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Transcrição:

BuscaLegis.ccj.ufsc.br "Aberratio Ictus" por acidente ou por erro na execução Luiz Flávio Gomes * Aberratio ictus, em Direito penal, significa erro na execução ou erro por acidente. Quero atingir uma pessoa ("A") e acabo matando outra ("B"). A leitura do art. 73 do Código Penal "(Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código)" nos conduz à conclusão de que existem duas espécies de aberratio ictus: (1) em sentido estrito e (2) em sentido amplo. Na primeira a pessoa pretendida não é atingida; só se atinge um terceiro (ou terceiras pessoas). Na segunda (em sentido amplo) a pessoa pretendida é atingida e também se ofende uma terceira (ou terceiras) pessoa (s). Como se vê, na aberratio ictus (qualquer que seja a hipótese) há sempre uma relação pessoa-pessoa (leia-se: o agente pretendia atacar uma pessoa e por acidente ou por erro na execução atinge pessoa diversa; ou atinge a pessoa que queria assim como uma terceira). A relação se dá sempre entre seres humanos. Quando se trata da relação coisa-pessoa o instituto muda de nome: chama-se aberratio criminis (art. 74 do CP).

Da aberratio ictus em sentido estrito: ela ocorre, como vimos, quando o agente, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, em lugar de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa (CP, art. 73). Observa-se aqui a teoria da equivalência, ou seja, a pessoa efetivamente atingida equivale à pessoa pretendida. Há duas sub-espécies de aberratio ictus em sentido estrito: (a) por erro na execução e (b) por acidente. Erro na execução: na aberratio ictus (em sentido estrito) por erro na execução a pessoa pretendida está presente no local dos fatos, mas não é atingida. O agente responde pelo crime normalmente, porque a pessoa atingida se equivale à pessoa pretendida (teoria da equivalência). Casos concretos: dentro do Senado Federal brasileiro um senador, em certa ocasião, disparou contra seu desafeto, errou e acabou matando um outro senador (pessoa diversa da que pretendia). Um outro congressista atirou a Constituição Federal contra "A", errou e acabou atingindo "B". Crime único: considerando-se que só um terceiro foi atingido (a pessoa pretendida não foi alcançada), só se pode falar (aqui) em crime único, isto é, há um só crime: "A" disparou contra "B", errou e matou "C". Uma só pessoa foi atingida. Há um só crime (homicídio consumado). Para o CP, nesse caso, devemos desconsiderar a pessoa pretendida. Não há que se falar em tentativa de crime contra a pessoa pretendida mais homicídio consumado contra a pessoa que morreu. Não. Há um só crime. Portanto, não se pode raciocinar em termos de crime duplo.

Ademais, para o efeito da pena, é como se tivesse atingido a pessoa que queria (CP, art. 20, 3º). Exemplo: "A" queria matar seu próprio pai, errou e matou um vizinho: responde pela agravante prevista no art. 61, I, "e" (como se tivesse matado o pai). E se o agente queria matar Antonio, errou e matou João. Disparou novamente contra Antonio e mais uma vez errou, matando Joaquim. Quid iuris? Há nessa situação dois homicídios dolosos autônomos, porém, em continuação (dois crimes continuados). Recorde-se que a Súmula 605 do STF perdeu sentido com a reforma do Código Penal de 1984, que passou a admitir o crime continuado quando são atingidos bens jurídicos pessoais (CP, art. 71, parágrafo único). Diferença entre aberratio ictus por erro na execução e error in personae: no erro sobre pessoa (exemplo da favela em São Paulo em que um traficante queria matar um policial e acabou matando um padre, por equívoco) há um erro de representação (o agente representa mal, equivoca-se sobre a pessoa da vítima). Na aberratio ictus por erro de execução o que existe é inabilidade na execução. O sujeito representa bem a situação, vê com clareza a pessoa pretendida, não se equivoca sobre a pessoa que se deseja alcançar, mas erra nos meios de execução. Outra diferença importante: na aberratio ictus por erro na execução a vítima visada está presente e é em razão do erro do agente que outra pessoa é atingida. No erro sobre pessoa a vítima pretendida não está presente no local e momento dos fatos. Concomitância dos dois erros: é perfeitamente possível. Vamos supor que no exemplo da favela em São Paulo o traficante que queria matar um policial tivesse disparado contra o vulto (que era um padre), errado o alvo e atingido uma outra pessoa que estava do outro lado da rua. Teria havido erro de representação (ele queria um policial e era um padre) assim como erro na execução (atirou contra o vulto e acertou uma outra pessoa). O agente responde normalmente pelo crime ocorrido (e é como se tivesse matado a pessoa que pretendia). Segue-se, como se vê, a regra da aberratio ictus.

