Embolização de fibromiomas uterinos em 882 pacientes (único centro) Uterine fibroids embolization patients (single center)

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Transcrição:

VOL.2 MARÇO 2010 Artigo Original de Investigação Embolização de fibromiomas uterinos em 882 pacientes (único centro) Uterine fibroids embolization - 882 patients (single center) João Martins Pisco 1,2,3*, Marisa Duarte 1,2,3, Tiago Bilhim 1,2,4, Hugo Rio Tinto 1,5 1 Hospital Saint Louis; 2 Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa; 3 Serviço Universitário de Radiologia do Hospital Pulido Valente; 4 Serviço de Radiologia do Hospital dos Capuchos; 5 Serviço de Radiologia do Hospital de São José. Efectuou-se embolização das artérias uterinas em 882 pacientes portadoras de fibromiomas com idades compreendidas entre 22 e 59 anos (média 40.6 anos). Todas as pacientes foram referenciadas a consulta de ginecologia num período inferior a 6 meses a fim de ser excluído tumor maligno. Por ressonância magnética pélvica com contraste foram avaliadas as dimensões, numero e localização dos fibromiomas e o volume do útero antes da embolização. A embolização realizou-se pela técnica de Seldinger, por via femoral e sob anestesia local ou acupunctura. Como material embólico usaram-se partículas de polivinil álcool ou microesferas de embozene. O controlo pós embolização é feito por observação clínica, inquérito, RM efectuada aos 6, 18 e 32 meses e radiografia da bacia aos 36 meses. Uterine fibroid embolization was performed in 882 patients with fibroids, age ranged from 22 to 59 years (mean 40.6 years). Before the procedure, pelvic enhanced MR evaluate the dimensions, number and localization of fibroids and the uterus volume. Embolization was done by Seldinger technique, under local anaesthesia or acupuncture. As embolic materiall, polyvinyl alcohol particles or embozene microspheres were used. The follow up control was performed by clinical observation, inquiries, magnetic resonance at 6, 18 and 36 months and by pelvis X-rays film.

PALAVRAS-CHAVE: Embolização; fibromiomas; útero. KEY WORDS: Embolization; fibroids; uterus. * Correspondência: João Martins Pisco. Email: joao.pisco@hpv.min.saude.pt ou joao.pisco@fcm.unl.pt INTRODUÇÃO Os fibromiomas uterinos são os tumores benignos mais frequentes na mulher em idade fértil. Devem-se ao crescimento anómalo de células de músculo liso no miométrio. Embora benignos, podem crescer e causar sintomas como menorragias, dor pélvica e distensão abdominal (Pisco, J. M. et al., 2008). Os fibromiomas eram tratados maioritariamente por histerectomia, ressecção histeroscópica para os fibromiomas submucosos, miomectomia nas mulheres jovens que pretendem preservar a fertilidade e com terapêutica médica recorrendo aos agonistas da hormona libertadora de gonadotropina (GnRH), de forma temporária devido aos efeitos secundários associados. As questões acerca da qualidade de vida e dos custos levaram ao desenvolvimento de tratamentos alternativos. Actualmente a Embolização dos fibromiomas uterinos (EFU) é uma alternativa à terapêutica médica e cirúrgica no tratamento dos fibromiomas sintomáticos (Pisco, J. M., Bilhim, T., Duarte, M., Santos, D., 2009). As vantagens da embolização em relação à histerectomia são a preservação do útero, o internamento curto e uma recuperação mais rápida (Volkers, N. A., Hehenkamp, W. J. K., Birnie, E., Ankum, W. M., Reekers, J. A., 2007). Comparativamente à miomectomia abdominal e à histerectomia abdominal ou vaginal, a EFU está associada a um custo hospitalar inferior e a um internamento mais curto (Siskin, G. P. et al, 2006; Jacobson, G. F., Shaber, R. E., Armstrong, M. A., Hung, Y., 2007). Na embolização arterial de orgãos sólidos os doentes frequentemente apresentam o síndrome de pós embolização, constituído por dor, náuseas, vómitos, febre, leucocitose e mal-estar geral (Pisco, J. M. et al., 2008). Na maioria dos centros as doentes ficam internadas por 24 a 48 horas após a EFU para controlo da dor abdominal pós-procedimento. No nosso centro o procedimento é efectuado de forma ambulatória, com a maioria das doentes tendo alta quatro a seis horas após a EFU, devido ao controlo dos sintomas pós embolização com o