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Transcrição:

RPCV (2012) 111 (583-584) 165-172 REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Ovariosalpingohisterectomia em cadelas: comparação entre a técnica de tração uterina por via vaginal associada à celiotomia pelo flanco e a abordagem ventral mediana Ovariohysterectomy in bitches: a comparison between the technique of uterine traction by vaginal via associated to flank celiotomy with the ventral median approach Marcelo C. Rodrigues 1 *, Maria C. O. C. Coelho 2, Ana M. Quessada 1, Dayanne A. S. D. Lima 1, João M. de Sousa 1, Cleyton C. D. Carvalho 2 1 Hospital Veterinário da Universidade Federal do Piauí, Centro de Ciências Agrárias, Campus Universitário, 64.049-550, Teresina, PI, Brasil 2 Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, PE, Brasil Resumo: Em 20 cadelas, distribuídas em dois grupos, descreveu-se uma técnica cirúrgica de ovariosalpingohisterectomia (OSH) denominada tracionamento uterino por via vaginal (TUV), a qual foi comparada com a celiotomia retro-umbilical (tradicional) quanto a parâmetros intra e pós-operatórios. A técnica proposta (TUV) apresentou facilidade de remoção dos ovários, menor trauma, menos dor e melhor recuperação pós-cirúrgica do que a tradicional, sendo uma alternativa viável para a realização de OSH eletiva em cadelas. Palavras-chave: cão, castração, cirurgia, laparotomia,vagina Summary: Using 20 bitches divided in two equal groups, a surgical technique of ovariohysterectomy (OH) is described, called vaginal uterine traction (VUT). This procedure is compared to a retro-umbilical celiotomy (traditional technique) in relation to parameters intra and postoperative. The proposed technique (VUT) had easy removal of the ovaries, less trauma, less pain and better postoperative recovery than the traditional technique, and is viable for performing elective OH in bitches. Keywords: dog, castration, surgery, laparotomy, vagina Introdução Com o aumento da população animal e a consciencialização sobre a necessidade do controle de natalidade em animais domésticos, a castração de cadelas, é um procedimento justificável e humanitário. Portanto, a ovariosalpingohisterectomia (OSH) é o procedimento cirúrgico mais realizado nos serviços de medicina veterinária (Goethem et al., 2006). *Correspondência: marcelocamposvet@hotmail.com Tel: + (55) 86 8815-9354; Fax: + (55) 86 3215-5537 A celiotomia retro-umbilical e pelo flanco são as vias de acesso utilizadas para realização de OSH, em cadelas e gatas (Janssens e Janssens, 1991; Coe et al., 2006; Howe, 2006; Stone, 2007), sendo a abordagem na linha média ventral a mais usual (Janssens e Janssens, 1991; Howe, 2006). A abordagem pelo flanco é uma alternativa, na qual o trauma cirúrgico é menor (McGrath et al., 2004) e os riscos de evisceração reduzidos em relação à abordagem pela linha média (Coe et al., 2006). Na prática de pequenos animais, tal abordagem é realizada em gatas e em cadelas pequenas ou de conformação corporal estreita (Howe, 2006). Atualmente, a laparoscopia, abordagem minimamente invasiva de acesso à cavidade abdominal (Monnet e Twedt, 2003; Malm et al., 2004), vem ganhando popularidade por apresentar vantagens em comparação com os procedimentos cirúrgicos tradicionais (Silva et al., 2001). Dentre as modalidades de esterilização minimamente invasivas, pode-se citar a OSH vídeo-assistida com único portal (Gower e Mayhew, 2008) e por NOTES (cirurgia endoscópica laparoscópica transluminal por orifícios naturais) hibrida (Brun et al., 2009) ou pura (Silva et al., 2012) Com a realização da primeira histerectomia videolaparoscópica em mulheres, o interesse pela via vaginal ressurgiu dentre as abordagens minimamente invasivas (Costa et al., 2003). No entanto, em cadelas, devido às características anatomicas do sistema reprodutivo, a OSH pela via vaginal apresenta restrições, principalmente pelo espaço operatório limitado (Krakora, 1980; Souza et al., 2012). Entretanto, cirurgias do tipo NOTES, possibilita OSH vaginal nessa espécie (Brun et al., 2009). 165

