CONTROLE DE PRODUÇÃO E CRESCIMENTO DE LEVEDURA Saccharomyces cerevisiae POR QUOCIENTE RESPIRATÓRIO C.A. NAKAI 1, T.J.B. MESQUITA 1, G. CAMPANI Jr. 1, T. C. ZANGIROLAMI 2, A. C. L. HORTA 1 1 Universidade Federal de São Carlos, Curso de Engenharia Química, Laboratório de Desenvolvimento e Automação de Bioprocessos 2 Universidade Federal de São Carlos, Curso de Engenharia Química, Laboratório de Estratégias Avançadas de Cultivo E-mail para contato: conradonakai@gmail.com RESUMO Biocombustíveis são uma solução alternativa aos combustíveis fósseis e o desenvolvimento de processos economicamente viáveis para a produção de etanol de segunda geração apresenta diversas soluções que buscam minimizar os custos de produção. Uma solução é o aumento da velocidade de crescimento de levedura e diminuição do tempo de operação, para isso as concentrações de fontes de carbono devem estar em níveis que favoreçam a respiração oxidativa. A proposta consiste em criar um controlador Proporcional, Integral e Derivativo (PID) para manipular a vazão de alimentação de meio fresco (em cultivo de levedura em biorreator de 5L operado em modo batelada alimentada) utilizando o quociente respiratório (RQ) como variável controlada, com setpoint igual a 1 a partir do sistema SUPERSYS_HCDC. Os resultados demonstram que o controle PID é capaz de convergir o valor esperado de RQ. 1. INTRODUÇÃO A corrida para o desenvolvimento de processos economicamente viáveis para a produção de etanol de segunda geração (2G) apresenta diversos grupos de pesquisas que investem em soluções diferentes. Uma destas linhas envolve a utilização de um consórcio de microrganismos fermentativos que consomem biomassa celulósica e produzem etanol. Dentre estes microrganismos, o de menor velocidade de crescimento, é justamente a levedura Saccharomyces cerevisiae. Este microrganismo é um fungo do tipo levedura e anaeróbio facultativo (PEREIRA et al., 2008). O controle da concentração de fonte de carbono no meio se faz necessário, pois em cultivos que apresentam alta concentração de glicose e/ou na ausência de oxigênio, o fungo realiza a fermentação, produzindo etanol e dióxido de carbono, porém, o álcool produzido inibe o crescimento da levedura e impede que ela atinja a concentração ideal no fermentador. Em meios com concentração de glicose acima do valor crítico, a levedura sintetiza ATP em regime respiro-fermentativo, isto é, realiza ambos
os processos (efeito Crabtree) (HAGMAN, 2014). Apesar de ser um microrganismo amplamente utilizado na produção etanol e de fermento biológico (biomassa), seu cultivo pode ser considerado complexo por se tratar de um ser vivo, ou seja, dependente de inúmeras variáveis de operação (por exemplo, fração de oxigênio alimentado, substrato utilizado, temperatura, ph) e envolve grande quantidade de fenômenos de transporte. Para maximizar a produção de levedura, devem-se manter as concentrações de fontes de carbono em níveis que favoreçam a respiração oxidativa, fazendo com que toda glicose seja convertida para produção de células e minimizando a formação de etanol e outros metabólitos. Para este fim segundo Kasperski e Miskiewicz (2008), o coeficiente respiratório deve ser mantido em torno de 1. Algumas estratégias de controle envolvem a utilização do sinal do analisador de gases, consumo de oxigênio, formação de gás carbônico e quociente respiratório (RQ), como entrada do sistema de controle (KILIKIAN e JURKIEWICZ, 1997; REIS, 2009). Existem inúmeros tipos de controladores que podem ser utilizados para manipular a vazão de uma bomba, tais como on-off, proporcional, proporcional-integral, proporcional-derivativo e proporcional-integral-derivativo (o clássico PID) (REIS, 2009). A lógica fuzzy é outro exemplo de controlador, porém excessivamente complexo ao objetivo deste trabalho dado a eficiência do PID. Em termos de controle, o erro (e) é dado pela diferença entre o setpoint e o valor lido da variável controlada. O controlador PID engloba as ações proporcional, integral e derivativo. O primeiro efeito pondera a atuação do controle de acordo com o valor do erro; maiores valores aumentam a ação deste efeito. No segundo, a ação é proporcional ao tempo (t) em que o erro persiste. O último efeito analisa a tendência do erro e adiciona, à resposta proporcional, uma resposta antecipatória prevendo o comportamento do sistema. A equação do PID está expressa na Equação 1. O objetivo do trabalho foi a implementação e sintonia de um controlador PID em cultivos de levedura tendo como variável manipulada a vazão de alimentação de meio fresco e como variável controlada o RQ de forma a favorecer o crescimento da levedura alimentando a quantidade necessária para manter o quociente respiratório próximo de 1. 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1. Levedura A fonte de levedura utilizada foi a Saccharomyces cerevisiae comercialmente disponível como fermento fresco de pão da marca Fleischmann, considerada com 70% de umidade. Sendo a concentração inicial no reator de 1 g massa seca.l -1. 2.2. Meio de cultivo (1)
