A REPRESENTAÇÃO DOS DITONGOS NA ESCRITA DE CRIANÇAS DO QUARTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

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Transcrição:

Página96 A REPRESENTAÇÃO DOS DITONGOS NA ESCRITA DE CRIANÇAS DO QUARTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Jéssica Rassweiler 1 Cristiane Lazzarotto-Volcão 2 RESUMO: O objetivo deste trabalho é discutir como crianças do quarto ano do Ensino Fundamental representam na escrita os ditongos. Consideraremos neste trabalho apenas a representação dos ditongos verdadeiros, ou seja, os que nunca sofrem o processo de monotongação ou nunca variam com hiato. As produções analisadas foram feitas através de um reconto e houve uma coleta de dados que nos permitiu desenvolver um perfil ortográfico das crianças em estudo, através da representação desse fenômeno presente na escrita dos alunos. Nossa análise baseouse na categorização proposta por Lazzarotto-Volcão (2012) e nas teorizações de Câmara Jr. (1969) e Bisol (2001). Através da análise dos resultados, percebeu-se que não há muitos problemas para representação de ditongos na escrita das crianças e que esses estão mais relacionados aos aspectos fonético-fonológicos da língua. Palavras-Chave: Ortografia; Ditongos; Ensino de língua portuguesa. Introdução O ensino e a aprendizagem da ortografia se caracterizam como um campo extremamente importante nos estudos que compreendem a aquisição da linguagem pelas crianças. Hoje, o estudo da língua portuguesa em seus aspectos ortográficos possui pesquisas muito importantes que influenciam estudiosos da área. A ortografia também se constitui como uma das grandes bases para o ensino de língua(gem) no Ensino Fundamental, podendo estar presente tanto na prática de análise linguística quanto na produção de textos. Uma boa apropriação da escrita pela criança proporcionará a ela uma autoconfiança maior e mais segurança na hora de colocar em prática o que efetivamente aprendeu. Pensando nisso, apresentaremos algumas posições de autores que tratam sobre ortografia, a fim de esclarecer os objetivos e ressaltar a importância de seu estudo. Entre elas, está a posição de Morais (2008), que discute a sua relevância e uma de suas principais funções: a comunicação. De acordo com o autor, A ortografia funciona assim como um recurso capaz de cristalizar na escrita as diferentes maneiras de falar 1 Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Acadêmica do curso de Letras-Português da Universidade Federal de Santa Catarina jessica.rassweiler@hotmail.com 2 Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Professora do curso de Letras-Português da Universidade Federal de Santa Catarina cristiane.volcao@cce.ufsc.br

Página97 dos usuários de uma mesma língua. Escrevendo de forma unificada, podemos nos comunicar mais facilmente. (MORAIS, 2008:19). Segundo as considerações feitas pelas autoras Miranda et al. (2005, p.2): A natureza fonêmica da ortografia portuguesa, assim como a dos sistemas ortográficos de outras línguas, garante a unidade do sistema de escrita. Se a escrita fosse fonética, isto é, se representasse exatamente os sons da fala, teríamos uma diversidade tamanha que a unidade da língua ficaria comprometida. Isso porque a escrita reproduziria, não só a imensa variedade dialetal brasileira, mas também aquela que se verifica entre os falares do português europeu e africano. A escrita perderia, assim, o seu papel unificador. Além disso, iremos expor nosso trabalho, a fim de contribuir para a reflexão acerca de como são representados os ditongos pelos escolares do quarto ano do Ensino Fundamental e de como isso se associa às pesquisas relacionadas ao assunto, tanto no espaço científico-acadêmico, como na comunidade escolar. Tomamos como ponto de partida os erros ortográficos cometidos pelas crianças, no intuito de verificar como elas representam certos fenômenos fonológicos na escrita e se elas já atingiram o domínio desse código através de suas experiências linguísticas anteriores. Neste estudo, procuraremos mostrar, mais especificamente, como elas concebem as relações entre fonologia e ortografia por meio da escrita de ditongos. O artigo encontra-se dividido em cinco seções: Introdução, Discussões teóricas, Metodologia, Resultados e discussão, e Conclusão. Na primeira, fizemos um breve panorama da ortografia e da representação dos ditongos. Na segunda seção, retomaremos discussões teóricas que retratam o status fonológico e ortográfico dos ditongos crescentes e decrescentes, bem como a subdivisão de suas categorias. Na terceira, traremos a metodologia adotada em nossa pesquisa, contextualizando o leitor a respeito de como, quando e onde essas experiências ocorreram. Na quarta, mostraremos

