PODER, COSTUMES E MENTALIDADES Notas da aula e Roteiro (Xixo*) -Do nascimento até a morte nós vamos experimentando o que PODEMOS

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Transcrição:

PODER, COSTUMES E MENTALIDADES Notas da aula e Roteiro (Xixo*) Poder tema complexo e fundamental Primeira perspectiva- Individual Para uma pessoa ter PODER na nossa sociedade contemporânea precisa ter uma (ou mais) destas coisas: 1)Dinheiro 2)Sucesso 3)Conhecimento -Do nascimento até a morte nós vamos experimentando o que PODEMOS Ex: Bebê em direção a tomada/bebê em direção a vaso de cristal Falar de PODER é sempre falar da outra face LIMITE. Limite ensina: O mundo é perigoso para você, você é frágil! Você é perigoso para o mundo, o mundo é frágil! O Limite dá a confirmação do PODER da criança. Relação do Poder com a Liberdade: Ser livre é você fazer o que quer Ter liberdade é ter o PODER de fazer o que quer Fundamento da liberdade não é a posse, é a renúncia Guto Pompéia Portanto, o PODER aparece como um instrumento da liberdade mas, é um instrumento perigoso pois ele pode tornar-se prisão e isolamento. PODER também como satisfação do desejo: - Despertar o desejo no outro significa DOMINAR Ambiguidade do PODER: sou admirado e invejado e cada vez me torno mais só! Quem experimenta o PODER e o tem não quer dividir/compartilhar Exemplo disso é a luta da sociedade civil para ter o poder de controlar os governos que ocupam o ESTADO. Fazemos uso da razão e estabelecemos

um pacto de PODER com o ESTADO. Delegamos a ele o PODER, a autoridade que faz o controle em troca da proteção. A autoridade propriamente dita é exercida por aquele que não tem poder. Origem da palavra autoridade: AUTORICTAS que significa fazer crescer, expandir, amplificar e aumentar. Autoridade não é quem manda, é aquele que aumentando mostra e deixa viver. Do ponto de visto de quem alcança o PODER, compartilhar/ dividir é visto sempre como restrição, uma perda. Ele traz muitas obrigações. Mas, o que o PODER não pode? Poder não pode alcançar a intimidade. Só consegue alcançar a intimidação. É por esta razão que a solidão é parte fundamental do poder. Quanto mais poder, mais solitário se fica. Francis Bacon: Saber é poder O Poder vai aguçando nossa ambição. Francis Bacon vai nos dizer que o ser humano não tem limite na sua ambição: De ter poder no seu país De ter poder no mundo De ter poder no Universo Como diz o Prof. FKC, o PODER precisa sempre de limite e controle como veremos adiante. Não podemos controlar a natureza, temos que obedecê-la. O que podemos controlar é a nossa relação com a natureza. Poder do conhecimento prévio de algo e como nos proteger. Portanto, conhecer significa APODERAR-SE. Esta é a principal arma que se tem hoje na luta democrática ter o conhecimento e a informação. Quando compartilhamos conseguimos algo que o PODER não consegue: INTIMIDADE No compartilhar conseguimos lidar e banir as nossas angústias que se originam no estar lançado para além do mundo real, portanto, perigosamente lançado no vazio, onde não há nada que nos sustente.

O PODER na medida m que ele se expande por um lado, por outro nos limita e limita os outros. Não se compartilha. Segunda Perspectiva: Social e Política Definição: Uma relação jurídica entre pessoas, pela qual uma tem o direito de mandar e a outra o dever de obedecer. Distingue-se da dominação, que não é uma relação jurídica: ou seja, quem domina não tem o direito de mandar e quem é dominado não tem o dever de obedecer. A dominação costuma apoiar-se na riqueza ou nas armas. O poder, ao contrário da dominação, costuma desdobrar-se em uma escala hierárquica, a partir de uma posição suprema, de direção e supervisão geral: A tem poder sobre B, que tem poder sobre C, e assim por diante. Nessa escala hierárquica, o poder supremo denomina-se, tradicionalmente, soberania. As 3 grandes modalidades de PODER no mundo moderno O poder econômico, o poder das armas e o poder ideológico. A submissão dos dois últimos ao primeiro na civilização capitalista. O poder oficial e o não oficial Na civilização capitalista, o poder oficial (os Poderes clássicos: Legislativo, Executivo e Judiciário) submete-se ao poder não oficial dos grandes empresários e capitalistas. O poder distingue-se igualmente da autoridade moral, que é o prestígio de uma pessoa, ou de uma instituição, suscitando a confiança de todos. Não se trata, portanto, de uma relação jurídica.

