Avaliação da força de flexão do cotovelo após a tenotomia artroscópica do cabo longo do bíceps *

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Transcrição:

ARTIGO ORIGINAL Avaliação da força de flexão do cotovelo após a tenotomia artroscópica do cabo longo do bíceps 367 Avaliação da força de flexão do cotovelo após a tenotomia artroscópica do cabo longo do bíceps * Evaluation of elbow flexion strength after arthroscopic long head biceps tenotomy ALEXANDRE ALMEIDA 1, GILBERTO ROVEDA 2, MÁRCIO RANGEL VALIN 3, NAYVALDO COUTO DE ALMEIDA 4 RESUMO Objetivo: Analisar se existe discrepância entre a força muscular de flexão do cotovelo do membro superior (MS) operado e o não operado nos pacientes submetidos à tenotomia artroscópica do cabo longo do bíceps (TACLB) e compará-la com a de um grupo controle. Métodos: O estudo realizado foi transversal. Foi analisado um grupo de 89 pacientes submetidos à TACLB no período de 29 de outubro de 2002 a 14 de fevereiro de 2007. A metodologia utilizada foi a comparação entre os lados dominante e não dominante; para tanto, foram considerados apenas aqueles em que foi operado o lado dominante. Após os critérios de exclusão, o n resultou em 61 pacientes. A força de flexão do cotovelo foi medida em newtons (N) por dinamômetro digital. Foram realizadas três medidas consecutivas e considerada a média. Na eleição do grupo controle teve-se o cuidado de buscar pessoas com idade semelhante à dos operados, sem queixas * Trabalho realizado no Hospital Saúde de Caxias do Sul (RS), 1. Médico Ortopedista do Hospital Saúde de Caxias do Sul (RS), 2. Médico Ortopedista do Hospital Saúde de Caxias do Sul (RS), 3. Médico Ortopedista do Hospital Saúde de Caxias do Sul (RS), 4. Médico Ortopedista do Hospital Saúde de Caxias do Sul (RS), Endereço para correspondência: Rua Vitório Buzelatto, 222/601, Bairro Madureira 95020-290 Caxias do Sul (RS), Tel.: 55-54-3221-4163. E-mail: ale@visao.com.br Recebido em 23/7/07. Aprovado para publicação em 10/12/07. Copyright RBO2007 de dor e antecedente de trauma ou cirurgia em qualquer dos MS. Não foram eleitos para avaliação praticantes de esportes com predominância de um dos MS, condição que poderia alterar de forma significativa a comparação da força muscular. As variáveis estudadas foram: sexo, idade, média de três medidas consecutivas da força de flexão do cotovelo no MS operado e do MS contralateral, média de três medidas consecutivas da força de flexão do cotovelo no MS dominante e no não dominante do grupo controle. Resultados: Foi comparada a média de três medidas consecutivas entre o MS operado (dominante) e o não operado (não dominante) utilizando o teste t, identificando-se média de 19,8 ± 10N (mediana: 16,9; IIQ: 13 a 24,5) para o membro superior dominante e 22,7 ± 9,7N (mediana: 20, IIQ: 16,2 a 26) para o MS não dominante. O teste t pareado considerou significativa a diferença encontrada (p = 0,010). Foi comparada a média de três medidas consecutivas entre o MS dominante e o não dominante no grupo controle através do teste t e verificada média de 26,7 ± 10,7N (mediana: 24; IIQ: 19 a 32,2) para o membro superior dominante e 26,5 ± 10,3N (mediana: 24,4; IIQ: 18,8 a 32,1) para o MS não dominante. Ao comparar a discrepância de força muscular entre os MS dominantes dos casos e do grupo controle, foi verificada diferença estatisticamente significativa (p = 0,006). Conclusão: Os pacientes submetidos à TACLB apresentam déficit da força de flexão do cotovelo quando comparados ao MS contralateral e a um grupo controle. Descritores Articulação do cotovelo/ cirurgia; Artroscopia; Força muscular; Avaliação de resultado de intervenções terapêuticas/métodos

