mudança era quanto à Geometria, que antes era muito axiomática, ele começava na 7o série, com ponto, reta, plano, axiomas e teorema, e, depois do MMM, ele percebeu que os alunos não entendiam a axiomatização desenvolvida na Geometria e que o MMM pregava que só era para ensinar o que os alunos tinham condições de entender, o MMM era uma nova maneira de ensinar, não novos assuntos. Ele ainda ressalta que o GEEM ministrava cursos sobre conteúdos matemáticos, de matemática pura, mas não dizia o que deveria ser ensinado, depois, era papel do professor fazer a triagem. A afirmação deste professor coloca em debate o papel que assumiu o ensino de Geometria durante o MMM, pois pesquisas anteriores afirmam que o MMM foi um dos responsáveis pelo abandono do ensino de Geometria na educação brasileira, devido ao fato de muitos professores não se encontrarem preparados para desenvolver as propostas sugeridas para o ensino de Geometria. Vale ressaltar que tais pesquisas não tinham como objetivo investigar a cultura escolar, de modo a estabelecer relações entre normas e práticas pedagógicas. O arquivo de Sylvio contém anotações detalhadas de suas aulas desde seu ingresso no Colégio Santa Cruz, em 1967, até cinco anos atrás, quando abandona definitivamente a sala de aula. Desta forma, o objetivo deste artigo é analisar este material em diálogo com outros elementos importantes na composição da disciplina matemática da década de 60 e 70 o que nos permite ampliar a interpretação hoje aceita sobre como o ensino de Geometria foi apropriado no ensino brasileiro, analisando, em particular, a prática pedagógica, quanto à Geometria, de um professor que vivenciou de perto a implantação e divulgação das novas propostas defendidas pelo MMM.

4153 TRABALHO COMPLETO Introdução Durante a década de 60, o ensino de Matemática no Brasil sofre mudanças, principalmente no nível de ensino ginasial e secundário. Tais mudanças decorrem de uma discussão internacional de uma nova abordagem para o ensino de Matemática, que se propunha a aproximar o ensino realizado na educação básica àquele desenvolvido na Universidade, o que corresponde à linguagem e à estrutura empregada pelos matemáticos da época. Este movimento internacional torna-se conhecido como Movimento da Matemática Moderna (MMM). No ano de 1934, um grupo de matemáticos franceses, intitulado Nicolas Bourbaki, dá início a uma proposta de escrever uma nova obra sobre Análise Matemática. Esta proposta inicialmente modesta, com o passar do tempo ganha dimensão monumental, e tem como objetivo organizar a Matemática como um todo. A visão de Matemática expressa pelos Bourbaki, considera a Matemática como um edifício dotado de uma profunda unidade, sustentada pela teoria dos conjuntos e hierarquizada em termos de estruturas abstratas, entre elas, algébricas e topológicas. (Pour la Science, 2000, p. 32). Este grupo exerce influencia significativa no MMM internacionalmente, e, em particular, no Brasil. Jean Dieudonné, André Weil, Jean Delsarte e Alexandre Grothendieck, matemáticos pertencentes à liderança do grupo Bourbaki, vieram para São Paulo, a partir da década de 40, contratados pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Aqui influenciaram e orientaram os responsáveis pelas cátedras como também alguns jovens assistentes (D Ambrosio, 2000). Dentre eles, destacam-se Osvaldo Sangiorgi 1, Jacy Monteiro, Omar Catunda 2, Benedito Castrucci 3, que na década de 60 iniciaram e divulgaram o MMM no Brasil. MMM no Estado de São Paulo No Brasil, o Estado de São Paulo é considerado pioneiro no MMM, devido à criação do GEEM Grupo de Estudos do Ensino da Matemática, em 1961, na cidade de São Paulo, liderado por Osvaldo Sangiorgi. O principal objetivo do GEEM foi coordenar e divulgar a introdução da Matemática Moderna na Escola Secundária. As atividades desenvolvidas pelo grupo foram diversificadas, sendo o foco principal a realização de cursos para professores de Matemática, primeiramente na cidade de São Paulo e no interior do estado, chegando, mais tarde, aos outros estados brasileiros. O GEEM atuou também na tradução, publicação e divulgação de livros que discutissem assuntos relacionados ao MMM. Outro aspecto importante de ressaltar em relação aos