O poder como energia a ser controlada No corpo humano, a sede do impulso de dominação (intimamente ligado ao poder) é a zona límbica, a mais primitiva do cérebro, onde se situa o impulso de violência. O desejo de chegar ao poder e de exercê-lo costuma transformar-se em verdadeira paixão. A tendência natural de toda relação de poder é de concentrá-lo e ampliá-lo. Na vida política, não basta formar eticamente os governantes para que eles não abusem do poder. É indispensável, também, criar sistemas objetivos de controle, exteriores ao detentor do poder (o chamado sistema de freios e contrapesos). É a aplicação do princípio do Estado de Direito. A legitimidade do poder político Legítimo é o poder que os subordinados consideram justo e necessário, em certa conjuntura temporal ou momento histórico. Hoje, o consenso geral é de que o poder legítimo obedece aos seguintes princípios fundamentais: 1) República (supremacia do bem comum do povo sobre o interesse particular de pessoas ou grupos); 2) Democracia (a soberania ou poder supremo pertence ao povo); 3) Estado de Direito (controle permanente do poder, inclusive do poder soberano, segundo regras jurídicas previamente aprovadas).

Costumes e Mentalidades Costumes são modos de vida largamente observados em uma sociedade, em geral de forma irrefletida, como se fossem automatismos sociais. Os costumes são fundados na tradição e no mimetismo social. No passado, eles evoluíam muito lentamente. Hoje, por efeito dos meios de comunicação de massa, ligando os mais diferentes grupos e classes dentro de uma mesma sociedade, e todos os povos do mundo entre si, a evolução dos costumes tornou-se mais rápida, tendendo a uma uniformização mundial. Há costumes gerais de um povo e costumes locais ou regionais, além de costumes próprios de determinado segmento ou classe social. Mentalidade é uma visão de mundo, formada por um conjunto de idéias, sentimentos, crenças e valores predominantes, que atua na mente de cada um de nós, e através dos quais apreciamos fatos ou pessoas. Há mentalidades individuais e mentalidades coletivas. Estas são de todo um povo, ou então de grupos regionais, étnicos, de gênero ou categoria profissional. As mentalidades individuais sempre sofrem a influência da mentalidade coletiva predominante. Da mesma forma que os costumes, as mentalidades influem, em geral, de modo inconsciente sobre o comportamento de cada indivíduo. Apreciadas à luz da evolução histórica, há mentalidades retrógradas, conservadoras ou avançadas.

No Brasil temos três raízes (com pesos diferentes) que constroem os nossos costumes e mentalidades, em suma, a nossa brasilidade: 1. Indígena 2. Negra (várias etnias Africanas) 3. Portuguesa ( Ibérica - Européia) A nossa raiz indígena foi muito forte em nossa sociedade colonial, a ponto dos portugueses(1757 - Marquês de Pombal) proibirem no Brasil-Colônia a língua geral ( tupi-guarani e demais) que era mais popular, impondo a população falar somente a língua portuguesa. - Apesar da aniquilação da população indígena (Darci Ribeiro estima em 5 milhões de indígenas em1500), temos incorporados em nossa vida cotidiana costumes e mentalidades vinda das civilizações indígenas que aqui estavam, como: 1. Na culinária: a mandioca 2. Nas localidades os nomes: Anhangabaú, Aricanduva, Ibirapuera, Cumbica, Ubatuba e etc... 3. Nos costumes e mentalidades: banhos diários/ achar graça em situações acidentais(por ex.,ver alguém cair e rir). 2. A raiz negra (Africana de várias etnias ) constrói a nossa mentalidade e costumes também em muitos aspectos: o Religião o Música o Culinária o Higiene pessoal o Esporte 3 A raiz portuguesa (Ibérica) constrói de forma mais plena nossas mentalidades e costumes sociais, principalmente em razão do controle político e sócio-econômico.

