DANIEL PANAROTTO* ANGELA M. M. TOSS** ALISSON R. TELES***

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Transcrição:

ARTIGO ORIGINAL Levantamento dos métodos de análise de hemoglobina glicada utilizados em laboratórios da Serra Gaúcha Survey on methods of analysis of glicated hemoglobin used by laboratories from Serra Gaúcha DANIEL PANAROTTO* ANGELA M. M. TOSS** ALISSON R. TELES*** RESUMO Objetivos: Determinar quais são os métodos analíticos de A1C usados nos laboratórios de análises clínicas da Serra Gaúcha e quais são certificados pelo National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP). Métodos: Foram coletados dados referentes ao método de dosagem de A1C e à marca do kit usado, bem com se o teste era realizado no próprio laboratório ou em laboratórios terceirizados. Os procedimentos foram classificados segundo a certificação ou não pelo NGSP. Resultados: Em uma amostra de 15 laboratórios, 73,3% realizavam os testes em suas dependências e 26,7% enviavam suas amostras para laboratórios terceirizados. Somente 46,6% dos laboratórios utilizavam métodos certificados pelo NGSP. Conclusões: A maioria dos laboratórios não utiliza métodos certificados pela NGSP. Nesses casos, os resultados não podem ser diretamente relacionados com os do estudo Diabetes Control and Complications Trial (DCCT). UNITERMOS: HEMOGLOBINA A GLICOSILADA/análise; TÉCNICAS DE LABORATÓRIO CLÍNICO/métodos; DIABETES MELLITUS, TIPO II/prevenção e controle; GLICEMIA. ABSTRACT Purposes: To determine what are the analytical methods of A1C used in clinical analysis laboratories from Serra Gaucha and which ones are certified by National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP). Methods: Data related to A1C dosage method were colected and the make of kit used, as well as if the test was carried out in their own laboratory or in outsourced laboratories. The proceedings were classified according to the certification or not by NGSP. Results: In a sample of 15 laboratories, 73,3% carried out the tests in their dependencies and 26,7% send their samples to outsourced laboratories. Only 46,6% of laboratories have used methods certified by NGSP. Conclusions: Most laboratories don t use methods certified by NGSP. In those cases the results can t be directly related with the Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) study. KEY WORDS: HEMOGLOBIN A, GLYCOSYLATED/analysis; CLINICAL LABORATORY TECHNIQUES/methods; DIABETES MELLITUS, TYPE II/prevention & control; BLOOD GLUCOSE. * Professor da Disciplina de Fisiologia do Curso de Graduação em Medicina da Universidade de Caxias do Sul-RS. Doutor em Endocrinologia pela Universidade de Sherbrooke Canadá. ** Aluna do Curso de Especialização Interdisciplinar em Obesidade e Diabetes da Universidade de Caxias do Sul. *** Acadêmico do curso de Medicina da Universidade de Caxias do Sul. Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 3, jul./set. 2005 137

INTRODUÇÃO O DM tipo 2 é considerado atualmente uma pandemia (1). Estima-se que 5% da população apresente diabetes e que para cada paciente diabético diagnosticado haja um que não sabe apresentar a doença, o que elevaria a prevalência real para 10% (2). Um estudo multicêntrico realizado em 1992, revelou que a prevalência de DM tipo 2 no Brasil é de 7,6% (3). A sua elevada prevalência, combinada com as suas conseqüências em termos de complicações crônicas, tornam o DM um sério problema de saúde pública. Este fato tem motivado diversos estudos de prevenção de DM tipo 2, a forma mais freqüente de DM (4-6), bem como de prevenção de complicações crônicas (7,8). Tendo em vista a importância do DM, um método eficiente na avaliação do controle glicêmico é essencial para o monitoramento do sucesso da terapêutica empregada. Há mais de 25 anos a hemoglobina glicada (A1C) tem sido empregada com este fim. A separação cromatográfica da hemoglobina foi inicialmente descrita no final da década de cinqüenta (9), mas foi em 1968 que Rahbar observou que uma fração da hemoglobina, de mobilidade rápida estava aumentada em pacientes com DM (10). Estas características cromatográficas se devem à glicação não-enzimática da hemoglobina, que é tanto maior quanto maiores forem as concentrações de glicose no