COMUNICAÇÃO FELINO DOMÉSTICO COMO AGENTE TRANSMISSOR DE ESPOROTRICOSE PARA HUMANO: RELATO DO PRIMEIRO CASO NO ESTADO DE ALAGOAS

Documentos relacionados
ESPOROTRICOSE FELINA - RELATO DE CASO SPOROTRICHOSIS IN CAT - CASE REPORT

ESPOROTRICOSE EM FELINOS DOMÉSTICOS

TRATAMENTO TERAPÊUTICO COM ITRACONAZOL EM UM FELINO COM ESPOROTRICOSE

Ano VI Número 10 Janeiro de 2008 Periódicos Semestral ESPOTRICOSE FELINA. DABUS, Daniela Marques Maciel LÉO, Vivian Fazolaro

Cristiane Borba Campos de Carvalho Graduanda. Medicina Veterinária. UFRRJ

ESPOROTRICOSE EM GATOS NO RIO GRANDE DO SUL

INFORME TÉCNICO 005/2014

Sporotrichosis in Yorkshire Terrier dog in the city of São Paulo, SP Brazil: case report

ESPOROTRICOSE CUTÂNEA: A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO

REVISTA ELETRÔNICA ESTÁCIO SAÚDE - ISSN (on line)

Avaliação do conhecimento dos moradores da Zona Norte do Rio de Janeiro em relação à esporotricose

DIAGNÓSTICO CLÍNICO E HISTOPATOLÓGICO DE NEOPLASMAS CUTÂNEOS EM CÃES E GATOS ATENDIDOS NA ROTINA CLÍNICA DO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVIÇOSA 1

BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO ESPOROTRICOSE 001/2018 VIGILÂNCIA E CENÁRIO EPIDEMIOLÓGICO:

Palavras-chaves: dermatologia, cão, fungo INTRODUÇÃO

SERVIÇO DE CLÍNICA MÉDICA DE PEQUENOS ANIMAIS DO INSTITUTO FEDERAL CATARINENSE - CÂMPUS CONCÓRDIA

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS E ESPOROTRICOSE EM FELINO RELATO DE CASO

Lamentável caso de Mormo, em Minas Gerais

ESPOROTRICOSE: RELATO DE CASO

2 a 4 de outubro de 2017 Corumbá, MS Brasil

ESPOROTRICOSE REVISÃO DE LITERATURA Stella Fontes 1, Alessandra Sayegh Arreguy Silva 2, Clarisse Alvim Portilho 3. Introdução

PRESENÇA DE Malassezia sp. EM COELHOS DOMÉSTICOS (Oryctolagus cuniculus) PRESENCE OF Malassezia sp. IN DOMESTIC RABBITS (Oryctolagus cuniculus)

INVESTIGAÇÃO medicina veterinária

PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA MEDICINA VETERINÁRIA

Envolvimento Zoonótico com Sporothrix schenckii:

Agente etiológico. Leishmania brasiliensis

[ESPOROTRICOSE]

SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DIRETORIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE NOTA TÉCNICA CCZ/CIEVS/DVIS/SMS N.º 03/2018 DE 23 DE FEVEREIRO DE 2018

BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO 001/2019

ESPOROTRICOSE EM MUNICÍPIOS DA BAIXADA FLUMINENSE, ESTADO DO RIO DE JANEIRO, BRASIL.

Esporotricose em felinos domésticos (Felis catus domesticus) em Campos dos Goytacazes, RJ 1

Introdução O Lynxacarus radovskyi é um ácaro da família Listrophoridae, com aproximadamente 0,5 mm de comprimento, que parasita as hastes dos pelos de

Esporotricose Felina Aspectos Clínicoepidemiológicos: Relato de Casos (Cuiabá, Mato Grosso, Brasil)

OCORRÊNCIA DE MALASSEZIA PACHYDERMATIS E CERÚMEN EM CONDUTO AUDITIVO DE CÃES HÍGIDOS E ACOMETIDOS POR OTOPATIAS

TUMOR VENÉREO TRANSMISSÍVEL EXTRAGENITAL PRIMÁRIO: CAVIDADE ORAL, NASAL E CUTÂNEO RELATO DE CASO

ESPOROTRICOSE FELINA NO MUNICÍPIO DE ITAPORANGA, ESTADO DA PARAÍBA, BRASIL: RELATO DE UM CASO

do Vale do Araguaia UNIVAR - LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA HUMANA NO MUNICÍPIO DE GENERAL CARNEIRO MATO GROSSO