No Brasil- Colônia a imposição de mentalidades e costumes pela corte portuguesa-brasileira, ainda fica mais forte com a chegada da família real. A corte tenta condicionar todas as relações. Era a elite que até hoje ( quatrocentona ) normatiza ou tenta normatizar as mentalidades e costumes sociais. Herdamos desta raíz até hoje uma série de mentalidades e costumes sociais que estão na vida de todos. A classe social que domina uma sociedade expressa com mais contundência suas mentalidades e costumes. Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda identifica a formação da identidade nacional brasileira: O conceito de homem cordial é fundamentado sociologicamente por Sérgio Buarque de Holanda. Esta ideia foi criada pelo jornalista, poeta, magistrado e acadêmico santista Ruy Ribeiro Couto (1898-1963). Esta definição não tem nada a ver com o ser cordial no sentido comum: afetuoso, simpático,afável, educado e polido. A palavra cordial na sua raiz (Core/Cordis= coração) fala de alguém que só se relaciona fincado no sentimento, na emoção e estabelece suas relações sempre nesta perspectiva passional. A racionalidade nunca prevalece. Sérgio Buarque de Holanda acentua que sendo um produto histórico originário da colonização portuguesa e sua estrutura sócio, política e econômica, temos: 1. Não separação do público do privado; 2. A falta de ética nas relações; 3. Pouca afeição às leis; 4. Abomina as formalidades 5. Privatismo;

6. Personalismo; 7. Espírito de conciliação; 8. Duplicidade institucional, como reflexo de nosso caráter dúplice Privatismo Durante todo o período colonial, o Estado permaneceu praticamente ausente da vida brasileira. Essa situação foi-se modificando lentamente a partir da instalação da família real no Brasil em 1808. e após a Independência. A importância do poder estatal no Brasil só veio a acentuar-se com a Revolução de 1930. Até praticamente o século XX, o policiamento efetivo era feito por guardas ou capangas de grandes senhores. De onde a tradição de violência e irresponsabilidade das nossas forças policiais, e sua submissão à vontade dos ricos e poderosos. Essa tradição privatista foi muito forte em outros campos da vida social, como, p. ex., em matéria de educação, por influência da Igreja. A moderna propaganda capitalista, fantasiada de liberalismo e democracia, encontrou em nossa mentalidade privatista um terreno fértil onde depositar suas sementes. Aceitamos facilmente a idéia de que o Estado trabalha mal, e que somente a empresa privada é eficiente. Personalismo Nossa dificuldade em compreender e aceitar o funcionamento de organizações impessoais, de modo geral. Daí, p. ex., a evolução da fé católica em direção a uma fidelidade, não ao dogma abstrato,

mas à pessoa do clérigo que exerce o poder: o pároco, o bispo, o papa. No campo político, o personalismo tem permanecido incontestável. O povo desconfia das ideias e programas abstratos, repudia os partidos e somente confia em políticos de carne e osso, sobretudo quando eles encarnam um paternalismo protetor. A política, entre nós, nunca foi um embate de idéias, mas a atuação, conflitiva ou amigável, de personalidades marcantes. Predomínio dos sentimentos sobre as convicções racionais (o homem cordial ). A política sempre foi, entre nós, um jogo de amigos e de adversários ou inimigos. As relações de amizade ou inimizade são decisivas. Na República Velha (1889 1930) dizia-se: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei. Essa mesma ausência de impessoalidade existe no funcionamento da Administração Pública e da Justiça. É comum, quando se tem um problema ligado a serviço público, procurar antes de tudo o amigo na repartição competente. Nos processos judiciais, advogado eficiente é o amigo dos juízes. Essa tradição personalista explica, em grande parte, a instituição do despachante, grande originalidade nacional. Espírito de conciliação

Como conseqüência das duas últimas tendências assinaladas, a lei geral da política brasileira é a conciliação entre grupos ou personalidades rivais. Entre nós, em matéria política, sempre foi aceito o princípio de que um mau acordo é preferível a um conflito aberto, a se encerrar com vencidos e vencedores. Daí o fato impressionante de que todas as grandes mudanças institucionais, no Brasil, foram frutos de acordos, mesmo quando tais mudanças se iniciaram por conflitos armados. Assim foi com a Independência, com a abdicação de D. Pedro I em 7 de abril de 1831, com a proclamação da República, com a extinção do Estado Novo getulista em 1945 e do regime militar em 1985. Duplicidade institucional, como reflexo de nosso caráter dúplice As nossas classes e grupos dominantes timbram em se apresentar em público como respeitadoras dos grandes valores éticos e dos princípios políticos, dominantes nos países ditos civilizados. Na realidade da política interna, porém, tais grupos e classes não escondem seu repúdio a esses valores. Todas as nossas Constituições, até mesmo as promulgadas por governos ditatoriais, não passaram de imitações de Cartas Políticas de países que considerávamos, à época, como modelos. Mas entre a Constituição oficial e a Constituição real sempre caiu a sombra. OS GRANDES FATORES DE FORMAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA: A O grande domínio rural autárquico B A autocracia governamental

