PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO



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Transcrição:

PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. 2º - Somente se procede mediante representação. 1. Generalidades referente ao capítulo III: os crimes que veremos a seguir, tipificados no Capítulo III do Título I da Parte Especial do Código Penal são de perigo individual, configurando infrações penais de caráter subsidiário. Lembre-se que algumas normas incriminadoras possuem relação de subsidiariedade umas com as outras, ou seja, mais de um tipo penal tutela o mesmo bem jurídico em diferentes fases ou etapas, correspondentes a graus de agressão diversos, para que, tal bem tenha um maior âmbito de proteção. Os tipos subsidiários protegem o bem de lesão menos grave em relação ao tipo principal. 2. Tipo objetivo: o tipo protege a incolumidade física e a saúde da pessoa humana. A ação consiste em expor a perigo de moléstia venérea de que sabe ou devia saber ser portador. O perigo deve ser direto e iminente, logo, concreto, demonstrado. A possibilidade incerta ou remota é irrelevante. O tipo penal relevou os meios de execução, de forma que a exposição ao perigo deve ocorrer através de relações sexuais ou qualquer outro ato libidinoso. O vocábulo relações sexuais anormais, tais como coito anal, oral, o uso de instrumentos roliços ou dos dedos para a penetração no órgão sexual feminino, ou cópula vestibular, em que não há penetração, também configuram o crime. Basta que o meio seja eficaz para transmitir a doença 1. Qualquer outra conduta física, como por exemplo ingestão de alimentos, aperto de mão, amamentação, uso de utensílios domésticos não servem para configurar o tipo em questão. 3. Conduta: a conduta exigida pelo tipo é expor (colocar em perigo) a contágio de moléstia venérea de que sabe ou devia saber ser portador. O perigo deve ser direto e iminente, isto é, concreto, demonstrado e não presumido. É, portanto, suficiente a exposição ao perigo, sendo desnecessário o dano que, se ocorrer poderá configurar um crime de dano em tese. 4. Dolo: agiu diferente o legislador no crime em questão. Preferiu prever duas formas dolosas: o dolo direto e o dolo eventual. Assim, quando o tipo utiliza o termo doença de que sabe está se referindo ao dolo direto. Quando utiliza o termo deve saber está admitindo o dolo eventual. Portanto, como não há previsão legal, fica afastada a forma culposa. Cabe referir, ainda, que no parágrafo primeiro exige-se um dolo especial ou específico, assim caracterizado pela intenção de transmitir a doença, elemento subjetivo especial que se agrega ao dolo. 5. Crime formal: o crime em questão é um clássico exemplo de crime formal. A conduta tem potencial para produzir o resultado (a transmissão da doença), mas o tipo não exige essa 1 O tipo penal do art. 130 é aberto, cabendo à medicina a definição de moléstia venérea. A medicina vem conceituando doenças venéreas como moléstias infecciosas transmitidas (ou mais eficientemente) pelo contato sexual. Infecções retais e/ou faríngeas são comuns em doenças venéreas como resultado de práticas sexuais variadas. Estes agentes são propícios para transmissão através do contato com membranas mucosas. Podem ser bactérias, fungos, vírus ou protozoários. Para a maioria deles as lesões precoces ocorrem na genitália e outras membranas mucosas expostas sexualmente. As doença venéreas mais comuns são: gonorréia (blenorragia), sífilis, condiloma acuminado, clamídias, herpes, tricomonas, cancróide (cancro mole), granuloma inguinal, fungos (monilíase), escabiose e piolho. Cabe mencionar que a a shiguelose, hepatite B, amebíase, giardíase, e a salmonelose também podem ser transmitidas por contato sexual (ex.: sexo oro-anal), mas não são doenças venéreas.