Dermatite multifatorial em um canino

Universidade Federal de Pelotas Departamento de Veterinária Preventiva Toxoplasmose Zoonoses e Administração em Saúde Pública

ASSOCIAÇÃO ENTRE A RENDA FAMILIAR DE TUTORES DE CÃES E GATOS E A PERCEPÇÃO DE ZOONOSES, EM BELÉM, PARÁ

Médico Veterinário, PhD, Professor Titular, Departamento de Patologia UFSM;

10. CICI Congresso De Iniciação Científica Iamspe. Estudo de elementos da resposta imune citotóxica em lesões cutâneas na Doença de Jorge Lobo

Surto de esporotricose felina na região metropolitana do Recife 1

CURSO DE OTOLOGIA DE CARNÍVOROS DOMÉSTICOS

COES Febre Amarela CENTRO DE OPERAÇÕES DE EMERGÊNCIAS EM SAÚDE PÚBLICA SOBRE FEBRE AMARELA

SIMP.TCC/Sem.IC. 2018(14); FACULDADE ICESP / ISSN:

AÇÃO ANTIFÚNGICA DO MEL DE ABELHA JATAÍ (Tetragonisca angustula) NA ESPOROTRICOSE FELINA

PERFIL DA POPULAÇÃO CANINA DOMICILIADA DO LOTEAMENTO JARDIM UNIVERSITÁRIO, MUNICÍPIO DE SÃO CRISTÓVÃO, SERGIPE, BRASIL

Projeto AGHA - Igarapé. Saúde Pública

Campus Universitário s/n Caixa Postal 354 CEP Universidade Federal de Pelotas.

AVALIAÇÃO ANATOMOPATOLOGICA E HISTOPATOLOGICA DE RATOS WISTAR COM ESPOROTRICOSE EXPERIMENTAL TRATADOS COM β - GLUCANA ASSOCIADA AO ITRACONAZOL

COES Febre Amarela CENTRO DE OPERAÇÕES DE EMERGÊNCIAS EM SAÚDE PÚBLICA SOBRE FEBRE AMARELA

Foi-me solicitado, pelos editores, prefaciar a obra... [Prefácio]

Casos de FHD Óbitos e Taxa de letalidade

ESPOROTRICOSE SISTÊMICA EXPERIMENTAL: COMPARAÇÃO DA RESPOSTA CLÍNICA EM RATOS WISTAR INOCULADOS COM ISOLADO FELINO E CANINO

SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DA LEISHMANIOSE VISCERAL NA PARAÍBA: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA

ESPOROTRICOSE Dr. Rodrigo de Almeida Paes Dr. Dayvison Francis Saraiva Freitas

DISTRIBUIÇÃO SAZONAL DE ESPÉCIES DE SIPHONAPTERA EM CÃES DAS CIDADES DE BAGÉ E PELOTAS NO RS

Toxoplasmose. Zoonoses e Administração em Saúde Pública. Prof. Fábio Raphael Pascoti Bruhn

Atividade do Bicho-geográfico : Importância e Prevenção da Larva Migrans Cutânea. (Projeto Mini-hospital Veterinário UFPR)

PIODERMITE EM UMA CADELA: UM BREVE RELATO DE CASO

PROCEDIMENTOS DE COLETA E ENVIO DE AMOSTRAS PARA EXAME MICOLÓGICO 2ª

Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais IPEPATRO/FIOCRUZ. Ferida Brava (Leishmaniose): Conheça e Aprenda a se proteger

Características clínico-epidemiológicas, histomorfológicas e histoquímicas da esporotricose felina 1

COES Febre Amarela CENTRO DE OPERAÇÕES DE EMERGÊNCIAS EM SAÚDE PÚBLICA SOBRE FEBRE AMARELA

Carbúnculo ou antraz Bacillus anthracis

AVALIAÇÃO CLÍNICA DOS CASOS DE OTITE EXTERNA EM CÃES ATENDIDOS NO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

RELAÇÃO ENTRE A FAIXA ETÁRIA DE TUTORES DE CÃES E GATOS E A PERCEPÇÃO DE ZOONOSES, EM BELÉM, PARÁ

RELATO DE UM CASO CLÍNICO DE LEISHMANIOSE EM UM FELINO NA CIDADE DE SOUSA, PARAÍBA - BRASIL

SEMIOLOGIA DE GRANDES ANIMAIS AULA 4

NOTA TÉCNICA FEBRE AMARELA SESA/ES 02/2017. Assunto: Informações e procedimentos para a vigilância de Febre Amarela no Espírito Santo.

