AVALIAÇÃO RETROSPECTIVA DAS VARIÁVEIS ETIOLÓGICAS E CLÍNICAS ENVOLVIDAS NA DOENÇA DO TRATO URINÁRIO INFERIOR DOS FELINOS (DTUIF)

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Iniciação Científica CESUMAR Jul./Dez. 2011, v. 13, n. 2, p. 103-110 AVALIAÇÃO RETROSPECTIVA DAS VARIÁVEIS ETIOLÓGICAS E CLÍNICAS ENVOLVIDAS NA DOENÇA DO TRATO URINÁRIO INFERIOR DOS FELINOS (DTUIF) VERUSKA MARTINS DA ROSA * JULIANY GOMES QUITZAN** RESUMO: A doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) é uma das principais afecções dos felinos. Pode ter causas diversas, manifestando-se como cistite idiopática, urolitíase vesical, obstrução por urólitos e obstrução por plugs uretrais. Os sinais clínicos incluem hematúria, disúria, polaciúria e obstrução uretral. Foi realizado um estudo retrospectivo de levantamento de dados, por meio de fichas clínicas de dois hospitais veterinários de Maringá. No presente estudo pode-se concluir que a DTUIF pode acometer tanto machos como fêmeas, sendo o processo obstrutivo mais frequente entre os felinos do sexo masculino. Verificou-se que a castração e a raça dos animais não atuam como um fator que predispõe à doença do trato urinário inferior de felinos; entretanto, os fatores dieta seca, água, idade, ambiente em que vivem, sazonalidade, sedentarismo e obesidade são fatores de risco desta síndrome gatos domésticos, predispondo à DTUIF. Dessa forma, foi possível descrever o perfil da DTUIF na população felina atendida nas clínicas veterinárias de Maringá e a existência de associação dos fatores considerados de risco da doença PALAVRAS-CHAVE: Felinos; Obstrução Uretral; Trato Urinário; Urólitos. RETROSPECTIVE EVALUATION OF ETIOLOGICAL AND CLINICAL VARIABLES IN FELINE S LOWER URINARY TRACT DISEASE (FLUTD) * Residente em Clínica Médica de Pequenos Animais no hospital veterinário do Centro Universitário de Maringá CESUMAR; Médica Veterinária graduada no Centro Universitário de Maringá CESUMAR; Ex-Bolsista do Programa de Bolsas de Iniciação Científica do Cesumar - PROBIC. E-mail: veruska_rosa@hotmail.com ** Mestre e Doutora em Bases Gerais da Cirurgia (ênfase em Urologia) pela Faculdade de Medicina UNESP; Docente na área de Cirurgia de Pequenos Animais na Pontifícia Universidade Católica - PUC-PR. E-mail: juliany.quitzan@pucpr.br

104 Avaliação retrospectiva das variáveis etiológicas e clínicas envolvidas na doença do trato urinário inferior dos felinos... ABSTRACT: The lower urinary tract is the site of one the most relevant diseases in cats, with several causes. It may manifest itself as idiopathic cystitis, bladder urolithiasis, obstructive uroliths and obstruction by urethral plugs. Clinical signs comprise hematuria, dysuria, polaciuria and urethral obstruction. A data retrospective study on the records of two veterinary hospitals in Maringá PR Brazil was undertaken. Results show that FLUTD affects male and female cats and that the obstructive process is highly frequent among males. Castration and animal breed is not a predisposing factor to FLUTD, although dry diets, water, age, living environment, seasonality, inactivity and obesity are risk factors of FLUTD syndrome predisposed cats. FLUTD profile in the feline population attended to by veterinary clinics in Maringá and the association of its risk factors could be assessed. KEYWORDS: Cats; Urethral Obstruction; Urinary Tract; Uroliths. INTRODUÇÃO A doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) ou síndrome urológica felina (SUF) são termos utilizados por médicos veterinários para descrever distúrbios de gatos domésticos, vesicopatias e uretropatias, clinicamente caracterizados por hematúria, disúria, polaciúria e obstrução uretral parcial ou completa (TILLEY; SMITH, 2003). Trata-se de uma enfermidade frequentemente diagnosticada na rotina de atendimento