Em relação à dor na OSH, a reação inflamatória da ovariectomia aumenta a liberação de prostaglandinas que estimulam os nociceptores, tornando-a um procedimento doloroso (Teixeira e Figueiró, 2001), onde a manipulação de órgãos abdominais contribui para o incremento da dor durante várias horas após a intervenção cirúrgica (Mastrocinque e Fantoni, 2001). A agressão cirúrgica ativa respostas neuronais nociceptivas (Mastrocinque e Fantoni, 2001), onde, em áreas não suprimidas pela anestesia geral, os estímulos aferentes culminam com a produção, pelo córtex da adrenal, do cortisol (Ko et al., 2000), cuja aferição é um parâmetro preciso para avaliar resposta neuroendócrina ao estresse cirúrgico e tende a aumentar significativamente na dor pós-operatória (Caldeira et al., 2006; Quessada et al., 2009). Alterações nos parâmetros fisiológicos associados aos de conduta, também podem ser utilizados para avaliar dor (Bonafine, 2005). Entretanto, variáveis clínicas relacionadas ao estresse são indicadores fugazes de dor por sofrerem influencia de diversos fatores (Burrow et al., 2006). Somando-se as respostas comportamentais, hormonais e metabólicas, pode-se obter uma avaliação mais precisa da dor em diversos períodos do pós-operatório (Robes, 2006). Novos acessos e novas técnicas visando menos complicações e mais vantagens para o animal e seu proprietário devem ser pesquisados. Em vista disso, o presente trabalho teve como objetivo propor uma técnica cirúrgica menos invasiva para OSH eletiva em cadelas, por meio das vias vaginal e fossas paralombares, comparando-a com a técnica tradicional quanto às dificuldades técnicas, complicações, tempo trans-cirúrgico, dor e evolução clínica pós-operatória. Material e métodos Em vinte cadelas adultas (2,3 anos ± 1,39), hígidas, de diferentes raças distribuídas ao acaso em dois grupos foram realizadas OSH eletiva. Um grupo foi submetido à técnica de Tração Uterina por via Vaginal (TUV) e o outro à técnica tradicional por celiotomia retro umbilical (Stone, 2007). Foram incluídas no experimento apenas cadelas com resultados normais nos exames: ultra-sonografia abdominal, hemograma, tempo de sangria, tempo de coagulação, citologia do esfregaço vaginal, dosagens de uréia, de creatinina, de alanina aminotransferase (ALT) e de cortisol sérico. Foi estabelecido jejum hídrico e alimentar de seis e 12 horas, respectivamente. No pré-operatório, realizou-se tricotomia perivulvar, perianal e nas fossas paralombares (direita e esquerda) no grupo TUV e no abdômen no grupo tradicional. Foi administrada cefalotina sódica 1 (30 mg/kg, IV), 30 minutos antes da indução anestésica e cloridrato de tramadol 2 (2 mg/kg IM), dez minutos antes da indução. A medicação pré-anestésica foi constituída de maleato de acepromazina 3 (0,1 mg/kg IM), quinze minutos antes da indução anestésica, a qual foi feita com propofol 4 (4 mg/kg, IV). A manutenção foi inalatória com isoflurano 5, em O2 a 100%, em circuito semi-fechado. No trans-operatório, administrou-se ringer lactato (10 ml/kg/h, IV). No grupo TUV, as cadelas ficaram em decúbito lateral esquerdo, onde, procedeu-se à antissepsia perivulvar, perianal, do vestíbulo vaginal, vagina e flanco direito com solução de clorexidina 2% 6, seguida de cateterização vesical e obliteração do esfincter anal com sutura em "bolsa de fumo" (fio de náilon monofilamentado nº 2-0 7 ). A pele foi incisada (aproximadamente 2 cm), no ponto médio entre a asa do ílio e a parte convexa do hipocôndrio em direção obliqua ântero-posterior, os músculos (oblíquo externo, oblíquo interno e transverso) foram divulsionados no sentido de suas fibras e o peritoneu foi incisado. Com auxílio de um instrumento denominado "Tracionador Uterino" (TU), feito