Informe Epidemiológico Raiva 25/11/2014

Enfermidades Micóticas

COES Febre Amarela CENTRO DE OPERAÇÕES DE EMERGÊNCIAS EM SAÚDE PÚBLICA SOBRE FEBRE AMARELA

LEVANTAMENTO EPIDEMIOLÓGICO DE RAIVA ANIMAL NO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO/SP NO ANO DE 2015

ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0167

DIAGNÓSTICO DE MICOSES EM PEQUENOS ANIMAIS DA CIDADE DE PELOTAS-RS E REGIÃO

PREVALÊNCIA DE PARASITAS GASTROINTESTINAIS EM AMOSTRAS DE FEZES CANINAS ANALISADAS NA REGIÃO DA BAIXADA SANTISTA SP

1- Dimorfismo térmico dos fungos:

RESULTADO DE EXAMES LABORATORIAIS. Estado: MG

OCORRÊNCIA DE ANCYLOSTOMA SPP. EM CÃES NA ROTINA DO LABORATÓRIO DE ENFERMIDADES PARASITÁRIAS DOS ANIMAIS DA FMVZ, UNESP, CÂMPUS DE BOTUCATU

Imagem da Semana: Fotografia

TUMOR VENÉREO TRANSMISSÍVEL EM ÁREA PERINEAL EM UM CANINO

[DERMATITE ALÉRGICA A PICADA DE PULGAS - DAPP]

PESQUISA DE ENDOPARASITAS EM CÃES DE COMPANHIA NA REGIÃO DE ÁGUAS CLARAS-DF

ESTUDO DE 15 CASOS DE DIOCTOPHYMA RENALE NA REGIÃO DE PELOTAS-RS STUDY OF 15 CASES IN DIOCTOPHYMA RENALE PELOTAS-RS REGION

DERMATOFITOSE POR MICROSPORUM GYPSEUM EM FELINO: RELATO DE CASO FELINE DERMATOPHYTOSIS BY MICROSPORUM GYPSEUM: CASE REPORT

OSS S E S G E UR U AN A ÇA A NA

Conhecimentos e percepção sobre esporotricose em região endêmica: Pelotas, RS, Brasil

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

Semi-Árido (UFERSA). 2 Farmacêutico bioquímico, Mestre em Ciência Animal. UFERSA 3

ESTUDO RETROSPECTIVO DE 267 AFECÇÕES POR PROTEUS MIRABILIS E PROTEUS VULGARIS EM CÃES (2003 A 2013)

ITL ITL. Itraconazol. Uso Veterinário. Antifúngico de largo espectro FÓRMULA:

S U M Á R I O. 1 Ainda Ocorrem Casos de Raiva Humana? 2 O que é a Raiva? 3 Como a Raiva é Transmitida? 4 Como Previnir a Raiva?

Diário Oficial Imprensa Nacional Nº 52 DOU de 16/03/17 Seção 1 p.62 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL BRASÍLIA - DF MINISTÉRIO DA SAÚDE GABINETE DO MINIS

Introdução. Graduada em Farmácia - FACISA/UNIVIÇOSA. 2

OS RISCOS COM PERFUROCORTANTES DURANTE A ASSISTÊNCIA NOS SERVIÇOS DE SAÚDE

PROCESSO SELETIVO - Mestrado acadêmico 2017 Horário da Entrevista Dia: 28/11/2016 (Segunda-feira) Linha de Pesquisa:

Esporotricose cutânea experimental: Avaliação in vivo do itraconazol e terbinafina

Transcrição:

DOI: 10.5327/Z0100-0233-2014380200018 COMUNICAÇÃO FELINO DOMÉSTICO COMO AGENTE TRANSMISSOR DE ESPOROTRICOSE PARA HUMANO: RELATO DO PRIMEIRO CASO NO ESTADO DE ALAGOAS Evelynne Hildegard Marques-Melo a Diego Fernando da Silva Lessa a Annelise Castanha Barreto Tenório Nunes a Karla Patrícia Chaves a Wagnner José Nascimento Porto a Marcia Kikuyo Notomi a Lucia Helena Alberto Garrido b Resumo Nos últimos anos, casos humanos de epidemias e surtos de esporotricose causada por gatos têm sido relatados no Sul e Sudeste do Brasil. Este trabalho relata o caso de um gato doméstico com lesões nodulares exsudativas, na cabeça e nos membros, cujo proprietário manifestou lesões nodulares com secreção purulenta no local da arranhadura feita pelo animal. O diagnóstico de Sporothrixschenckii foi realizado por meio dos exames de citologia e histopatologia das lesões do animal e do exame de cultura fúngica realizado pelo proprietário. Este é o primeiro relato de esporotricose em felino doméstico com envolvimento zoonótico no estado de Alagoas e alerta para a necessidade de incluir a esporotricose no diagnóstico diferencial das dermatopatias nodulares exsudativas tanto em animais como em seres humanos que tenham contato com animais, principalmente gatos. Palavras-chave: Zoonoses. Gatos. Dermatologia. Micoses. Sporothrix. a Medicina Veterinária; Universidade Federal de Alagoas UFAL Maceió (AL), Brasil. b Dermovet Jaguariúna (SP), Brasil. Endereço para correspondência: Marcia Kikuyo Notomi Fazenda São Luiz, s/n Zona Rural CEP: 57700-000 Viçosa (AL), Brasil E-mail: marcia.notomi@vicosa.ufal.br 490

Revista Baiana de Saúde Pública SPOROTRICHOSIS TRANSMITTED TO HUMAN BY DOMESTIC FELINE: FIRST CASE REPORTED IN ALAGOAS STATE Abstract In recent years, epidemics and outbreaks cases of human sporothrichosis infection transmitted by cats have been reported in Southern and Southeastern of Brazil. This study reports the case of a domestic cat with nodular and exuding lesions, in head and limbs, whose owner has expressed nodular purulent lesions at the scratch site made by the animal. The Sporothrixschenckii diagnosis was concluded through cytology and histopathology exams from cat lesions and fungal culture exam conducted by the owner. This is the first report of a domestic feline sporotrichosis with zoonotic involvement in Alagoas state and it warns to the necessity of including sporotrichosis in differential diagnosis of nodular exudative skin diseases both in animals and humans who have contact with animals, especially cats. Keywords: Zoonoses. Cats. Dermatology. Micosis. Sporothrix. FELINO DOMÉSTICO COMO AGENTE TRANSMISOR DE ESPOROTRICOSIS A UN HUMANO: RELATO DEL PRIMER CASO EN EL ESTADO DE ALAGOAS Resumen En los últimos años, los casos humanos de epidemias y brotes de esporotricosis causada por los gatos, se han reportado en el sur y sureste de Brasil. Este estudio reporta el caso de un gato doméstico con lesiones nodulares exudativas, en la cabeza y extremidades, y cuyo propietario ha expresado lesiones nodulares con pus en el sitio de rasguño hecho por el animal. El diagnóstico de Sporothrixschenckiise llevó a cabo a través de los exámenes de citología y la histopatología de las lesiones del animal y del examen de cultivo de hongos llevado a cabo por el propietario. Este es el primer reporte de un caso de esporotricosis felina con la participación de zoonosis en el estado de Alagoas y advierte sobre la necesidad de incluir la esporotricosis en el diagnóstico diferencial de enfermedades cutáneas nodulares exudativas, tanto en los animales como en los seres humanos que tienen contacto con los animales, especialmente los gatos. Palabras clave: Zoonosis. Gatos. Dermatologia. Hongos. Sporothrix. v.38, n.2, p.490-498 abr./jun. 2014 491