C A escravidão indígena e africana D O prestígio da riqueza E A influência do catolicismo romano aqui organizado Sua Interdependência A O grande domínio rural autárquico Na tradição do senhorio medieval, em que o grande proprietário rural dominava todos os que habitavam em seu domínio. O Poder Público submetido ao interesse privado A deformação do instituto das sesmarias. A Lei de Terras de 1850 (concomitante à abolição do tráfico negreiro): consolidação do condomínio privado sobre terras públicas; impedimento do acesso das classes pobres à propriedade rural. Concentração absoluta de todo poder na pessoa do proprietário. B A autocracia governamental Herança da monarquia portuguesa, que nunca foi limitada pelos poderes dos senhores feudais. No período colonial, o poder político oficial concentrava-se, sem controles, na pessoa dos representantes da metrópole: o capitão-mór, o governador geral, o vice-rei e a burocracia oficial. Mas todos eles compunham-se, sob o aspecto econômico e familiar, com a classe dos grandes senhores rurais. Algo de semelhante durante o Império, com o poder oficial concentrado na pessoa do imperador e dos dirigentes governamentais (ministério, presidentes de província), acolitados pela burocracia oficial. Mas esse poder oficial acasalava-se com o poder sócioeconômico dos grandes senhores rurais e dos comerciantes de maior cabedal: essas duas classes formaram, quase que exclusivamente, o grupo dos detentores do título de barão. Na República, teve início uma lenta separação de Poderes no plano estatal, e um tímido controle popular da ação governamental, permanecendo, porém, incontestada a hegemonia dos chefes do Executivo sobre os demais Poderes. A corrupção em todas as esferas governamentais tornou-se um costume consolidado. Em suma, o povo nunca existiu como agente político. C A escravidão indígena e africana Os índios e os negros sempre foram considerados raças inferiores,

destinadas a servir os brancos, como escravos ou como objetos de prazer sexual. Mas os mamelucos eram mais apreciados dos que os mulatos, pois eles serviram como emissários dos bandeirantes na ocupação do território e na escravização dos índios. A Igreja defendeu os índios contra a escravidão, mas não os negros. A escravidão indígena cessou em meados do século XVIII. A escravidão moldou grande parte da mentalidade e dos costumes brasileiros, como: o O desprezo pelo trabalho físico e pelas ocupações mecânicas, em contraste com o prestígio das profissões liberais (a doutorice ). o O preconceito racial. o A subserviência diante dos patrões e das autoridades em geral. o O desrespeito aos bens públicos. o A ausência de um espírito de poupança. o Inexistência do hábito de busca da perfeição em qualquer trabalho, material ou intelectual. D O prestígio da riqueza Preconceito contra os pobres. Os ricos sempre formaram a nossa verdadeira aristocracia, pois a riqueza tem sido considerada como prova de mérito ou capacidade pessoal. Os ricos sempre influenciaram decisivamente o funcionamento do sistema político representativo. Tendência à aceitação sem críticas do capitalismo. E A influência do catolicismo romano aqui organizado A instituição do padroado real: a criação de bispados e a nomeação de bispos, em todo o reino de Portugal, dependia da autorização do rei, que legislava em matéria religiosa e se re-servava o direito de autorizar a aplicação das bulas papais. Ou seja, a Igreja era o braço espiritual da monarquia. Essa instituição permaneceu em vigor no Brasil, durante todo o Império. O respeito incondicional e não crítico pela ordem estabelecida na sociedade, tanto no campo político, quanto no campo social e econômico. Religiosidade intimista e emotiva, não ritual. Oficialmente encarregada da educação de crianças e jovens até a República, a Igreja Católica desenvolveu um método de ensino memorizante e dogmático, preocupando-se, antes de tudo, com a

educação da classe superior. A Inter-relação do Poder com os Costumes e as Mentalidades Antigamente, a mentalidade coletiva, fundada na tradição, exercia uma influência dominante sobre o exercício do poder político. Hoje, essa relação se inverteu: é o poder que passa a moldar a mentalidade coletiva, através da propaganda aberta (regimes autoritários) ou dissimulada (sistema capitalista). Por isso, a mudança de costumes e mentalidades exige hodiernamente uma organização do poder político, fundada nos princípios cardeais da República, da Democracia e do Estado de Direito, e deve fazer-se principalmente por dois caminhos: 1) a educação cívica; 2) os meios de comunicação de massa. *Anotações e textos: Fábio Konder Comparato, Pedro Aguerre e Maurício Piragino