professores que compunham o GEEM, era que alguns desses professores eram autores de livros didáticos, como foi o caso de seu líder, Osvaldo Sangiorgi. Entre 1955 e 1966, foram realizados cinco Congressos Nacionais de Ensino da Matemática. No IV Congresso Nacional, realizado em Belém, no ano de 1962, tratou-se de forma mais objetiva a questão da introdução da Matemática Moderna no ensino secundário. O GEEM teve presença marcante apresentando aulas-demonstração sobre o tratamento moderno de tópicos da Matemática e palestras sobre a introdução da Matemática Moderna na escola secundária. O GEEM também apresentou sua sugestão de Assuntos Mínimos para um Moderno Programa de Matemática para o ginasial e para o 1 Osvaldo Sangiorgi foi professor titular de pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Licenciado em Ciências Matemáticas pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP. Lecionou em Kansas University (EUA) e no Institut Eupen da Bélgica, entre outras instituições internacionais. Também é membro da Academia Internacional de Ciências, com sede na República San Marino. Até 1959, foi professor de Geometria Analítica da Faculdade de Filosofia da Universidade Mackenzie. 2 Omar Catunda (1906-1986), merece destaque sua contribuição para a formação de diversas gerações de matemáticos e físicos; como também sua atuação pedagógica relativa ao ensino básico, tornando-se um dos precursores da educação matemática brasileira (Dias, 2001, p.40). 3 Benedito Castrucci (1909-1995). Matemático, professor de Matemática e autor de diversos livros didáticos. Doutor em Ciências Matemáticas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, fundou a Sociedade Brasileira de Matemática (Valente, et all, 2004).

4154 colégio, documento que já havia sido aprovado em outros dois fóruns de discussão no mesmo ano. (Soares 2001, p.75-76). Sylvio de Lima Nepomuceno Sylvio Nepomuceno nasceu em São Miguel, interior do Estado de São Paulo. Fez o curso normal e o colégio. No ano de 1957, prestou concurso estadual para professor de Matemática e inicia sua carreira docente no interior de São Paulo. No ano de 1961, por meio de uma convocação da Secretaria Estadual da Educação do Estado de São Paulo, ele faz um curso na cidade de Itapetininga, ministrado pelos professores Omar Catunda, Jacy Monteiro, Osvaldo Sangiorgi entre outros. No ano de 1963, Sylvio Nepomuceno muda-se para a cidade de São Paulo e passa a freqüentar o GEEM, no Colégio Mackenzie. Ele cursa os três estágios 4 oferecidos pelo GEEM e ao final é convidado a ministrar o curso de Práticas Didáticas, passando a integrar, desta forma, o grupo. Por muitos anos, ministrou cursos de Geometria, Lógica, oferecidos pelo GEEM na cidade de São Paulo e no interior do estado, acompanhando a trajetória do grupo até o encerramento de suas atividades em 1976. Uma característica importante e peculiar de Sylvio é que apesar de trabalhar junto ao GEEM na formação de professores por meio dos cursos que apresentavam as propostas defendidas pelo MMM, este professor, ao contrário de muitos dos formadores do GEEM, nunca abandonou a sala de aula do ensino ginasial 5. Podemos dizer que ele teve uma dupla participação: como formador de professores em exercício, divulgando as novas idéias trazidas pelo MMM e como professor do ensino ginasial realizando a apropriação das idéias do MMM na sua prática docente. Sylvio atua como professor do Colégio Santa Cruz 6, ministrando a disciplina Matemática para a 4ª série ginasial (atualmente 8ª série do Ensino Fundamental) no período de 1967 até 2000. Ao longo desses anos, teve também cargos administrativos de direção e vice-direção no Colégio. Paralelamente ele continua atuando na rede pública de ensino até sua aposentadoria em 1991. Na sua trajetória profissional, Sylvio lecionou em todas as séries dos ensinos ginasial e colegial 7. Considerações teórico-metodológicas No artigo Abaixo Euclides e acima quem? Uma análise do ensino de geometria nas teses e dissertações sobre o Movimento da Matemática Moderna no Brasil, concluímos que os trabalhos, até então desenvolvidos acerca do MMM no Brasil, apresentam e analisam discursos de líderes do MMM no Brasil, como por exemplo, do professor Osvaldo Sangiorgi. Contudo, percebemos