INTRODUÇÃO Diversas zoonoses podem ser transmitidas por cães ou gatos e, entre essas, uma que tem ganhado destaque é a esporotricose, uma micose subcutânea causada pelo fungo Sporothrixschenckii, cujos relatos dos últimos anos trazem o gato doméstico como potencial transmissor para o ser humano e alertam sobre os riscos do ponto de vista de saúde pública. 1-9 Sob condições adequadas, esse fungo saprófita cresce no solo, casca de árvores, espinhos de roseira, feno e vegetações em decomposição, podendo infectar várias espécies animais incluindo o homem. 10 A forma mais comum de se adquirir a doença é a inoculação do fungo por meio de uma ferida perfurante, porém a infecção em animais também pode ocorre como resultado da contaminação de feridas 11 ou pelo contato direto da pele ou mucosas sem necessariamente haver um ferimento penetrante. 12 Na infecção humana, a esporotricose é considerada uma enfermidade relacionada com profissionais que mantêm contato com o ambiente do fungo, como jardineiros, horticultores e agricultores, 13 ou como doença de caráter zoonótico ocupacional, sendo grupo de risco os profissionais da área Veterinária, como médicos, enfermeiros e estudantes. 11 Os gatos apresentam particularidades que os tornam mais susceptíveis ao fungo, adotando posição fundamental na epidemiologia dessa micose em razão de seu comportamento natural de afiar as unhas em árvores e cavar o solo para enterrar suas fezes, permitindo assim o abrigo do fungo em localização ungueal 14. Como agravante, os gatos infectados apresentam na pele uma carga exuberante de Sporothrixschenckii nas secreções de feridas ulceradas, sendo este fator o que potencializa a transmissão tanto entre os gatos quanto entre outras espécies, sobretudo ao homem na manipulação do animal. 11,13 Atualmente, há descrição de casos em vários estados brasileiros como Espírito Santo, 15 Paraná, 16 Minas Gerais, 17 São Paulo 18 e Amazônia; 19 mas três estados do país chamam atenção pela casuística da esporotricose. No Rio Grande do Sul 7 e em Santa Catarina, 2 a doença já foi descrita como surto, e no primeiro estado também houve a relação com a forma ocupacional na rotina veterinária. 5,6,9 No Rio de Janeiro, onde a doença atingiu proporções epidêmicas alarmantes, com envolvimento de gatos e pessoas, foram confirmados até 2009 cerca de 2.200 casos humanos. 1 Por esse motivo, a enfermidade está inclusa na relação de doenças de notificação compulsória na lista das dermatoses ocupacionais de acordo com a Portaria n 104, de 25 de janeiro de 2011, no item 06 do Anexo III, referente à lista de notificação compulsória em Unidades Sentinelas (LNCS). Este trabalho é o primeiro relato de esporotricose em felino com transmissão para o ser humano no estado de Alagoas. Teve como objetivo alertar os médicos veterinários 492

Revista Baiana de Saúde Pública sobre a importância do diagnóstico precoce da esporotricose em gatos e ressaltar aos profissionais da área de Saúde o papel do gato doméstico na transmissão da enfermidade. RELATO DO CASO Um felino da raça siamês, macho, com cinco anos de idade, não castrado, vacinado apenas contra raiva, domiciliado, proveniente do município de Rio Largo (09 29 41 S 35 51 12 O), região metropolitana de Maceió, Alagoas, foi atendido no consultório do Núcleo de Educação Ambiental Francisco de Assis (NEAFA) em Maceió, Alagoas, apresentando como queixa principal o desenvolvimento de lesões ulceradas, nodulares, em região cefálica, com presença de intenso prurido, há dois meses. Relatou-se ainda que o animal vivia em casa com dois contactantes assintomáticos (um cachorro e um gato), tinha acesso à rua e hábitos de caça. Na avaliação física, o animal apresentava uma condição corpórea caquética, apatia, temperatura de 40 C, desidratação intensa, aumento dos linfonodos mandibulares e secreção nasal sanguinolenta. No exame dermatológico, foram observadas lesões generalizadas por toda a cabeça (Figura 1), apresentando-se na forma de nódulos ulcerados e fístulas drenando secreção purulenta, além de necrose nas extremidades das orelhas e lesões ulceradas na porção distal de dígitos dos membros torácicos. As lâminas do material coletados por imprint e coradas pelos métodos do Panótico (Panótico rápido LB, Laborclin) e Gram, foram avaliadas por microscopia óptica, observando o predomínio de macrófagos, linfócitos, bactérias gram (+) e presença abundante de estruturas Figura 1 Lesões cutâneas dos tipos ulcerativas, nodulares, abcedativas e fistulares de tamanhos variados, secreção serosanguinolenta a purulenta e necrose nas extremidades das orelhas causadas por Sporothrixschenckii na face dorsal e rostral da cabeça do felino, macho, da raça siamês v.38, n.2, p.490-498 abr./jun. 2014 493