plasma no período de vida da hemácia (11). Como este período é de 90 a 120 dias, a A1C tornou-se, desde então, um método de avaliação laboratorial extremamente útil para avaliar o controle glicêmico a longo prazo de pacientes diabéticos. De fato, os dois maiores estudos prospectivos, o Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) em DM tipo 1 (7) e o United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) em DM tipo 2 (8), que mostraram que quanto mais efetivo for a redução da glicemia menor o risco de complicações crônicas, utilizaram a dosagem de A1C como estimativa do controle glicêmico. Porém, a utilização da A1C apresenta, na prática clínica, alguns problemas, a saber: 1) o tempo de vida da hemácea é menor em mulheres e em indivíduos com certos tipos de anemia, e pode ser menor em diabéticos. Estas diferenças devem ser levadas em conta ao interpretarmos o resultado do exame; 2) pode haver uma variabilidade natural no processo de glicação da hemoglobina entre os indivíduos, ou seja, para uma mesma concentração plasmática de glicose podem existir valores diversos de A1C (11) ; 3) a concentração de A1C não reflete o controle glicêmico de maneira linear durante um período de 90 dias. Assim, a glicose sangüínea nos últimos 30 dias antes da dosagem de Hemoglobina glicada contribui com cerca de 50% para a A1C, enquanto que as concentrações plasmáticas de glicose no segundo e terceiro meses contribuem com 25% cada (12). Isto explica porque os níveis de Hemoglobina glicada podem aumentar ou diminuir relativamente rápido quando ocorrem grandes mudanças na glicemia, não sendo necessário esperar 120 dias para detectar uma mudança significativa; 4) os métodos analíticos de A1C diferem entre os laboratórios. Este último problema é de particular importância pois os estudos DCCT e UKPDS, os quais mostraram que o risco de desenvolver complicações crônicas eleva-se drasticamente quando a A1C ultrapassam 7%, utilizaram o método da Cromatografia Líquida de Alta Performance (HPLC da sigla em inglês High Performance Liquid Chromatography), cujos valores de referência situam-se entre 4 e 6%. Diversas organizações e consensos de especialistas têm feito recomendações para o controle do diabetes com base nestes resultados. Acontece que a A1C pode ser medida por mais de 20 procedimentos diferentes, os quais fornecem valores de referência diversos. Neste sentido a American Diabetes Association (Associação Americana de Diabetes ADA) e a American Association for Clinical Chemistry (Associação Americana de Química Clínica AACC) lançaram, em 1996, o National Glycohemoglobin Standardization Program (Programa de Padronização Nacional da Glicohemoglobina NGSP). Este programa começou a comparar e certificar os diferentes métodos utilizados para dosar a A1C, com o objetivo de relacionar os diferentes valores obtidos com os fornecidos pelo método usado no DCCT (13). Alguns grupos trabalham no Brasil para a conscientização da importância da interpretação correta dos resultados de A1C mas nada tem sido feito para padronizar os métodos de análise. A sociedade Brasileira de Patologia Clínica, recentemente, introduziu o analito GHb no Programa 138 Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 3, jul./set. 2005

Externo de Qualidade (PELM), os resultados da primeira avaliação ainda não foram disponibilizados (14,15). Neste sentido, entendemos que é importante conhecermos os métodos utilizados nos laboratórios de nossa região. Esta informação é de interesse tanto para dos profissionais da área de saúde que tratam de indivíduos diabéticos quanto para os próprios pacientes. Por isso, realizamos um estudo cujo objetivo é determinar quais os métodos analíticos de determinação de A1C na região da serra gaúcha e quais são certificados pelo NGSP. MATERIAIS E MÉTODOS A lista de laboratórios dos quais a amostra foi retirada foi obtida através da lista telefônica da região nordeste do estado. Todos os laboratórios desta lista foram contatados por telefone e posteriormente visitados a fim de receberem um convite formal para participarem do estudo no mês de Novembro de 2004. A carta explicava a natureza do estudo, esclarecendo que os dados coletados seriam utilizados exclusivamente para fins de