clinico, correspondendo a uma importante parcela das queixas dos proprietários. De acordo com Nelson e Couto (2003) a DTUIF tem ocorrido em 0,34% a 0,64% de todos os felinos domésticos. É de fundamental importância identificar possíveis causas e fatores predisponentes envolvidos com a DTUIF, para que a terapia mais apropriada seja instituída. O trato urinário inferior dos felinos é composto da vesícula urinária e da uretra. A vesícula urinária é dividida em três porções: o ápice, que constitui a parte cranial, o corpo localizado entre o ápice e o colo; e o colo localizado entre as junções ureterovesical e vesicouretral. A uretra dos gatos machos é dividida anatomicamente em quatro segmentos: uretra préprostática, uretra prostática, uretra pós-prostática e uretra peniana (FOSSUM, 2005). O perfil do gato com DTUIF geralmente inclui animais machos, castrados, sedentários, obesos, de 1 a 10 anos de idade, domiciliados, que consomem ração seca e bebem pouca água (AMORIM, 2009). Nelson e Couto (2003) relacionaram a maioria das desordens do trato urinário inferior felino ocorrendo nos meses de inverno e primavera. A castração (qualquer que seja seu sexo) aparentemente aumenta o risco da doença, devido a mudanças metabólicas que ocorrem após este procedimento (NORSWORTHY et al., 2004). Porém, a urolitíase vesical e cistite idiopática não apresentam diferenças significativas quanto ao sexo (BALBINOT et al., 2006). Gatos alimentados com rações enlatadas têm menos probabilidade de serem acometidos pela DTUIF. Presume-se que isso se deva ao aumento da ingestão de água e à produção de uma urina mais diluída (NORSWORTHY et al., 2004). O consumo hídrico reduzido, resultando em uma urina concentrada, influencia o nível de saturação de componentes minerais e promove a formação de cálculos e cristais (LAPPIN, 2004). Dessa forma, dietas secas podem estar associadas a uma incidência elevada de cálculos (LAPPIN, 2004). Balbinot e colaboradores (2006) relatam que os

Rosa, V. M.; Quitzan, J. G. 105 felinos da raça persa têm maior predisposição de ter DTUIF ao contrário dos siameses, com mínimas possibilidades de ter a doença. A obesidade é um fator predisponente e o estresse exarceba a patologia (NORSWORTHY et al., 2004). Apesar das diferentes etiologias, os animais acometidos apresentam manifestações clinicas similar. As causas mais comuns são urolitíase ou estenose pelos tampões uretrais (BIRCHARD; SHERDING, 2003). Ettinger e Feldman (2004) explicam que os urólitos formam-se quando a urina fica supersaturada com minerais. A supersaturação ocorre quando a quantidade e a concentração de minerais calculogênicos aumentam. O ph urinário favorece a diminuição na solubilidade desses minerais e existem ainda promotores ou inibidores de cristalização (BIRCHARD; SHERDING, 2003). A maioria dos cálculos são pequenos e lembram areia, mas eles também podem ocorrer como tampões gelatinosos. Estes diferem dos urólitos típicos, pois contém uma quantidade maior de matriz orgânica, o que lhes confere consistência semelhante à pasta de dente e são responsáveis principalmente pela obstrução uretral (MERCK, 2009). A DTUIF pode ser obstrutiva e não obstrutiva. Segundo Amorim (2009), as obstruções podem ser mecânicas (intramural), anatômicas (mural ou extramural) ou funcionais. Temos como exemplo da primeira os tampões uretrais, urólitos, coágulos e neoplasias. A segunda é exemplificada por estenoses, neoplasias e lesões prostáticas e a terceira por espasmo uretral, dissinergismo reflexo e traumas medulares (lombar e sacrococcígea). A obstrução uretral é um achado frequente em machos, devido ao menor diâmetro da uretra peniana. Cerca de 50% dos gatos com sintomas de DTUIF evoluem para doença obstrutiva (OLIVEIRA, 1999). A obstrução ao fluxo de urina, em qualquer ponto abaixo do nível dos