Aspectos Clínicos, Anatômicos e Técnicos

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Comunicação Preliminar 201 Artigo de Atualização Aspectos Clínicos, Anatômicos e Técnicos Atuais no Tratamento Cirúrgico da Doença do Refluxo Gastroesofágico Clinical, Anatomical and Technical Aspects for Surgical Treatment of Gastroesophageal Reflux Disease Julio Rafael Mariano da Rocha, Ivan Cecconello,Valter Nilton Félix, Rubens Antônio Aissar Sallum, Marcelo Augusto de Oliveira, Joaquim Gama-Rodrigues Serviço de Cirurgia do Esôfago da Divisão de Clínica Cirúrgica II do HCFMUSP Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo RESUMO Na presente revisão são revisitados aspectos técnicos do tratamento cirúrgico da doença do refluxo gastroesofágico oriundos da avaliação das condições clínicas, fisiopatológicas e anatômicas do paciente no pré e no intraoperatório. Dentre os aspectos clínicos importantes a serem considerados, destacam-se biótipo e peso do paciente, função motora atual do esôfago, qualidade do esvaziamento gástrico e a concomitância de estado de hipersecreção ácida gástrica ou doença péptica ulcerosa/ recidivante. As variáveis anatômicas de cuja avaliação depende a realização de operação segura e eficaz são: a morfologia do hiato esofágico, do esôfago distal e do omento gastroesplênico. Na busca da melhor eficiência cirúrgica, a particularização dos detalhes técnicos auxiliará atingir as metas operatórias propostas, respeitando as linhas mestras da técnica cirúrgica. Palavras-chave: ESOFAGITE PÉPTICA/cirurgia; HÉRNIA HIATAL / cirurgia; FUNDOPLICATURA; LAPAROSCOPIA/métodos ABSTRACT In this review, relevant anatomical and technical aspects regarding surgical treatment of gastroesophageal reflux disease are summarized. These data are result of clinical, anatomical, and physiological evaluation during pre- and intra-operative phases. Regarding clinical aspects, constitutional type and weight, esophageal motor activity, gastric emptying and coexistence of acid hypersecretory states such as peptic ulcer or recurrent gastritis must be considered. Important anatomic variables that must be addressed include the morphology of diaphragmatic hiatus, of the distal esophagus, and of the gastro-esplenic ligament. Attendance to technical options provided by clinical, anatomical, and physiological evaluation is the best tool to provide surgical efficacy Key words: LAPAROSCOPIC SURGERY; HIATAL HERNIA; FUNDOPLICATION; NISSEN OPERATION ROCHA JRM, CECCONELLO I, FÉLIX VN, SALLUM RAA, OLIVEIRA MA, GAMA-RODRIGUES J. Aspectos Clínicos, Anatômicos e Técnicos Atuais no Tratamento Cirúrgico da Doença do Refluxo Gastroesofágico. Rev bras videocir 2004;2(4):201-205. Recebido em 28/12/2004 Aceito em 30/12/2004 Odesenvolvimento do tratamento cirúrgico da DRGE foi impulsionado pela nova visão de campo cirúrgico proporcionada pela videolaparoscopia 1,2,3,5,6,8,9,12,13,21,26,28,34,35e36. Um dos pontos mais relevantes foi o melhor acesso à região hiatal e à transição esofagogástrica (TEG), obtido em pacientes obesos ou com sobrepeso, tornando menos trabalhosa a dissecção do esôfago distal, a liberação da TEG e da região cárdica, como também a hiatorrafia e a fundoplicatura. A ampla discussão em torno da escolha da melhor técnica de fundoplicatura 15,20,23,31,32 e 33, se as parciais, notadamente a de Toupet-Lind 20, 33, ou as totais, sobressaindo-se a de Nissen 22,23, deu lugar a 201