Prof. Fábio Freita s Dias transformação fenomênica. Dessa forma, como crime formal, tem seu momento consumativo antecipado para o momento da conduta e, assim, a tentativa é de dificílima configuração. Cumpre esclarecer, todavia, que tal tipo exige resultado em sentido jurídico, ou seja, exige um resultado na forma de lesão e não na forma de evento físico. Tal resultado jurídico nesse crime é o perigo concreto, como já referido. Aliás, cabe mencionar que este crime é formal, comissivo, instantâneo, de perigo concreto, unissubjetivo (pode ser praticado por uma única pessoa) e plurissubsistente (exige a realização de vários atos, componentes de uma única ação). 6. Concurso formal: é perfeitamente admissível o concurso formal entre os crimes de estupro e o crime de contágio de doença venérea. O caso concreto, todavia, irá definir se o concurso formal será próprio ou impróprio. OBS: 1) a ação penal nesse crime é pública condicionada à representação da vítima ou seu representante legal; 2) A pessoa que já está contaminada pela doença venérea não será sujeito passivo do crime do art. 130, pois, nessa hipótese, apesar de o agente ter iniciado atos de execução, a consumação não ocorre porque a lesão ao bem jurídico é impossível de ser atingida, impossibilidade advinda de um ataque a objeto impróprio; 3) Se o agente sabe que está contaminado pela doença venérea e se utiliza de preservativo (camisinha), também ocorrerá o chamado crime impossível porque a lesão ao bem jurídico é impossível de ser atingida, impossibilidade advinda de meio ineficaz. PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. 1. Breve introdução: aparentemente há um conflito entre o art. 131 e o art. 129 do CP, uma vez que ambos podem afetar a integridade e a saúde da pessoa. Todavia, esse aparente conflito é solucionado pelo princípio da especialidade, pois o art. 131, assim como o art. 130, são especiais em relação ao art. 129, uma vez que o legislador nele relevou um elemento especializador que é o contágio de moléstias, ou melhor, a exposição de contágio de moléstias. 2. Classificação do crime: próprio, formal; de forma livre; comissivo; instantâneo; de perigo concreto; unissubjetivo; unissubsistente ou plurissubsistente. 3. Tipo subjetivo: lembre-se que, dogmaticamente, o dolo, enquanto elemento subjetivo natural, é identificado pela doutrina como elemento subjetivo geral do tipo, composto por um elemento cognitivo e outro volitivo. O primeiro refere-se à consciência ou conhecimento dos elementos do tipo enquanto que o segundo é a vontade de efetivar a realidade típica conhecida. O conhecimento ou a consciência deve ser atual, atualidade verificada no momento da prática criminosa. Nesse tipo, o agente deve ter consciência de que está contaminado e de que sua moléstia é contagiosa, assim como da conduta, dos meios e das suas conseqüências. A esse conhecimento se agrega a vontade de praticar a conduta típica, o resultado que pode ser produzido com a conduta (transmissão da doença), os meios e o nexo causal. Ademais, o tipo exige um fim especial: o fim de transmitir a doença, a moléstia grave. Assim, é possível afirmar que o dolo materializa-se no fato típico, na realização dos elementos que compõem o tipo objetivo, enquanto que o elemento subjetivo especial especifica o dolo. Dessa forma, o agente pode agir dolosamente, isto é, praticar atos idôneos para transmitir a moléstia grave a outrem, sabendo que está contaminado, mas se faltar o fim especial o crime não se configura. 4. Sobre a transmissão da AIDS: a doutrina tem discutido sobre qual o crime configura-se quando a doença transmitida é a AIDS. Alguns, inicialmente, entenderam que se configurava o crime do art. 130, todavia, por não tratar-se de uma doença venérea não pode configurá-lo. A doutrina hoje tem afirmado que a transmissão da AIDS pode configurar o crime do art. 131 (moléstia grave), lesão corporal gravíssima, lesão corporal seguida de morte (se a vítima morrer da doença) ou homicídio, conforme desenvolvido em aula. Parece que o que irá definir, na situação concreta, qual o crime se configura será a prova do elemento subjetivo e o resultado produzido. O TJSP já decidiu em mais de uma oportunidade que aquele que, sabendo ser portador do vírus da AIDS, pratica, dolosamente, atos capazes de transmitir a moléstia grave e 16

Direito penal II eminentemente mortal, comete o crime de homicídio tentado e não o crime do art. 131. Veja-se julgado: No crime de contágio de moléstia grave, a intenção de transmitir a moléstia configura dolo específico do delito. Assim, se o réu sabia ou devia saber ser portador de AIDS e sua esposa vem a falecer em virtude da doença, não havendo nos autos prova da intenção de transmitir a moléstia, fica descaracterizado o crime. 