pesquisa, assim como o comprometimento dos pesquisadores em não divulgar os nomes dos laboratórios participantes. Os laboratórios que possuíam filiais em diversas cidades foram incluídos apenas uma vez. Durante a visita, foram coletados dados referentes ao método de dosagem de A1C e à marca do kit usado, através de entrevista com o bioquímico responsável pelo laboratório e/ou através da análise das especificações do método fornecidas com o kit. Além disso, analisamos se o laboratório realizava o exame nas suas dependências ou enviava a amostra para ser processada em laboratório terceirizado. Os procedimentos foram classificados segundo a certificação ou não pelo NGSP. Os dados foram apresentados em percentual. RESULTADOS Dentre os laboratórios cujos telefones constavam na lista telefônica somente 20 puderam ser contatados. Diversas razões explicam a não inclusão de todos os laboratórios, sendo a principal que o telefone que constava na lista não correspondia ao do laboratório. Entre os laboratórios contatados, 5 (25%) não concordaram em participar do estudo, reduzindo a amostra com a qual trabalhamos para 15 laboratórios, distribuídos entre as cidades de Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Farroupilha, Garibaldi, Canela e Gramado. Dentre os laboratórios participantes 73,3% realizam os testes em suas dependências e 26,7% enviam os exames para serem realizados em laboratórios terceirizados. Os métodos de dosagem de hemoglobina glicada utilizados pelos laboratórios participantes constam na Tabela 1. Podemos observar que somente 7 (46,6%) deles utilizam métodos certificados pelo NSGP. O método mais freqüentemente utilizado nos laboratórios de Análises Clínicas na Serra Gaúcha é de Minicoluna por troca iônica, o qual não é certificado pelo NGSP, enquanto que o mais freqüentemente utilizado pelos laboratórios terceirizados é HPLC, o qual é certificado pelo NGSP. TABELA 1 Métodos de Dosagem de Hemoglobina Glicada realizados pelos laboratórios da Serra Gaúcha. N (%) Local de Realização Método Marca Princípio Certificação NGSP 4 (26,6) Próprio Minicoluna Labtest Troca Iônica Não 2 (13,3) Próprio Minicoluna katal Troca Iônica Não 1 (6,7) Próprio Minicoluna Inlab Troca Iônica Não 1 (6,7) Próprio Eletroforese Celm gel Troca Iônica Não 3 (20) Próprio Imuno turbodimetria Roche Imunológico Sim 4 (26,6) Terceirizado HPLC* Bio-Rad Troca Iônica Sim * High Performance Liquid Chromatography. Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 3, jul./set. 2005 139

DISCUSSÃO Nosso estudo avaliou o método de dosagem de A1C utilizado em uma amostra de laboratórios da Serra Gaúcha. Nossos resultados mostram que a maioria dos laboratórios não utiliza métodos certificados pelo NGSP. Esta certificação implica, tão somente que os resultados fornecidos pelo procedimento podem ser diretamente comparados com aqueles obtidos pelo método usado no estudo DCCT. Outros métodos de dosagem de A1C podem ser tão precisos e exatos quanto a HPLC, mas seus resultados necessitam ser transformados através de uma fórmula para que a comparação com métodos certificados pelo NGSP possa ser realizada (16). Por exemplo a análise espectrográfica de massa, o método preconizado pela Federação Internacional de Químicos Clínicos (International Federation of Clinical Chemists IFCC) mostra-se preciso e com baixa variabilidade interlaboratórios, mas os valores de referência são diferentes daqueles fornecidos pelo HPLC (17). Esta comparação é importante pois os estudos DCCT e UKPDS, demonstraram que quanto menor o valor da A1C, menor a chance de desenvolver complicações crônicas do diabetes (7,8). Baseado nestes e em outros estudos, os consensos divulgados pela maioria das entidades científicas mundiais, incluindo a ADA, recomendam que se mantenha a A1C do paciente diabético abaixo de 7% (18). Os métodos de minicolunas de troca iônica e eletroforese são baseados na diferença de carga elétrica entre as frações. Esses métodos têm como princípio a ligação da glicose, ou de outro açúcar, ao grupo amino terminal da cadeia â alterando a carga total da hemoglobina, fazendo com que a fração glicada migre mais rápido em um campo elétrico, permitindo que as frações se separem (16,19). O método de minicolunas de troca