Nº 17.151/CS RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 114.187/RJ RECORRENTE: MARCELO COELHO DE SOUZA ADV.(A/S): MARCELO COELHO DE SOUZA RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROC.(A/S)(ES): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA RELATOR: MINISTRO DIAS TOFFOLI CRIME DE CALÚNIA PERPETRADO CONTRA FUNCIONÁRIO PÚBLICO (JUIZ DE DIREITO). PACIENTE DENUNCIADO COMO INCURSO NAS PENAS DO ART. 138 C/C 141, II, AMBOS DO CP. WRIT IMPETRADO NA CORTE ESTADUAL VISANDO À EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RETRATAÇÃO DO OFENSOR. ORDEM DENEGADA. HABEAS CORPUS NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA COM IDÊNTICA PRETENSÃO. DESCABIMENTO DA RETRATAÇÃO, NO CASO. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO. SÚMULA 714/STF. INDISPONIBILIDADE/OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL. DENEGAÇÃO DA ORDEM. RHC REPISANDO A TESE DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ARGUIÇÕES IMPROCEDENTES. HIPÓTESE EM QUE NÃO SE EVIDENCIA, DE PLANO, AS EXCEPCIONALIDADES QUE JUSTIFICARIAM O ESTANCAMENTO PREMATURO DA PERSECUÇÃO PENAL. PRECEDENTES. ALEGAÇÕES DE MÉRITO CARENTES DE FUNDAMENTO. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. MEDIDA QUE SE IMPÕE. PARECER PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO. 1. Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por Marcelo Coelho de Souza, em benefício próprio, contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que manteve o curso de ação penal instaurada contra o recorrente, denunciado pela prática do crime de calúnia perpetrado contra funcionário público (juiz de direito).
MPF/PGR Nº 17.151/CS 2 2. O Recorrente sustenta, em síntese, falta de justa causa para a ação penal, eis que as declarações ofensivas que deram origem à denúncia foram devidamente retratadas, impondo-se a extinção da punibilidade. 3. Por fatos ocorridos em 05/5/2008 o recorrente foi denunciado como incurso nas penas do art. 138 c/c o art. 141, inciso II, ambos do Código Penal, eis que proferiu ofensas contra a honra de Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Dr. Eduardo Perez Oberg, imputando-lhe falsamente a prática dos crimes de furto e quadrilha ou bando (arts. 155 e 288 CP), sendo tal circunstância descrita em petição formal ( Reclamação c/c Notícia Crime ), direcionada ao Presidente daquele Tribunal (recebendo o devido protocolo e sendo normalmente distribuída). O ora recorrente teria imputado, ainda, a prática de lesão ao seu patrimônio individual por membros do Ministério Público, Desembargadores, Juízes, Presidente da OAB/RJ e outros, condicionando a devolução de processo que estaria sob sua responsabilidade à restituição de valores (em dinheiro) roubados pela quadrilha integrada pelas autoridades apontadas. 4. Durante a tramitação do feito o recorrente apresentou petição perante o Juízo da 34ª Vara Criminal/RJ visando à extinção da ação com base na retratação das declarações prestadas, sem lograr êxito, não tendo havido aceitação do ofendido, que, por sua vez, oferecera representação (art. 145, par. único, CP 1 ) para instauração de ação penal (condicionada) pelo Ministério Público (Súmula 714/STF 2 ). Sobreveio a impetração de habeas 1. Art. 145. ( ) Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do 3º do art. 140 deste Código. (grifou-se) 2. Súmula 714/STF: É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para ação penal por crime contra honra de servidor público em razão do exercício de suas funções. (grifou-se)
MPF/PGR Nº 17.151/CS 3 corpus perante a Corte Estadual pretendendo o trancamento da persecução penal, sendo a ordem denegada com base nos seguintes fundamentos: HABEAS CORPUS. RETRATAÇÃO EM CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA MEDIANTE REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO E DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Artigo 138, n/f do art. 141, II do Código Penal. A retratação deve procurar, ou pelo menos possibilitar a ampla e cabal reparação moral à vítima, de forma a restabelecer a verdade, tal como a mentira foi divulgada, pois, do contrário, as pessoas que tiveram conhecimento daquela, jamais saberiam do arrependimento e do erro cometido pelo agente. Retratação por simples petição trazida aos autos, sem possibilitar o conhecimento daqueles que tiveram ciência da inverdade divulgada. Inexistência da extinção da punibilidade. Ordem denegada. Unânime. 5. Seguiu-se habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça com idêntica pretensão trancamento da ação penal sendo a ordem denegada em acórdão assim ementado: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CALÚNIA CONTRA FUNCIONÁRIO PÚBLICO. RETRATAÇÃO DO OFENSOR. IMPOSSIBILIDADE. INEFICÁCIA, DE RESTO, PARA DESDIZER AS OFENSAS. MATÉRIA DE CUNHO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. 1. Não exercido pela vítima da calúnia, funcionário público (juiz), o direito de propor queixa, conforme a súmula 714 do Supremo Tribunal Federal, a ação penal é pública condicionada à representação e, sendo assim, não há possibilidade de o ofensor (denunciado) apresentar retratação. Precedentes do STJ. 2. Ainda que assim não fosse, no caso concreto, a retratação não está à altura das ofensas, conforme fixado no Tribunal de origem, conclusão indene ao crivo desta Corte, na via eleita, porque demanda