5. Algumas observações: a) o conceito de moléstia grave deve ser estabelecido pela Medicina. Assim, nesse crime é imprescindível perícia médica para determinar a contagiosidade da doença e o perigo concreto a que foi exposta a vítima; b) esse crime se distingue do crime de contágio venéreo, pois o crime do 131 admite a possibilidade de prática de qualquer ato para a transmissão de moléstia grave, enquanto que do 130 exige que o perigo seja produzido por relações sexuais ou qualquer outro ato libidinoso; c) trata-se de crime doloso que se consuma no momento da prática do ato, independentemente da efetivação da contaminação. PERIGO PARA A VIDA OU SAÚDE DE OUTREM Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. ( Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998) 1. Crime subsidiário: observe-se que o crime é subsidiário, ou seja, ele só tem sua tipicidade configurada se o fato não constitui crime mais grave. Sob o aspecto subjetivo, basta dolo de perigo, ou seja, consciência e vontade de expor a vítima a grave perigo. 2. Classificação do crime: é um crime comum; formal; comissivo; de perigo concreto, doloso e instantâneo; unissubjetivo; plurissubsistente. 3. O perigo: para que se configure o crime do art. 132, o perigo criado deve ser individual, ou seja, deve existir uma vítima certa que esteja sendo visada pelo réu. Se o perigo for comum, for extensivo a indeterminado número de pessoas o crime, em tese, não se configura. Ademais, exige-se perigo concreto, real, com alta probabilidade de dano. Por outras palavras, é necessário que o perigo seja direto e iminente, não sendo suficiente a mera possibilidade de sua ocorrência. Assim, para a configuração do delito, exige-se a comprovação efetiva de que a vítima tenha sido exposta a perigo, sofrendo risco direto e iminente. Em face do que foi dito, consuma-se o crime com a prática do ato e a ocorrência do perigo concreto, tratando-se de infração subsidiária como se disse, que só deve ser reconhecida quando o fato não constituir crime mais grave. 4. Exemplos da jurisprudência: a) Vulnera as disposições do art. 132 do CP o agente que faz disparo de arma de fogo contra determinada pessoa, provocando perigo de vida a esta e outras que se encontram, na ocasião, no bar. b) Configura o delito do art. 132 do CP e não tentativa branca de homicídio, se ao invés de desfechar o réu tiros contra a vítima, fá-lo em direção a ela. É que o homicídio requer dolo de dano, exigindo a infração menor, mero dolo de perigo. c) Responde pelo delito do art. 132 do CP o agente que, agindo por espírito de emulação, destrava portas de elevador de edifício, dando causa a que usuários, desavisados do fato, corressem o risco de se precipitarem no vazio do profundo poço do elevador. d) Disparo de arma de fogo: se o agente dispara em direção a um desafeto para expô-lo a perigo, responderá pelo crime do art. 132, uma vez que, visou uma pessoa certa e que tal disparo representou perigo concreto para a vida ou saúde da pessoa. Todavia, se o agente disparar a arma de fogo sem visar pessoa certa poderá responder pelo crime de disparo de arma de fogo, art. 15 da Lei 10.826/03. Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime: Pena reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável. 17

Prof. Fábio Freita s Dias Para que se configure o crime do art. 132, o perigo criado deve ser individual, ou seja, deve existir uma vítima certa que esteja sendo visado pelo réu. Se o perigo for comum, por extensivo a indeterminado número de pessoas a infração será o disparo de arma de fogo. e) Na configuração do delito previsto no art. 132 do CP, é mister que o fato não constitua crime mais grave, pois trata-se de figura delituosa eminentemente subsidiária ou supletiva. ABANDONO DE INCAPAZ Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena - detenção, de seis meses a três anos. 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a cinco anos. 2º - Se resulta a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. Aumento de pena 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço: I - se o abandono ocorre em lugar ermo; II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima. III - se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003) 1. Caracterização: o crime do art. 133 é de perigo concreto, pois é o próprio núcleo do tipo que exige um risco efetivo, real, concreto. Observe-se, todavia, que nos parágrafos primeiro e segundo, foram consagradas formas agravadas pelo resultado, típicos casos de crimes preterdolosos, que são crimes materiais e de dano. 2. Sujeitos do crime: o sujeito ativo é aquele que tem o dever de zelar pelo sujeito passivo, supondo sempre uma relação de assistência com este. O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa que se encontre numa das relações referidas na disposição legal, sujeito incapaz e sem condições de cuidar de si próprio e de se defender dos riscos resultantes do abandono, de forma que não é apenas o menor que pode ser vítima desse crime. Para caracterizar o sujeito passivo desse crime é necessário o concurso de dois requisitos: incapacidade e relação de assistência com o sujeito ativo. 3. Objeto jurídico e material: o objeto jurídico é a vida e a saúde. Já o objeto material é a pessoa inválida ou ferida em situação de desamparo ou em perigo bem como a criança abandonada ou extraviada em risco. 