Rocha JRM e cols. 202 Rev bras videocir, Out./Dez. 2004 marcada preferência em favor da fundoplicatura a Nissen, principalmente à sua variante floppy Nissen em que é realizada uma fundoplicatura total com adequada folga em torno do esôfago distal (equivalente à fácil e ampla passagem de um bastão com diâmetro de 1,0 cm) na altura do esfíncter inferior do esôfago (EIE). Esta crescente opção pela técnica de Nissen ou assemelhadas, na cirurgia videolaparoscópica, se baseia nos melhores resultados em médio prazo quanto à recidiva e grau de controle do refluxo gastroesofágico (RGE) 2,3,5,11,12,13,16,17,18,19,28,34 e 36 e ainda à maior facilidade técnica de sua execução por via laparoscópica 2,12,13,14,19,24,28,34 e 35. Além disso, esta mesma técnica de Nissen, por via laparotômica, já comprovou excelentes resultados, em virtude da válvula anti-refluxo ser eficiente e durável com mínimos efeitos colaterais, provendo resolução dos sintomas de RGE em 91% dos pacientes após seguimento de 10 anos 7,32. Antes de analisar os aspectos técnicos do tratamento cirúrgico da doença do refluxo, é necessário ressaltar que o sucesso do tratamento cirúrgico da DRGE requer a particularização deste procedimento às condições clínicas, fisiopatológicas e anatômicas do paciente. Há, portanto, importantes fatores a serem considerados antes do tratamento cirúrgico da DRGE e que devem ser estudados e particularizados em cada paciente. Ainda que a grande maioria dos pacientes com indicação cirúrgica para tratamento da DRGE sejam operados pela técnica de Nissen 22,23 ou assemelhadas, há situações em que outros tipos de fundoplicatura, como a de Toupet-Lind 20,33, são indicadas. Raramente, pode até ocorrer indicação de ressecção esofágica distal ou subtotal. A função motora de propulsão do corpo do esôfago deve ser adequada, de modo a propelir o bolo alimentar através da nova válvula, criada pela fundoplicatura. Em pacientes com contrações peristálticas normais, a fundoplicatura de Nissen (360º) traz bons resultados 15. No entanto, quando o peristaltismo está ausente, com contrações de amplitude menor que 20 mmhg ou ainda seriamente desordenado, a fundoplicatura de Toupet-Lind deve ser cogitada 15,25. O retardo do esvaziamento gástrico, geralmente de intensidade leve a moderada, pode ser encontrado em até 40% dos pacientes com DRGE, provocando em certos casos sintomas no pósoperatório de fundoplicatura 30. No entanto, a fundoplicatura costuma sanar os sintomas de retardo no esvaziamento gástrico de grau leve a moderado, sendo a opção para procedimento de drenagem uma situação de exceção. Entre os pacientes submetidos a procedimento anti-refluxo, dois a três por cento desenvolverão úlcera péptica gástrica ou duodenal, pois foi relatada hipersecreção gástrica em cerca de 30% dos pacientes com DRGE comprovada por phmetria de 24h 4. Portanto, em pacientes com doença péptica ulcerosa em atividade ou recidivante deve ser estudada a realização de vagotomia gástrica proximal. No entanto, deve-se ressaltar que a cirurgia anti-refluxo, restaurando o fator valvular, pode influir decisivamente na melhora da função propulsora do esôfago (por impedir ou diminuir significativamente o RGE e suas conseqüências), do esvaziamento gástrico e possivelmente da função do marca-passo cárdico do estômago, em virtude do reposicionamento do fundo gástrico pela válvula anti-refluxo. Além disso, a própria fundoplicatura reduz as dimensões da região cárdica e fúndica, com conseqüente diminuição da complacência local e melhora do esvaziamento gástrico para líquidos. Deve-se ainda considerar a importância da perda de ancoragem do esôfago distal e da região da cárdia nos pacientes com RGE e hérnia hiatal, como fator agravante do RGE. Este componente será naturalmente corrigido pelo tratamento cirúrgico da DRGE e também contribuirá para a melhora da peristalse esofágica. No Serviço de Cirurgia do Esôfago do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), com base nos melhores resultados da fundoplicatura total (Nissen), comparativamente à fundoplicatura parcial (Lind), obtidos no tratamento cirúrgico da DRGE, tanto em casos de esofagite erosiva, como ulcerada, ou esôfago de Barrett (associado ou não à estenose), optou-se pelo emprego rotineiro da técnica de