a necessidade de estudos que venham enfocar pontos de vista distintos daqueles já investigados, que se aproximem mais do ambiente escolar, que possibilitem identificar como o ideário do MMM, em particular aquele relativo à Geometria, foi apropriado pelos professores em suas práticas pedagógicas. (Duarte e Silva, 2005). No presente artigo trazemos uma análise inicial acerca da apropriação das idéias do MMM à prática pedagógica de um professor de Matemática com o perfil descrito anteriormente. Empregamos o conceito de apropriação, defendido por Roger Chartier: A apropriação, a nosso ver, visa uma história social dos usos e das interpretações, referidas as suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas específicas que as produzem (1991, p.177). Nosso objetivo é trazer novos elementos para análise e discussão sobre o ensino de Geometria que se aproximem da cultura escolar, no sentido definido por Julia, como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (2001, p.10). 4 Nomenclatura utilizada por Sylvio em entrevista. 5 Ensino ginasial corresponde hoje ao Ensino Fundamental de 5ª a 8ª séries, alunos de 11 a 14 anos. 6 Colégio particular da cidade de São Paulo. Burigo (1989) cita dois colégios em São Paulo, onde eram desenvolvidas experiências orientadas pela proposta da matemática moderna, o Colégio Santa Cruz e o Ginásio Vocacional do Brooklin. 7 Ensino Colegial corresponde hoje ao Ensino Médio, alunos de 15 a 17 anos.

4155 Isto posto, fica justificado a escolha pelas fontes de pesquisa, ou seja, vestígios deixados por cotidianos escolares passados, entre eles documentos que compõe o arquivo pessoal de um professor, tais como livros didáticos, anotações de aula, provas, entre outros. Arquivo Pessoal Sylvio Nepomuceno O arquivo pessoal do professor Sylvio contém uma coleção de livro didático, escrita por ele. Neste artigo discutiremos os livros de 5ª a 8ª séries, destinados a alunos de 11 a 14 anos. A data da edição dos livros é 1982. Sylvio nos contou em entrevista como foi o processo de elaboração da coleção: A coleção começou a ser pensada em 1972. Eu fazia esta coleção em fins de semana, foram oito livros, e comecei pelo primário, e foi sendo feita na seqüência. A idéia era fazer uma coleção integrada para o primário, assim, participaram da coleção um professor de português, de geografia, de história e de ciências. De 5ª a 8ª série, escrevi sozinho... O livro representou pra mim também uma espécie de reação contra os exageros da MMM (depoimento oral) Sylvio ainda nos relatou que tais livros foram publicados por três anos e que neste período a coleção foi adotada no Colégio Santa Cruz. A escolha deste material para análise se deve ao fato de que a coleção escrita por Sylvio é fruto de uma prática pedagógica, já que a seqüência dos assuntos, as atividades propostas, a linguagem empregada nesses livros haviam sido experimentadas por ele em suas aulas. Chervel (1990) considera as transformações realizadas sobre os conteúdos de ensino pelo público escolar como uma constante importante na história da educação. Segundo ele, tais transformações encontram-se na origem da constituição das disciplinas, nesse esforço coletivo realizado pelos mestres para deixar no ponto métodos que funcionem, pois a criação, assim como a transformações das disciplinas, tem um só fim: tornar possível o ensino (p. 199-200). Desta forma, nos parece muito oportuno investigar documentos produzidos por professores, assim como seus relatos sobre a produção de materiais didáticos e de como tais materiais eram utilizados em suas práticas pedagógicas. O ensino de Geometria durante o MMM No nosso primeiro encontro, em fevereiro de 2005, quando perguntamos ao Sylvio quais as mudanças em sua prática docente após conhecimento e apropriação das propostas defendidas pelo MMM, Sylvio diz que um exemplo de mudança era quanto à Geometria, que antes era muito axiomática, ele começava na 7ª série, com ponto, reta, plano, axiomas e teorema, e, depois do MMM, ele percebeu que os alunos não entendiam a axiomatização desenvolvida na Geometria e que o MMM pregava que só era para ensinar o que os alunos tinham condições de entender, o MMM era uma nova maneira de ensinar, não novos assuntos. Ele