4. Elementos do crime do art. 133: a) abandono; b) violação do especial dever de assistência; c) superveniência de efetivo perigo concreto à vida ou à saúde do abandonado; d) incapacidade de defender-se da situação de perigo; e) dolo. 5. Observações: a) Caso ocorra um abandono de incapaz que seja culposo, a conduta não será apenada a esse título. Todavia, se essa conduta produzir resultado culposo (lesão ou morte) configurará crime autônomo culposo. b) Sendo o sujeito passivo idoso, a Lei 10.741/03 introduziu tipo penal específico para a hipótese de ser ele abandonado em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência ou congêneres (art. 98). c) O tipo penal tem como núcleo um comportamento humano representado pelo verbo abandonar que significa deixar, largar ou desamparar. Trata-se de crime doloso e consuma-se com o efetivo risco (perigo concreto) sofrido pelo sujeito passivo. O momento consumativo, portanto, ocorre com a prática do ato de abandono, independentemente de resultado naturalístico. d) O crime em questão possui formas qualificadas pelo resultado, quando resulta lesão corporal ou morte da vítima. e) A pena do caput é aumentada de 1/3 se o abandono se dá em lugar ermo (lugar retirado, abandonado ou desértico) e se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima, ou se a vítima é maior de 60 anos (art. 110 da Lei 10.741/03). 18

Direito penal II EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - detenção, de um a três anos. 2º - Se resulta a morte: Pena - detenção, de dois a seis anos. 1. Sujeito ativo: deve ser a mãe e, excepcionalmente, o pai, pois o tipo menciona a finalidade de ocultar desonra própria. Logo, somente os pais do recém-nascido poderiam ter essa intenção específica (dolo de expor ou abandonar + fim de ocultar desonra própria = dolo específico). 2. Bem jurídico e objeto material: a vida e a saúde do recém-nascido filho do sujeito ativo. O objeto material (ou de ataque) é o recém-nascido (termo que deve abranger a criança com poucos dias de vida, até 30 dias). 3. Condutas do tipo: abandonar tem o sentido de largar ou deixa de dar assistência pessoal a alguém; expor, pode ser conceituado como colocar em perigo, retirando a pessoa do seu lugar habitual para levá-la a ambiente hostil, desgrudando-se dela. 4. Observações: a) O art. 134 difere do 133 em face dos sujeitos passivos que acabam por especializar este em relação àquele. Neste crime o sujeito ativo deve ser a mãe e o sujeito passivo deve ser recémnascido. A doutrina tem sustentado que somente a mãe que concebeu o filho fora do matrimônio pode ser sujeito ativo do crime. b) Recém-nascido para fins de configuração desse crime é pessoa com no máximo 30 dias. c) A mãe pode ser solteira; d) mulher honrada: é indispensável que se trate de mulher honrada cujo conceito social possa ser abalado pela prova de uma concepção aviltante. Não fica excluída a prostituta (a desonra própria é elemento normativo do tipo); e) O abandono de gêmeos configura esse crime em concurso formal impróprio. f) A incapacidade de autodefesa do recém-nascido configura uma presunção absoluta. g) O elemento subjetivo configura-se com dolo específico: dolo mais fim especial de ocultar a desonra própria. OMISSÃO DE SOCORRO Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. 1. Generalidades: consiste na omissão de determinada conduta que o sujeito, frente a situação concreta, tinha a obrigação e podia realizá-la. Há, nesse crime, a omissão de um dever da agir imposto pela norma penal. Assim, protege-se a vida e a saúde da pessoa humana através da tutela da segurança individual. A omissão de socorro, baseada no dever geral de solidariedade, é um crime omissivo próprio ou puro, crime de mera conduta que se consuma com a abstenção da conduta exigida pelo tipo penal. Característica dessa omissão é o fato de estar prevista em tipo penal específico. 2. Diferenças básicas entre omissões próprias e impróprias: na omissão própria, um crime de mera conduta, não há resultado naturalístico descrito nem exigido pelo seu tipo legal, mais que isso, não se pode sequer deduzir um evento causal da conduta omissiva. Portanto, nestas não há relação de causalidade naturalística ou física; sequer cogita-se de relação de causalidade. Em verdade, quando falamos em causalidade, estamos mencionando uma relação de causa e efeito material ou físico, que pode ser percebida pelos sentidos no mundo real ou fenomênico. Portanto, não é possível falar de causalidade na omissão própria. Por palavras mais claras, não há relação 19

Prof. Fábio Freita s Dias de causalidade alguma na omissão pura ou própria, pois, nela não há nenhum vínculo material, que pertença ao mundo do ser ou ontológico, estabelecido e regido pelo princípio ou lei da causalidade. Já na omissão imprópria, a conduta produzirá um resultado físico, material ou naturalístico penalmente relevante, que integra o tipo do respectivo crime, como por exemplo, uma lesão corporal ou a morte e que se liga a conduta por uma relação de causalidade. Todavia, esta relação de causalidade não será física ou natural. Aqui teremos uma relação de causalidade dita normativa, ou seja, que depende de uma valoração a partir de critérios estabelecidos na lei penal. Sempre que uma norma imponha o dever de alguém se movimentar para impedir um resultado ilícito, estabelece um dever jurídico. Portanto, por disposição legal, considera-se que a omissão tem o mesmo valor da ação, ou por outras, equipara-se a não evitação de um resultado típico à sua causação e, assim, a causalidade é qualificada como normativa, legal ou jurídica. Desse modo, é a lei que estabelece a posição de garantidor e o dever de evitar o resultado típico, por isso, na omissão imprópria, a relação de causalidade é artificialmente criada por lei e chamada de normativa. 