A TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS. Palavras-chave: justiça-política-eqüidade-direitos. Keywords: justice-politics-fairness-rights

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UFMA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍCAS PÚBLICAS QUESTÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO SÉCULO XXI 1 A TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS Maria Obirene Freires Barros * RESUMO O grave e persistente quadro de desigualdades sociais existente no Brasil me motivou a empreender uma pesquisa teórica sobre a concepção da justiça como eqüidade. Pretendo, com esse estudo, contribuir para o debate atual acerca dos fundamentos éticos das políticas públicas. Na Theory of Justice, a mais importante obra de filosofia política da última metade do século XX, Rawls propõe princípios e procedimentos a serem adotados pelo Estado na solução de questões relativas às desigualdades entre os homens. A questão central de Rawls, são os direitos do homem a serem alcançados na sociedade, sob a correção da justiça como equidade. Palavras-chave: justiça-política-eqüidade-direitos. ABSTRACT The serious and persistent picture of social inequalities existing in Brazil motivated me to undertake a theoretical research on the conception of justice as fairness. I intend, with this study, to contribute for the current debate concerning the ethical beddings of the public politics. In the Theory of Justice, the most important workmanship of philosophy politics of the last middle of the twenty century, Rawls considers principles and procedures to be adopted for the State in the solution of relative questions to the inequalities between the men. The central question of Rawls is the rights of the man to be reached in the society, under the correction of justice as fairness. Keywords: justice-politics-fairness-rights 1 INTRODUÇÃO Segundo John Rawls, a correção das injustiças sociais, só pode advir da prática de uma política que vise à equidade, claramente localizada e pontual. Não de uma revolução social. Verificando-se qual o setor social menos favorecido (em razão da raça, sexo, cultura ou religião), mecanismos legislativos compensatórios entrariam em ação para buscar reparar, pela lei e com o consentimento geral, as injustiças cometidas. É certo que isso requer a suspensão temporária dos direitos de todos os demais, especialmente dos bem sucedidos. Mas, como acreditava Kant, a Billigkeit, a equidade deve ser, antes de tudo, reivindicada no tribunal da consciência e não nos tribunais comuns. A sociedade num todo avançaria então gradativamente identificando aqui e ali as correções sociais a serem feitas, agindo cirurgicamente no sentido de superá-las pela lei, aplicada simultaneamente ao apelo * UECE.

2 constante ao altruísmo dos better off, não no sentido de uma inatingível igualdade absoluta, como era o desejo dos radicais socialistas, mas na direção da igualdade mais justa possível, a ser alcançada dentro das normas de uma democracia liberal moderna. 2 JUSTIÇA COMO EQÜIDADE Rawls em Uma Teoria da Justiça, oferece sua grande contribuição à teoria política. Sua concepção política de justiça como eqüidade não decide se os princípios elaborados por Rawls se realizam melhor na democracia da propriedade privada ou no regime liberal-socialista. Considerando as circunstâncias particulares de uma nação, Rawls mostra a possibilidade de tais questões serem solucionadas de forma inteligente e racional. A obra de Rawls versa sobre os dilemas da democracia liberal, quando Rawls esboça todo um itinerário de compreensão do que seja o justo na sociedade humana. Para isso enfrenta a teleologia, o utilitarismo, o intuicionismo e a deontologia, interpretando-os e os avaliando, para construir o objeto de sua elucidação filosófica, na tentativa de encontrar uma concepção razoável e pública de justiça. Rawls ressalta a relevância do raciocínio e das comparações, ao decodificar a concepção alternativa de justiça, implícita na tradição contratualista de Locke, Rousseau e Kant. Para isso percorre um longo caminho de análise e interpretação do pensamento utilitarista e intuicionista, a fim de sistematizar uma nova teoria da justiça. O pacto social do contratualismo é substituído aqui, por uma situação inicial, que ele denomina de posição original, que abrange restrições de conduta fundamentadas em razões que conduzem a um acordo inicial sobre os princípios da justiça. A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento. (Rawls,1971). Esse é o intuito de Rawls: elaborar uma teoria da justiça onde se possa interpretar e avaliar proposições que se tornaram convicções ao longo da tradição da filosofia política. Uma teoria não deve ser aceita se não é verdadeira, tanto quanto leis e instituições precisam ser modificadas ou extintas se são injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. (Rawls,1971). Ou seja, cada pessoa traz dentro de si mesmo algo que o protege de qualquer tipo de violência, que nem o bem bom social pode desconhecer, pois a justiça é a razão e a validade desse fato como disposição firme e constante da prática do bem. O Objetivo da obra de Rawls é indagar em que consiste a justiça política, formulando um conceito alternativo de justiça. Portanto numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses sociais. (Rawls,1971)