ainda ressalta que o GEEM ministrava cursos sobre conteúdos matemáticos, de matemática pura, mas não dizia o que deveria ser ensinado, depois, era papel do professor fazer a triagem. A afirmação de Sylvio coloca em debate o papel que assumiu o ensino de Geometria durante o MMM, pois pesquisas anteriores afirmam que o MMM foi um dos responsáveis pelo abandono do ensino de Geometria na educação brasileira, devido ao fato de muitos professores não se encontrarem preparados para desenvolver as propostas sugeridas para o ensino de Geometria (Pavanello, 1993). Vale ressaltar que tais pesquisas não tinham como objetivo investigar a cultura escolar, de modo a estabelecer relações entre normas e práticas pedagógicas. Os livros didáticos de 5ª a 8ª séries de Sylvio Nepomuceno Realizamos uma análise inicial, sobre o ensino de Geometria, comparando as coleções de livros didáticos de Sylvio Nepomuceno e de Osvaldo Sangiorgi. Trazemos a obra de Sangiorgi como referência de análise por ser a primeira coleção de livros didáticos brasileiros a incorporar as novas propostas defendidas pelo MMM, além de ter sido uma das mais vendidas no Brasil durante a década de 60. Além disso, Sylvio foi aluno de Osvaldo Sangiorgi e trabalhou com ele nos cursos do GEEM. Criamos, para discutir neste artigo, três categorias de análise entre as duas coleções. 1. Preocupação didática

4156 Uma característica identificada na obra de Sylvio é uma preocupação didática com a apresentação e o desenvolvimento dos conteúdos. Observamos que, em muitas situações, o autor convida o aluno a deduzir as propriedades em questão ao invés de simplesmente apresentá-las. Como exemplo, citamos a discussão de como proceder para reconhecer quais são os pontos do plano, que são interiores ou exteriores a uma curva fechada simples. Sangiorgi, no volume 3 (7ª série do Ensino Fundamental), apresenta diretamente a regra prática para resolver a questão: basta traçar, pelos pontos, qualquer semi-reta que intercepte a curva e contar o número de pontos da intersecção: se for par, o ponto é exterior; se for ímpar, o ponto é interior (1968, p.125). Nepomuceno, no livro da 5ª série, apresenta o mesmo assunto, com o título: um fato muito curioso. Ele inicia com um exemplo de uma curva fechada simples, traça o segmento AB unindo um ponto interior (B) a um exterior (A) e pede aos alunos que observem o número de cruzamentos. Depois comenta: Observe que A é ponto exterior e quando a outra extremidade do segmento de reta é ponto interior, o número de intersecções é ímpar, enquanto que se a outra extremidade do segmento de reta é ponto exterior, o número de intersecções é par. Podemos adiantar que esse fato ocorre sempre e pode ser útil (1982, p.183). Este exemplo traduz, em parte, uma das interpretações de Sylvio acerca do MMM, quando relata que para ele o MMM pregava que só era para ensinar o que os alunos tinham condições de entender. Esta visão, considerada positiva do ponto de vista didático, é pouco discutida nas pesquisas anteriores sobre o tema. Certamente, o fato de Sylvio não abandonar a sala de aula reforça a preocupação didática evidenciada em seus livros. Apesar de tanto Nepomuceno como Sangiorgi terem uma trajetória

4157 comum, no que diz respeito às discussões realizadas pelo GEEM sobre o MMM, a forma de apropriação, de cada um, em seus livros didáticos, é distinta. 2. O início da geometria dedutiva Aqui é possível entender melhor a fala de Sylvio quando diz que o MMM era uma nova maneira de ensinar, não novos assuntos e que o GEEM ministrava cursos sobre conteúdos matemáticos, de matemática pura, mas não dizia o que deveria ser ensinado, ressaltando que era papel do professor fazer a triagem: Na verdade, eu sempre fui vidrado em Geometria, então eu sempre procurei adaptar os conceitos que eu recebia lá no GEEM a Geometria que eu lecionava. Então, eu comecei a perceber o seguinte: isto aqui foi o curso de lógica que me deu, que me deu uma maneira de ver a Geometria, o que a gente faz com as demonstrações em geometria. De repente, eu percebi o seguinte: eu tenho que ensinar o aluno, o que é uma dedução, quais são as inferências e a lógica me deu as regras de inferência. Então, eu passei a trabalhar as demonstrações, primeiro