PROCESSAMENTO INDUSTRIAL DE FÉCULA DE MANDIOCA E BATATA DOCE - UM ESTUDO DE CASO 1 M. LEONEL 2, S. JACKEY 3, M.P. CEREDA4,* RESUMO A indústria de amido vem crescendo e se aperfeiçoando nos últimos anos, levando à necessidade de produtos com características específicas que atendam as exigências do mercado, o que possibilita o processamento de matériasprimas amiláceas ainda pouco exploradas. O trabalho teve como objetivo analisar o processamento industrial de fécula de mandioca e batata doce. Através da análise da composição da raiz, fécula e bagaço, bem como do balanço de massa dos processos, objetivou-se estabelecer a eficiência de uma planta industrial de processamento de mandioca, para a obtenção de fécula de batata doce. Os resultados demonstraram que a fécula de batata doce obtida está dentro dos limites da legislação brasileira e que parte do amido não foi extraído no processamento, sendo gerado um bagaço com 79,94 % de amido e com composição semelhante ao gerado no processamento de mandioca que contém em média 80 % de amido. A comparação dos balanços de massa demonstrou uma menor eficiência da planta no processamento da batata doce (18,3% de rendimento), quando comparado com o de mandioca (25,5% de rendimento) com umidade de 13,75 % e 12,3 %, respectivamente, na fécula. A retenção de amido no bagaço indicou deficiência no processo industrial de extração independentemente da matéria-prima. Palavras-chave: processamento, fécula, rendimento,
mandioca, batata doce SUMMARY INDUSTRIAL PROCESSING OF CASSAVA AND SWEET POTATO STARCH - CASE STUDY. Starch industries have great interest by new starch raw material. This work compared the industrial manufacture yield of cassava and sweet potato starch in a Brazilian company. The results showed that the commercial starch of sweet potato was in quality specification of Brazilian legislation. The solid fibrous residue generated during the processing contained 79,94 % starch and similar composition of the cassava residue. The industrial yield was higher in cassava processing (25%) than sweet potato (18,3%). The starch retention in the solid waste indicated an inefficient extraction process for two raw materials. Keywords: processing, starch, yield, cassava, sweet potato 1 INTRODUÇÃO O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de mandioca, tendo produzido em 1995, 25,4 milhões de toneladas, numa área cultivada de 1,96 milhões de hectares (Silva et al., 1996) [11]. As empresas de fécula são as indústrias mais modernas entre as processadoras de raízes de mandioca do Brasil. Essas indústrias extraem fécula que pode ser usada no preparo de inúmeros produtos. O destino da fécula varia em cada região de produção e as indústrias alimentares representam o maior mercado com 69,0 % do consumo, seguidas pelas indústrias farmacêutica, de papel e celulose, química e têxtil. [15] O mercado de amido vem crescendo e se aperfeiçoando nos últimos anos, levando à busca de produtos com caraterísticas específicas que atendam as exigências. A produção de amidos modificados é uma alternativa que vem sendo desenvolvida há algum tempo; entretanto, a possibilidade de introduzir novas matérias-primas amiláceas como fonte de amidos com características interessantes industrialmente, vem suscitando o interesse dos
industriais da área, pois proporcionaria um crescimento diferenciado em nível mundial, visto que no Brasil existe uma grande variedade de raízes amiláceas ainda pouco exploradas [16]. Algumas indústrias produtoras de fécula de mandioca têm mostrado interesse em processar outras raízes, dentre elas a batata doce. Contudo, para a introdução de uma nova matéria-prima em uma fecularia, faz-se necessário a avaliação da eficiência da planta industrial. O processo de produção de fécula de mandioca, qualquer que seja o grau de tecnologia empregada, compreende as etapas de lavagem e de descascamento das raízes, desintegração das células e liberação dos grânulos de amido, separação das fibras e do material solúvel e finalmente, a secagem. Durante o processamento é gerado o bagaço, massa ou farelo, resíduo fibroso que contém parte da fécula que não foi extraída no processamento.[4,13] A batata doce é uma planta de clima tropical ou subtropical, também cultivada em regiões temperadas. É de fácil cultivo, rústica, de ampla adaptação, de alta tolerância à seca e baixo custo de produção. O Brasil, em 1992, segundo dados do IBGE, produziu 603 mil toneladas de raízes em uma área cultivada de 58 mil ha com um rendimento médio de 10 t/ha, sendo o Rio Grande do Sul o maior produtor.