368 Almeida A, Roveda G, Valin MR, Almeida NC ABSTRACT Objective: To analyze if there is a discrepancy between the elbow flexion strength of the upper limb submitted to arthroscopic long head biceps tenotomy (ALHBT) and the contralateral side, and a control group. Method: In a transversal study, the authors assessed 89 patients submitted to ALHBT from October 2002 to February 2006. The dominant side was compared to the non-dominant side and only patients whose dominant side had been operated on were considered. After application of exclusion criteria, 61 patients remained in the study for statistical analysis. Elbow flexion strength measured in Newtons (N) with a digital dynamometer. Thre consecutive measurements were performed in order to obtain an average figure. Individual with similar ages and no complaints of either upper limb, and no history of upper limb surgery or trauma were chosen for the control group. Also excluded were individuals who practice sports with predominance of one upper limb over the other, as this can lead to misinterpretation of test results when comparing upper limb strength. Variables studied were: gender, age, average of three elbow flexion strength measurements of the operated limb compared to the contralateral limb, average of three elbow flexion strength measurements of the dominant limb compared to the contralateral limb of the control group. Results: A comparison was made of the average of the three consecutive measurements of the operated (dominant) and the non-operated (nondominant) limb with the T-test and an average of 19.8 ± 10 N to the dominant limb and 22.7 ± 9.7 N to the nondominant limb was found. The paired t-test considered this difference significant (p = 0.010). A similar comparison was also performed between the dominant and nondominant side of the control group through the t-test and an average of 26.7 ± 10.7 N to the dominant side, and 26.5 ± 10.3 N to the non-dominant side was found. When the discrepancy of muscular strength between the cases and the control group was compared, a significant correlation (p = 0.006) was found. Conclusion: Patients submitted to the ALHBT present a deficit of elbow flexion strength on the operated limb when compared to the non-operated limb and to a control group. Keywords Elbow joint/surgery; Arthroscopy; Muscle strength; Evaluation of results of therapeutic interventions/methods INTRODUÇÃO Segundo Mariani et al, a ruptura do cabo longo do bíceps (CLB) foi descrita, pela primeira vez, por Rousille Chamseru, perante a Societé Royale de Paris, em 1781 (1). Pouca atenção, entretanto, foi dada a essa lesão até a publicação de Mariani et al, em 1988 e, desde então, seu tratamento é motivo de controvérsia (1). Os estudos que surgiram a seguir levantaram a hipótese de ser o CLB fonte importante de dor nas afecções que comprometem o ombro (2-4). A abordagem cirúrgica das lesões do CLB está indicada quando existe falha do tratamento conservador. A tenotomia, seguida ou não de uma variedade de técnicas de tenodese, é utilizada historicamente como procedimento de escolha quando a lesão compromete 50% ou mais da espessura do tendão, quando existe instabilidade no sulco bicipital ou na presença de lesão SLAP degenerativa em paciente idoso (4-6). Os bons resultados iniciais são questionados a longo prazo no sentido do aspecto estético residual (3,7-8), da perda do fator estabilizador da articulação (9-11) e da perda de força muscular (12). A avaliação e o conhecimento preciso do gradiente de força muscular de um indivíduo durante ou após o tratamento realizado são importantes, tanto para avaliar a sua capacidade funcional, como para determinar suas limitações para atividades diárias e esportivas (13). O objetivo principal desta pesquisa é quantificar a discrepância entre a força de flexão do cotovelo do membro superior operado e do não operado nos pacientes submetidos à tenotomia artroscópica do CLB e compará-la com a de um grupo controle. MÉTODOS O estudo realizado foi transversal de coorte prospectiva histórica com grupo controle. Foi analisado um grupo de 89 pacientes (90 ombros) submetidos à tenotomia artroscópica do cabo longo do bíceps no período de 29 de outubro de 2002 a 14 de fevereiro de 2007. Todo paciente estudado recebeu um termo de consentimento informado aprovado pela Comissão de Ética do Hospital Saúde de Caxias do Sul, RS, instituição onde o trabalho foi realizado.

