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Transcrição:

Usina de Açúcar Franz Post Barroco Século XVII - Bahia Gregório de Matos Guerra (Boca do Inferno) Lírico-Amoroso: estabelece um jogo oposições, apela para os sentidos, explora imagens fugidias para retratar a fugacidade do amor, da vida. Lírico-religioso: a religiosidade do poeta é expressa mais por sua retórica do que pela noção sincera a respeito de pecado ou perdão. Satírico: crítica à sociedade da Bahia através de uma linguagem popular. Humor violento e corrosivo.

No Barroco, observamos duas correntes de estilo: 1. Cultismo: jogo de palavras, jogo de sensações (expressão formal) O todo sem a parte não é todo, A parte sem o todo não é parte, Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Não se diga, que é parte, sendo todo. 2. Conceptismo: jogo de idéias, jogo de conceitos (significação) Leia o poema a seguir.

A Jesus Cristo Nosso Senhor Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado, Da vossa alta clemência me despido; Porque quanto mais tenho delinqüido Vos tenho a perdoar mais empenhado. Se basta a vos irar tanto pecado, A abrandar-vos sobeja um só gemido: Que a mesma culpa que vos há ofendido, Vos tem para o perdão lisonjeado. Se uma ovelha perdida e já cobrada Glória tal e prazer tão repentino Vos deu, como afirmais na sacra história, Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada, Recobrai-a; e não queirais, Pastor Divino, Perder na Vossa ovelha a Vossa glória.

Retrato / Dona Ângela Anjo no nome, Angélica na cara! Isso é ser flor, e Anjo juntamente: Ser Angélica flor, e Anjo florente, Em quem, senão em vós, se uniformara: Quem vira uma tal flor, que não a cortara, De verde pé, da rama florescente; E quem um Anjo vira tão reluzente, Que por seu Deus o não idolatrara? Se pois como Anjo sois dos meus altares, Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda, Livrara eu se diabólicos azares. Mas vejo, que por bela, e por galharda, Posto que os Anjos nunca dão pesares, Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

A Maria dos povos, sua futura esposa Discreta e formosíssima Maria, Enquanto estamos vendo a qualquer hora Em tuas faces a rosada Aurora, Em teus olhos e boca o Sol e o dia, (...) Goza, goza da flor da mocidade, Que o tempo trota a toda ligeireza, E imprime em toda a flor sua pisada. Oh não aguardes, que a madura idade, Te converta essa flor, essa beleza, Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

Solitário em seu mesmo quarto à vista da luz Ó tu do meu amor fiel traslado Mariposa entre as chamas consumida, Pois se à força do ardor perdes a vida, A violência do fogo me há prostrado. Tu de amante o teu fim hás encontrado, Essa flama girando apetecida; Eu girando uma penha endurecida, No fogo, que exalou, morro abrasado. Ambos de firme anelando chamas, Tu a vida deixas, eu a morte imploro Nas constâncias iguais, iguais nas chamas. Mas ai! que a diferença entre nós choro, Pois acabando tu ao fogo, que amas, Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.

Alguns fragmentos Aos vícios Definição do Amor (final) O Amor é finalmente um embaraço de pernas, uma união de barrigas, um breve tremor de artérias. Uma confusão de bocas, uma batalha de veias, um reboliço de ancas, quem diz outra coisa, é besta. Eu sou aquele que os passados anos Cantei na minha lira maldizente Torpezas do Brasil, vícios e enganos. (...) Se souberas falar, também falaras Também satirizaras, se souberas E se foras poeta, poetizaras. Define a sua cidade De dois ff se compõe esta cidade a meu ver: um furtar, outro foder.

A certa personagem desvanecida Um soneto começo em vosso gabo: Contemos esta regra por primeira; Já lá vão duas, e esta é a terceira, Já este quartetinho está no cabo, Na quinta torce agora a porca o rabo; A sexta vá também d'esta maneira: Na sétima entro já com gran canseira, E saio dos quartetos muito brabo. Agora nos tercetos que direi: Direi que vós, Senhor, a mim me honrais Gabando-vos a vós, e eu fico um rei. N'esta vida um soneto já ditei; Se d'esta agora escapo, nunca mais: Louvado seja Deus, que o acabei.

Epílogos Que falta nesta cidade? Verdade Que mais por sua desonra? Honra Falta mais que se lhe ponha? Vergonha. O Demo a viver se exponha, Por mais que a fama a exalta, Numa cidade, onde falta Verdade, Honra, Vergonha. E que a justiça a resguarda? Bastarda É grátis distribuída? Vendida Que tem, que a todos assusta? Injusta. Valha-nos Deus, o que custa, O que El-Rei nos dá de graça, Que anda a justiça na praça Bastarda, Vendida, Injusta.

E nos frades há manqueiras? Freiras Em que se ocupam os serões? Sermões Não se ocupam em disputas? Putas. Com palavras dissolutas Me concluís na verdade, Que as lidas todas de um Frade São Freiras, Sermões, e Putas. O açúcar já se acabou? Baixou E o dinheiro se extingui? Subiu Logo já convalesceu? Morreu. À Bahia aconteceu O que a um doente acontece, Cai na cama, o mal lhe cresce, Baixou, Subiu, e Morreu.

À cidade da Bahia Triste Bahia! ó quão dessemelhante Estás e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, Rica te vi eu já, tu a mi abundante. A ti trocou-te a máquina mercante, Que em tua larga barra tem entrado, A mim foi-me trocando, e tem trocado, Tanto negócio e tanto negociante. Deste em dar tanto açúcar excelente Pelas drogas inúteis, que abelhuda Simples aceitas do sagaz brichote. Oh se quisera Deus que de repente Um dia amanheceras tão sisuda Que fora de algodão o teu capote!

Contemplando nas cousas do mundo Neste mundo é mais rico, o que mais rapa: Quem mais limpo se faz, tem mais carepa: Com sua língua ao nobre o vil decepa: O Velhaco maior sempre tem capa. Mostra o patife da nobreza o mapa: Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa; Quem menos falar pode, mais increpa: Quem dinheiro tiver, pode ser Papa. A flor baixa se inculca por Tulipa; Bengala hoje na mão, ontem garlopa: Mais isento se mostra, o que mais chupa. Para a tropa do trapo vazo a tripa, E mais não digo, porque a Musa topa Em apa, epa, ipa, opa, upa.