de aço inoxidável, o pedículo ovariano foi exteriorizado (Figura 1A). Duas pinças hemostáticas foram colocadas no pedículo ovárico direito, o qual foi transfixado (fio de poliglactina 910 nº 2-0 8 ) e seccionado (Figura 1B). Os ligamentos redondo e largo do útero foram secionados, a artéria uterina foi ligada (Figura 1C) (fio de poliglactina 910 nº 2-0), sendo removidos trompa e ovário. O corno uterino foi reintroduzido na cavidade abdominal seguido de síntese, da parede abdominal (fio de poliglactina 910 nº 2-0) e da pele (fio de náilon monofilamentado nº 2-0) com pontos separados simples. Com o animal em decúbito lateral direito foram feitos os mesmos procedimentos de antissepsia, diérese e hemostasia contralateral. Antes de se fechar a cavidade abdominal, o TU foi introduzido no canal vaginal (Figura 1D) até o fórnix, alcançando a cavidade pélvica e abdominal até a incisão lateral esquerda (Figura 1E). O TU foi exteriorizado na incisão lateral e a extremidade do mesmo (gancho), foi introduzida no lúmen do corno uterino pela extremidade livre e fixada com cordonete de algodão 000 9 (Figura 1F), previamente transpassado no orifício do TU. O conjunto foi tracionado caudalmente na vagina, até a sua 1 Cefalotina sódica 1g - AB Farmo Química ltda, São Paulo, SP, Brasil 2 Tramadon CRISTÁ LIA Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda, Itapira, SP, Brasil 3 Acepran 1% UNIVET S/A-Ind. Veterinária, São Paulo, SP, Brasil 4 Propovan - CRISTÁLIA Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda, Itapira, SP, Brasil 5 Isoforine CRISTÁLIA Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda, Itapira, SP, Brasil 6 Riohex Rioquímica Indústria Farmacêutica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil 7 Mononáilon BRASUTURE Ind. Com. Imp. e Exp. Ltda, Rio de Janeiro, RJ, Brasil 8 Vicryl ETHICON Inc Johnson & Johnson Industrial Ltda, São Paulo, SP, Brasil 9 Algodão Extra Forte 000 J&P COATS Coats Industrial S/A, São Paulo, SP, Brasil 166

A B C D E F G H Figura 1 - Ovariosalpingohisterectomia em cadelas. (A) Exteriorização do pedículo ovariano, com tracionador; (B) Secção do pedículo; (C) Ligadura da artéria uterina; (D) Tracionador introduzido no canal vaginal; (E) Tracionador na incisão da fossa paralombar; (F) Corno uterino ligado ao tracionador; (G) Exteriorização dos cornos e colo uterino na vulva. Tracionador ligado ao corno uterino (seta); (H) Ligadura transfixante no corpo uterino. 167

exteriorização juntamente com o corpo uterino e corno contralateral (Figura 1G). O útero foi ligado com sutura transfixante (fio de poliglactina 910 nº 2-0) (Figura 1H) e seccionado. O coto uterino, com a cérvix preservada foi recolocado na cavidade pélvica. A parede abdominal foi fechada como no antímero direito. Ao término da cirurgia foi retirada a sutura do ânus. Os animais do segundo grupo foram submetidos à técnica tradicional (Stone, 2007), sendo todos os procedimentos cirúrgicos realizados pelo mesmo cirurgião. A avaliação clínica pós-operatória foi realizada diariamente por dois avaliadores, no turno matutino, por um período de 30 minutos, sendo que nas primeiras 48 horas os animais permaneceram em canis e nos cinco dias subseqüentes em seus domicílios. Em cada grupo foram feitas 70 observações durante os sete dias de pós-operatório (PO). Os níveis de cortisol (eletroquimioluminescência) foram mensurados em oito momentos: M0: basal; M1: 10 minutos após MPA; M2: tração do pedículo ovariano direito; M3: tração uterina; M4, M5, M6 e M7 uma, 12, 24 e 48 horas de PO respectivamente. O tempo cirúrgico foi mensurado desde a incisão cutânea até a dermorrafia. A dor PO foi avaliada por meio de alterações comportamentais, fisiológicas e complicações no sítio cirúrgico (Malm et al., 2005), durante sete dias. Foram adotados dois escores, sendo que o primeiro variou de 0 a 20 (alterações comportamentais e fisiológicas) e