Página98 os resultados obtidos e alguns exemplos, assim como realizaremos a discussão desses resultados. Por fim, na quinta, vamos expor nossas conclusões acerca da pesquisa. 2 Discussões teóricas 2.1 O ditongo e seu status fonológico Para aprofundar nossas discussões teóricas, tomaremos como base as teorias propostas por Câmara Jr. (1970) e Bisol (2001) e. Ambos trazem uma longa discussão acerca dos ditongos. Segundo Câmara Jr. (1970 apud BISOL, 2001: 111), [...] os verdadeiros ditongos em português são os decrescentes; os crescentes variam livremente com o hiato. Para Bisol (2001: 111), [...] não há ditongo crescente. A sequência VV (glidevogal) é o resultado da ressibilação pós-lexical, ou seja, os ditongos crescentes não fazem parte do inventário fonológico do português e surgem da fusão de rimas de duas sílabas diferentes. Segundo as considerações de Adamoli (2006: 29) sobre a posição dos autores em relação aos ditongos, [p]ara justificar a ausência de ditongos crescentes, Bisol (2001) usa o argumento de que, na sequência GV, o glide normalmente está em variação livre com a vogal, isto é, hiato e ditongo alternam-se, como em (kiabu ~ kjabu). Câmara Jr. considera que, no caso do ditongo crescente, a variação livre entre ditongo e duas sílabas de vogais contíguas (su.ar/suar, su.a.dor/sua.dor) é situação geral. Analisando a estrutura que possui um verdadeiro ditongo, vemos que os autores Câmara Jr. (1970) e Bisol (2001) trazem uma discussão interessante a respeito

Página99 da posição ocupada pela semivogal na sílaba. Eles abordam propostas que concebem tanto a semivogal no núcleo (VV) quanto na coda da sílaba (VC). 3 Para Câmara Jr. (1970 apud BISOL, 2001: 111), a alternativa VV é melhor, porque, para o autor, a questão envolve [...] análises diferentes, porque VC pressupõe uma sílaba travada, enquanto VV é uma sílaba aberta. 4 Nesse sentido, Câmara Jr. traz vários argumentos para mostrar que a alternativa VV é a mais adequada: O r, por exemplo, quando grafado depois do ditongo, não se apresenta como forte. Ex.: aurora e europeu. Um ditongo passa facilmente a um monotongo. Ex.: caixa para caxa e peixe para pexe. A divisão silábica, na sequência átona de vogal + vogal alta, admite variação. Ex: vai. da. de para va.i.da.de. É fácil a passagem de /i/ assilábico para [e]. Ex: Papai para papae. Além disso, [s]egundo Câmara Jr.(1970), a semivogal é de natureza vocálica e ocupa com a vogal silábica o núcleo da sílaba e não comuta com consoante, mas o ditongo inteiro comuta com a vogal simples (leu, lê). Outra razão para analisar os ditongos como VV é a de que os glides não são considerados como elementos do inventário fonológico do português. (BISOL, 2001:113). Já para Bisol (2001), a alternativa VC é melhor, pois, nos ditongos decrescentes, a semivogal ocuparia a posição da consoante e, consequentemente, ficaria na coda da sílaba. Para defender sua teoria, a autora diz que: 3 O núcleo é formado pelas vogais e se constitui no pico silábico, já a coda é formada pelas consoantes que ocupam o final da sílaba e pode ser preenchida por uma ou mais consoantes, ou não ser preenchida por nenhum segmento. 4 Bisol (2001) aponta que, além dessa posição, Câmara Jr., em sua obra Problemas de Linguística Descritiva, assume uma postura diferente, na qual concebe sílabas que apresentam ditongos como travadas. Ele classifica as sílabas em quatro modalidades: V/z/, V/r/, V/l/ [...] e V/y, w/ (ditongos decrescentes).