3 Ora, uma sociedade se resume na associação de pessoas que constatam que precisam de regras para orientar-se e guiar-se nas suas atitudes. O autor conjetura uma sociedade que possui um sistema de cooperação que tem como alvo o bem de todos. Nesta sociedade temos cooperação e vantagens mútuas, mas temos também interesses e conflitos. Daí a necessidade de um grupo de princípios que nos possibilitem fazer escolhas entre o que determina a divisão de vantagens e como acordar as partes distributivas apropriadas. São os princípios da justiça social. Eles atribuem direitos e deveres às instituições da sociedade e definem a distribuição adequada de vantagens e responsabilidades da cooperação social. 3 O OBJETO DA JUSTIÇA Rawls afirma que o objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social. (Rawls,1971) Rawls se refere à constituição política e aos principais acordos econômicos e sociais e dá como exemplo, a proteção legal da liberdade de pensamento e de consciência, os mercados competitivos, a propriedade particular no âmbito dos meios de produção e a família monogâmica. As desigualdades sociais, concebidas na estrutura básica da sociedade, além de serem difusas, atingem as possibilidades de vida dos seres humanos. É a tais desigualdades que os princípios de justiça devem ser aplicados primeiramente. Esses princípios devem regular uma sociedade bem-ordenada. 1.Todas as pessoas têm igual direito a um projeto inteiramente satisfatório de direitos e liberdades básicas para todos, projeto este compatível com todos os demais; e, nesse projeto, as liberdades políticas, e somente estas, deverão ter seu valor eqüitativo garantido. 2.As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer dois requisitos;(a) devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos, em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades; e (b) devem representar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da sociedades. (Rawls,1971) O primeiro princípio - o da igual liberdade - diz respeito à exigência da aplicação das liberdades fundamentais a todos os indivíduos, imparcialmente, segundo uma lista de liberdades básicas iguais, facilmente concebível pelas partes envolvidas. Dentre tais liberdades, as mais importantes são a liberdade política, a liberdade de expressão e reunião, a liberdade de consciência e de pensamento, as liberdades da pessoa, o direito à propriedade privada e a proteção contra a prisão e a detenção arbitrárias. Já o segundo, refere-se à justiça distributiva, na medida em que a ordem social não deve estabelecer e

4 assegurar as perspectivas mais atraentes dos que estão em melhores condições a não ser que fazendo isso, traga também vantagens para os menos favorecidos.(cf.rawls.1971) O que Rawls nos traz de novo é fazer das desigualdades um subcaso das igualdades. Havendo desigualdades, estas se inserem na esfera maior das igualdades, sendo portanto, aceitáveis. Como todos possuem direitos e deveres, as desigualdades são justas, eqüitativas, na medida em que promovem benefícios para todos, em particular para os menos privilegiados. 4 A IDÉIA PRINCIPAL DA TEORIA DA JUSTIÇA Rawls objetiva apresentar uma concepção de justiça que generaliza e leva a um plano maior de abstração a teoria do contrato social. A idéia norteadora é que os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade são o objeto do consenso original. (Rawls,1971) Considerando os princípios da justiça, justiça como eqüidade é a denominação para a regulação dos acordos, definidos na posição inicial, como dos tipos de cooperação social que se podem assumir e as formas de governo que se podem estabelecer. O Bem se constiitui pela razão de cada um, assim também, as pessoas devem decidir de uma vez por todas, tudo aquilo que entre elas se deve considerar justo e injusto. A posição inicial é apenas uma situação puramente hipotética que nos leva a uma certa concepção de justiça. O consenso resulta nos princípios da justiça. É esta a idéia de justiça como eqüidade: os princípios da justiça são acordados numa situação inicial que é eqüitativa. Mas o conceito de justiça não se identifica com o de eqüidade. A primeira coisa a se fazer é escolher uma concepção de justiça, depois pode se constituir uma legislatura para elaborar leis, e daí por diante, sem nunca perder a consonância com os princípios da justiça acordados inicialmente. Uma vez que os princípios de justiça são considerados como consequências de um consenso original numa situação de igualdade, fica aberta a questão se o princípio da utilidade seria reconhecido. (Rawls,1971) Ora não é provável que pessoas que se vêem como iguais, capazes de exigir-se mutuamente, concordem com um princípio que seja capaz de reclamar para alguns expectativas de vida inferiores, simplesmente por que outros desfrutam de maiores vantagens. Se cada um busca proteção para seus próprios interesses, é capaz de promover o bem, porque alguém aceitaria uma perda duradoura para si, só por causa do saldo líquido de satisfação? Parece que o princípio da utilidade é incompatível com a concepção da cooperação social entre iguais para a vantagem mútua. Parece ser inconsistente com a idéia de reciprocidade implícita na noção de uma sociedade bem-ordenada. (Rawls,1971) Seja como for, o utilitarismo aqui é