com formato pleomórfico, arredondadas, e em formato de charuto com localização intra e extracelular de características compatíveis com Sporothrixschenckii (Figura 2). O animal veio a óbito e o cadáver foi encaminhado para necropsia e coleta de material para exame histopatológico. No exame histopatológico da amostra proveniente subcutâneo e dígito, constatou-se a presença de infiltrado inflamatório composto por neutrófilo e macrófago entremeado com grande quantidade de estruturas leveduriformes arredondadas e em formato de charuto, indicativo de esporotricose (Figura 3). O proprietário do animal, um homem de 30 anos de idade, funcionário público municipal do setor administrativo e sem o histórico de atividades ligadas ao solo ou plantas, manifestou uma lesão nodular com secreção purulenta no dedo da mão esquerda após arranhadura do animal, ocorrendo lesões satélites no braço e antebraço (Figura 4). Diante do histórico de contato com o animal enfermo, foram solicitadas as culturas bacteriana e fúngica, obtendo-se como resultados Proteusspp e Esporothrixshenkii, respectivamente, o que possibilitou o diagnóstico de esporotricose na forma linfocutânea. O tratamento instituído foi à base de itraconazol 400 mg/dia; no último contato, após 6 meses do início com o antifúngico, o paciente ainda estava sob tratamento médico. Ressalta-se que, antes do diagnóstico de esporotricose, o proprietário do animal foi tratado com cefalexina 1g/dia durante 60 dias. Não houve relatos de intercorrências durante o tratamento. Figura 2 Fotomicrografia de citologia (imprint) de lesões cutâneas, observando o predomínio de macrófagos, linfócitos, bactérias gram (+) e presença abundante de estruturas com formato pleomórfico, arredondadas, e em formato de charuto com localização intra e extracelular de características compatíveis com macroconídeos de Sporothrixschenckii (coloração tipo panótico. Aumento de 1.000x) 494

Revista Baiana de Saúde Pública Figura 3 Histopatológico. Fotomicrografia de fragmento cutâneo de coxim digital do gato infectado por Sporothrixschenckii. Observar a presença de infiltrado inflamatório composto por neutrófilo e macrófago entremeado com grande quantidade de estruturas leveduriformes arredondadas e em formato de charuto, indicando esporotricose Figura 4 Aspecto clínico da lesão de esporotricose ulcerada, no dedo médio e antebraço do proprietário, após terapia com itraconazol DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Em Alagoas, este é o primeiro relato de um gato com infecção por Sporothrixschenckii com transmissão para o homem e corrobora outros relatos que têm demonstrado o envolvimento do felino doméstico como agente transmissor da enfermidade para seres humanos. 6 v.38, n.2, p.490-498 abr./jun. 2014 495

A elevação no número de casos no Brasil pode estar relacionada à presença de um elevado número de animais semidomiciliados e errantes, somada ao clima quente tropical e semitropical do país, fatores que determinam condições favoráveis ao desenvolvimento de Sporothrixschenckii, aumentando o risco de infecção tanto em animais quanto em seres humanos. 1-9 Observando um histórico de gato com acesso ao ambiente favorável ao fungo somado à presença de lesões exsudativas, deve-se suspeitar de esporotricose, em razão do aumento da frequência dessa enfermidade no Brasil 1-9 e também pela necessidade de controle epidemiológico, pois nessa espécie ocorre uma exuberância de células fúngicas em suas lesões, o que potencializa sua capacidade infectante tanto para o homem quanto para outros animais. 13,14 O alto potencial infectante do felino 13,14 e o aumento dos relatos envolvendo o animal como transmissor indicam que a enfermidade pode não se restringir ao grupo de risco por ocupação e, sim, incluir os proprietários de felinos com acesso ao ambiente externo. A esporotricose deve ser incluída no diagnóstico diferencial das dermatopatias com lesões nodulares exsudativa tanto em animais quanto em seres humanos que tenham contato com animais. Adicionalmente, ressalta-se a necessidade de o médico veterinário suspeitar e realizar um rápido diagnóstico, principalmente em gatos por causa de seu alto potencial transmissor, prevenindo a transmissão de doenças a seres humanos e outros animais. Esses fatos corroboram a necessidade de atualização dos profissionais da área da Saúde Humana e Veterinária para um diagnóstico precoce e prevenção de novas infecções, principalmente, por ser tratar de uma enfermidade de difícil tratamento pela longa duração e pelos efeitos colaterais frequentes. Deve-se considerar também o possível comprometimento estético ou psicológico decorrente das cicatrizes em seres humanos e o elevado risco de morte em animais. REFERÊNCIAS 1. Barros MBL, Schubach TP, Coll JO, Gremião ID, Wanke B, Schubach A. Esporotricose: a evolução e os desafios de uma epidemia. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(6):455-60. 2. Colodel MM, Jark PC, Ramos CJR, Martins VMV, Schneider AF, Pilat CP. Esporotricose cutânea felina no Estado de Santa Catarina: relato de casos. Vet Foco. 2009;7(1):18-27. 496