esquema terapêutico instituído (Pisco, J. M. et al., 2008; Pisco, J. M., et al., 2009; Pisco, J. M., Tsuchiya, M., Bilhim, T., Duarte, M., Santos, D., Oliveira, A. G., 2009). MÉTODO Oitocentas e oitenta e duas pacientes com idades compreendidas entre 22 e 59 anos (média 40,6) foram submetidas a embolização das artérias uterinas. O sintoma principal das doentes era menstruação prolongada ou menorragia em 516, sintomas relacionados com aumento do volume do abdómen em 203 e dor em 163. Foi obtido consentimento informado de todas as doentes tratadas. As pacientes tinham sido sujeitas a exame ginecológico completo há menos de seis meses, tendo sido efectuada ecografia pélvica em 293 e ressonância magnética (RM) pélvica com administração endovenosa de contraste (gadolínio) em 843. Por RM avaliou-se o volume do útero e dos fibromiomas particularmente do fibromioma dominante, o de maiores dimensões, multiplicando os três diâmetros Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 16

por 0.523 por se tratar de um elipsóide. Determinouse ainda o número de fibromiomas e a sua localização pela RM. No dia anterior à embolização, as doentes iniciaram terapêutica com anti-inflamatórios. Antes, durante e após a embolização, as doentes foram submetidas a terapêutica endovenosa com analgésicos, antiinflamatórios e antibióticos. A embolização das artérias uterinas efectuou-se sob anestesia local ou, como alternativa, sob acupunctura em 72 doentes. Para a realização da embolização, introduziu-se, pela técnica de Seldinger, na região inguinal, um catéter na artéria femoral com o qual se Figura 1 - Angiografia das artérias uterinas. Começou por embolizar-se a artéria uterina esquerda (a, b, c) a - Abundante vascularização numa área circular; b - Após embolização já não são visíveis os vasos tumorais mas a artéria mantém-se permeável (seta); c - Na fase tardia da angiografia verificou-se opacificação da metade esquerda do fibromioma. De seguida embolizou-se a artéria uterina direita (d, e, f) d - Angiografia da artéria uterina direita, vasos tumorais que irrigam a metade direita do fibromioma; e - Após embolização já não são visíveis os vasos tumorais (seta); f - Fase tardia da angiografia - opacificação da totalidade do fibromioma. cateterizaram, selectiva e sucessivamente, as duas artérias uterinas. Após a realização da angiografia das artérias uterinas, procedeu-se à sua embolização. Em 805 pacientes utilizaram-se partículas de álcool polivinil (William Cook, como agente embólico), numa suspensão homogénea de contraste iodado não iónico diluído a 50% em soro fisiológico à qual se adicionou como anti-inflamatório o cetoprofeno (Profenid 100 mg). Em 75 doentes a embolização foi realizada com microesferas de Embozene (Celonova). A introdução de partículas efectuou-se de forma lenta, e sempre sob controlo radioscópico, até ocorrer desaparecimento da abundante vascularização dos fibromiomas. Por fim, efectuou-se nova angiografia para confirmar a ausência de qualquer vascularização dos fibromiomas (Fig. 1). Concluída a embolização retirou-se o cateter e fez-se compressão da artéria femoral durante cerca de cinco minutos, seguindo-se a colocação de um penso. Quatro a oito horas após o tratamento, as doentes tomaram uma ligeira refeição, depois da qual iniciaram terapêutica oral e tiveram alta hospitalar, saindo medicadas com anti-inflamatórios, analgésicos e antibióticos. O controlo fez-se por observação clínica, questionários médicos preenchidos periodicamente e RM Pélvica. Esta foi efectuada às duas semanas nas primeiras 200 pacientes e nas restantes aos seis meses (Fig. 2). Posteriormente o controlo realizou-se aos 18 e 36 meses (Fig. 3). Pela RM com gadolínio avaliou-se a percentagem de redução do volume do útero, do fibromioma dominante e o grau de isquémia dos fibromiomas (Pelage, J., Guaou, N. G., Jha, R. C., Ascher, S. M., Spies, J. B., 2004). Aos três anos, realizou-se também radiografia simples da bacia, para verificar se os fibromiomas já estavam calcificados. Considerou-se sucesso técnico a embolização selectiva das artérias uterinas que a doente possuía e consequente redução da vascularização dos fibromiomas. Quanto ao sucesso clínico avaliou-se a melhoria dos sintomas, a redução das dimensões dos fibromiomas e útero e a isquémia dos fibromiomas superior a 90%. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 17