Erro por acidente: na aberratio ictus (em sentido estrito) por acidente a pessoa pretendida também não é atingida, mas, diferentemente da aberratio ictus por erro na execução, a pessoa visada pode estar ou não presente no local dos fatos. Enfatizando: no erro na execução a pessoa que o agente pretendia alcançar necessariamente está presente no local dos fatos (veja acima os exemplos ocorridos no Senado Federal); no erro por acidente a pessoa pretendida pode estar ou não no local do crime. O exemplo mais marcante de aberratio ictus por acidente talvez seja o da mulher que queria matar o marido, um lavrador, e colocou veneno em sua marmita. No dia dos fatos ele resolveu não trabalhar e foi para a cidade. Os dois filhos do casal ingeriram a comida e morreram. Pessoa pretendida: o marido. Pessoas atingidas por acidente: os filhos. Com uma conduta só, duas mortes. Concurso formal de crimes. Para efeito de pena, é como se tivesse matado o marido. Nesse caso devemos admitir a existência de uma aberratio ictus por acidente, não o error in personae, porque não houve má representação da realidade. Por puro acidente os dois filhos do casal acabaram morrendo. De outro lado, não se trata de uma aberratio ictus por erro na execução. Não houve um erro inabilidade, sim, um acidente. Aberratio ictus por acidente e error in personae: neste último, como vimos, há um erro de representação (o sujeito representa mal a realidade); no primeiro não existe erro de representação, sim, um acidente, ou seja, a vítima visada não é atingida por um acidente. No segundo (error in personae) a vítima com certeza não está presente no local dos fatos. No primeiro a vítima pode estar ou não presente no local dos fatos. De qualquer maneira, o agente sempre responde penalmente. No caso da aberratio ictus por acidente ele responde pelo crime (ou pelos crimes) efetivamente ocorrido (s). "Aberratio ictus" em sentido amplo: ocorre quando também é atingida a pessoa que o agente pretendia ofender. Ele atinge quem queria ("A") e, além disso, também um terceiro ("B") (ou terceiros). Esse terceiro (ou terceiros) é atingido (ou são atingidos) por erro na

execução ou por acidente. O agente, com uma só conduta, atinge duas pessoas: uma ele queria alcançar ("A"); a outra ("B") foi atingida por acidente ou por erro na execução. Isso se chama aberratio ictus em sentido amplo ou com resultado duplo. A responsabilidade penal nesse caso é dupla: o agente responde por crime doloso em relação a quem o agente queria atingir bem como por crime culposo quanto ao terceiro que também foi afetado. Se o agente mata as duas pessoas temos: um crime doloso e outro culposo, em concurso formal (CP, art. 70). Queria matar Antonio e o matou (homicídio doloso). Não queria matar João, mas o matou (por acidente ou erro na execução). Um crime doloso e outro culposo, em concurso formal. Aliás, concurso perfeito (porque não havia desígnios autônomos em relação às duas mortes). E se o agente tentou matar Antonio e matou João: tentativa de homicídio doloso + homicídio culposo. E se o agente matou Antonio e João não morreu: homicídio consumado doloso + lesão corporal culposa. Sempre há um concurso formal. E se tentou matar Antonio e João, embora também atingido, não morreu: tentativa de homicídio doloso + lesão corporal culposa. E se o agente queria efetivamente a morte das duas vítimas e com um só disparo alcançou sua pretensão: nesse caso, não há que se falar em aberratio ictus (não houve nenhum erro). Ocorreu, isso sim, dois homicídios dolosos, cometidos mediante uma só conduta. Quando o agente com uma só conduta realiza dois ou mais resultados "com desígnios autônomos" (com dolo patente em relação a eles), o concurso é formal, mas imperfeito (isso conduz à soma das penas: dois homicídios: dez anos para um e dez anos para outro, por exemplo; somando-se as penas, temos vinte anos). * Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN (Instituto

Panamericano de Política Criminal), Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente da Rede LFG Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina - Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais Disponível em: < http://www.wiki-iuspedia.com.br/article.php?story=20070108195650693>. Acesso em: 18 mar. 2008.