O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO: QUAL LEGISLAÇÃO APLICÁVEL - O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR OU O CÓDIGO CIVIL?



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Transcrição:

O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO: QUAL LEGISLAÇÃO APLICÁVEL - O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR OU O CÓDIGO CIVIL? Meire Cristina Queiroz Centro Universitário Toledo Araçatuba, 2008. 1 INTRODUÇÃO A responsabilidade civil, enquanto instituto que compreende considerável esfera do Direito encerra constante discussão jurídica doutrinária e jurisprudencial, sobretudo quanto aos pressupostos exigidos para a sua configuração, iniciando-se com o uso da própria expressão. O advogado tem obrigação de prudência no desempenho de sua atividade profissional. Com efeito, responde civilmente pelos danos que causar ao cliente. A responsabilidade é a contrapartida da liberdade e da independência do advogado. Incorre em responsabilidade civil o advogado que, imprudentemente, não segue as recomendações do seu cliente nem lhe pede instruções para segui-las. O estudo em exame tem por escopo analisar a incidência, ou não, do Código de Defesa do Consumidor perante a relação estabelecida entre o advogado e seu cliente; vale dizer, enfrentar a polêmica discussão sobre a existência ou inexistência de relação de consumo entre eles, especificamente no que tange à apuração de responsabilidade profissional do causídico à luz da legislação consumerista. O objetivo desse trabalho é demonstrar que o profissional do direito, presumindo-se de sua formação, poderá ser responsável civilmente por dano moral e material causados ao seu cliente. A relevância social do tema em estudo está em que a maioria das pessoas não possui conhecimento sobre as leis existentes no nosso ordenamento jurídico, nem mesmo de que possam ser indenizadas por danos causados por displicência de profissionais negligentes. 1 O presente artigo foi publicado na Revista Universitária, n. 27, ano 2008, p. 25-35, Centro Universitário Toledo, Araçatuba. 1

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO O exercício da advocacia não é livre, estando a exigir o prévio cumprimento de determinados requisitos e qualificações previstos no Estatuto da Advocacia, conforme demonstram os artigos 10 e 15, 1 2. E, para que haja a legal inserção do bacharel em Direito perante os quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, é indispensável à prévia aprovação do bacharel em Exame de Ordem. O Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei n. 8.906/94), em seu art. 1, determina como atividade privativa do advogado, postular em qualquer órgão do Judiciário e dos Juizados Especiais. Dessa forma, a prestação dos serviços advocatícios, em regra, é classificada como obrigação de meio, ou seja, decorre de mandato judicial outorgado ao advogado para que defenda a parte em juízo. Como visto no tópico acima, a obrigação do advogado perante seu cliente tem natureza contratual e, em regra, de meio, esta quando se referir à esfera litigiosa, decorrendo, portanto, de prévio contrato entre as partes. Com efeito, deverá o advogado se comprometer a usar a diligência e capacidade técnica e profissional para atuar em juízo, porém, não se obrigando pelo resultado, ou seja, pelo ganho da causa. Há, porém, exceções, no caso em que o advogado deve concluir o serviço de maneira favorável ao cliente, assumindo, assim, a obrigação de resultado. Nesse caso, a relação do advogado com o cliente será extrajudicial, não abrangendo atuação nos tribunais, mas meramente o uso da boa técnica profissional, como por exemplo, na elaboração de um contrato ou de uma escritura, casos em que o advogado compromete-se, em tese, a ultimar o resultado (VENOSA, 2003, p. 175). Há casos em que o advogado poderá responder por dano causado ao seu cliente pela perda de uma chance, ou seja, a perda da oportunidade que o cliente sofre, causada por falha do profissional, de ver reformada em seu favor uma decisão judicial que lhe foi desfavorável e contra a qual cabia recurso (DIAS, 1999, p. 14). 2 Art. 10. A inscrição principal do advogado deve ser feita no Conselho Seccional em cujo território pretende estabelecer o seu domicílio profissional, na forma do Regulamento Geral. Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade civil de prestação de serviço de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no Regulamento Geral. 1. A sociedade de advogados adquire personalidade jurídica com o registro aprovado dos seus atos constitutivos no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede. 2