5 superado, porque não podemos admitir como justo que alguns tenham menos para outros prosperarem. Agora, se o ganho de maiores benefícios melhorar a vida dos menos talentosos, não haverá injustiça, segundo Rawls. A alternativa, diante da superação do utilitarismo e do intuicionismo é a doutrina contratualista. E a justiça é apenas uma virtude no qual o sistema contratualista pode inserir princípios. 5 A POSIÇÃO ORIGINAL E SUA JUSTIFICATIVA Na concepção da posição original, que já nos referimos anteriormente, existem condições que representam a igualdade entre os seres humanos como pessoas éticas, como criaturas que têm uma concepção do seu próprio bem e que são capazes de ter um senso de justiça. Aqui o que é relevante é que certos princípios de justiça se justificam porque foram aceitos consensualmente numa situação inicial de igualdade.(rawls,1971) A teoria de Rawls é semelhante a de Habermas, na medida em que simula uma posição original da qual devem proceder os princípios fundamentais da justiça. 6 SOBRE A TEORIA MORAL Nossa aptidão moral é extraordinariamente complexa. Adquirimos uma habilidade para julgar que certas coisas são justas ou injustas e para fundamentar esses juízos. Desejamos agir de acordo com esses sentimentos e esperamos um desejo semelhante da parte dos outros. Entende-se pois por teoria da justiça, a descrição do nosso senso de justiça. E a idéia da posição original, onde se dá um consenso acerca da justiça, não é complicada nem desnecessária, chegando a ser bastante simples e servindo como ponto de partida. Juízos ponderados são simplesmente os que são feitos sob condições favoráveis ao exercício do senso de justiça, e portanto em circunstância em que não ocorrem as desculpas e explicações mais comuns para se cometer um erro. (Rawls,1971) Logo, a pessoa que emite o juízo tem a habilidade, a oportunidade e o desejo de chegar a uma decisão correta. E continua Rawls, uma vez que consideramos o senso de justiça como uma capacidade mental, envolvendo o exercício do pensamento, os juízos pertinentes são aqueles apresentados em condições favoráveis à deliberação e o julgamento em geral.