rins, leva ao acumulo de resíduos metabólicos e insuficiência renal aguda (IRA) (MERCK, 2009). A obstrução completa resulta em azotemia, uremia, acidose metabólica e hipercalemia. Se o fluxo urinário não for restabelecido, o óbito é registrado dentro de 3 a 6 dias (ETTINGER; FELDMAN, 2004; BIRCHARD; SHERDING, 2003). A obstrução parcial ou intermitente pode ser crônica e levar a hidronefrose, hidroureter, infecção do trato urinário e atonia vesical devido hiperdistensão do detrusor (ETTINGER; FELDMAN, 2004). A forma não obstrutiva da DTUIF pode ser causada por urolitíase não obstrutiva, cistite idiopática não obstrutiva, infecção bacteriana, defeitos anatômicos e neoplasias (AMORIM, 2009). Norsworthy e colaboradores (2004) acrescenta que a urolitíase não obstrutiva é autolimitante e comumente os sinais clínicos desaparecerem dentro de 5 a 7 dias. A escolha do procedimento terapêutico a ser realizado, seja cirúrgico ou clínico, deve basearse na etiologia da obstrução. Para diagnosticar as várias causas de DTUIF é necessária boa avaliação, começando por anamnese e exame clínico, além da urinálise completa, urocultura, determinação dos níveis de ureia, creatinina e potássio, radiografias abdominais e ultrassonografia (BALBINOT et al., 2006). As metas do tratamento de gatos com obstrução urinária incluem a restauração de uretra patente, viabilizando a excreção urinária e a correção das alterações sistêmicas, com reposição de fluidos e eletrólitos (ALVES, 2006). Segundo Oliveira (1999), as técnicas não cirúrgicas de desobstrução uretral devem ser realizadas antes de optar-se pela uretrostomia perineal. Estas técnicas consistem em efetuar massagem peniana, hidropropulsão e caracterização

106 Avaliação retrospectiva das variáveis etiológicas e clínicas envolvidas na doença do trato urinário inferior dos felinos... em animais obstruídos, sempre sob anestesia geral. Gatos machos são de alto risco para obstrução uretral devido à formação de tampões uretrais. A identificação de certos fatores de risco para a obstrução em alguns gatos machos pode ajudar a evitar a obstrução uretral, mas não evitara episódios não obstrutivos (LAPPIN, 2004). Devido ao alto índice de recidivas de obstruções uretrais, é necessário avaliar a influência de alguns fatores como raça, sexo, idade, estação do ano, dieta, consumo de água, atividade física e obesidade, considerados fatores de risco doença do trato urinário inferior felino (DITUIF). Além disso, a correlação de tratamentos anteriores e índice de recorrência. Atualmente, a maior parte dos dados obtidos na literatura é proveniente de estudos americanos ou europeus, diferindo, portanto da realidade do paciente felino em nosso país. O conhecimento dos fatores que podem desencadear a DTUIF, uma das principais afecções dos felinos, é importante para que medidas profiláticas possam ser instituídas e protocolos de diagnósticos e tratamentos sejam elaborados, evitando-se assim a recorrência de urólitos, insuficiência renal ou óbito dos animais. Portanto, o trabalho teve como objetivo descrever o perfil do distúrbio urinário do trato inferior de felinos (DTUIF) na população felina atendida nas clínicas veterinárias de Maringá e a existência de associação dos fatores considerados de risco como sexo, idade, peso, ambiente, dieta, raça, consumo de água, castração, sazonalidade e influência de tratamentos anteriores. 