Para Miguel Maria de Serpa Lopes (1996, p. 375) a perda de uma chance ocorre quando o causador de um dano por seu ato interrompeu um processo que podia trazer em favor de outra pessoa, a obtenção em um lucro ou o afastamento de um prejuízo. Desta forma, nos casos de perda de uma chance, o advogado é responsável pela reparação dos danos sofridos pelo seu cliente desde que exista uma relação de causalidade entre o ato ou omissão e o dano causado, ou seja, que o dano sofrido pelo cliente resultou necessariamente de falha do advogado. Entretanto, há casos em que a ação ou omissão do advogado não acarreta nenhum dano ao cliente, como, por exemplo, nos casos em que o acolhimento da pretensão pelo órgão julgador é totalmente provável e outras em que o sucesso é absolutamente improvável. Desta forma, deverá ser analisado dentro de cada caso concreto se o cliente efetivamente tinha alguma chance de ver sua pretensão acolhida. Como é impossível prever com absoluta certeza qual seria o resultado do julgamento é curial que se analise a possibilidade de ocorrência da perda de uma chance dentro do critério da razoabilidade. Nesse passo, Sergio Novais Dias (1999, p. 94). razoabilidade a ser observados: traça alguns parâmetros de Em casos cuja decisão envolve interpretação legal, em relação à qual o entendimento encontra-se sumulado pelo Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, a probabilidade é de que o julgamento se faça no mesmo sentido da súmula, a não ser que se demonstre estar ela superada pela própria jurisprudência do tribunal. Não sendo matéria sumulada, será considerado provável todo resultado que decorrer de uma interpretação razoável da norma legal, na esteira da Súmula 400 do STF 3. Tendo, porém, a jurisprudência do STF e do STJ já definido, dentre as interpretações razoáveis, respectivamente das normas constitucionais e das normas federais infraconstitucionais, qual a interpretação considerada correta, será provável o resultado que estiver em sintonia com essa jurisprudência predominante, uma vez que, mesmo se o tribunal de segunda instância adotasse interpretação razoável, porém dissonante daquela pacificação nas instâncias extraordinárias, era possível que a parte vencida fizesse o processo chegar à terceira instância, mediante a interposição de recurso adequado, de maneira que o julgamento último esperado do caso seria de acordo com essa interpretação. Quando questão envolver valorização de matéria fática ou de prova, será provável o resultado que decorrer de uma avaliação razoável da questão. Logo, na avaliação da probabilidade do julgamento, deve-se contar sempre com decisões razoáveis, pois não se espera, nem se deseja que as decisões sejam absurdas, destoantes da melhor doutrina e jurisprudência. 3 Súmula 400: Decisão que deu razoável à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III, da Constituição Federal. 3

Por outro lado, há situação em que o advogado terá imunidade para os atos da atividade profissional, razão de ser indispensável à administração da justiça (art. 2, caput, da Lei n. 8.906/940). Também porque a Constituição Federal, em seu art. 133 prescreve que O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Ainda, o art. 7, 2, do Estatuto determina que o advogado goza de imunidade profissional, sendo que qualquer manifestação, no exercício da atividade em juízo ou fora dele, não caracteriza injúria ou difamação, salvo os excessos que praticar. Dessa forma, a imunidade do advogado constitui uma forma de garantia de independência e liberdade para as suas argumentações jurídicas. Analisando a responsabilidade civil do advogado à luz da legislação vigente, há que se destacar o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) e o Código Civil (Lei n. 10.406/02). O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, 4º disciplina a responsabilidade civil dos profissionais liberais: A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. De acordo com o dispositivo citado a responsabilidade do profissional liberal, seja ele médico, advogado, tem natureza subjetiva. Istoé, para que haja responsabilidade desses profissionais é necessária a demonstração de culpa. Porém, com a entrada em vigor do novo Código Civil, alguns conflitos se instalaram, pois o artigo 927, parágrafo único, contraria a regra do Código de Defesa do Consumidor. Art. 927. Aquele que por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. De acordo com este artigo, todos os profissionais que empreendem atividade considerada de risco, deverão responder diante da ocorrência do dano, isto é, independente da existência de culpa de sua parte. O dispositivo, em tese, atingiria, então, os médicos e advogados que, sem dúvida nenhuma, exercem atividade de risco. A este conflito de normas dá-se o nome de antinomia jurídica. 4