203 Nissen 5, reservando-se a técnica de Lind para poucos casos específicos. No que tange especificamente aos aspectos técnicos do tratamento cirúrgico da DRGE, existem preceitos definidos e bem estabelecidos: dissecção do hiato esofágico, redução da hérnia e isolamento do esôfago distal; criação de um segmento esofágico abdominal adequado (extensão de 4 a 5 cm); aproximação dos braços do hiato esofágico de forma que este seja suficientemente pérvio para o esôfago e para um instrumento cilíndrico (com 1,0 cm de diâmetro), introduzido pelo portal operatório (o equivalente a uma polpa digital, no acesso por laparotomia); e realização de fundoplicatura, sendo a mais empregada a do tipo floppy Nissen, com a extensão média de 3 a 4 cm. No entanto 28, se analisarmos a tática a ser empregada na execução da técnica cirúrgica proposta, torna-se necessário reconhecer que esta abordagem operatória deverá respeitar as particularidades de cada paciente, tais como biótipo, peso e variações anatômicas (a morfologia do hiato esofágico, do esôfago abdominal e do fundo gástrico, as características do omento gastroesplênico e a vascularização do esôfago distal e do fundo gástrico. Quanto ao biótipo, os normolíneos e brevilíneos costumam ter o ângulo de Sharpy mais aberto, o que facilita o acesso cirúrgico ao hiato esofágico, enquanto que os longilíneos têm este ângulo mais fechado, o que torna este acesso mais difícil e obriga o cirurgião a estudar com mais atenção os portais cirúrgicos, de modo a evitar um ângulo de trabalho muito fechado, o que tornaria a dissecção cirúrgica muito mais trabalhosa. Quanto ao peso, para os obesos com IMC acima de 35, há necessidade de cuidados relacionados a comorbidades (cardiopatia, pneumopatia, arteriopatia, diabete ou nefropatia) e à presença de abundante tecido adiposo, notadamente à altura do ângulo de His e no omento gastroesplênico, que a todo o momento invade o campo cirúrgico. No que se refere às comorbidades acima referidas, a monitorização clínica e cardiológica e o emprego de pressões intra-abdominais menores (10 mmhg) costumam contornar adequadamente os óbices apresentados. A ressecção do acúmulo localizado de gordura na transição esofagogástrica (TEG), está por vezes indicada e facilita a realização da fundoplicatura. Quanto às variações anatômicas 27, citemos que a morfologia do hiato esofágico é de grande importância, tanto na dissecção do hiato e conseqüente isolamento do esôfago distal, como na realização da hiatoplastia. Assim, pessoas acima da sexta década da vida, notadamente os obesos, têm freqüentemente uma musculatura do hiato menos consistente e mais frágil, o que nos obriga a uma dissecção mais cuidadosa bem como a uma maior delicadeza na aplicação dos pontos na hiatoplastia. Também em pessoas com cifoescoliose, o hiato se deforma e a musculatura hiatal se debilita, ficando por vezes os braços do hiato esofágico muito afastados, o que torna esse tempo operatório bastante difícil, além de se observar o freqüente esfacelamento desta musculatura durante a aplicação dos pontos ou durante a amarradura dos nós. Quanto à morfologia do esôfago distal há de se ressaltar as situações em que esta porção do esôfago apresenta maiores dificuldades à dissecção, tais como: esôfago de Barrett, úlcera de esôfago distal e estenose péptica. Nesses casos, verificam-se espessamento da parede esofágica e friabilidade, bem como firmes aderências ao hiato, tornando a dissecção mais trabalhosa e arriscada. Faz-se oportuno resaltar que na manobra de isolamento do esôfago distal, como tática para evitar lesão de sua parede posterior, o vago posterior deverá ser sempre mantido junto ao esôfago. A morfologia do fundo gástrico, assim como a da porção cranial do omento gastroesplênico e ainda os diversos padrões de vascularização desta região também nos levam a variantes táticas interessantes, no intuito de facilitar a liberação do fundo gástrico para a feitura da fundoplicatura. Assim, na região do fundo gástrico, à altura do ligamento frenogástrico, a distância entre o ângulo de His e o vaso breve mais cranial do omento gastroesplênico freqüentemente é maior nos normolíneos e brevilíneos, o que determina maior facilidade na liberação desta região assim como liberação menos extensa do omento gastroesplênico.