Avaliação da força de flexão do cotovelo após a tenotomia artroscópica do cabo longo do bíceps 369 Houve perda do acompanhamento de seis pacientes (6,74%) da amostra inicial: um paciente morreu antes da avaliação, dois não foram localizados e três abandonaram o tratamento. Foram excluídos deste estudo todos os pacientes que apresentavam qualquer condição que comprometesse a avaliação da força muscular no membro superior (MS) contralateral: lesão do CLB, lesão do manguito rotador, dor de origem desconhecida e antecedentes de procedimento cirúrgico ou de fratura. Os pacientes que tiveram o seu lado não dominante operado também foram excluídos da amostra, pois a metodologia utilizada foi a comparação da força entre o lado dominante (submetido ao tratamento cirúrgico) com o lado contralateral não dominante sadio. Como forma de diminuir os erros sistemáticos da pesquisa, elegemos um grupo controle, com o cuidado de buscar pessoas com idade semelhante à dos operados, sem queixas de dor e antecedente de trauma ou cirurgia em qualquer um dos membros superiores (MMSS). Não foram eleitos para avaliação praticantes de qualquer esporte com predominância em MMSS, condição que poderia alterar de forma significativa a comparação da força muscular. Adotamos a seguinte rotina em relação ao procedimento cirúrgico: após realizada a anestesia, o paciente era posicionado em decúbito lateral com o membro superior abduzido em 30º, flexionado em 20º e sob tração de 5kg. A técnica de distensão articular foi a do soro fisiológico em suspensão (14). A tenotomia do CLB foi realizada, com pinça Trimmer, junto a sua inserção no lábrum superior da glenóide, sempre que: era encontrado comprometimento de 50% ou mais da espessura tendinosa, era diagnosticada instabilidade no sulco intertubercular ou era encontrada SLAP degenerativa. O procedimento foi executado sempre pelo mesmo cirurgião. Todos os pacientes foram imobilizados ainda anestesiados, na sala cirúrgica, por tipóia. Foi utilizado um coxim de abdução quando a lesão do manguito rotador suturada era grande ou extensa. A avaliação da força muscular seguiu as recomendações da Sociedade Americana de Fisiologia do Exercício, tal como descrita por Brown (13). A força de flexão do cotovelo foi medida em newtons (N), utilizando um dinamômetro isocinético digital de tração da marca Berkley, composto por duas alças rígidas reguláveis, sendo uma extremidade fixa junto ao pé do paciente e a outra na mão. O paciente permanecia em pé, mantendo o cotovelo em 90 o junto ao corpo e o antebraço em supinação. A posição de supinação máxima do antebraço foi utilizada como forma de avaliar a força de flexão do cotovelo sem a interferência desta outra função importante do bíceps, a função de supinador do antebraço. O dispositivo era regulado para adaptar-se à altura do paciente. Foram realizadas três medidas consecutivas com intervalo médio de 5s e foi considerada a média. As variáveis estudadas foram: sexo, idade, média de três medidas consecutivas da força de flexão do cotovelo no membro superior operado e do membro superior contralateral, média de três medidas consecutivas da força de flexão do cotovelo no membro superior dominante e no não dominante do grupo controle. Os dados foram analisados com o pacote estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences) versão 12.0 (SPSS Inc., 1989-2003). Para a análise estatística, foram utilizados: cálculo das médias, desvio-padrão, freqüência e percentual. Utilizou-se o teste t de Student para comparar as médias das variáveis simétricas. Foram consideradas significantes as diferenças com p 0,05 para um intervalo de confiança de 95%. O estudo avaliou 89 pacientes, dos quais foram excluídos 28, de acordo com os critérios de exclusão, totalizando um n de 61 pacientes. A avaliação pósoperatória foi realizada com média de 14,61 meses (mínimo de quatro e máximo de 48 meses). A mediana do período de avaliações foi de 12 meses (IIQ: 6 a 20 meses). A média de idade foi de 61,3 ± 10,1 anos. Com relação ao sexo, 20 (32,8%) pacientes eram masculinos e 41 (67,2%), femininos. A média de idade para o sexo masculino foi de 60,8 ± 11,5 anos, enquanto para o feminino, de 61,5 ± 9,5 anos. O grupo controle foi constituído de 24 pessoas com média de idade de 56 ± 9,5 anos. Com relação ao sexo, 11 (45,83%) eram masculinos e 13 (54,16%), femini-