Figura 2 - R.M. pélvica antes (a, b) e duas semanas após a embolização (c, d). Figura 3 - R.M. pélvica. a, b - R. M. pélvica axial (a) e sagital (b) observa-se volumoso fibromioma vascularizado (seta). c, d - R. M. axial (c) e sagital (d) duas semanas após a embolização. Fibromioma de menores dimensões e baixa intensidade devido a isquémia. O sucesso clínico secundário foi o avaliado após nova embolização em 71 doentes nas quais ocorreu recidiva. Os critérios para efectuar segunda embolização foram: ausência de melhoria clínica associada a grau de isquémia inferior a 90% em alguns dos fibromiomas e a não redução das dimensões do fibromioma dominante e do útero. Considerou-se insucesso clínico a persistência ou o regresso dos sintomas, a não redução das dimensões do fibromioma dominante e do útero e a ausência de isquémia ou apenas isquémia parcial dos fibromiomas. RESULTADOS Entre 24 de Junho de 2004 e 31 de Outubro de 2009 efectuámos a embolização dos fibromiomas uterinos em 882 doentes com idades compreendidas entre 22 e 59 anos (média 40.6 anos). A maioria das doentes a (axial), b (sagital) - antes da embolização - Volumoso aglomerado fibromiomatoso com hipervascularização (setas); c (axial), d (sagital) - seis meses após a embolização - Redução das dimensões dos fibromiomas e de baixa intensidade por isquémia; e (axial), f (sagital) - 18 meses após a embolização - Continuação da redução dos fibromiomas que continuam de baixa intensidade; g (axial), h (sagital) - 36 meses após a embolização - Continuação da redução das dimensões dos fibromiomas de baixa intensidade. era portadora de vários fibromiomas variando o seu diâmetro entre 1.5 e 30 cm. Realizou-se embolização das duas artérias uterinas em 870 doentes e apenas de uma artéria em 12 doentes, quatro das quais tinham apenas uma artéria uterina. Nas restantes oito não foi possível a cateterização de uma das artérias uterinas devido às pequenas dimensões, a espasmo, a origem anómala, ou a Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 18

tortuosidade do vaso, pelo que o sucesso técnico foi obtido em 874 doentes (99,0%). Das 882 doentes, 771 tinham sido tratadas há mais de seis meses. Destas, verificou-se melhoria em 722 pelo que se verificou sucesso inicial, até aos seis meses, em 93.6%. O sucesso a médio e longo prazo, entre 18 a 64 meses, ocorreu em 522 das 608 (85.9%) doentes. Das 86 doentes (14.1%) em que se verificou insucesso, 10 foram submetidas a histerectomia e em 62 efectuouse a repetição da embolização, sem quaisquer encargos para a doente, tendo-se verificado bons resultados em 47 destas doentes. Por isso, o sucesso secundário, após nova embolização, verificou-se em 569 doentes (93.6%) das 608 pacientes. Ocorreram complicações major em 3 doentes. Em duas doentes verificou-se expulsão do volumoso fibromioma de 10 cm e 22 cm de diâmetro respectivamente, que por não ter sido possível a sua remoção por histeroscopia, foi efectuada histerectomia de urgência. Noutra doente ocorreu trombose da artéria ilíaca externa, que foi tratada com colocação de stent, tendo a doente ficado sem qualquer sequela. Verificou-se expulsão de fibromioma em 46 doentes, três das quais necessitaram de remoção histeroscópica. Nas restantes, o fibromioma foi expulso espontaneamente, tendo três necessitado de internamento durante dois dias. O síndrome pós embolização ocorreu em cerca de metade das doentes e manifestou-se por náuseas, vómitos e dor. Nas doentes em que se verificou sucesso clínico, os fibromiomas sofreram um processo atrófico, notandose redução das suas dimensões de 20% a 100% e do volume do útero de 10 a 85% nos primeiros seis meses, continuando a diminuir de tamanho até aos quatro anos. Nestas doentes, a RM revelou uma isquémia dos fibromiomas superior a 90%. A radiografia simples da bacia revelou calcificação de fibromioma em cerca de dois terços das tratadas há mais de 3 anos (Fig. 4). Das doentes tratadas, 62 pretendiam engravidar após o procedimento. Destas, 41 engravidaram entre quatro e 22 meses (média 8.2 meses) após a embolização. Nenhuma