3. Bem jurídico tutelado e sujeitos: é a preservação da vida e da saúde do ser humano. Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que se depare com a situação de fato que exija o cumprimento do deve imposto; Sujeito passivo: a) criança; b) pessoa inválida, ferida ou desamparada; c) qualquer pessoa em grave ou iminente perigo. É importante relevar que são circunstâncias elementares do crime a possibilidade de prestar assistência e também a ausência de risco pessoal por parte do agente. Mas, chama-se a atenção, em caso de impossibilidade de prestar o socorro ou em caso de risco pessoal, existe a obrigação de pedir socorro à autoridade pública, conforme determina a segunda parte do caput do art. 135. 4. Fundamento: dever de solidariedade humana, um dever geral que se destina a todos, objetivando a assistência recíproca. 5. Observações: a) o dever geral trata-se de uma obrigação solidária; se a atuação de uma pessoa for inexitosa ou insuficiente, as outras pessoas permanecem obrigadas; b) se a vítima criar a situação de perigo, ainda assim, ficam as demais pessoas obrigadas a prestar assistência; c) a possibilidade de prestar socorro deve existir sem que o agente exponha-se a risco pessoal; d) as formas qualificadas exigem comprovação de que a omissão se inseriu no nexo causal inaugurado pelo sinistro que colocou a vítima em perigo e o resultado lesão corporal ou morte. e) se na situação concreta a vítima consciente e lúcida pretende buscar socorro sozinha e recusa o auxílio oferecido a terceiro, não se pode admitir a configuração do tipo do art. 135. f) por ser um crime de mera conduta, que se consuma com a realização da conduta omissiva, não admite a forma tentada. g) A lesão corporal grave qualifica a omissão de socorro. Mas se a lesão corporal for leve, fica absorvida pela omissão de socorro, respondendo apenas na forma do caput. h) a Lei 10.741/03, art. 97, criou uma figura típica especial de omissão de socorro para o sujeito passivo idoso. i) O tipo do crime de omissão de socorro é constituído de um elemento normativo quando possível fazê-lo sem risco pessoal. 6. Exemplos: a) Responde por omissão de socorro o médico que, embora solicitado, deixa de atender de imediato a paciente que, em tese, corra risco de vida, omitindo-se no seu dever. b) Acusados que deixam de socorrer vítimas de acidente de trânsito, feridas, na estrada. Alegação de que estavam com pressa de chegar a seu destino não tem o condão de justificar a omissão. Fica configurada a tipicidade do art. 135 quando o acusado deixa de prestar socorro à vítima, podendo fazê-lo, mas abandonando-a, ferida, no local do acidente. c) Enfermeira que deixa, sumariamente, de atender uma criança, que vem a morrer, por não manter a empregadora de seu genitor convênio com o hospital, comete o crime do art. 135, do CP. 20

Direito penal II MAUS-TRATOS Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa. 1.º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a quatro anos. 2.º - Se resulta a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. 3.º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990) 1. Bem jurídico protegido: são a vida e a saúde da pessoa humana (integridade fisiopsíquica do ser humano). 2. Sujeitos: ativo é somente quem se encontre na condição especial de exercer sua autoridade, guarda ou vigilância, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia. Logo, trata-se de crime próprio que não pode ser praticado por quem não reúna essa condição especial. Ex: pais, tutores, curadores, professores, diretores de instituições de ensino, enfermeiros, carcereiros, etc. Sujeito passivo será a pessoa que se encontre subordinada para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia. 3. Tipo penal objetivo: é composto de várias condutas: a) privar de alimentação; b) privar de cuidado; c) sujeitar a trabalho excessivo ou inadequado; d) abusar de meios corretivos ou disciplinares. As letras a, b e c os crimes são permanentes; na letra d o crime é instantâneo. 4. Tipo penal subjetivo: dolo de perigo, dolo em relação às condutas tipificados com consciência do abuso cometido. Segundo NUCCI o tipo exige um elemento subjetivo especial que é a vontade de maltratar a pessoa que deveria ser protegida. Sem o especial ânimo de maltratar, a conduta poderia configurar o crime do art. 132. Todavia, o tipo penal não especifica tal elemento, bastando o dolo de perigo direto ou eventual. 5. Observações: a) é um crime próprio; formal; instantâneo, de perigo concreto; unissubjetivo e plurissubsistente. b) trata-se de crime formal, logo, consuma-se com a simples realização da conduta típica, independentemente da produção de resultado; c) O Estatuto do idoso, art. 99 da Lei 10.741/03, criou uma figura típica especial quando a vítima é idoso. 