2 METODOLOGIA O estudo foi conduzido no período de 01/06/2009 a 31/12/2009, nas clínicas veterinárias de Maringá. Foram utilizadas fichas clínicas para registrar informações a respeito dos felinos atendidos nos hospitais veterinários, no período de 2005 a 2009. Foram selecionados para o estudo 50 felinos, de ambos os sexos, com sintomatologia de distúrbio no trato urinário, incluindo disúria, polaciúria, hematúria ou anúria. Para o registro nas fichas clínicas do projeto, as informações foram provenientes de prontuários de animais anteriormente atendidos, questionamento por telefone, para esclarecimento de eventuais dúvidas relacionadas ao correto preenchimento do questionário do projeto e para complementar os prontuários incompletos, prontuários dos animais com alteração diagnosticada em consulta atual. Nestas consultas, animais cujos proprietários não relatem sintomatologia condizente com DTUIF, mas que apresentem diagnóstico clínico ou de imagem compatíveis com a doença também foram incluídos. Os questionários foram entregues nas clinicas participantes e a coleta dos dados foi realizada pelos alunos participantes da pesquisa. As análises dos prontuários para seleção e registro dos casos anteriores foram realizadas pelos alunos, sempre supervisionados por uma médica veterinária responsável e orientadora do projeto. As variáveis analisadas foram sexo, raça, idade, peso, dieta, castração, sazonalidade, hábitos de ingestão de água, ambiente, atividade física e história clínica de episódios anteriores da doença. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados foram avaliados através de análise descritiva dos dados. De acordo com os registros das fichas e prontuários analisados das clínicas veterinárias de Maringá, observou-se o perfil dos felinos com doença do trato urinário inferior felino (DITUIF). As raças mais frequentes de felinos com

Rosa, V. M.; Quitzan, J. G. 107 DTUIF foram: Sem raça definida SRD (35/66), Persa (20/66) e Siamês (11/66), mostrados na figura 1, sendo estas raças descritas na literatura (NORSWORTHY et al., 2004). Tabela 1 Diagnóstico etiológico de felinos com DTUIF. DIAGNOSTICO NÚMERO DE PERCENTUAL CLÍNICO ANIMAIS Obstrução uretral n= 35/66 53,03% DTUIF n= 20/66 30,30% Cálculo vesical n= 6/66 9,09% Cistite n= 5/66 7,57% Figura1 Raças de felinos acometidos por DTUIF. Os principais sinais clínicos observados foram: hematúria, disúria, polaquiúria, distenção vesical e dor. Estes sinais corroboram com Tilley e Smith (2003). Quanto ao diagnóstico presente nas fichas clinicas, encontramos que 35 felinos possuíam obstrução uretral, 6 foram acometidos por cálculo vesical e 5 apresentavam cistite. Estes dados estão de acordo com os citados por Souza (2003), porém 20 animais foram diagnosticados com DTUIF, sendo uma denominação genérica, que pode envolver várias doenças do trato urinário, não caracterizando a real etiologia da doença, podendo ser designada como causa desconhecida (Tabela 1). No presente estudo, a faixa etária dos animais parece ter influencia sobre o desenvolvimento da DTUIF, os felinos adultos com idade média de 3 anos parecem ser mais frequentemente acometidos. Este resultado assemelha-se ao estudo referido por Alves (2006) e Reche, Hagiwara e Mamikuza (1998). Os meses com maior número de animais atendidos com DTUIF foram junho, julho, agosto e setembro, totalizando 59% dos atendimentos. Este dado corrobora com Nelson e Couto (2003), pois a estação do ano com maior índice de DTUIF é inverno e primavera. Tal fato pode ocorrer devido à diminuição da quantidade e retenção da urina, pois os gatos permanecem mais caseiros nesta época. A avaliação clinica dos felinos demonstrou que a obstrução uretral é um achado mais comum em machos, encontrando-se uma prevalência de 89,58% (43/48) de machos obstruídos e 10,42% (5/48) de fêmeas obstruídas, conforme demonstra a figura 2. Estes dados estão de acordo com Oliveira (1999) e Reche, Hagiwara e Mamikuza (1998), pois anatomicamente a uretra do macho favorece o processo obstrutivo, devido ser longa e possui um diâmetro menor se comparado com a uretra da fêmea, que é mais curta e larga. Sendo assim, cálculos e plugs uretrais têm maior chance de obstruírem a uretra de felinos machos.