Página100 Nesse caso, os elementos [j] e [w] comutam com consoante (mar, mau). No nível subjacente todas as semivogais são vogais altas, que se tornam glides no processo de silabação. Os ditongos decrescentes formam-se ainda no componente lexical enquanto os crescentes se formam no componente pós-lexical. Por outro lado, aqueles ditongos decrescentes que passam a monotongos, são analisados como ditongos leves [...]. (BISOL, 2001: 113). As representações de Bisol (2001) para os ditongos verdadeiro e falso podem ser conferidas na Figura 1, a seguir. Figura 1: Estrutura do ditongo verdadeiro e ditongo leve proposto por Bisol (2001: 114). Na Figura 1, trazemos a estrutura do verdadeiro ditongo para exemplificar o lugar da semivogal na estrutura arbórea da sílaba. O ditongo falso ou leve surge diante de uma palatal, pois ela possui uma articulação secundária. Na visão de Bisol (2001), essa consoante apresenta tanto traços consonantais, quanto vocálicos 5. A autora propõe essa estrutura, argumentando que o verdadeiro ditongo forma pares mínimos com a vogal simples. Já o falso ditongo ou ditongo leve também alterna com a vogal simples, mas não causa mudança de estilo. 5 Pensando na diferença que existe entre ditongo verdadeiro e ditongo falso ou leve, vemos que o primeiro ocupa duas unidades no esqueleto da CV. Já o segundo ditongo ocupa apenas uma unidade de duração.

Página101 2.2 O ditongo e suas categorizações Nossas teorizações também trazem a categorização proposta por Lazzarotto- Volcão (2012), que divide os erros ortográficos em dois grupos: o primeiro, em que coloca os erros relacionados aos aspectos fonético-fonológicos da língua, os quais são erros motivados pela fonética (quando o aprendiz representa graficamente uma palavra tal qual ela é produzida na fala) e erros que possuem natureza fonológica (quando o aprendiz demonstra dificuldades em representar as unidades abstratas da fonologia, como segmentos, sílabas e palavras); e o segundo grupo, em que coloca os erros relacionados aos aspectos ortográficos da língua (nessa categoria, estariam os erros que violam as normas ortográficas), que levam em consideração as relações regulares contextuais, as relações regulares morfológico-gramaticais e as relações irregulares. Pensando nisso, Lazzarotto-Volcão (2012) analisa e discute as produções de uma criança do Ensino Fundamental e sugere medidas pedagógicas para o ensino de língua portuguesa. A exemplo de Morais (2008) e Miranda et al. (2005), ela propõe algumas intervenções no processo de escrita da criança. Entre essas intervenções, destaca a leitura com focalização, na qual a professora [...] faz perguntas que levam o aluno a pensar sobre a natureza da ortografia das palavras e a identificar que algumas delas são fontes de dúvidas. Outra intervenção possível é a (re)escrita com transgressão, em que [...] o aluno é convidado a escrever ou a reescrever um texto, errando de propósito. Ela também coloca que [...] o professor precisa levar o aluno a compreender que há determinadas formas escritas que obedecem a uma determinada regra, enquanto outras, não (LAZZAROTTO-VOLCÃO, 2012: 13).. Nesse sentido, sugere a reescrita com transgressão e a construção do mural de regras ortográficas. Em relação à ortografia dos ditongos, podem surgir diversos tipos de erro. Nós vamos nos concentrar em discorrer sobre um erro encontrado frequentemente nas produções textuais de alunos do Ensino Fundamental I e também em nossa pesquisa: a supergeneralização. Vemos que, muitas vezes, a forma com que a criança representa alguns ditongos está associada à forma como ela os pronuncia. Segundo as reflexões de Monteiro (2010), a criança começa a analisar a relação entre fala e escrita e descobre que uma letra pode ter vários sons e que um som pode ser representado por várias letras.