6. Exemplos da jurisprudência: a) respondem por maus-tratos os responsáveis por nosocômio que submetem doentes mentais a condições desumanas, trabalhos exaustivos, redução de alimentação, agressões e confinamento em locais inadequados. Suficiente à configuração do delito é o perigo de dano à incolumidade da vítima; b) Professora provocada por comportamento de aluno, pespegando-lhe um tapa. Atenuante de violenta emoção reconhecida, fundamentalmente levado em consideração o fato da espinhosa missão de ser mestre nos dias atuais; c) Age em estado de necessidade mãe que, não tendo quem cuidasse do filho traquinas e adoidado, enquanto trabalhava fora do lar para sustentá-lo, acorrentava-o ao pé da cama, para que não saísse de casa. d) pai que com a intenção de corrigir o filho, surra o menor com uma cinta, produzindo-lhe lesões leves, pratica o crime de maus-tratos, em razão do excesso e não o de lesão leve com a agravante do art. 61, II, e, do CP. RIXA Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores: Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa. Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato 21

Prof. Fábio Freita s Dias da participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos. 1. Conceito de rixa: Entendem-se por rixa o desentendimento, rivalidade, disputa, a briga em que os participantes atacam-se corporalmente, em que a agressão é recíproca, mesmo que praticada de forma desproporcional. É, portanto, uma briga generalizada entre, no mínimo, três pessoas, acompanhada de vias de fato ou violência recíproca. Dessa forma, pode-se afirmar que os rixosos agem individualmente, agredindo-se reciprocamente. É fundamental para a caracterização da rixa pelo menos vias de fato que se materializam na forma de empurrões, socos, pontapés, puxões de cabelo, etc. Porém, pode configurar-se à distância por intermédio de tiros, arremessos de pedras, paus etc. 2. Bem jurídico: a incolumidade da pessoa humana. O referido crime têm como objetividade jurídica apenas a proteção da vida e da saúde física e mental da pessoa humana, lembrando que a ordem pública não é objeto jurídico principal deste delito, porém muitas vezes, de forma indireta, acaba-se vindo a restabelecer a ordem pública. A doutrina afirma que, secundariamente, a ordem e tranqüilidade pública também são objetos de proteção nesse crime (incolumidade pública). 3. Sujeitos do crime: todos aqueles que participam da rixa são, ao mesmo tempo, sujeitos ativos e passivos um em relação aos outros. Trata-se de crime pluriofensivo recíproco que exige ao menos três participantes. 4. Elemento subjetivo do crime: o tipo subjetivo do crime em questão é composto do dolo de perigo, dolo de integrar a luta (vontade específica de participar da desordem). 5. Partícipe: sendo um crime de concurso necessário não impede, por si só, a possibilidade de existir a participação em sentido estrito. Assim, aquele que não intervém diretamente no fato material, mas pratica atividade secundária que, contribui, estimula ou favorece a execução da conduta proibida será partícipe do crime de rixa. Já os participantes da rixa, como regra, serão todos aqueles que estiverem presentes no evento e entrarem diretamente no conflito ou auxiliar qualquer dos contendores. 6. Participantes e concurso de crimes: em tese, os participantes (rixosos) respondem por rixa apenas. Ocorrendo morte ou lesão corporal de natureza grave na rixa, passa-se a ter uma rixa qualificada na forma do art. 137, parágrafo único, todavia, deve-se observar as seguintes hipóteses: a) não identificado o autor ou autores do resultado mais grave: todos respondem por rixa qualificada; b) identificado o autor ou autores do resultado mais grave: o identificado responderá por rixa qualificada em concurso material com o crime de homicídio ou lesão corporal grave; os demais respondem por rixa qualificada. OBS: parte da doutrina, todavia, entende que o autor identificado como autor do crime mais grave deve responder por rixa simples e o resultado (homicídio ou lesão corporal grave ou gravíssima) para evitar o bis in idem. 7. Rixa e tentativa: a tentativa parece ser impossível de se configurar. Todavia, é importante observar que a doutrina classifica a rixa e, em face dessa classificação, sustenta a possibilidade de reconhecer a tentativa. Veja-se: a) rixa ex improviso, aquela que ocorre ao acaso, não admite a tentativa em face da expressão nuclear do tipo participar de rixa ; b) rixa ex proposito, também chamada de preordenada, é aquela combinada previamente para se realizar em determinado local e hora. Hungria admitia a hipótese e sustentava a possibilidade de reconhecer a forma tentada. É o caso, por exemplo, de a polícia ser avisada previamente de que ocorrerá a rixa e esta ser impedida pela atividade policial. A par de respeitáveis posições em contrário, é de difícil configuração, na medida em que, se está no âmbito da preparação e não de atos de execução. OBS: Caracteriza-se o crime previsto no art. 137 do CP o tumulto e a reciprocidade da agressão, com presunção absoluta de perigo, improcedendo a alegação do réu intervir apenas para separar os contendores, em não se identificando a conduta particular do mesmo, mas tão-somente sua participação no conflito. 22