108 Avaliação retrospectiva das variáveis etiológicas e clínicas envolvidas na doença do trato urinário inferior dos felinos... Figura 2 Comparação da ocorrência de obstrução uretral em relação ao sexo do animal. Dentre os animais acometidos pela DTUIF, tivemos que 59,09% (n=39) desses felinos eram inteiros e 40,90% (n=27) eram castrados, mostrados na figura 3. Valores semelhantes foram descritos por Reche, Hagiwara e Mamikuza (1998) e Wouters e colaboradores (1998). Ao contrário do que relata Amorim (2009) sobre castração como um fator predisponente da DTUIF, podemos aferir que, independentemente do sexo do animal e mesmo com as mudanças metabólicas que ocorrem após este procedimento, parece a castração não ter influência significativa sobre desenvolvimento da doença. alimentados com ração seca industrializada e 7,57% (n=5) recebiam comida caseira, sendo que, destes, 60% (n=3) recebiam carne bovina e 40% (n=2) recebiam carne bovina e leite de vaca (Figura 4). Quanto à ingestão de água, obteve-se que 74,24% (49/66) dos animais tinham hábitos de ingerir água em potes plásticos e 25,75% (17/66) dos felinos em torneira, como mostra a figura 5. A água suja ou parada não é um atrativo para os felinos, que gostam de ingerir água sempre limpa e fresca; assim, esses animais diminuem o consumo de água. Estes resultados estão de acordo com as análises de Lappin (2004) e Reche, Hagiwara e Mamikuza (1998), pois o consumo de ração seca leva a um consumo hídrico reduzido, resultando em uma urina concentrada e favorecendo a saturação de minerais presentes na ração, que consequentemente leva a formação de cálculos e cristais favorecendo a obstrução uretral. Figura 4 Tipo de dieta aos felinos com DTUIF. Figura 3 Influência da castração como fator predisponente da DTUIF. Com relação ao tipo de dieta que estes animais recebiam, verificou-se que 92,42% (n=61) eram Figura 5 Hábito de ingestão de água de felinos com doença do trato urinário inferior.

Rosa, V. M.; Quitzan, J. G. 109 Ao que se refere à atividade física, tivemos que 30 (45,45%) felinos tinham acesso a rua e que 36 (54,54%) eram sedentários (Figura 6). Com relação ao peso dos animais encontrou-se que uma média de 4,52Kg. Esses dados corroboram com Souza (2003) e Amorim (2009) e dessa forma podemos inferir que o sedentarismo é responsável pelo sobrepeso dos animais, e ambos contribuem para o desenvolvimento da DTUIF. cistotomia, sendo todos esses tratamentos descritos por vários autores (ETTINGER; FELDMAN, 2004; FOSSUM, 2005; NELSON; COUTO, 2006; MERCK, 2009), conforme quadro1. Quadro 1 Tipo de tratamento realizado em felinos com DTUIF. TRATAMENTO TRATAMENTO CLÍNICO CIRÚRGICO Antibiótico Desobstrução uretral Antinflamatório Uretrostomia perineal Rações terapêuticas Cistotomia Figura 6 Ocorrência de atividade física de felinos com DTUIF. Quanto ao ambiente em que os felinos viviam e quanto ao hábito de micção, Balbinot e colaboradores (2006) relataram resultados semelhantes, e no presente estudo verificou-se que 74,24% (n=49) eram domiciliados e possuíam hábito de urinar em caixa de areia e 25,75% (n=17) tinham acesso à rua e faziam suas necessidades neste ambiente, contribuindo para o desenvolvimento da DTUIF, pois se a caixa de areia estiver suja, o animal evita urinar e retendo a urina vai predispor a DTUIF. Com relação ao tipo de tratamento realizado, obteve-se que o tratamento clínico medicamentoso teve uma incidência de 28,78% (19/66), enquanto o tratamento cirúrgico obteve-se 71,21% (47/66), sendo que, destes, 53,19% (n=25) optou-se pela desobstrução uretral, 27,65% (n=13) pela uretrostomia perineal e 19,14% (n=9) pela Dos 66 casos de DTUIF atendidos, 43 (65,15%) deles eram processos recidivantes, ou seja, esses animais já haviam apresentado anteriormente uma ou mais recidivas obstrutivas ou não. Após o tratamento, obteve-se um índice de 48,48% (32/66) de recorrência da doença e 43,93% (29/66) de óbito, sendo estes valores semelhantes aos citados por Reche, Hagiwara e Mamikuza (1998) e Souza (2003). 