Página102 A autora também ressalta que os erros de supergeneralização diminuem à medida que a criança vai se apropriando do sistema ortográfico e aprende a observar atentamente as diferenças entre língua oral e língua escrita. Dessa forma, a escrita cumpre seu papel de atentar o aluno para a reflexão de suas regras, fazendo com que ele possa entendê-las e aprender a grafá-las corretamente. Nas palavras da autora: [...] pode-se concluir que a ortografia possui diversas facetas que devem ser consideradas pela criança, pois suas regras não são da mesma natureza e envolvem diferentes competências para sua aprendizagem. Em alguns momentos, a criança precisará atentar para a posição de determinada letra na palavra, em outros, precisará observar aspectos relativos à morfologia, por exemplo. (MONTEIRO, 2010: 275). Nesse sentido, o aluno deve ser levado a refletir sobre o próprio erro. É necessário rever a noção de erro e explicar ao aluno que, a partir da falha, ele pode construir um texto adequando-se às normas ortográficas. Baseado em uma experiência realizada com alunos da educação básica, Zorzi (1997) afirma que a ocorrência dos erros ortográficos depende de sua frequência e do número de alunos que o produzem, ou seja, quanto mais frequente é um erro e quanto maior a quantidade de alunos que o cometem, mais difícil será para compreender as características ortográficas que levariam a sua não ocorrência. 3 Metodologia A coleta de dados foi realizada em uma escola mantida pelo Governo Municipal. A escola pública oferece à população apenas as séries que compreendem o Ensino Fundamental I e situa-se em um bairro pequeno de Florianópolis/SC. A turma conta com 15 alunos e, no dia da produção textual, foram escritos 13 textos pelos alunos do quarto ano do Ensino Fundamental.

Página103 A faixa etária dos escolares participantes foi de nove anos a dez anos. Não houve pareamento por gênero, uma vez que estávamos interessadas no desempenho de todas as crianças da turma. Todos os alunos que estavam na sala de aula no dia da produção participaram da coleta. As produções foram espontâneas, mas baseadas em uma contação de história feita pela professora da turma. A contação foi inspirada em um capítulo do livro O dia não está para bruxas, do autor Marcus Tafuri. Durante esse momento, todos os alunos ficaram atentos aos fatos da narrativa e se mostraram interessados no enredo, fazendo perguntas à professora regente da turma. Em seguida, as crianças participaram da experiência de produzir um reconto dessa história. Elas, com suas próprias palavras, retomaram aspectos e fatos importantes que ocorreram durante a narrativa. Essa produção ocorreu individualmente e sem nenhuma intervenção. 4 Resultados e discussão Partindo para a análise das produções, constatamos que os ditongos que surgiram foram iu, eu, ou, ai, ão, oi, ei e au, e não houve monotongação em nenhum deles. Nas produções das crianças, apareceram 124 ditongos e 13 estavam grafados erroneamente. Do total de 13 crianças, quatro apresentaram problemas com ditongos, e esses problemas encontram-se apenas em verbos. Dos 124 ditongos, 63 apareceram em verbos e o restante em nomes. Entre os erros, verificam-se alguns como:

Página104 Troca de semivogal: u por o nas palavras sentiu, pediu e viu. Figura 2: Alguns exemplos da troca de u por o retirado das produções textuais das crianças em estudo. Troca de semivogal por consoante: u por l nas palavras amanheceu, respondeu, convenceu, completou e falou. Figura 3: Alguns exemplos da troca de u por l retirado das produções textuais das crianças em estudo.