A composição dos meios de cultivo está expressa na Tabela 1, tal que Batelada 1 representa o meio feito no primeiro cultivo e Batelada 2, o meio feito no segundo cultivo. A temperatura do meio foi controlada em 35ºC e ph em 4,6 utilizando hidróxido de amônio como base e ácido clorídrico como ácido, ambos preparados na concentração de 1:4. Tabela 1 Composição do meio de cultivo utilizado Componente Batelada 1 Batelada 2 Alimentação Glicose (g.l -1 ) 0,5 5 50 KH 2 PO 4 (g.l -1 ) 5 5 5 (NH₄)₂SO 4 (g.l -1 ) 4,5 4,5 4,5 MgSO 4 7H 2 O (g.l -1 ) 0,5 0,5 0,5 Extrato de levedura (g.l -1 ) 4,5 4,5 -- Anti-espumante (PPG) (ml.l -1 ) 1 1 1 V 0 (L) 3 3 2 2.3. Biorreator e obtenção de dados Os experimentos foram feitos em biorreator tipo tanque agitado, operado em modo batelada alimentada. O aparato experimental para controle do reator é formado pelos seguintes instrumentos: computador munido de software de controle (SUPERSYS_HCDC); compact Field Point (cfp) da National Instruments, para conexão da maioria dos instrumentos ao computador; inversor de frequência controlando a velocidade de agitação, via computador/cfp; bomba de alimentação ISMATEC controlada via computador/cfp; phmetro GLI com aquisição via cfp; transmissor de oxigênio dissolvido (modelo CE, O2 4050) com aquisição via cfp; analisador de gases (Sick/MAIHAK S710) com aquisição analógica via cfp; banho térmico controlado via interface NOVUS; termopar com aquisição via cfp; bombas de ácido e base (Masterflex) com controle on/off via computador/cfp; 1 fluxômetro de massa (GFC AALBORG) empregado para suprir ar controlado via cfp; um sensor de biomassa baseado em capacitância (FOGALE nanotech) com aquisição analógica via cfp. Todos os instrumentos listados apresentam dados com aquisição em tempo real, com intervalos de salvamento de 10 segundos (HORTA, 2010). Com o material listado, foi possível medir e, portanto, utilizar a vazão mássica de oxigênio alimentado, o dióxido de carbono produzido pela levedura, o oxigênio contido na saída do biorreator e do quociente respiratório calculado por meio de equações de estequiometria e balanço de massa. A
concentração de biomassa foi analisada pelo método da densidade óptica realizado em triplicata utilizando comprimento de onda igual a 600 nm. 2.4. Quociente respiratório (RQ) O cálculo do quociente respiratório (RQ) foi efetuado de acordo com a Equação 2. n 2 n 2 (2) Tal que o nco 2 representa a quantidade instantânea de dióxido de carbono gerada no cultivo, e no 2 a quantidade instantânea de oxigênio consumida. Realizando um balanço de massa e considerando as variáveis possíveis de serem medidas com o equipamento descrito, chega-se à equação 3., 1 co2,2 - o2, 1 (3) 1- o2 - co2 1- o2 - co2 Onde: Y CO2 representa a fração de CO 2 medida na saída do reator; Y O2 representa a fração de O 2 medida na saída do reator; o valor, 1 deve-se à fração de N 2 no ar atmosférico e,2 deve-se à fração de O 2 no ar atmosférico. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Ajuste dos parâmetros Kp, Td e Ti Nas 5 horas iniciais do primeiro cultivo, foi observada a resposta da levedura ao controle PID na variável RQ frente aos valores da primeira etapa do segundo método de Ziegler-Nichols (aumentar o termo proporcional até observar oscilações constantes, com Ti=999999 e Td=0) (OGATA, 2010) de Kp, Td e Ti, obtendo-se a sigmoide expressa na Figura 1. Os valores iniciais de RQ da figura 1 representam a não estabilidade das leituras iniciais de oxigênio e dióxido de carbono, portanto foram considerados apenas valores de RQ após duas horas de cultivo. Dando continuidade ao método de Ziegler-Nichols, analisou-se a amplitude média e o período médio da sigmoide, definindo os valores 0,002, 300 e 1000 aos parâmetros Kp, Td e Ti, respectivamente. Os valores de RQ expressos na figura 2 representam a resposta da levedura após o ajuste dos parâmetros, enquanto a figura 3 apresenta os valores de densidade óptica obtidos no primeiro cultivo.