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise dos resultados obtidos no presente estudo permite concluir que a DTUIF pode acometer tanto machos como fêmeas, sendo o processo obstrutivo mais frequente entre os felinos do sexo masculino. Verificou-se que a castração e a raça dos animais não atuam como um fator que predispõe à doença do trato urinário inferior de felinos; entretanto, os fatores dieta seca, água (quantidade e hábitos de consumo em potes plásticos), idade, ambiente em que vive (domiciliado), sazonalidade, sedentarismo e obesidade são fatores de risco desta síndrome gatos domésticos, predispondo à DTUIF. Dessa forma, foi possível descrever o perfil

110 Avaliação retrospectiva das variáveis etiológicas e clínicas envolvidas na doença do trato urinário inferior dos felinos... do distúrbio urinário do trato inferior de felinos (DTUIF) na população felina atendida nas clínicas veterinárias de Maringá e a existência de associação dos fatores considerados de risco da doença. Os animais atendidos durante a realização da pesquisa instituíram-se orientações aos proprietários, bem como medidas profiláticas para a obstrução uretral, permitindo assim melhor qualidade e mais tempo de vida para os pacientes felinos. REFERÊNCIAS ALVES, M. A.. Tratamento Clínico e Cirúrgico de Obstrução Uretral em Doença do Trato Urinário Inferior dos Felinos: revisão de literatura. 2006. 41fl. Monografia (Especialização em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais) Universidade Castelo Branco. Rio de Janeiro, RJ: UCB, 2006. AMORIM, F. V.. Manejo do Gato Obstruído. Curso de Especialização em Clinica Médica de Pequenos Animais. Maringá, PR: CESUMAR, 2009. [Notas de Aula]. BALBINOT, P. et al.. Distúrbio Urinário do Trato Inferior de Felinos: caracterização de prevalência e estudo de caso-controle em felinos no período de 1994 a 2004. Revista Ceres, Viçosa, v. 53, p. 645-653, nov./dez. 2006. BIRCHARD, S. J.; SHERDING, R. G.. Manual Saunders: clínica de pequenos animais. 2. ed.. São Paulo, SP: Roca, 2003. ETTINGER, S. J.; FELDMAN, E. C.. Tratado de Medicina Interna Veterinária: moléstias do cão e do gato. 5. ed.. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2004. FOSSUM, T. W.. Cirurgia de Pequenos Animais. 2. ed.. São Paulo, SP: Roca, 2005. Alegre, RS: Artmed, 2004. THE MERCK VETERINARY MANUAL. Feline Urological Syndrome. Disponível em:<http:// www.merckvetmanual.com/mvm/index.jsp>. Acesso em: 25 fev. 2009. NELSON, R. W.; COUTO, C. G.. Medicina interna de pequenos animais. 3 ed.. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier, 2006. NORSWORTHY, G. D. et al.. O paciente Felino. 2. ed.. Barueri, SP: Manole, 2004. OLIVEIRA, P. L. J.. Uretrostomia perineal em felinos: revisão. Clínica Veterinária, São Paulo, v. 4, n. 22, p. 38-42, set./out. 1999. RECHE JR, A.; HAGIWARA, M. K.; MAMIKUZA, E.. Estudo clínico da doença do trato urinário inferior em gatos domésticos de São Paulo. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 69-74, 1998. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=s1413-95961998000200004&lng=en& nrm=iso>. Acesso em: 28 jan. 2010. SOUZA, H. J. M.. Coletâneas em medicina e cirurgia felina. Rio de Janeiro, RJ: L. F. de Livros, 2003. TILLEY, L. P.; SMITH J. R. F. W. K.. Consulta Veterinária em 5 Minutos: espécies canina e felina. 2. ed.. Barueri, SP: Manole, 2003. WOUTERS, F. et al.. Síndrome urológica feline: 13 casos. Ciência Rural, Santa Maria, v. 28, n. 3, p. 497-500, set. 1998. Disponível em:<http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0103 84781998000300024&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 29 jan. 2010. Recebido em: 29 Março 2010 Aceito em: 10 Agosto 2011 LAPPIN, M. R. Segredos em Medicina Interna de Felinos: respostas necessárias ao dia-a-dia em rounds, na clinica, em exames orais e escritos. Porto