o outro de 0 a 5 (complicações) (Malm et al., 2005). O escore total (soma dos escores 1 e 2), demonstrou o grau de recuperação frente aos procedimentos cirúrgicos. A variação foi de zero a 25 pontos, sendo zero recuperação total (ausência de dor e de complicações) e 25, o grau máximo de dor e de complicações. A comparação da evolução clínica das feridas operatórias foi realizada pelo teste exato de Fisher. Para a variável tempo aplicou-se o teste "t-student". Os dados do cortisol foram analisados por análise de variância. Para comparação entre médias dos momentos, aplicou-se o teste de Scott-Knott, e para comparação entre grupos em cada momento, aplicou-se o teste F de análise de variância. Foi aplicado teste exato de Fisher para as variáveis dicotômicas, teste de qui-quadrado para as variáveis policotômicas e teste de Kruskal- Wallis para os escores 1, 2 e total. Diferenças foram consideradas significativas quando P<0,05. técnica de NOTES pura, a quantidade de tecido adiposo em torno da bolsa ovárica de cadelas pode dificultar a exteriorização dos ovários, aumentando o risco de ruptura do corno uterino ou a perda de tecido ovárico dentro da cavidade abdominal (Silva et al., 2012). Não foram observados sinais de lesões viscerais e/ou vasculares no grupo TUV. A extremidade romba do tracionador contribuiu para que não ocorressem lesões viscerais e complicações significativas, fatos passíveis de ocorrência em vacas submetidas à ovariectomia por via vaginal (Silva et al., 2004). A ruptura do corno uterino esquerdo (ligado ao tracionador) durante a tração no canal vaginal em uma cadela do grupo TUV foi uma complicação específica da técnica, devido a não liberação do ligamento redondo do corno uterino contralateral e foi corrigida com ampliação da incisão do flanco. Embora seja considerada rara, a ruptura uterina pode ter origem iatrogênica (Stone, 2007). A inadequada pressão da sutura no complexo arterio-venoso ovárico, contribuiu para ocorrência de hemorragia no pedículo ovariano direito em duas cadelas do grupo tradicional, a qual foi corrigida com alongamento da ferida cirúrgica. Ligadura colocada muito perto de uma pinça impede a compactação total do tecido (Tobias, 2010) e a pressão inadequada, mesmo em suturas por transfixação, não previne hemorragias (Goethem et al., 2006). Nas cadelas do grupo TUV, foi observada discreta descarga vaginal sanguinolenta autolimitante, no PO, em decorrência da incisão no fórnix vaginal feita com o tracionador uterino e em razão da ligadura, do corpo uterino, ter sido realizada cranialmente à ferida vaginal. O mesmo foi observado em cadelas submetidas à OSH por NOTES híbrida (Brun et al., 2009), NOTES pura (Silva et al., 2012) e em biopsia hepática endoscópica transvaginal (Souza et al., 2012). Embora o tempo trans-cirúrgico médio da técnica TUV (37,0 ± 3,14 min.) tenha sido maior que na tradicional (34,30 ± 3,12 min.), não houve diferença estatística entre os grupos e a experiência do cirurgião pode reduzir o tempo de procedimento (Figura 2). Em estudo comparativo do tempo para realização de OSH Resultados e discussão A ovariectomia pelo flanco no grupo TUV foi necessária devido à posição anatômica dos ovários e o maior volume ovárico em relação ao diâmetro da lesão no fundo de saco vaginal, causada pelo tracionador, dificultando a remoção das gônadas pela vagina. Na Figura 2 - Tempo cirúrgico (min), de cadelas submetidas à ovariosalpingohisterectomia pela técnica de tracionamento uterino por via vaginal e celiotomia retro umbilical 168