de uma maneira formativa, com silogismo, usando a teoria dos conjuntos, que o aluno da 7ª série entendia perfeitamente (depoimento oral) A coleção do Nepomuceno trabalha com a Geometria em todas as séries, da 5ª a 8ª série, diferentemente da coleção de Sangiorgi que inicia o estudo da Geometria a partir do volume 3 (7ª série). Porém, a Geometria dedutiva, que propõe a apresentação dos axiomas e a demonstrações dos teoremas, nas duas coleções, inicia-se na 7ª série. A diferença se verifica na abordagem que cada um dos autores faz. O livro da 7ª série de Nepomuceno é composto de 11 unidades, sendo que as unidades de 9 a 11 referem-se à Geometria. Nas primeiras unidades, os temas são: conjunto dos números reais, cálculo algébrico, fatoração de polinômios, polinômio em uma variável x, frações algébricas racionais, equações em uma variável, sistema de equações do 1º grau e problemas do 1º grau, inequações e inequações compostas. A Geometria é iniciada na 9ª unidade com transformações geométricas e congruências, na 10ª unidade o tema é casos de congruência de triângulos e linhas notáveis. A Geometria dedutiva é tratada na 11ª unidade, com o título: Introdução ao raciocínio dedutivo Geometria. Na sete primeiras páginas desta unidade, ele apresenta, discute e propõe exercícios de lógica, baseados nas sentenças do tipo se p então q. Nos exemplos e exercícios propostos trabalha-se com conjuntos numéricos, expressões algébricas, diagramas e também com propriedades e objetos geométricos. Ao iniciar o item raciocínio dedutivo, Nepomuceno apresenta como exemplo um conjunto de três regras relacionando os números naturais (chamando-as de axiomas), juntamente com quatro implicações (chamando-as de teoremas) com as respectivas justificativas (chamadas de demonstrações). Em seguida, ele propõe como exercício mais dois exemplos muito parecidos: um com números inteiros e outro com os números reais. Depois desta abordagem inicial, Nepomuceno apresenta o enunciado e demonstração de um teorema em Geometria. O livro de Sangiorgi inicia o estudo da Geometria no volume 3, correspondente a 7ª série. O volume 3 é composto por 4 capítulos e 1 apêndice, sendo que o tema do primeiro é números reais e estrutura de corpo e do segundo, cálculo algébrico e estudo dos polinômios. Os capítulos 3 e 4 abordam conceitos geométricos, sendo que o tema do terceiro é estudo das figuras geométricas e do quarto, estudo dos polígonos e da circunferência. A Geometria dedutiva encontra-se na 2ª parte do capítulo 4. Sangiorgi subdivide esta parte em itens, o primeiro deles trata da insuficiência das medidas e das observações para provar que uma afirmação é verdadeira, o segundo, da necessidade de um processo dedutivo. Neste segundo item, ele apresenta, em uma página, um teste de atenção, com dois modelos de sentenças. Um desses modelos é: Todo paulista é brasileiro. João é paulista. Logo... (João é brasileiro), em seguida acrescenta uma nota: Se todo paulista é brasileiro, João, sendo paulista, está incluído no todo... e quem pode o mais pode o menos! (p.233). Logo a seguir propõe mais algumas sentenças semelhantes. Na página seguinte, discute o que é postulado, teorema e enuncia 10 postulados para então trabalhar com os primeiros teoremas. Ao observar as duas formas de apresentar o início da Geometria dedutiva, podemos dizer que ambos usam princípios da lógica como introdução ao estudo das demonstrações geométricas. Porém, mais uma vez, identificamos, enfoques distintos na incorporação da lógica à Geometria. Nepomuceno faz uma ampla discussão sobre as sentenças do ponto de vista da lógica, traz exemplos e exercícios