iônica, por ser barato, fácil acesso e rápido de ser realizado, começou a ser utilizado com grande freqüência pelos laboratórios de análises clínicas a partir da década de 80. Nosso estudo corrobora estes dados, já que mostrou que 46,6% dos laboratórios participantes realizam o exame da hemoglobina glicada por meio deste método. Interferentes no resultado desse teste pode ocorrer com a presença de Hemoglobinas F, S e C. A presença de Hemoglobina F provoca um resultado falsamente elevado; Hemoglobinas S e C causam resultados falsamente diminuídos. Além disso, as minicolunas são dependentes do ph e temperatura (16,19). O procedimento de eletroforese, diferente das minicolunas de troca iônica, não sofre influência da Hb F, mas o ph deve ser sempre medido antes do teste, pois variações induzem a resultados alterados. Nos laboratórios da Serra Gaúcha apenas 6,7% (equivalente a um laboratório) utiliza essa técnica (16,19). Outro princípio utilizado nos laboratórios clínicos é o teste imunológico, um procedimento certificado pelo NGSP. Esse método é específico para a fração HbA1C e usa anticorpos direcionados ao N-terminal glicado da hemoglobina (seqüência que varia de 3 a 8 aminoácidos). Esse teste não apresenta reações cruzadas com outras frações da hemoglobina (20). Três (20%) dos laboratórios da Serra Gaúcha realizam os exames de hemoglobina glicada através desse método. A preferência da HPLC como método analítico de dosagem da A1C baseia-se no fato de que este método foi utilizado em estudos de grande porte como o DCCT (7) e o UKPDS (8). Os referidos trabalhos mostram claramente a necessidade da qualidade nas quantificações da hemoglobina A 1C pois pequenas diferenças em sua concentração podem facilmente mudar a interpretação do controle metabólico dos pacientes. As justificativas para esta preferência são o fato de que o método utiliza uma técnica de troca iônica muito sensível, reprodutível e analisa uma população específica e majoritária de Hemoglobina glicada, a hemoglobina A 1C. O HPLC utiliza fragmentos moleculares eletricamente carregados e substâncias adsorventes que trocam íons com o material a ser analisado (19). Pode-se observar que apenas os laboratórios da região da Serra Gaúcha que enviam seus exames para outros centros clínicos de apoio utilizam esse método (n = 4; 26,7%). A quantificação por HPLC é um método com custo muito alto por isso é mais utilizado em laboratórios com estrutura para realizar um número muito grande de exames. Os laboratórios da região são considerados de pequeno e médio porte, assim não teriam uma demanda de exame suficiente para empregar essa metodologia com um preço adequado para o paciente. A busca por laboratórios de apoio tem sido uma boa alternativa. Esses laboratórios possuem 140 Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 3, jul./set. 2005

um número muito grande de exames e podem investir em uma melhor tecnologia, alcançado um resultado mais exato e preciso, favorecendo assim o clínico e o paciente. Com esse estudo pudemos concluir que os resultados emitidos pela maioria dos laboratórios da Serra Gaúcha não podem ser comparados diretamente com aqueles fornecidos pelo HPLC, o qual é o método de referência atualmente. Esperamos que, em um futuro próximo, a maioria dos laboratórios de nossa região adaptem suas metodologias de análise de hemoglobina glicada a fim de que os profissionais de saúde que tratam de pacientes diabéticos possam confiar nos resultados que recebem, e assim oferecer uma melhor qualidade de atendimento. AGRADECIMENTO A todos os laboratórios que gentilmente aceitaram participar desse estudo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. King H, Aubert RE, Herman WH. Global burden of diabetes, 1995-2025: prevalence, numerical estimates, and projections. Diabetes Care. 1998;21:1414-31. 2. Alberti KGMM, Zimmet PZ. 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Endereço para correspondência: DANIEL PANAROTTO Laboratório de Fisiologia da Universidade de Caxias do Sul Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130, Bloco S sala 514 Petrópolis CEP 95010-550, Caxias do Sul, RS, Brasil E-mail: dpanarot@ucs.br Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 3, jul./set. 2005 141