eletiva em cadelas a técnica que demandou mais tempo foi a tradicional em comparação com a abordagem pelo flanco (Verma et al., 2004). O cortisol sérico não apresentou diferença significativa entre os grupos. No entanto, ao serem considerados os momentos de cada técnica e os momentos entre as técnicas cirúrgicas, foram observadas diferenças significativas (P<0,05). Esta interação revela que o efeito das técnicas sobre o nível de cortisol não foram coincidentes ao longo dos momentos estudados. O cortisol sérico basal (M0) estava levemente acima dos limites para cães (Kerr, 2003), em ambos os grupos (Tabela 1), demonstrando que o maneio do animal influenciou na elevação desta hormona. Provavelmente, tal resultado se deve à resposta neuroendócrina ao estresse, pois a ansiedade e o medo em relação ao maneio e a preparação do animal provocam aumento das catecolaminas (Fox et al., 1994) e conseqüentemente do cortisol. No M1 (10 minutos após a medicação pré-anestésica), o cortisol sérico ficou acima dos valores de referência no grupo TUV (Tabela 1). Tal fato deve-se, provavelmente, a resposta neuroendócrina ao estresse causado pelo maneio mais intenso dos animais do grupo TUV no momento da tricotomia dos flancos e da região perivulvar/perianal. Implicações adversas devido ao efeito bifásico das fenotiazinas podem ter ocorrido (Massone, 2008). O maneio do paciente produz uma típica resposta ao estresse com alterações hormonais e metabólicas (Fox et al., 1994; Guimarães et al., 2007). No momento da tração do ovário direito (M2), os níveis de cortisol do grupo tradicional, aumentaram em relação aos valores de referência e aos valores do grupo TUV (Tabela 1). As pequenas incisões, o menor trauma tissular, a menor tração no pedículo ovárico e a menor manipulação dos tecidos e órgãos abdominais, podem ter determinado valores menores no grupo TUV em relação ao grupo tradicional. Em cirurgias abdominais, onde a manipulação dos tecidos e órgãos é maior, a elevação do cortisol é esperada, além do que, o menor tempo de manipulação do pedículo (Malm et al., 2005) e a melhor exposição ovárica na abordagem pelo flanco (Janssens e Janssens, 1991), contribuíram para tal resposta do grupo TUV. Em ambos os grupos, o cortisol sérico esteve acima dos valores de referência no M3 (tração uterina) (Tabela 1). Esse achado pode estar relacionado com os estímulos nociceptivos decorrentes da tração e ligadura dos pedículos ováricos e das manobras para exteriorização do útero. Tração e ligadura dos pedículos ováricos provocam estímulos nociceptivos elevando o cortisol até após o término do procedimento cirúrgico (Fox et al., 1998; Ko et al., 2000; Malm et al., 2005; Quessada et al., 2009). Uma hora após o término da cirurgia (M4) observou-se um aumento significativo do cortisol sérico, em ambos os grupos (Tabela 1). Tal elevação, provavelmente se deve à resposta sensorial (inclusive estímulos nociceptivos) e, uma vez recobrada a consciência (recuperação anestésica), o aumento do cortisol deu-se pela combinação de efeitos residuais de tais estímulos com o retorno da resposta cognitiva do animal (Fox et al., 1998). O cortisol normalizou 12 horas após o término da cirurgia (M5) no grupo TUV e a partir das 24 horas do PO (M6) no grupo tradicional (Tabela 1). Neste grupo, os efeitos residuais da maior tração nos pedículos ováricos, associada à maior manipulação tissular e visceral em relação ao outro grupo, justificam os níveis de cortisol elevados no M5. Embora a dor pós-cirúrgica seja previsível, a OSH é estressante e causa mudanças comportamentais por pelo menos 24 horas após a cirurgia (Hardie et al., 1997), estando as concentrações de cortisol normalizadas em até 24 horas após a intervenção, com ou sem analgesia (Fox et al., 1998; Malm et al., 2005). O aumento do cortisol durante o trans e PO imediato, apesar do uso do tramadol, sugere que o fármaco não suprimiu a resposta à nocicepção, provavelmente por se encontrar no período de latência (Caldeira et al., 2006), que é em torno de 20-30 minutos (Massone, 2008). Além disso estímulos não álgicos durante a anestesia passam a se comportar como estímulos de dor, e inibir a resposta neuroendócrina após seu desencadeamento é difícil (Lacerda e Nunes, 2008). Tabela 1 - Valores