6 Segundo a filosofia moral, pode-se dizer que justiça como eqüidade é a hipótese segundo a qual os princípios que seriam escolhidos na posição original são idênticos àqueles que correspondem aos nossos juízos ponderados e, assim, esses princípios descrevem o nosso senso de justiça. De acordo com uma teoria ética, a melhor explicação do senso de justiça de uma pessoa, diz Rawls, não é a que combina com suas opiniões emitidas antes que ela examine qualquer concepção de justiça, mas sim, a que coordena os seus juízos em um equilíbrio refletido. E o que vem a ser o equilíbrio refletido? Segundo o autor há várias interpretações do equilíbrio refletido. Na filosofia moral, o senso de justiça de uma pessoa pode sofrer ou não uma mudança radical, e são as concepções de justiça da tradição que Rawls examina, a fim de mostrar que a justiça como eqüidade nos aproxima do ideal filosófico, embora não o atinja. Este é o equilíbrio refletido do qual nos fala Rawls: examinar todas as alternativas possíveis que possam estar de acordo com seus juízos, e não apenas considerar tipos em grau maior ou menor à suas opiniões. Para Rawls, se pudermos caracterizar o senso de justiça de uma única pessoa (instruída), é possível que tenhamos um bom ponto de partida na direção de uma teoria da justiça. São assim os estágios iniciais de uma teoria da justiça: os nossos juízos ponderados em equilíbrio refletido. Não podemos ficar só nos a priori, temos que usar hipóteses contingentes e fatos genéricos. E a doutrina contratualista é a que melhor se adequa para estabelecer contraste com o utilitarismo, que é o que Rawls denomina de justiça como eqüidade. Deveríamos ver uma teoria da justiça como um esquema orientador destinado a enfocar as nossas sensibilidades morais e colocar diante das nossas capacidades intuitivas problemas mais limitados e administráveis para julgarmos. Os princípios da justiça identificam certas considerações como sendo moralmente pertinentes e as regras de prioridade indicam a precedência apropriada quando elas conflitam entre si, enquanto a concepção da posição original define a idéia subjacente que deve informar as nossas ponderações.(rawls,1971) 7 DISCUSSÃO CENTRAL Como normatizar teórica e eticamente procedimentos que nos garantam a equação do justo? 8 RESULTADOS E CONCLUSÃO

7 Delineamos nossa pesquisa na perspectiva de que as políticas públicas precisam ser avaliadas, a partir de um patamar multidisciplinar, fundado na filosofia, na sociologia, na economia e, sobretudo, na ciência política. O pensamento rawlsiano, que buscou elementos em todas essas ciências, na sua formulação, postula a defesa e a promoção da pessoa e da vida em sociedade. Além disso, a constatação do pluralismo nas sociedades modernas mostra que a intervenção do Estado ocorre em meio a variados interesses e conflitos. Dessa forma, poderemos compreender as relações instáveis entre o poder público e a sociedade organizada. Desde os filósofos da antiguidade, essa problemática já existia e com a modernidade ganhou uma dimensão mais complexa com a concepção do jus-naturalismo. A concepção rawlsiana da justiça é uma teoria normativa que se fundamenta no contratualismo moderno, com ênfase nas questões da justiça e não nas de legitimidade. Para ele, a legitimidade da democracia não elimina as decisões injustas. Portanto, a questão da justiça torna-se preponderante. Uma teoria da justiça no plano normativo precisa lidar com a questão da igualdade e da desigualdade entre pessoas e grupos de pessoas, demonstrando que a igualdade é moralmente justificável e a desigualdade injustificável. O problema da igualdade/desigualdade tem várias dimensões: distribuição de recursos materiais, determinação dos crimes e das penas, acesso à educação e à saúde, participação política, etc. Rawls se preocupou em construir uma teoria da justiça e não uma teoria do governo legítimo, portanto a relevância de sua teoria repousa neste ponto e essa é a grande novidade do pensamento rawlsiano, no qual todos os novos liberais irão se inspirar para repensar e apresentar teorias alternativas de justiça sem centralizar a questão da soberania. A razão pela qual o contrato social deve ser considerado como hipotético e não histórico, é portanto evidente. A explicação é que o acordo na posição original representa o resultado de um processo racional de deliberação nas condições ideais e não históricas, que exprimem certos cerceamentos razoáveis. O que justifica uma concepção da justiça como eqüidade, não é portanto, que ela seja verdadeira em relação a uma determinada ordem anterior a nós, mas que esteja de acordo com a nossa compreensão em profundidade de nós mesmos e o fato que, dadas a nossa história e as tradições que estão na base da nossa vida pública, ela é a concepção mais razoável para nós. A comunidade política rawlsiana é concebida como um sistema coo-perativo que sugere a contribuição de sucesso para um empreendimento, com o direito de esperar os frutos serem repartidos eqüitativamente. REFERÊNCIA

8 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo, Martins Fontes, 2002.