NÃO EXISTE FÉ RACIOCINADA, MAS MESMO ASSIM, RIVAIL ESTAVA CORRETO Antônio Margarido http://avessodoavesso.zip.net/ http://dialogosespiritas.blogspot.com/2009/07/nao-existe-fe-raciocinada-mas-mesmo.html O título é provocativo. Sabemos que ao filósofo espiritualista Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), mais conhecido como Allan Kardec, combatia a fé cega devendo ser raciocinada. Com isso chamava a atenção para sermos sempre racionais em todos os assuntos. Radicalmente racionais. Isso diferenciaria, na concepção de Rivail, o conceito espírita daquele próprio da religião cristã, seja em sua vertente católica ou protestante, e também do espiritualismo em geral. Afirmamos, no entanto, não existir a fé raciocinada. E mesmo assim Rivail tinha razão. Como isso é possível? Fé raciocinada: contradição em termos Por que não existe fé raciocinada? Fé raciocinada é uma contradição em termos. Há contradição numa expressão quando seus termos exprimem ou referem-se a idéias incompatíveis. Fé e razão são termos incompatíveis, referindo-se a realidades, situações totalmente diferentes, onde uma nega a outra. O termos fé tem origem na palavra latina fides que significa fidelidade. Fidelidade, por sua vez, é tanto a adequação mais perfeita possível a um modelo como o compromisso com aqueles que defendem e adotam esse modelo. Diz-se fiel aquele que incorpora de corpo e alma o modelo. Vale dizer: todos os pensamentos, palavras e atos da pessoa estão em consonância absoluta com o modelo, expressam o modelo. A fé pressupõe portanto conjunto de crenças assumidas incondicionalmente em termos subjetivos e objetivos pelo adepto. Essas crenças independem de qualquer evidência na realidade, seja material, seja espiritual. Por esse motivos seus conteúdos expressam-se de forma dogmática, colocando-se como verdades absolutas e inquestionáveis.
Essa dogmática é estabelecida por um grupo de especialistas (sacerdotes, teólogos, etc), que se impõem junto à multidão de fiéis como autoridades, vinculados a alguma instituição. Assim a dogmática é posta e imposta de forma inquestionável, mantida através dos pensamentos, palavras e obras dos fiéis. Com isso se estabelece a ortodoxia em conjunto com a ortopraxia, vale dizer: um sistema de pensamento correto e inquestionável (ortodoxia) e um conjunto de práticas igualmente corretas e inquestionáveis (ortopraxia). Em síntese: a fé não admite questionamento. A razão, desde os pré-socráticos entre os gregos até os dias atuais tem como ponto essencial ser reflexiva, através de contínuo e infindável questionamento. Diante da razão a ortodoxia e a ortopraxia não resistem como também a fé e o dogma. Tudo é objeto de reflexão e questionamento. São duas visões de mundo contraditórias: aquela do homem de fé e aquela do homem racional. Para o primeiro a dúvida não existe: existem somente certezas; para o segundo somente a dúvida existe: não existe certeza. Não há como alguém ser ao mesmo tempo: homem de fé e questionador, reflexivo. Razão e crença A razão não nega, porém, a crença. Qualquer questionamento parte de conjunto de crenças adotadas provisoriamente, dentro de determinado contexto. A crença racional não é dogmática pois não se impõe como verdade absoluta mas tão somente como verdade relativa dadas certas circunstâncias, dado certo contexto. A análise racional chega sempre a resultados provisórios, enquanto a análise tendo como pressuposto a fé é sempre absoluta, definitiva. Enquanto a razão apóia-se em dados da realidade objetiva, em evidências e também em deduções lógicas, a fé nega a realidade objetiva se contraria seus pressupostos tidos como absolutamente verdadeiros.