[1,4] Tanto a mandioca quanto a batata doce são raízes eminentemente calóricas, sendo o amido o principal carboidrato. As raízes de mandioca apresentam em média 62,0% de umidade, 1,3 % de fibras, 34,0% de carboidratos e 1,1% de cinzas. Já a batata doce apresenta em média 70,0% de umidade, 0,61% de fibras, 26,0% de carboidrato e 1,05% de cinzas. [5,6] Dado o interesse de uma fecularia brasileira no processamento de batata doce para extração de fécula, neste trabalho objetivou-se analisar a eficiência da planta industrial de fécula de mandioca no processamento de raízes de batata doce, comparando-se os resultados obtidos com dados anteriormente observados na mesma indústria, para o processamento de mandioca. 2 MATERIAL E MÉTODOS As raízes de batata doce da variedade SRT 299 foram processadas na fecularia Brasamide S/A Bataguassu-MS, indústria com capacidade de processamento de 200 t/dia e com equipamentos da Elétrica Bio Solar (EBS) - Quatro Pontes-PR, sendo doadas pela indústria amostras das raízes, da fécula produzida e do bagaço gerado. As amostras foram caracterizadas quanto a umidade (%), ph, acidez
titulável (%), fibras (%), cinzas (%), proteína (%), matéria-graxa (%), carboidratos totais (%), açúcares solúveis (%) e amido (%). [2,10,12] 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados obtidos nas análises físico-químicas das raízes de batata doce, da fécula e do bagaço estão apresentados no Quadro 1. QUADRO 1. Valores médios das análises de caracterização físicoquímica das raízes, fécula e bagaço de batata doce. Variáveis Umidade inicial Carboidratos totais Açúcares solúveis Raízes Fécula Bagaço média Desvio CV média Desvio CV Média Desvio CV g/100g padrão % padrão % padrão % 62,86 0,452 0,72 13,75 0,070 0,51 16,19 1,453 8,97 90,29 0,692 0,77 97,97 0,572 0,58 81,49 1,090 1,34 13,92 0,692 4,97 1,31 0,151 11,55 1,55 0,218 14,06 Amido 76,37 1,384 1,81 96,66 0,420 0,43 79,94 0,893 1,17 Fibras 3,44 0,199 5,79 0,57 0,010 1,75 11,13 1,111 9,98 Cinzas 3,42 0,160 4,68 0,50 0,153 3,03 3,23 0,617 19,11 Proteínas 4,55 0,075 1,66 0,05 0,002 4,00 2,29 0,344 15,02 Matéria graxa 0,16 0,010 6,25 0,005 0,0005 8,82 0,53 0,010 1,89 ph 5,6 0,100 1,79 6,37 0,035 0,55 5,58 0,123 2,20 Acidez * 9,0 0,050 0,56 0,93 0,115 12,37 3,15 0,575 18,22 *ml NaOH 1N/100g As raízes apresentaram uma porcentagem de 37,14 % de matéria seca, resultado semelhante ao encontrado em outras variedades analisadas por Cereda et al. (1982) [4]. Do ponto de vista industrial, há interesse em variedades que apresentem maior teor de matéria seca, já que resulta em um maior rendimento do processo e portanto, menor quantidade de água residual. Com relação aos teores de amido, fibras, cinzas e matéria-graxa os valores médios encontrados são próximos da média de análises equivalentes
apresentados na literatura com diferentes cultivares de batata doce, 74,10 g/100g, 3,43 g/100g, 2,68 g/100g e 0,88 g/100g respectivamente [5]. Quanto aos açúcares solúveis, as raízes de batata doce apresentaram um teor elevado quando comparado com a mandioca. Ukpalbi et al. (1987) [14], analisando raízes de batata doce de diversos cultivares, observaram teores de amido e açúcares redutores de 17,2-22,5% e 0,6-1,8%, respectivamente. O teor de proteína foi superior ao encontrado por Batistuti et al. (1992) [3], que foi de 1,06-1,66% em análise de oito variedades de batata doce. Já o ph da raiz foi um pouco inferior ao encontrado por Cereda et al. (1982) [4]. As análises realizadas com a fécula de batata doce mostraram que a qualidade do produto encontra-se dentro das especificações da legislação brasileira, com exceção do teor de proteínas que está abaixo do mínimo. O menor teor de proteína pode ser considerado uma vantagem para a maioria dos usos industriais.[14] O bagaço gerado na etapa de extração da fécula de mandioca caracteriza-se por uma umidade elevada, em torno de 85 %, uma grande quantidade de amido retido 80% e cerca de 11 % de fibras [7]. Os resultados obtidos para o bagaço de batata doce, mostraram uma grande concentração de amido (79,94%) seguida de fibras (11,13%). Esses resultados são muito semelhantes aos observados em análises de caracterização do resíduo do processamento da mandioca, indicando que a retenção de amido é uma característica do sistema de extração e não da matéria-prima [8]. 3.1 Balanço de massa Os resultados do rendimento industrial do processamento de batata doce e de mandioca estão apresentados nas Figuras 1 e 2.