4158 diversificados e ainda, no início, apresenta axiomas e teoremas em situações diferentes da Geometria. Pela forma e extensão em que é tratada a lógica, podemos dizer que ela ganha um papel importante para o estudo da Geometria dedutiva. Segundo Sylvio esta incorporação é fruto de sua formação nos cursos do GEEM, no qual constava a disciplina de Lógica. Um dado importante a acrescentar, nesta análise, é um documento do APOS Arquivo Pessoal de Osvaldo Sangiorgi, que contém a grade de um curso de férias de verão, oferecido pelo GEEM, no ano de 1965, em convênio com o Ministério de Educação e Cultura (Diretoria do Ensino Secundário) e Secretaria de Educação de São Paulo (Serviço de Expansão Cultural). Neste documento, é possível identificar as disciplinas oferecidas no referido curso com os respectivos regentes. As disciplinas são: Teoria dos Conjuntos, Lógica Matemática, Cálculo Infinitesimal, Álgebra Moderna 1, Vetores e Geometria Analítica, Probabilidades, Topologia, Álgebra Moderna 2, Programação Linear, Seminários de Ensino, Sessões de Estudo Curso Normal e Práticas Modernas. Observamos que no elenco das disciplinas, não consta nenhuma específica de Geometria, porém, no mesmo documento, são detalhados uma relação de tópicos discutidos na disciplina de Práticas Moderna, entre eles consta a Geometria. Sylvio Nepomuceno, também relata, que não se lembra de disciplina de Geometria nos 3 estágios que cursou no GEEM, ele recorda que os conceitos geométricos eram tratados nas Práticas Modernas. Neste contexto, nos parece clara, a apropriação realizada pelo professor Sylvio dos conhecimentos que tomou contato no GEEM às suas aulas. Ele reconhece que sua formação foi muito influenciada pelos professores que integravam o GEEM, pelos cursos que lá realizou tanto como aluno, como também mais tarde como formador. Ele relata também as várias palestras oferecidas pelo GEEM como de grande importância na sua formação, principalmente quanto ao conteúdo matemático. A proposta de realizar um estudo sobre as inferências da lógica foi uma tentativa de ajudar os alunos na compreensão das demonstrações geométricas. Outro ponto importante de salientar em nossa análise é o papel que assume a formação, seja inicial ou continuada, de um professor, em suas práticas pedagógicas. Cursos de formação contribuem para a mudança das práticas docentes, porém não de forma imediata ou como simples transferência, mas sim por um processo de apropriação, particular do sujeito e do contexto no qual ela se dá. Neste sentido, acreditamos que estudos que investiguem o processo de formação de professores, juntamente com práticas pedagógicas, em tempos passados são relevantes para compreender a história de uma disciplina escolar. 3. Incorporação da Geometria das Transformações Como já mencionamos acima, o estudo da Geometria das Transformações, é realizado no apêndice do volume 3 do livro de Sangiorgi. O fato de o conteúdo ficar no apêndice é um indicativo de que o autor não parece ter se sentido a vontade para incorporar as discussões mais teóricas acerca das transformações geométricas no corpo do texto (Miorim, 2004). Já o livro de Nepomuceno realiza o estudo das transformações geométricas no interior do estudo da Geometria. Nepomuceno inicia na 6ª série, com as translações e na 7ª série, na 9ª unidade, apresenta os temas: transformações isométricas, simetria axial e simetria central. Entretanto, além do local que ocupa o estudo das transformações ser distinto, o enfoque também é diferenciado. Sangiorgi propõe o estudo das transformações geométricas do ponto de vista das estruturas algébricas, ele apresenta o grupo das translações, grupo das rotações e por último, simetria axial e simetria central. Nepomuceno não faz menção às estruturas algébricas, ele ressalta as propriedades nas isometrias, incorpora as construções geométricas à este estudo e apresenta os casos de congruência de triângulos como transformações isométricas de um triângulo. Mais uma vez, trazemos exemplos de abordagens do ensino de Geometria, durante o período do MMM, que se diferencia de umas das obras consideradas como referência no período. Nosso objetivo, ao trazer enfoques diferenciados, não é de defender que tais enfoques tenham sido largamente utilizados nas práticas de ensino de Geometria, mas de exemplificar a variedade de interpretações acerca do MMM. Considerações Finais A análise inicial do material que compõe o Arquivo Pessoal de Sylvio Nepomuceno revela que o ensino de Geometria, durante o MMM, assumiu diferentes interpretações. Miorim (2004) conclui em