Revista Baiana de Saúde Pública 3. Monteiro HRB, Taneno JC. Esporotricose em felinos domésticos. Rev Cient Elet Med Vet. 2008;10:6. 4. Vieira Nunes JE, Chapon Cordeiro JM, Araújo GA, Caetana CF, Sarmento C, Schuch ID, et al. Esporotricose Relato de caso. In: Anais do 35º Congresso Brasileiro de Medicina Veterinária. Gramado, Rio Grande do Sul; 2008: R0086-1/pdf. 5. Madrid IM, Mattei AS, Dias MF, Martins AA, Antunes TA, Cleff MB, et al. Esporotricose em região litorânea do Rio Grande do Sul. In: Anais do 35º Congresso Brasileiro de Medicina Veterinária. Gramado, Rio Grande do Sul; 2008: R0065-1/pdf. 6. Meinerz ARM, Nascente PS, Schuch LFD, Faria RO, Antunes TA, Cleff MB, et al. Felino doméstico como transmissor da esporotricose em trabalhador rural: relato de caso. Arq Inst Biol. 2007;74(2):149-51. 7. Souza LL, Nascente PS, Nobre MO, Meinerz ARM, Meireles MCA. Isolamento de Sporothrix schenkii de unhas de gatos sadios. Braz J Microbiol. 2006;37(3):372-4. 8. Nunes FC, Escosteguy CC. Esporotricose humana associada à transmissão por gato doméstico: relato de caso e revisão de literatura. Clin Vet. 2005;54:66-8. 9. Xavier MO, Nobre MO, Sampaio Junior DP, Antunes TA, Nascente PS, Sória FBA, et al. Esporotricose felina com envolvimento humano na cidade de Pelotas, RS, Brasil. Cienc Rural. 2004;34(6):1961-3. 10. Quinn PJ, Markey BK, Carter ME, Donnell WJ, Leonard FC. Microbiologia veterinária e doenças infecciosas. Porto Alegre: Artmed; 2007. p. 240-245. 11. Scott DW, Miller WH, Guiffin CE. Doenças fúngicas da pele. In: Miller &Kirk (eds). Dermatologia de pequenos animais. 5 ed. Editora Interlivros; 1996. p. 301-359. 12. Januzzi FG, Martins ALB, Pereira JS. Conjuntivite com envolvimento de Sporothrix Schenkii em felino diagnóstico citológico: relato de caso. Clin Vet. 2008;77:40-6. 13. Marques SA, Franco SRVS, Camargo RMP, Dias LDF, Hadd Júnior V, Fabris VE. Esporotricose do gato doméstico (Feliscatus): transmissão humana. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 1993;15(4):327-30. 14. Larsson CE. Esporotricose. In: I Simpósio Brasileiro de Micologia sobre Micoses Animais. Porto Alegre, Rio Grande do Sul; 2000. p. 66-70. 15. Caus ALO. Esporotricose no estado do Espírito Santo: um estudo de três décadas [Dissertação]. Virória: Universidade Federal do Espírito Santo; 2013. Vitória (ES): Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Espírito Santo. 2013. 53 p. v.38, n.2, p.490-498 abr./jun. 2014 497

16. Nassif PW, Granado IRMO, Ferraz JS, Souza R, Nassif AE. Esporotricose cutânea de apresentação atípica em paciente etilista. Dermatol Online J. 2012,18(6):12. 17. Souza GF. Doença da arranhadura do gato: relato de caso. Rev Médica Minas. 2011;21(1):75-8. 18. Cruz LCH, Rosa CAR, Baffa MC, Campos SG. Isolamento do Sporothrixschenckii de gatos com lesões ulcerativas. In: Anais do 12º Congresso Brasileiro de Microbiologia e 9º Congresso Latino-Americano de Microbiologia. São Paulo, São Paulo; 1983. 19. Talhari S, Gadelha AR, Cunha MGS, Fernandes G, Paes MG. Micoses profundas na Amazônia. Estudo dos casos diagnosticados em Manaus, Estado do Amazonas, no período de 1973 a 1978. An Bras Dermatol. 1980;55:133-6. Recebido em 28.04.2013 e aprovado em 26.06.2014. 498