370 Almeida A, Roveda G, Valin MR, Almeida NC nos. A média de idade para o sexo masculino foi de 54,8 ± 6,9 anos, enquanto para o sexo feminino, de 57 ± 11,4 anos. RESULTADOS Foi comparada a média de três medidas consecutivas entre o membro superior operado (dominante) e o não operado (não dominante) através do teste t e verificada média de 19,8 ± 10N (mediana: 16,9; IIQ: 13 a 24,5N) para o membro superior dominante e de 22,7 ± 9,7N (mediana: 20; IIQ: 16,2 a 26N) para o membro superior não dominante. Aplicando o teste t pareado, a diferença entre os membros superiores foi considerada significativa (p = 0,010). Foi comparada a média de três medidas consecutivas entre o membro superior dominante e o não dominante do grupo controle por meio do teste t e verificada média de 26,7 ± 10,7N (mediana: 24; IIQ: 19 a 32,2N) para o membro superior dominante e 26,5 ± 10,3N (mediana: 24,4; IIQ: 18,8 a 32,1N) para o membro superior não dominante. Aplicando o teste t pareado, a diferença entre os membros superiores do grupo controle foi considerada não significativa (p = 0,555). Ao comparar a discrepância de força muscular entre os membros superiores dominantes dos casos e dominantes do grupo controle, foi verificada diferença estatisticamente significativa (p = 0,006). Ao comparar a discrepância de força muscular entre os membros superiores não dominantes dos pacientes operados e não dominantes do grupo controle, não houve diferença estatisticamente significativa (p = 0,118). DISCUSSÃO A lesão do CLB é causa reconhecida de dor em pacientes com afecções do ombro. Determina maior morbidade no pós-operatório quando não é adequadamente abordada, podendo comprometer o resultado final do tratamento (3,7). O CLB apresenta algumas funções bem definidas. É considerado um estabilizador da cabeça junto à glenóide e um depressor estático da cabeça umeral em condições fisiológicas (9). Em condições patológicas, como na presença de lesões extensas do manguito rotador, age como depressor dinâmico da cabeça umeral, diminuindo o impacto subacromial (15-16). A abordagem cirúrgica do CLB, seja com tenotomia ou com tenotomia seguida de tenodese, pode comprometer a força de flexão do cotovelo por alterar a anatomia de inserção proximal do bíceps (9). Walch et al preconizam a tenotomia do CLB em rupturas irreparáveis do manguito rotador em pacientes idosos com flexão ativa do MS preservada. O objetivo dessa técnica é o alívio da dor sem alteração da força muscular e da mobilidade (9). Checchia et al indicam a tenotomia para lesões irreparáveis, mesmo na presença de flexão ativa limitada, com bom índice de alívio da dor (10). Nesses estudos, a força de flexão do cotovelo não foi aferida (9-10). Mariani et al compararam 26 pacientes submetidos ao reparo cirúrgico de ruptura do CLB com 30 pacientes submetidos ao tratamento conservador. Realizaram testes biomecânicos com o paciente sentado com o cotovelo em 90º e o antebraço em posição neutra. O grupo tratado conservadoramente perdeu 21% da força de supinação e 8% da força de flexão do cotovelo. O grupo tratado cirurgicamente não apresentou perda de força. Concluíram que o reparo cirúrgico pode ser a melhor opção de tratamento para as rupturas do bíceps (1). Boileau et al estudaram 68 pacientes (72 ombros) com lesão extensa do manguito rotador. A tenotomia artroscópica do CLB foi realizada em 39 pacientes (54%), enquanto a tenodese, em 33 (46%). O estudo não mediu diretamente a força muscular por meio de testes biomecânicos. Esta foi analisada de forma indireta pelo Escore de Constant. Verificaram que, exceto pela análise da força, as demais variáveis como dor, atividade e arco de movimento melhoraram de forma significativa em ambos os grupos, sem diferença estatística entre eles (17). Em nosso estudo, não comparamos resultados de duas técnicas diferentes, bem como utilizamos um teste biomecânico de medida da força muscular. Maynou et al estudaram uma série de 38 pacientes (40 ombros), com lesão do MR, submetidos à tenotomia artroscópica do CLB. A metodologia utilizada pelos autores foi semelhante à do nosso estudo. O pa-

Avaliação da força de flexão do cotovelo após a tenotomia artroscópica do cabo longo do bíceps 371 ciente era sentado em cadeira e o MS mantido junto ao corpo em rotação externa de 30º, para evitar a participação do ombro no movimento de flexão do cotovelo. O antebraço era colocado em supinação e o aparelho aferidor fixado na cadeira e no antebraço do paciente. Eram realizadas três medidas da força de flexão do cotovelo, com 5s de intervalo e considerada a média. Os autores informam que, devido à falta de valores pré-operatórios, usaram como metodologia o mesmo protocolo em um grupo controle sem queixas ou lesões no ombro e com idade, sexo e dominância semelhantes aos dos casos. Encontraram, além de significativo impacto na dor e melhora no arco de movimento de flexão anterior do ombro, perda de 40% da força de supinação e de flexão do cotovelo avaliado, quando comparado com