Rocha JRM e cols. 204 Rev bras videocir, Out./Dez. 2004 Deve também ser enfatizada a importância de se tomar o necessário cuidado com o ramo esofágico ou fúndico da artéria frênica inferior esquerda (existente em cerca de 50% dos casos) que se for lesado, notadamente pela via laparoscópica, pode dar origem a hemorragia de controle caprichoso em virtude do difícil acesso.nas situações em que a distância entre o fundo gástrico e o pólo superior do baço é muito curta, o máximo cuidado será necessário para evitar acidentes hemorrágicos que podem culminar em esplenectomia e desnecessária perda de sangue ou lesão do fundo gástrico. Uma manobra possível para aumentar a distância entre o fundo gástrico e o pólo superior esplênico é a cuidadosa dissecção e secção do folheto peritoneal anterior do omento gastroesplênico nessa região. Esta manobra pode tornar mais fácil a liberação do fundo gástrico. As aderências de omento à borda livre do baço, que ocorrem com certa freqüência e que podem ser rompidas nos movimentos de tração sobre a TEG, seja para liberação do esôfago distal ou do fundo gástrico ou ainda por ocasião da feitura da fundoplicatura, requerem menção. Este detalhe que parece irrelevante pode, em certas circunstâncias, ser a origem de laceração da cápsula esplênica, provocando hemorragia. Esta breve revisão das variações anatômicas pré-existentes ou de alterações morfológicas desta região resultantes de processos patológicos a este nível, nos trazem à mente a importância da adequada avaliação morfológica e funcional da região que será o fulcro da ação operatória. Na busca da melhor eficiência cirúrgica, a particularização dos detalhes técnicos (tática operatória), nos auxiliará grandemente a atingir as metas operatórias propostas, respeitando as linhas mestras da técnica cirúrgica. Referências Bibliográficas 1. Arnaud JP, Pessaux P, Ghavami B, Flament JB, Trebuchet G, Meyer C, et al. Laparoscopic fundoplication for gastroesophageal reflux. Multicenter study of 1470 cases. Chirurgie 1999; 124: 516-522. 2. Baigrie RJ, Watson DI, Myers TC, Jamieson GG. The outcome of laparoscopic Nissen fundoplication in patients with disordered preoperative peristalsis. Gut 1997; 40: 381-5. 3. Bammer T, Hinder RA, Csendes A, Burdiles P, Korn O, Braghetto I, et al. Late result of a randomized clinical trial comparing fundoplication versus calibration: five years results and beyond. Br J Surg 2000; 87: 289-297. 4. Barlow AP, DeMeester TR, Ball CS, Eypasch EP. The significance of the gastric secretory state in gastroesophageal reflux disease. Arch Surg 1989; 937-940. 5. Cecconello I, Szachnowicz S, Gama-Rodrigues J. Doença do refluxo gastroesofágico. Fundoplicaturas: quais os resultados a longo prazo? In: Habr-Gama A, Gama- Rodrigues J, Cecconello I, Zilberstein B, Machado MCC, Saad WA, et al. Atualização em Cirurgia do Aparelho Digestivo e Coloproctologia: Gastrão 2001. 2.a edição. São Paulo: Frontis Editorial; 2001. p. 59-66. 6. Dallemagne B, Weert JM, Jeahes C, Markiewicz S. Results of laparoscopic Nissen fundoplication. Hepatogastroenterology 1998; 45: 1338-43. 7. DeMeester TR, Bonavina L, Albertucci M. Nissen fundoplication for gastroesophageal reflux disease evaluation of primary repair in 100 consecutive patients. Ann Surg 1986; 204: 9-17. 8. Farrel TM, Smith CD, Metreveli RE, Johnson AB, Galloway KD, Hunter JG. Fundoplication provides effective and durable symptom relief in patients with Barret s esophagus. Am J Surg 1999; 178: 18-21. 9. Farrell TM, Archer SB, Galloway KD, Branum GD, Smith CD, Hunter JG. Heartburn is more likely to recur after Toupet fundoplication than Nissen fundoplication. Am Surg 2000; 66: 229-36. 10. Fuchs KH, DeMeester TR, Hinder RA, Stein HJ, Barlow AP, Gupta NC. Computerized identification of pathologic duodenogastric reflux, using 24-hour gastric ph monitoring. Ann Surg 1991; 213: 13-20. 11. Gadenstatter M. The long term follow-up of laparoscopic fundoplication: an evolving perspective. Am J Gastroent 1996; 91: 2445-6. 12. Heider TR, Farrell TM, Kircher AP, Colliver CC, Koruda MJ, Behrns KE. Complete fundoplication is not associated with increased dysphagia in patients with abnormal esophageal motility. J Gastrointest Surg 2001; 5: 36-41. 13. Hinder RA, Fillipi CJ. The technique of laparoscopic Nissen fundoplication. Surg Laparosc Endosc 1993; 3: 256-272. 14. Hinder RA, Smith SL, Klingler PJ, Branton SA, Floch NR, Seelig MH. Laparoscopic antireflux surgery - it s a wrap! Dig Surg 1999; 16: 7-11. 15. Kahrilas PJ, Dodds WJ, Hogan WJ. Effect of peristaltic dysfunction on esophageal volume clearance. Gastroenterology 1988; 94: 73-80. 16. Kauer WKH, Peters JH, Ireland AP. A tailored approach to antireflux surgery. J Thorac Cardiovasc Surg 1995; 110: 141-147. 17. Kiviluoto T, Siren J, Farkkila M, Luukkonen P, Salo J, Kivilaakso E. Laparoscopic Nissen fundoplication: a per-

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