Direito penal II 8. Classificação: é crime de concurso necessário, de perigo abstrato, instantâneo e plurissubsistente. CRIMES CONTRA A HONRA CALÚNIA Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. 2º - É punível a calúnia contra os mortos. Exceção da verdade 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo: I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no n.º I do art. 141; III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. 1. Conceito de calúnia: é a imputação falsa a alguém de fato definido como crime. Além do fato ser determinado deve ser desonroso e definido como crime. São requisitos do crime: a) imputação de fato determinado e definido como crime; b) falsidade da imputação; c) animus caluniandi (indispensável propósito de caluniar). Cabe observar que é suficiente que o sujeito ativo comunique a calúnia a outrem, ainda que em caráter confidencial. Evidentemente que a falsa imputação não precisa ser detalhada, bastando que possua elementos que identifiquem e individualizem determinado crime. Ademais, é importante referir que a falsa imputação de fato contravencional não configura o crime de calúnia, mas poderá, contudo configurar difamação. Cumpre mencionar, também, que a doutrina e jurisprudência admitem a chamada calúnia reflexa. Esta poderá ocorrer, por exemplo, quando o agente imputa, falsamente a uma autoridade o fato de ter recebido suborno (corrupção passiva), pois, reflexamente o terceiro que teria oferecido a propina teria cometido o crime de corrupção ativa, logo, também a vítima do crime de calúnia. 2. Bem jurídico: o bem jurídico protegido no crime de calúnia é a honra. Honra é valor imaterial que não possui padrão de apreciação, valoração ou mensuração, mas que é inerente a própria condição humana. É a reputação, a boa fama de que goza alguém no meio social. Apesar de contestável, parte da doutrina vem sustentando, assim como a jurisprudência, uma divisão entre honra objetiva e honra subjetiva. Ademais, afirma-se que no crime de calúnia a honra objetiva, precisamente, é o objeto de proteção normativa. Nesse sentido, define-se: a) Honra objetiva: reputação do indivíduo, a impressão, imagem e conceito que a pessoa tem frente aos demais membros da sociedade relativamente aos seus atributos morais, éticos, culturais, intelectuais, físicos ou profissionais. b) Honra subjetiva: é a impressão, a imagem e conceito ligado à idéia de dignidade humana, materializadas no sentimento ou concepção que temos a nosso próprio respeito. 3. Sujeitos: em tese, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. A pessoa jurídica, por ser incapaz de conduta ofensiva dessa natureza não pode ser sujeito do crime. Os inimputáveis, por falta de capacidade e entendimento quanto à conduta ofensiva da honra não podem ser sujeitos ativos da calúnia. Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, inclusive a pessoa jurídica. Observe-se, inclusive, que os mortos podem ser caluniados, porém não serão eles os sujeitos passivos, mas seus parentes, pois o sentimento e sua memória em relação à pessoa do falecido é que são atingidos. 4. Elemento normativo do tipo: o elemento falsamente é um normativo que qualifica a imputação realizada pelo agente ativo e que pode ter por objeto, tanto o fato quanto a autoria. 23

Prof. Fábio Freita s Dias 5. Elemento subjetivo: o elemento subjetivo que compõe o crime em questão é o dolo. Mas a esse dolo deve se agregar uma vontade específica de macular a imagem de alguém. 6. Classificação: formal, comum, instantâneo, de conteúdo variado, unissubsistente (quando for pela via oral) e plurissubsistente (quando for por escrito). 7. Calúnia e difamação: semelhanças e diferenças. Semelhanças Diferenças Calúnia Atinge a honra objetiva Refere-se a fatos determinados Exige que chegue ao conhecimento de terceiro A imputação é de fato definido como crime É essencial que a imputação seja falsa Difamação Atinge a honra objetiva Refere-se a fatos determinados Exige que chegue ao conhecimento de terceiro A imputação também é de fato, porém ofensivo à reputação, depreciativo de seu apreço social A falsidade da imputação é, de regra, irrelevante, salvo quando se tratar de funcionário público (art. 139, parágrafo único) 8. Calúnia e injúria: diferenças A não ser o fato de serem crimes contra a honra e possuírem mesma previsão procedimental, como regra, não há semelhanças entre injúria e calúnia. Vejamos as diferenças: Diferenças Calúnia A imputação é de fato determinado e definido como crime Atinge a honra objetiva Exige que chegue ao conhecimento de terceiro Injúria É a imputação de qualidades negativas ou conceitos depreciativos Atinge a honra subjetiva Exige que o ofendido tenha tido conhecimento da ofensa 9. Exceção da verdade: é a possibilidade que o sujeito ativo tem de provar que o fato e autoria são verdadeiros, o que ocorre mediante procedimento definido no art. 523 do CPP. Exceções: art. 139, 3.º, I, II e III. É vedada a exceção de verdade: a) quando o fato imputado à vítima constitua crime de ação privada e não houve condenação definitiva sobre o assunto; b) não se admite a exceção de verdade quando a calúnia envolver o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro; c) quando o fato já foi debatido e julgado em definitivo pelo Poder Judiciário, tendo havido absolvição do ofendido. 10. Retratação: ato de desculpas, de desdizer-se, de retirar o que foi dito. Trata-se de causa extintiva da punibilidade, segundo art. 107, VI do CP. 11. Observações: a) pratica, igualmente, calúnia aquele que espalha ou divulga a falsa imputação de que teve conhecimento; b) admite-se calúnia contra os mortos. DIFAMAÇÃO Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. Exceção da verdade Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. 1. Conceito: difamar significa atribuir fato ofensivo à reputação, não sendo exigível que tal 24