médios e erros padrão (em µg/dl*) do cortisol sérico de cadelas submetidas à ovariosalpingohisterectomia por Tracionamento Uterino por via Vaginal (TUV) e Celiotomia Retro Umbilical (CRU) nos diferentes momentos avaliados MOMENTOS TUV CRU M0 5,57±1,48 Ac 5,61±1,54 Ac M1 6,87±1,34 Ac 5,33±1,44 Ac M2 4,06±0,86 Ac 7,40±1,52 Ac M3 10,27±1,26 Ab 10,95±1,45 Ab M4 12,25±1,59 Ba 15,93±1,51 Aa M5 3,96±0,82 Ac 6,72±1,54 Ac M6 3,72±0,67 Ac 5,28±1,25 Ac M7 3,61±0,73 Ac 4,45±1,10 Ac M0: basal; M1: 10 minutos após a medicação preanestésica; M2: tração do pedículo ovariano direito; M3: tração uterina; M4, M5, M6 e M7 uma, 12, 24 e 48 horas de pós-operatório respectivamente. Letras maiúsculas iguais, na horizontal, não diferem entre si pelo teste F a 5% de probabilidade. *Valores de referência para a espécie canina 0,5 a 5,5 µg/dl (Kerr, 2003) Alterações nos parâmetros comportamentais e fisiológicos não foram significativamente diferentes entre os grupos. A subjetividade dos avaliadores frente a pouca confiabilidade nas variáveis clinicas e comportamentais na análise de dor (Lascelles et al., 1998), possivelmente contribuiu para tal achado. Todos os animais submetidos ao TUV locomoveram-se espontaneamente a partir do primeiro dia do 169

PO. Na abordagem tradicional, um animal não apresentou locomoção espontânea nos dois primeiros dias, possivelmente em razão da maior amplitude da lesão cirúrgica e da maior manipulação visceral (Mathews, 2000), para correção da hemorragia no pedículo ovárico, o que acarretou na relutância do animal em se locomover (Smith et al., 1996; Bonafine, 2005). A tentativa de interferência nos ferimentos cirúrgicos apresentou diferença estatística significante (P<0,05) entre os grupos, e foi mais evidente nos animais do grupo tradicional em relação aos animais do grupo TUV (Figura 3). Tal comportamento pode estar relacionado com maior lesão tecidual e maior trauma causado em nociceptores da pele e tecido subcutâneo na celiotomia. Quando as reações do animal à palpação foram avaliadas por dia, observou-se diferença significativa entre os grupos, no primeiro e no terceiro dias (Figura 4 e 5), demonstrando que as cadelas do grupo TUV apresentaram menor reação ao desconforto nesses dias. O menor desconforto do grupo TUV, no primeiro dia, possivelmente está relacionado com menores efeitos residuais de estímulos nociceptivos (Fox et al., 1998). O maior estímulo nociceptivo, promovido pelos mediadores inflamatórios da fase intervalar da cicatrização (Hedlund, 2008), devido ao maior trauma, provavelmente justificam o maior desconforto no terceiro dia nas cadelas da abordagem tradicional. Na análise individual de cada grupo, verificou-se que a descrição "sem reação", esteve presente em 60% dos animais a partir do primeiro dia de observação e em 100% a partir do sexto dia no grupo TUV. No grupo tradicional, tal descrição foi observada em 10% das cadelas no primeiro dia e em 90% das mesmas até o sétimo dia de observação. As descrições "leve desconforto" e "desconforto" foram observadas até o quinto e quarto dias, respectivamente no grupo TUV, enquanto que no grupo tradicional, a situação "leve desconforto" esteve presente em 10% dos animais no sétimo dia e a manifestação de "desconforto" foi mais evidente no primeiro dia (60%), com um decréscimo gradativo até o quinto dia. No item comportamental "reação agressiva", nenhum animal do grupo TUV apresentou tal conduta. No entanto, no grupo tradicional, 10% dos animais manifestaram tal reação no terceiro dia. (Figuras 4 e 5). As diferenças comportamentais de cada animal e/ou a não uniformização da pressão sobre o campo cirurgiado, entre os avaliadores (Alves et al., 2001; Burrow et al., 2006), pode ter influenciado na intensidade dos escores da "reação do animal à palpação da área operada". A intensidade do escore de "tensão abdominal" foi diferente significativamente entre os grupos. O