Como é sempre reflexivo o comportamento racional é o mais compatível com o livre-arbítrio, possibilitando liberdade de pesquisa e de reflexão. Dado a impossibilidade dos dogmas serem questionados e a exigência de adequação absoluta ao modelo, o comportamento fiel nega o livre-arbítrio, impossibilitando ou limitando a pesquisa e a reflexão. A crença racional é aberta, sempre passível de questionamento, sempre passiva de ser verificada pelos fatos da realidade objetiva, sempre aferível pelos os outros e livremente compartilhada. A crença fiel é fechada, não sendo passível de ser questionada e nem de ser verificada, contrariando os fatos da realidade objetiva e sendo impossível de ser verificada pelos outros e livremente compartilhada. Impossibilidade da fé raciocinada: a crença racional Dadas essas conclusões compreende-se porque é impossível a fé raciocinada: por uma impossibilidade lógica, por serem expressões contraditórias em si mesmas e, por isso, colocando-se como contradição em termos. Pode-se falar, no entanto, em crença racional e isso tanto no campo científico como no propriamente filosófico e mesmo religioso. A religião racional seria aquela que não nega a razão e, por isso, está sempre em consonância com seus postulados. Assim coloca-se sempre como passível de verificação pelos fatos tanto no campo material, como no campo espiritual, mesmo admitindo conclusões dedutivas esta qualificadas de teorias como, ademais, faz a própria ciência. Colocar as verdades como não absolutas seja em relação aos fatos, seja em relação ao quadro teórico em sim mesmo também relativo, isso tornaria a religião racional não dogmática e contrária a toda ortodoxia e ortopraxia. Em síntese: a religião racional não admite a ortodoxia e a ortopraxia. Entendendo-se dessa forma podemos verificar existir um sistema de crenças tanto para os cientistas como também para os propriamente religiosos sem que os primeiros se oponham aos segundos e viceversa. Pois a ciência não pode impor sua visão de mundo como absoluta. Se isso ocorresse, deixaria de ser racional. Três possibilidades de compreensão:
racional, irracional e arracional Há três possibilidades de compreensão do mundo: racional, irracional e arracional. A razão apóia-se em dados objetivos e subjetivos, sendo sempre aberta a questionamentos e verificação. Isso ocorre dentro do quadro de referências que dizemos irracional: aquilo que ainda não conhecemos e é passível de ser conhecido em termos racionais, dizemos irracional. Assim há contínua correlação entre o racional e o irracional, onde podemos dizer que o racional faz parte de nossa consciência do mundo enquanto o irracional faz parte de nossa inconsciência do mundo, ou de nosso inconsciente. O quadro de referências racional está sempre se alimentando do quadro de referências irracional, aumentando o os limites de nossa consciência da realidade que, em si mesma, é: racional/irracional, conhecida/desconhecida, consciente/inconsciente. A investigação do racional/irracional não nega o livro arbítrio: ao contrário, o livre arbítrio é imprescindível para ocorrer a expansão da consciência, decorrente da pesquisa racional/irracional. E esse tipo de investigação é assentado em evidências e, por isso, expressa-se sempre como teoria provisória. Se determinada evidência demonstrar a teoria falsa, abandona-se a teoria. Não existe verdade absoluta e definitiva para a investigação racional/irracional. O arracional não pressupõe nenhum outro quadro de referências a não ser o seu próprio: a arracionalidade é, com isso, autorreferente. É assentada, como dissemos, na autoridade (sacerdotes, teólogos, etc.), na instituição, na ortodoxia e na ortopraxia. Não admite questionamentos e nega qualquer evidência que possa contrariar aquilo que a autoridade afirma como verdade. Com isso, nega o livre arbítrio e coloca suas doutrinas sempre como absolutas e definitivas. A fé é arracional: impossibilidade da fé racional
Expressamos acima o modo racional contrapondo aquele próprio da fé concluindo não ser esta última racional. Na medida em que a fé nega os dados objetivos ela nega também a razão e a irrazão. A fé não é, portanto, nem racional e nem irracional: a fé é arracional, nega a razão e a irrazão. A compreensão do mundo própria da fé tem como pressuposto corrigir aquilo que a razão nos diz ser verdadeiro e correto, adaptando-se à sua ortodoxia e ortopraxia, absolutamente certas e corretas. O sistema de crenças da fé é assim arracional. Dada essa constatação, verificamos ser impossível uma fé raciocinada, pois ou a razão destrói a fé ou a fé destrói a razão. Não há como misturar água e óleo. Por esse motivo não existe fé raciocinada como apregoava o filósofo espiritualista Hippolyte Léon Denizard Rivail. Rivail estava errado mas também estava certo Mas a crença é racional/irracional, sendo comum à ciência como também à religião. Dado a religião, nesses termos, ter sempre existido desde os primórdios do homem neste planeta. As crenças dos antigos xamãs eram essencialmente racionais/irracionais, frutos sempre da experiência tanto com os fenômenos objetivos como subjetivos. Da modo também ocorreu em outras religiões existentes, como no budismo, no hinduísmo e mesmo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. A religião torna-se arracional na tradição cristã quando passou a ter a hegemonia da teologia católica. Não se pode dizer ser isso próprio de todo cristianismo e nem de todos os teólogos. A ortodoxia católica, fundamentada teologicamente, catalogou de heresia todo o sistema de crenças racional e irracional surgido no cristianismo e com isso estabeleceu círculo de ferro entre ortodoxia e ortopraxia. A reflexão que ora fazemos muito embora demonstre a impossibilidade da fé raciocinada, aponta a existência da religião racional/irracional e, com isso, tornando-se possível a aliança do conhecimento religioso com o conhecimento científico.