Figura 1 Valores da variável RQ (quociente respiratório) nas horas iniciais do cultivo. Figura 2 Valores de RQ após o ajuste dos parâmetros Kp, Td e Ti utilizando o método de Ziegler- Nichols.
Figura 3 Valores da densidade óptica ( ) obtidos no primeiro cultivo. Valores ao aplicar o logaritmo neperiano na densidade óptica DO (-). Observando os valores do logaritmo neperiano, nota-se que a velocidade de crescimento da levedura decresce no decorrer do cultivo, devido à produção de etanol, que inibe a produção de biomassa. Da figura 2, nota-se que foi possível convergir o RQ ao valor ótimo de 1. O segundo cultivo visou o teste destes parâmetros logo a partir do início do cultivo. 3.2. Teste dos parâmetros ajustados Os parâmetros do controlador PID ajustados no primeiro experimento foram testados em um segundo experimento (Figura 4). Figura 4 Valores de RQ obtidos no segundo cultivo.
Dos valores expressos na figura 4, nota-se que o início do cultivo apresenta uma variação significativa no valor do RQ, provavelmente relacionada à adaptação do microrganismo. Podemos observar que o controle PID é capaz de convergir o RQ ao valor ótimo de 1, porém, com mais de cinco horas, sendo um tempo muito longo para a estabilização do setpoint. Apesar da demora da estabilização do setpoint, observa-se na Figura 5 após duas horas de cultivo, isto é, no controle efetivo do PID, a velocidade de crescimento da levedura aumenta, demonstrando uma boa atuação do controlador. Os dados obtidos antes de duas horas de cultivo representam o consumo da glicose do meio de batelada. Figura 5 Valores da densidade óptica ( ) obtidos no cultivo de teste dos parâmetros. Valores ao aplicar o logaritmo neperiano na densidade óptica (-). 4. CONCLUSÃO O controle mostrou-se capaz de convergir o RQ ao valor ótimo de 1 após utilizar o método de Ziegler-Nighols de ajustes de parâmetros que consta na literatura, porém a resposta do metabolismo da levedura é bem lenta, o que impede a realização de uma convergência rápida. Além disso, as mudanças observadas na dinâmica do biorreator indicam que são necessários utilizar conjuntos de parâmetros com valores diferentes para cada fase, sugerindo a elaboração e adição de um algoritmo auxiliar no programa de controle. 5. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à CNPq e CAPES pelo suporte financeiro, à FAPEAM pelo suporte ao mestrando e à UFSCar pela infraestrutura concedida para a realização deste trabalho.
6. REFERÊNCIAS HAGMAN, A.; SÄLL, T.; PIŠKU, J. Analysis of the yeast short-term Crabtree effect and its origin. The FEBS Journal, v.281, n. 21, p. 4805-4814, 2014. HORTA, A. C. L. Sistema automático de supervisão e controle de cultivos de alta densidade celular de E. coli recombinante. Tese (Doutorado em Engenharia Química). Departamento de Engenharia Química, Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, p. 172. 2012. KASPERSKI, A.; MISKIEWICZ, T. ptimization of pulsed feeding in a Baker s yeast process with dissolved oxygen concentration as a control parameter. Biochemical Engineering Journal, v.40, n.2, p. 321-327, 2008. KILIKIAN, B. B.; JURKIEWICZ, C. H. The gas balance technique and the respiratory coefficient variability in cultures of aspergillus awamori NRRL 3112. Brazillian journal of Chemical Engineering [online], v.14, n.2; 1997. OGATA, K. Modern control engineering. 5. ed. New Jersey: Prentice Hall, 2010. PEREIRA JR., N.; BOM, E. P. S.; FERRARA, M. A. Tecnologia de bioprocessos. Rio de Janeiro: Escola de Química, UFRJ, 2008. REIS, G. B. Simulação e controle de processo de produção de levedura. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química) Departamento de Engenharia Química, Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, p.104, 2009.