Página105 Como podemos perceber, não há muitos problemas para representação de ditongos na escrita das crianças, pois todos os erros aparecem em verbos e têm relação com o fato de as crianças já perceberem que as letras l e o, u e o representam o som da semivogal em outras palavras escritas. Isso nos dá argumentos para certificar que as crianças que escrevem dessa forma fazem uma supergeneralização da regra, ou seja, a criança supergeneraliza uma regra que orienta a grafia de l quando se pronuncia u na posição final da sílaba, como em anoitecel, por exemplo. Monteiro (2010) também aponta alguns exemplos de palavras e casos que estão relacionados à supergeneralização. Alguns deles são os mesmos que encontramos em nossa pesquisa, como na palavra sentiu, por exemplo. Em relação ao caso da palavra sentiu, a autora propõe a hipótese de que a criança, ao escrever dessa forma, já possui a percepção da regra e apenas realiza o abaixamento da vogal alta final na escrita, trocando assim o u por o. E o mesmo acontece para a troca e u por l na posição final da sílaba nos verbos encontrados em nossa análise. Ou seja, as palavras são constituintes da mesma natureza: são grafadas de uma forma, mas pronunciadas de outra. Conclusão Este artigo procurou mostrar a representação do sistema ortográfico por escolares do quarto ano do Ensino Fundamental. Procuramos (i) refletir sobre o sistema ortográfico, a fim de auxiliar o aluno a melhorar a qualidade de seu texto, a obter conhecimento das regras e a escrever de acordo com as normas ortográficas, além de (ii) trazer a opinião e os estudos de diversos autores como Câmara Jr. (1970), Bisol (2001) e Monteiro (2010),, entre outros que tratam do assunto. A pesquisa também procurou retratar como esses alunos representam os ditongos. Os resultados mostraram que os ditongos grafados erroneamente foram encontrados apenas em verbos, todos resultantes de supergeneralizações feitas pelas crianças em estudo. Todos os erros ocorreram nas trocas das semivogais u por l e u por o. A partir da pesquisa realizada, procuramos discutir com o professor da educação básica os resultados do desempenho ortográfico dos alunos, bem como as suas

Página106 práticas relativas a esse tópico, para que ele pudesse realizar a intervenção pedagógica da melhor maneira possível. De forma significativa, também vemos que essa discussão contribui para formação inicial de professores de língua portuguesa, a fim de garantir um espaço de diálogo e interação entre escola e universidade, em que professores da educação básica, alunos da graduação e pesquisadores acadêmicos possam atuar colaborativamente. Referências ADAMOLI, M. A. Aquisição dos ditongos orais mediais na escrita infantil: uma discussão entre ortografia e fonologia. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas. BISOL, L. (Org.) Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996-2001. CÂMARA JR., J. M. Problemas de Linguística Descritiva. Petrópolis: Vozes, 1969.. Estrutura da Língua Portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1970. LAZZAROTTO-VOLCÃO, C. Um novo olhar sobre o ensino da ortografia. In: IRALA, V. B.; SILVA, S. (Orgs.). Ensino na área da linguagem: perspectivas a partir da formação continuada. Campinas: Mercado de Letras, 2012. MIRANDA, A. R. M.; MEDINA, S. Z.; SILVA, M. R. O sistema ortográfico do Português Brasileiro e sua aquisição. Linguagem e Cidadania. Revista Eletrônica, Santa Maria, edição 14,2005. MONTEIRO, C. R. A aprendizagem da ortografia e o uso de estratégias metacognitivas. Cadernos de Educação, Pelotas, ano 18, n. 33, p. 271-302, 2010. MORAIS, A. G. Ortografia: ensinar e aprender. 4. ed. São Paulo: Ática, 2008. TAFURI, M. O sapo Moacir. In:. O dia não está para Bruxa. Ilustrações de Walter Lara. 2. ed.. Belo Horizonte: Dimensão, 1995.(Coleção Era Outra Vez). ZORZI, J. L. A apropriação do sistema ortográfico nas quatro primeiras séries do 1 o grau. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997.