destas pacientes conseguia engravidar ou levar a termo uma gravidez. A gravidez terminou em 31 dessas pacientes, tendo nascido 26 crianças. Ocorreram quatro abortos, sendo três espontâneos e um provocado e verificou-se um nado morto às 36 semanas. Duas das grávidas em que ocorreram abortos espontâneos já tinham anteriormente à embolização, tido dois e três abortos respectivamente. O terceiro aborto espontâneo ocorreu numa paciente que tinha já anteriormente tido quatro abortos espontâneos. Engravidou, contudo na cesariana efectuada às 36 semanas verificou-se nado morto. Das 31 grávidas cuja gravidez terminou com êxito, 16 foi a primeira gravidez. Das restantes, cinco foi o 2º filho e as outras cinco tinham já estado grávidas entre Figura 4 - Radiografia da bacia. Das últimas 780 doentes tratadas, 571 (96%) tiveram alta quatro a seis horas após o tratamento. Presentemente, na totalidade das doentes, a técnica realiza-se exclusivamente em regime ambulatório. Nenhuma das doentes tratadas referiu disfunção sexual após a EFU, tendo 182 notado desaparecimento ou melhoria da dispareunia. Observam-se dois fibromiomas calcificados, três anos após a embolização. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 19

uma e quatro vezes tendo sempre abortado espontaneamente. Estas pacientes tinham idades compreendidas entre 27 e 42 anos (média 36 anos). O parto das 26 grávidas foi por via vaginal em 12 e por cesariana em 14. Três crianças nasceram às 36 semanas, e três nasceram com baixo peso, 2.090 kg, 2.320 kg e 2.350 kg respectivamente. Nas outras, o peso variou entre 2.610 kg e 4.910 kg, sendo o peso médio de 3.270kg. A duração da gravidez de termo variou entre 37 e 41 semanas (média 39 semanas). Uma das grávidas tinha já anteriormente feito cinco miomectomias e uma fertilização in vitro sem contudo ter conseguido engravidar. Engravidou após a embolização e foi a única placenta prévia de todas as grávidas. DISCUSSÃO A maioria dos fibromiomas são assintomáticos e não requerem mais investigação nem tratamento. Para os fibromiomas sintomáticos, a histerectomia oferece uma solução definitiva, contudo não é a solução preferida pelas mulheres que desejam preservar o seu útero (Jacobson, G. F., et al., 2007; Volkers, N. A., et al., 2007). A EFU é uma técnica minimamente invasiva com baixa morbilidade e elevada eficácia a curto e médio prazo no controlo dos sintomas dos fibromiomas. Existem múltiplos estudos prospectivos e retrospectivos de grandes dimensões que demonstraram a eficácia e segurança deste procedimento, com sucesso clínico aproximadamente de 85% e morbi-mortalidade mínimas (Goodwin, S. C. et al, 1999; McLucas, B. et al, 2002; Spies, J. B., 2003; Spies, J. B. et al, 2002). As mulheres referem melhorias significativas na qualidade de vida e nos sintomas específicos dos fibromiomas no controlo evolutivo, realizado a curto, médio e longo prazo após a EFU (Walker, W. J., Pelage, J. P., 2002). O sucesso clínico superior a 85%, associado à sua baixa taxa de complicações e curto período de recuperação torna este procedimento atractivo quando comparado com a miomectomia laparotómica ou laparoscópica (Siskin, G. P. et al, 2006).Além disso, a EFU é comprovadamente a forma terapêutica definitiva mais barata no tratamento de fibromiomas sintomáticos. No presente estudo, com 882 doentes tratadas por EFU, obtivemos um sucesso técnico de 99,0%, um sucesso clínico inicial (até aos seis meses) de 93.6%, a médio e longo prazo (entre 18 a 64 meses) de 85.9% e um sucesso secundário de 93.6% (após segunda embolização nos casos de insucesso clínico após 1ª EFU), sendo estes resultados concordantes com os valores obtidos por outras instituições. Ocorreram complicações major em apenas três casos já referidos. Nos últimos anos temos vindo a desenvolver um regime terapêutico que permite efectuar este procedimento de forma ambulatória, que é eficaz no controlo dos sintomas pós-embolização, permitindo que das últimas 780 doentes tratadas 96% tivessem alta quatro a seis horas após o tratamento (Pisco, J. M. et al., 2008). Presentemente, na totalidade das doentes, a técnica realiza-se exclusivamente em regime ambulatório (Pisco, J. M., et al, 2009). Nas doentes em que se verificou