Maria Helena Diniz (1998, p.19) dá o seguinte conceito: Antinomia é a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular. Norberto Bobbio (1997, p. 88) menciona que A antinomia se verifica entre duas normas incompatíveis pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito de validade. A lei de Introdução ao Código Civil dispõe: Art. 2. Não se destinado à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria que tratará a lei anterior. 2º. A lei nova, que estabelecerá disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. No nosso entendimento, a partir da própria leitura do texto da lei citada acima, concluímos então que a entrada em vigor do Novo Código Civil, por si só, não derroga a Lei especial nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), a menos que estivesse expressa em seu conteúdo a derrogação de tal norma anterior. A doutrina também é pacífica neste sentido, conforme acentua Maria Helena Diniz (2002, p. 74): A norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também previsto na geral. que: Carlos Maximiliano (1998, p. 135 e 360) também expressa sua posição, dizendo Lex posterior non derogat legi priori speciali [a lei geral posterior não derroga a especial anterior] é a máxima que prevalece no sentido de não poder o aparecimento da norma ampla causar, só por si, sem mais nada, a queda da autoridade da prescrição especial vigente. Se existe antinomia entre a regra geral e a peculiar, especifica esta, no caso particular, tem a supremacia. O brilhante Norberto Bobbio (1997, p. 108), por sua vez, diz: Também aqui transmitida uma regra geral que soa assim: Lex posterior generalis non derogat priori speciali. Com base nessa regra, o conflito entre critério de especialidade e critério cronológico deve ser resolvido em favor do primeiro. A lei geral sucessiva não tira do caminho a lei especial precedente, o que leva a 5

uma posterior exceção ao principio Lex posterior derogat priori: esse princípio falha não só quando a lei posterior é inferior, mas também quando é geral. p.232): Por fim, trazemos o posicionamento esclarecedor de Pablo Stolze Gagliano (2003, A disciplina geral de responsabilidade civil dos profissionais liberais permanecerá de natureza subjetiva, uma vez que, embora seja o Código Civil de 2002 [lei nova] em face do Código de Defesa do Consumidor, a regra constante nesse último diploma (art. 14, 4º) não perderá vigência, por força do principio da especialidade. Portanto, entendemos que, ainda que surjam conflitos entre as leis, estes deverão ser resolvidos pelo princípio da especialidade, ou seja, lei especial predomina sobre lei geral. No caso, o Código Civil, por ser uma lei geral não prevalece sobre o Código de Defesa do Consumidor, que disciplina a atividade dos profissionais liberais, enquadrando claramente o advogado autônomo como fornecedor de serviços, sujeito à legislação de tutela do consumidor. CONSIDERAÇÕES FINAIS O que queremos evidenciar com o presente trabalho é que o advogado, como profissional liberal que o é não está obrigado a ganhar todas as demandas que estiver sob seu patrocínio, mas pode responder pelos atos que sobrevierem de danos pessoais e patrimoniais a sua clientela. A prestação de serviços advocatícios, por se tratar de uma obrigação de meio, o advogado (devedor) não se compromete a obter um determinado resultado (fim), mas tão somente de empregar todos os meios necessários para a obtenção dos melhores resultados. Ganhar a causa nem sempre é uma certeza. Sendo assim, o que o advogado poderá assumir é a obrigação de se utilizar dos meios mais adequados para Alcançar um resultado positivo. Assim, sua responsabilidade é subjetiva, ficando condicionada à verificação e comprovação de sua culpa, pois parte-se do princípio de que o profissional age de boa-fé, não podendo ser responsabilizado por não ter alcançado o resultado esperado pelo seu cliente. 6

Dessa forma, enquadra-se nas regras estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor e por ele é disciplinado, sobretudo no art. 14, 4º, que imputa responsabilidade subjetiva ao profissional liberal. O advogado tem papel fundamental, atribuído pela Constituição Federal, de ser indispensável à administração da justiça, lançando sobre seus ombros maior responsabilidade perante a sociedade, que anseia pela plenitude da tutela de seu direito, exigindo, assim, no exercício de seu ministério, plena observância da lealdade processual, da ética, da boa-fé e da legalidade. Por fim, concluímos que no exercício da advocacia, dentre outras características não menos importantes, é essencial o estudo incansável e uma constante atualização profissional, visto a crescente mutabilidade legislativa e jurisprudencial do nosso ordenamento jurídico, devendo o profissional atuando com prudência, eficiência e vigilância, a fim de que o possam honrar uma das mais belas profissões. REFERÊNCIAS BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade por Danos Morais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Universidade de Brasília, 1997. CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983. DIAS NOVAES, Sergio Novais. Responsabilidade Civil do Advogado na Perda de uma Chance. São Paulo: LTr, 1999. DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 1998.. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003.. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo: Saraiva, 2002. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, v. 3. São Paulo: Saraiva, 2003. GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2006. GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade Civil Dano e Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. 7

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