Direito penal II atribuição seja falsa. Mesmo os fatos verdadeiros que sejam ofensivos configuram o crime. A difamação é a imputação a alguém de fato ofensivo a sua reputação. Não é necessário que a imputação seja falsa, ocorrerá o crime de difamação ainda que verdadeiro o fato imputado, se desabonador ao sujeito passivo. Assim como na calúnia, todavia, a difamação exige que o fato imputado seja determinado e que essa determinação seja objetiva. Imputações vagas, imprecisas ou indefinidas não a caracterizam. Obs: em regra, a difamação não admite exceção de verdade. Porém, quando o ofendido é funcionário público e o fato se relaciona a suas funções é admissível. 2. Bem jurídico: é a honra, a reputação do ofendido, a sua boa fama e conceito que a sociedade lhe atribui. 3. Sujeitos: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime, exceto, ao menos atualmente, a pessoa jurídica. Também, em tese, toda e qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito, exigindo-se, contudo, um mínimo de capacidade de entendimento quanto à ofensa sobre a honra. Ademais, há corrente crescente no sentido de admitir que a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime de difamação (Dec. 4776/42 Nação, Governo, Regime e Instituições como sujeitos passivos de calúnia e injúria). Cabe mencionar que não há previsão de difamação contra os mortos, assim, não pode ser suprida por analogia ou interpretação analógica. INJÚRIA Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. 1.º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. 2.º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem: (Incluído pela Lei n.º 9.459, de 1997) 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei n.º 10.741, de 2003) Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei n.º 9.459, de 1997) 1. Bem jurídico: diferente da calúnia e da difamação, na injúria é atingido a honra subjetiva, ou seja, a pretensão de respeito ao sentimento e concepção que temos ao nosso respeito. 2. Conceito: manifestação de desprezo e desrespeito idônea a ofender a honra da vítima que se materializa na atribuição de qualidade negativa, pejorativa ao ofendido (ex: corno, ladrão, gay, anta, imbecil, ignorante). 3. Sujeitos: a única referência importante quanto aos sujeitos refere-se à pessoa jurídica. Majoritariamente, a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo do crime, assim, como não pode ser sujeito passivo, pois não é dotada de honra subjetiva. 4. Consumação: a injuria estará consumada no momento em que a vítima tiver ciência da ofensa, independentemente de terceiros tomarem conhecimento da mesma. OBS: é essencial para a configuração da injúria que a vítima seja pessoa determinada. DISPOSIÇÕES COMUNS Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos 25

Prof. Fábio Freita s Dias crimes é cometido: I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro; II - contra funcionário público, em razão de suas funções; III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. IV - contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003) Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro. EXCLUSÃO DO CRIME Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível: I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador; II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar; III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício. Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade. RETRATAÇÃO Art. 143 - O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena. Art. 144 - Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa. O pedido de explicações é uma medida preparatória e facultativa para o oferecimento da queixa quando, em virtude dos termos empregados, não se está tão evidente a intenção de caluniar, difamar ou injuriar, causando dúvida quanto ao significado da manifestação do autor. Diante de tal instituto, o juízo não profere decisão, salvo quanto à admissibilidade do pedido, deferindo ou indeferindo. Se foi clara a intenção do agente, o juiz indeferirá de plano o pedido de explicações. Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, 2º, da violência resulta lesão corporal. Parágrafo único - Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do n.º I do art. 141, e mediante representação do ofendido, no caso do n.º II do mesmo artigo. Observações: a) a injúria não admite retratação, pois a ofensa recai sobre a honra subjetiva (auto-estima da vítima). 26