Toda a crença, seja religiosa ou científica, é em si mesma racional/irracional e, assim, é essencialmente reflexiva tanto em relação aos fenômenos objetivos como subjetivos. Assim a necessidade da crença racional é fundamental e, nesse ponto, Rivail estava correto. Este texto reflete os conhecimentos acumulados posteriormente às formulações de Rivail, no final do século XIX até os dias atuais. Estamos em condições, dado o quadro teórico atual, de afirmar existirem crenças tanto na ciência como na religião, expressando-se de forma racional e irracional em ambos os campos do conhecimento. Assim concluímos ser toda crença racional enquanto está assimilada pela nossa consciência e irracional, quando nos é ainda desconhecida, pertencendo ao inconsciente não sendo o campo do inconsciente impossível de ser verificado também pela razão e, com isso, trazido ao nosso consciente. A crença expressa nestes termos é comum tanto à ciência como à religião. Existe, porém, e é dado da realidade, a religião arracional, como explicitamos acima. Para esta não se trata de compreender, assimilar e assimilar-se à realidade, mas de mudar a realidade segundo seus postulados indiscutíveis, seus dogmas, adequando-a à sua ortodoxia e sua ortopraxia. Esta religião abre caminho a todo tipo de fundamentalismo, um dos males principais dos tempos atuais. O fundamentalismo religioso é o mais evidente pois se vincula à autoridade temporal, impondo-se sobre a humanidade através de sucessivas matanças de seres humanos discordantes de sua ortodoxia e ortopraxia. Mas há também o fundamentalismo científico, cuja principal pregação é negar qualquer possibilidade à religião, afirmando apenas a ciência como verdadeira. Assim pregam o fim da religião de forma unilateral, estabelecem verdadeira guerra contra a religião. Os cientistas adeptos desse fundamentalismo são ateus e materialistas, negando qualquer possibilidade da existência de Deus e do plano espiritual. Com isso estabelecem também um tipo de ortodoxia e ortopraxia, tem seus sacerdotes e cientólogos (contrapostos aos teólogos).
As mentes mais abertas entre os cientistas, como Albert Einstein ou Stephen Hawking, não são fundamentalistas científicos. E estes são os responsáveis pelo avanço científico. Enquanto os fundamentalistas científicos dão aos mãos aos fundamentalistas religiosos e a guerra que entre si estabelecem, contribui somente para o aumento da miséria e das opressão entre os homens, fomentando os contínuos banhos de sangue que assolam os diferentes povos pelo mundo, decorrente da atuação de suas ortodoxias e ortopraxias. (Este breve ensaio é dedicado a Sérgio Maurício. Foi em discussões com ele na página da CEPA que tive oportunidade de desenvolver os temas articulados neste ensaio. E sem a contundência das críticas do Sérgio, não teria chegado às conclusões expostas.) * * * Com esta mensagem eletrônica seguem muitas vibrações de paz e amor para você --------- http://www.aeradoespirito.net/