sucesso clínico, os fibromiomas sofreram redução de dimensões em 20% a 100% e do volume do útero em 10 a 85% nos primeiros seis meses, continuando a diminuir de tamanho até aos quatro anos, com isquémia dos fibromiomas superior a 90% na RM e calcificação do fibromioma na radiografia simples da bacia em dois terços das doentes tratadas há mais de três anos. Existe ainda controvérsia quanto à possibilidade de engravidar após a EFU e sobre os riscos de infertilidade deste procedimento. No nosso estudo, 62 das doentes tratadas pretendiam engravidar após o procedimento. Destas, 41 engravidaram entre quatro e 22 meses após a embolização. A gravidez prosseguiu até ao seu terminus em 31 das doentes, com idades entre os 27 e 42 anos, tendo nascido 26 crianças, estando as restantes 10 pacientes a aguardar o nascimento dos filhos. Em 16 doentes foi a primeira gravidez, em cinco a 2ª e cinco referiram antecedentes de aborto espontâneo. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 20

CONCLUSÕES A EFU é uma técnica que permite tratar de forma definitiva e eficaz os sintomas dos fibromiomas uterinos, com preservação do útero e com custos e morbi-mortalidade inferiores às restantes abordagens médico-cirúrgicas. Os resultados da embolização dos fibromiomas uterinos neste estudo, com 882 doentes, revelam que é uma técnica minimamente invasiva, com baixa morbilidade e alta eficácia no controlo dos sintomas, com alto sucesso clínico e imagiológico, que pode ser realizado em regime de ambulatório. REFERÊNCIAS Goodwin, S. C. et al (1999). Uterine artery embolization for the treatment of uterine leiomyomata midterm results. Journal of Vascular and Interventional Radiology, 10(9), 1159-1165. Siskin, G. P. et al (2006). A prospective multicenter comparative study between myomectomy and uterine artery embolization with polyvinyl alcohol microspheres: Long-term clinical outcomes in patients with symptomatic uterine fibroids. Journal of Vascular and Interventional Radiology, 17(8), 1287-1295. Spies, J. B. et al (2002). Leiomyomata treated with uterine artery embolization: Factors associated with successful symptom and imaging outcome. Radiology, 222(1), 45-52. Spies, J. B. (2003). Uterine artery embolization for fibroids: Understanding the technical causes of failure. Journal of Vascular and Interventional Radiology, 14(1), 11-14. Volkers, N. A., Hehenkamp, W. J. K., Birnie, E., Ankum, W. M., Reekers, J. A. (2007). Uterine artery embolization versus hysterectomy in the treatment of symptomatic uterine fibroids: 2 years`outcome from the randomized EMMY trial. American Journal of Obstetrics & Gynecology, 196(6), 519.e1-519.e11. Walker, W. J., Pelage, J. P. (2002). Uterine artery embolisation for symptomatic fibroids: Clinical results in 400 women with imaging follow-up. BJOG An International Journal of Obstetrics and Gynaecology, 109(11), 1262-1272. Jacobson, G. F., Shaber, R. E., Armstrong, M. A., Hung, Y. (2007). Changes in rates of hysterectomy and uterine conserving procedures for treatment of uterine leiomyoma. American Journal of Obstetrics & Gynecology, 196(6), 601.e1-601.e6. McLucas, B et al (2002). Outcomes following unilateral uterine artery embolisation. The British Journal of Radiology, 75(890), 122-126. Pelage, J., Guaou, N. G., Jha, R. C., Ascher, S. M., Spies, J. B. (2004). Uterine fibroid tumors: Long-term MR imaging outcome after embolization. Radiology, 230(3), 803-809. Pisco, J. M. et al (2008). Pelvic pain after uterine artery embolization: A prospective randomized study of polyvinyl alcohol particles mixed with ketoproven versus bland polyvynil alcohol particles. Journal of Vascular and Interventional Radiology, 19(11), 1537-1542. Pisco, J. M., Bilhim, T., Duarte, M., Santos, D. (2009). Management of uterine artery embolization for fibroids as an outpatient procedure. Journal of Vascular and Interventional Radiology, 20(6), 730-735. Pisco, J. M., Tsuchiya, M., Bilhim, T., Duarte, M., Santos, D., Oliveira, A. G. (2009). Uterine artery embolization under electroacupuncture for uterine leiomyomas. Journal of Vascular and Interventional Radiology, 20(7), 863-870. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.2 Março 2010 www.salutisscientia.esscvp.eu 21