4159 seu estudo sobre livros didáticos no período da implementação da MMM, que apesar de existir uma certa concordância de se substituir a abordagem tradicional da Geometria euclidiana por outra mais moderna, não existia consenso sobre qual deveria ser a nova abordagem. Neste artigo trazemos a contribuição de um livro didático produzido por um professor que se diferencia, em certos aspectos, do livro tido como referência, no estado de São Paulo, durante o MMM. Entre esses aspectos, destacamos, uma valorização do ensino da Geometria, que é apresentada em todas as séries da coleção, com propostas diferenciadas, contrariando o consenso de que uma das razões do abandono do ensino de Geometria seja o MMM. Outro dado também revelador trazido nesta análise inicial é a preocupação didática presente nos livros e na entrevista de Sylvio como uma das aprendizagens que ele obteve pelo contato com as idéias do GEEM e do MMM. Nepomuceno destaca em seu relato e em seu livro os aspectos, por ele considerados, como positivos do MMM. As conclusões aqui apresentadas são iniciais e necessitam serem ampliadas, buscando incorporar e confrontar outras fontes de pesquisa sobre o ensino de Geometria durante o MMM. Bibliografia BOURBAKI: une société secrète de mathématiciens. Pour la Science, Paris, fev.-maio 2000. BÜRIGO, E. Z. Movimento da matemática moderna no Brasil: estudo da ação e do pensamento de educadores matemáticos nos anos 60. Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1989. CHARTIER, R. O mundo como representação. In: Estudos avançados 11(5). IEA USP. São Paulo, 1991. CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. In: Teoria & Educação, Porto Alegre, n o 2, 1990, p. 177-229. D'AMBROSIO, B. S. The Dynamics and consequences of the modern mathematics reform movement for Brazilian mathematics education. Thesis (Doctor of Philosophy) Indiana University, 1987. D AMBROSIO, U. Manual de história da matemática. Parte II - História da matemática no Brasil. São Paulo: 2000, no prelo. DIAS, André Luis M. Omar Catunda: alguns aspectos de sua trajetória e da suas concepções científicas e educacionais. In: História & Educação Matemática, Revista da Sociedade Brasileira de História da Matemática, v. 1, nº1, p. 38-48, jan/jun, 2001. DUARTE, A. R. S. e SILVA, M. C. L. Abaixo Euclides e acima quem? Uma análise do ensino de geometria nas teses e dissertações sobre o Movimento da Matemática Moderna no Brasil. 2005, no prelo. JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. In: Revista Brasileira de História da Educação. Campinas, SP. SBHE/Editora Autores Associados. Jan/jun. nº 1, 2001. KLINE, M. O fracasso da Matemática Moderna. São Paulo: Ibrasa, 1976. MIORIM, M. A. A geometria presente em livros didáticos do período de implantação do Movimento da Matemática Moderna o Brasil. In: Anais do V Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, 2004. NEPOMUCENO, S. L. Matemática. Editora do Brasil S/A, 1982. 5ª a 8ª série, 1º grau. Entrevista concedida à Maria Célia Leme da Silva. São Paulo, janeiro de 2006.

4160 PAVANELLO, M. R. O abandono do ensino da geometria no Brasil: causas e conseqüências. In: Revista Zetetiké, ano 1, nº 1, pp. 07-17. UNICAMP, Faculdade de Educação, 1993. SANGIORGI, O. Matemática - curso moderno para os ginásios. Companhia Editora Nacional, 1968. 3 o volume. SILVA, Clovis Pereira da. A matemática no Brasil: história de seu desenvolvimento. 3ª ed., São Paulo: Edgar Blücher, 2003. SOARES, G. D. Três décadas de educação matemática: um estudo de caso da Baixada Santista no período de 1953 1980. Dissertação de Mestrado Em Educação Matemática, UNESP/ Rio Claro, 1998. SOARES, F. S. Movimento da Matemática Moderna no Brasil: Avanço ou Retrocesso? Dissertação Mestrado em Matemática, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001. SOUZA, M. C. A percepção de professores atuantes no ensino de matemática nas escolas estaduais da Delegacia de Itu, do movimento da matemática moderna e de sua influência no currículo atual. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade de Campinas, 1999. STEPHAN, A. M. Reflexão histórica sobre o Movimento da Matemática Moderna em Juiz de Fora. Dissertação de mestrado Universidade Federal de Juiz de Fora, 2000. VALENTE, W. R. (Org.). O nascimento da matemática do ginásio. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2004. VITTI, C. M. Movimento da Matemática Moderna: Memória, Vaias e Aplausos. Tese (Doutorado em Educação), Universidade Metodista de Piracicaba, 1998.