a do MS normal do grupo controle. Citam que essa comparação permitiu avaliar os valores de referência sobre uma população normal (18). Os pacientes portadores de lesões no ombro apresentam, pela dor, diminuição da força muscular do bíceps, que compromete comparações entre força pré e pós-operatória. Verificamos diferença estatisticamente significativa entre o lado operado e o contralateral (p = 0,010). Tivemos o cuidado de comparar, utilizando um teste biomecânico, a força entre o grupo operado e o grupo controle. Verificamos diferença estatisticamente significativa entre o MS dominante operado e o MS dominante do grupo controle (p = 0,006). A comparação entre os membros superiores operados, não dominantes, e os do grupo controle não demonstrou diferença significativa da força (p = 0,118). Consideramos a pesquisa da força em pacientes após a tenotomia artroscópica do CLB uma linha que deve ser aprofundada. Os estudos encontrados na literatura analisam a força de flexão do cotovelo de maneira indireta, em sua grande maioria. A utilização de um dinamômetro isocinético vinculado à interpretação em software específico poderia fornecer informações mais precisas sobre a medida da força. CONCLUSÃO Os pacientes submetidos à tenotomia artroscópica do CLB apresentam significativo déficit da força de flexão do cotovelo quando comparada com a do membro superior contralateral e com a de um grupo controle. REFERÊNCIAS 1. Mariani EM, Cofield RH, Askew LJ, Li GP, Chao EY. Rupture of the tendon of the long head of the biceps brachii. Surgical versus nonsurgical treatment. Clin Orthop Relat Res. 1988; (228):233-9. 2. Refior HJ, Sowa D. Long tendon of the biceps brachii: sites of predilection for degenerative lesions. J Shoulder Elbow Surg. 1995;4(6):436-40. 3. Ahmad CS, ElAttrache NS. Arthroscopic biceps tenodesis. Orthop Clin North Am. 2003;34(4):499-506. 4. Boileau P, Krishnan SG, Coste JS, Walch G. Arthroscopic biceps tenodesis: a new technique using bioabsorbable interference screw fixation. Arthroscopy. 2002;18(9):1002-12. 5. Sethi N, Wright R, Yamaguchi K. Disorders of the long head of the biceps tendon. J Shoulder Elbow Surg. 1999;8(6):644-54. Review. 6. Richards DP, Burkhart SS. A biomechanical analysis of two biceps tenodesis fixation techniques. Arthroscopy. 2005;21(7): 861-6. 7. Verma NN, Drakos M, O Brien SJ. Arthroscopic transfer of the long head biceps to the conjoint tendon. Arthroscopy. 2005; 21(6):764. 8. Kelly AM, Drakos MC, Fealy S, Taylor SA, O Brien SJ. Arthroscopic release of the long head of the biceps tendon: functional outcome and clinical results. Am J Sports Med. 2005;33(2):208-13. 9. Walch G, Nové-Josserand L. Tendão da cabeça longa do bíceps. In: Pardini AG. Clínica ortopédica: atualização em cirurgia do ombro. Rio de Janeiro: Medsi; 1999. p. 1-17. 10. Checchia SL, Doneux S P, Miyazaki AN, Fregoneze M, Silva LA, Oliveira FM, et al. Tenotomia artroscópica do bíceps nas lesões irreparáveis do manguito rotador. Rev Bras Ortop. 2003; 38(9):513-21. 11. Ferreira AAF. Síndrome do impacto e lesão do manguito rotador. In: Pardini AG. Clínica ortopédica: atualização em cirurgia do ombro. Rio de Janeiro: Medsi; 1999. p. 117-26. 12. Gill TJ, McIrvin E, Mair SD, Hawkins RJ. Results of biceps tenotomy for treatment of pathology of the long head of the biceps brachii. J Shoulder Elbow Surg. 2001;10(3):247-9. 13. Brown LE, Weir JP. Recomendação de procedimentos da Sociedade Americana de Fisiologia do Exercício (ASEP) I: avaliação precisa da força e potência muscular. Rev Bras Ciênc Mov. 2003;11(4):95-110.

372 Almeida A, Roveda G, Valin MR, Almeida NC 14. Almeida A, Agostini AP, Valin MR, Martins JA, Ferreira R. Artroscopia do ombro com infusão de soro fisiológico em suspensão. Estamos trabalhando de forma segura? Rev Bras Ortop. 2006;41(7):253-8. 15. Neer CS II. Cuff tears, biceps lesions and impingement. In: Neer CS II, editor. Shoulder reconstruction. Philadelphia: Saunders; 1990. p. 41-2. 16. Pagnani MJ, Deng XH, Warren RF, Torzilli PA, O Brien SJ. Role of the long head of the biceps brachii in glenohumeral stability: a biomechanical study in cadavers. J Shoulder Elbow Surg. 1996;5(4):255-62. 17. Boileau P, Baqué F, Valerio L, Ahrens P, Chuinard C, Trojani C. Isolated arthroscopic biceps tenotomy or tenodesis improves symptoms in patients with massive irreparable rotator cuff tears. J Bone Joint Surg Am. 2007;89(4):747-57. 18. Maynou C, Mehdi N, Cassagnaud X, Audebert S, Mestdagh H. [Clinical results of arthroscopic tenotomy of the long head of the biceps brachii in full thickness tears of the rotator cuff without repair: 40 cases]. Rev Chir Orthop Reparatrice Appar Mot. 2005;91(4):300-6. French.