MPF/PGR Nº 17.151/CS 4 revolvimento fático-probatório. 3. Ordem denegada. Liminar cassada. 6. No presente recurso ordinário repisa-se a tese relativa à falta de justa causa para a ação penal, uma vez que as declarações ofensivas que deram azo à denúncia contra o recorrente (incurso nos arts. 138 c/c 141, II, ambos do CP) constituíram objeto de retratação, impondo-se a extinção da punibilidade (arts. 107, VI, e 143, CP). Persiste-se na aplicação do art. 28 do CPP, com remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, diante da existência de manifestação favorável do membro do Ministério Público que oficia no feito. 7. O parecer é pelo desprovimento do recurso ordinário. 8. De início, inviável o pleito de trancamento da ação penal, cabível somente em hipóteses excepcionais em que demonstradas, de plano, a atipicidade de conduta, a existência de causas extintivas da punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas (HC nº 96.759/CE, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 12/6/2012, dentre inúmeros outros), circunstâncias não evidenciadas na espécie. 9. Por outro lado, descabida a tese concernente à falta de justa causa para a persecução criminal. 10. Com efeito, tem-se que as ofensas foram perpetradas contra juiz de direito, no exercício de função pública, circunstância onde passa a estar presente, também, e com maior relevância, o interesse público, razão pela qual não houve oferecimento de queixa-crime pelo ofendido (ação penal privada e passível de retratação art. 143 CP), incursionando-se o feito mediante juntada da necessária representação (condição de
MPF/PGR Nº 17.151/CS 5 procedibilidade) para a propositura de ação penal (pública condicionada art. 145, par. único, CP) pelo Ministério Público, mediante oferecimento de denúncia, o que de fato ocorreu, obstando, assim, a possibilidade de retratação pelo ofensor e impondo-se o prosseguimento do feito, sobretudo à vista do que preceituam os princípios da indisponibilidade/obrigatoriedade da ação penal. 11. Ainda que assim não se entenda, é certo que a petição apresentada pelo ofensor revestiu-se de conteúdo simplório e limitado, caracterizado por inexpressiva repercussão quando considerada a gravidade das acusações desferidas contra o ofendido no exercício de função pública (juiz de direito), as quais foram notoriamente do conhecimento de inúmeras pessoas e dos vários funcionários que integram os quadros do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 12. Nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt, Retratação é o ato de desdizer-se, de retirar o que se disse. Retratação não se confunde com negação do fato ou negativa de autoria, pois retratação pressupõe o reconhecimento de uma afirmação confessadamente errada, inverídica. É necessário que o agente se desdiga, isto é, retire expressamente o que afirmara. Pela retratação o agente reconsidera a afirmação anterior e, assim procura impedir o dano que poderia resultar da sua falsidade. 3, cautelas que não foram adotadas pelo agente, ao visar claramente interesse próprio. 13. A propósito, sobre este ponto da controvérsia, traz-se à colação recente precedente dessa Suprema Corte abordando o indevido reflexo da retratação nos crimes de calúnia: Habeas corpus. 2. Calúnia contra magistrado (art. 138, c/c 141, II, do CP) 3. Direito de retratação. 4. A 3. Código Penal Comentado, Cezar Roberto Bitencourt, 5ª ed. atual., São Paulo: Saraiva, 2009, pg. 462.
MPF/PGR Nº 17.151/CS 6 declaração tardia, parcial, que atende exclusivamente ao interesse do paciente, não pode prevalecer, sob pena de privilegiar a mera invocação do art. 143 do CP ao próprio bem jurídico que se visa a tutelar com a norma penal. 5. Liminar revogada e ordem denegada. (HC nº 107.206/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 22/5/2012) 14. Maiores incursões sobre o tema, como pretende o recorrente, demanda inegável confronto de fatos e provas, conduta que se sabe imprópria nos estreitos limites do writ, devendo ser remetida à via própria da instrução criminal. 15. Por fim, inviável o pleito relativo à aplicabilidade do art. 28 do CPP à espécie, valendo reproduzir, a respeito, os fundamentos lançados pelo Parquet Federal em sede de contrarrazões ao recurso ordinário, que bem elucidam a questão: (...) não assiste razão ao impetrante quanto ao pedido de aplicação da norma prevista no art. 28 do CPP. Diz o impetrante que a norma em questão deve ser aplicada ao caso concreto, já que o Promotor de Justiça emitiu parecer no sentido de extinguir-se a punibilidade do agente, ante o reconhecimento da retratação. A norma contida no art. 28 do CPP é aplicável à hipótese de promoção de arquivamento da persecução penal pelo membro do Ministério Público. Trata-se de mecanismo visando ao controle revisional do exercício da titularidade da ação penal pública, que, ao cabo, conforme se sabe, é feito no âmbito da própria instituição Ministério Público que dispõe da titularidade da ação penal pública. À falta de semelhante mecanismo, a decisão negativa de exercício dessa relevante função titularidade da ação penal pública ficaria sujeita à convicção de apenas um membro da Instituição, incontrolavelmente, o que contraria vários princípios de Direito. Mas esse mecanismo previsto no art. 28
MPF/PGR Nº 17.151/CS 7 do CPP não se aplica à hipótese de o membro do Ministério Público emitir parecer pela extinção da punibilidade do fato criminoso, e o Juiz não o acolher. a uma, porque, já em curso ação penal, esta terá curso obrigatório, e o juiz poderá proferir decisão final contrária ao que o Ministério Público postular; a duas porque e, de certa forma, este fundamento relaciona-se com aquele, ao membro do Ministério Público é constitucionalmente assegurada independência funcional, o que lhe permite promover o processo segundo suas convicções jurídicas, não podendo, por isso, ser afastado de seu ofício. 16. Pelo exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso ordinário. Brasília, 2 de agosto de 2012 CLÁUDIA SAMPAIO MARQUES Subprocuradora-Geral da República