aumento da tensão abdominal teve 22,86% de ocorrência ao longo dos sete dias nos animais submetidos à técnica TUV e em 60% nas cadelas submetidas a técnica tradicional. A maior manipulação tecidual com possível irritação da serosa, na abordagem tradicional, associada a diferenças comportamentais entre animais e a hiperalgesia da OSH podem desencadear posturas e reações anormais (Alves et al., 2001; Robes, 2006). Os animais da técnica tradicional demonstraram maior grau de desconforto (estaticamente significativo) do que os animais do outro grupo. Provavelmente isto está relacionado com a extensão e tipo de tecido comprometido, grau de inflamação existente e características individuais (Otero e Jacomet, 2005). Figura 4 - Reação do animal à palpação da área operada durante o pós-operatório em cadelas submetidas a ovariosalpingohisterectomia por Tração Uterina por via Vaginal Figura 3 - Interferência dos animais, nos ferimentos cirúrgicos externos durante o pós operatório, após ovariosalpingohisterectomia por Tração Uterina por via Vaginal (TUV) e Celiotomia Retro Umbilical (CRU) Figura 5 - Reação do animal à palpação da área operada durante o pós-operatório em cadelas submetidas a ovariosalpingohisterectomia por Celiotomia Retro Umbilical 170

Embora, os parâmetros fisiológicos relacionados com fatores estressantes sejam indicadores fugazes de dor (Burrow et al., 2006), tais variáveis podem ser utilizadas para avaliar e classificar o desconforto de acordo com o escore proposto. Estes parâmetros fisiológicos no transcorrer dos sete dias de PO não apresentaram diferença estatística significante entre as técnicas, apesar da técnica TUV, no geral, ter resultado em menor desconforto. Em ambos os grupos, o desconforto foi mais evidente no primeiro dia de PO, com diminuição gradativa até o sétimo dia. As primeiras horas do PO coincidem com o período de maior dor, e esta tende a desaparecer à medida que as horas e dias passam (Otero e Jacomet, 2005; Quessada et al., 2009), e a dor pós-operatória provocada pela OSH manifesta-se com uma intensidade leve a moderada em razão de fatores como duração e extensão da cirurgia, grau de manipulação das vísceras, idade e escore corporal do animal (Mathews, 2000). Apesar dos parâmetros fisiológicos e das complicações relacionadas com sítio cirúrgico (escore 2) não terem apresentado significância estatística, no decorrer dos sete dias de PO, o escore total (escore 1 + escore 2) apresentou diferença significativa entre as técnicas, demonstrando que a abordagem por TUV teve um grau de recuperação PO melhor que a abordagem tradicional em OSH eletiva de cadelas (Figura 6). Os pacientes submetidos a procedimentos realizados por orifícios naturais estão sujeitos a uma menor agressão, o que acarretaria em menor dor pós-operatória e recuperação mais rápida (Claus et al., 2011). Figura 6 - Grau de recuperação (escore total) de cadelas submetidas a ovariosalpingohisterectomia por Tração Uterina por via Vaginal e Celiotomia Retro Umbilical em sete dias de observação pós cirúrgica Conclusões A técnica de Tração Uterina por via Vaginal é uma alternativa para realizar OSH eletiva em cadelas, com segurança e eficiência, mostrando-se menos invasiva e menos dolorosa do que a abordagem tradicional. No entanto novos estudos podem aperfeiçoar tal técnica, disponibilizando-a como uma opção a ser utilizada na rotina veterinária, quando o acesso aos meios laparoscópicos não forem possíveis. Bibliografia Alves AS, Campello RAV, Mazzanti A, Alievi MM, Faria RX, Stedile R, Braga FA (2001). Emprego do antiinflamatório não esteróide ketoprofeno na analgesia preemptiva em cães. Ciência Rural, 31(3), 439-444. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cr/v31n3/a12v31n3.pdf>. Acesso em 20 set. 2011. Bonafine R (2005). Manifestações clínicas da dor em pequenos animais. 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