FIGURA 1. Balanço de massa do processamento industrial de raízes de mandioca para produção de fécula [8] * Del Porto, F. (Brasamide S/A- Bataguassu-MS). Comunicação Verbal, 1998. FIGURA 2. Balanço de massa do processamento industrial de raízes de batata doce para produção de fécula.
Segundo Lebourg (1996) [8] o balanço de massa para a fecularia Brasamide no processamento de raízes de mandioca é de 254,7 kg de fécula (base úmida) e 928,6 kg de resíduo fibroso com 85 % de umidade para cada tonelada de raiz processada, sendo que esta indústria processa em torno de 200 t de raízes/ dia. Portanto, cerca de um terço do amido presente na raiz é eliminado no bagaço. No caso da batata doce, para cada tonelada de raiz processada foi obtido um rendimento de 18,3%, ou seja, 183 kg de fécula com 13,75% de umidade. Portanto, 55,2% do amido foi recuperado e 44,8 % não foi extraído sendo que a maior porcentagem é retida no bagaço. Esse dado permite inferir que, apesar de possuir qualidade equivalente de fécula, a extração de amido de batata doce foi pouco eficiente, podendo ser melhorada. Uma melhor eficiência na extração permitiria rentabilizar a produção de fécula de batata doce, com produtividade próxima àquela obtida para fécula de mandioca. Com relação aos resíduos, no processamento da batata doce a quantidade de matéria seca gerada foi maior que a observada no processamento de mandioca, podendo-se observar que apesar dos teores de amido nos resíduos terem sido semelhantes, a concentração dos outros componentes foi significativamente superior para batata doce, com os açúcares solúveis representando 23,28 % do total de matéria seca residual e o amido 57,9%. 4 CONCLUSÕES A partir dos resultados obtidos foi possível concluir que a planta industrial apresentou maior eficiência no processamento de mandioca, e que nos dois processos o bagaço reteve grande quantidade de amido, indicando ineficiência no processo de extração do amido independentemente da raiz processada. 5 REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS [1] ANUÁRIO ESTATÍSTICO ESTATÍSTICO DO BRASIL. Rio de janeiro: IBGE, p. 3-28 - 3-29, 1994. [2] AOAC. Association of Official Agricultural Chemists. Official Methods of Analysis. 13. ed. Washington: s.n., 1980. 109p. [3] BATISTUTI,J.P., VALIM, M.F.C.F.A., CAMARA,F.L.A. Evaluation of the chemical composition of the tubers and the starch of the different cultivars of sweet potato (Ipomoea batatas L. Lam.). Rev. Ciênc. Farmac., v.14, p.205-214, 1992. [4] CEREDA,M.P., CONCEIÇÃO, F.D.A., CAGLIARI, A. M., HEEZEN,
A. M., FIORETTO, R. A. Estudo comparativo de variedades de batata doce (Ipomoea batatas), visando aproveitamento em indústrias de alimentos. Turrialba, San Jose, v.32, p.365-370, 1982. [5] CEREDA,M.P., WOSIACKI,G., CONCEIÇÃO, F.D.A. Características físico-químicas e reológicas de cultivares de batata doce (Ipomoea batatas). Ciênc. Tecnol. Aliment., Campinas, v.5, p.61-70, 1985. [6] CEREDA, M. P. Caracterização dos resíduos da industrialização da mandioca. In: --- Resíduos da industrialização da mandioca no Brasil. São Paulo: Paulicéia, 1994. cap. 1, p.11-50. [7] CEREDA, M. P. Caracterização, usos e tratamentos de resíduos da industrialização da mandioca. Botucatu: Centro de Raízes Tropicais, UNESP, 1996. 56p. [8] LEBOURG, C. Brasamide et la fécule: une historie d amour. Botucatu: Centro de Raízes Tropicais, UNESP, 1996, 59p. [9] MIRANDA,J.E.C., FRANÇA, F.H., CARRIJO, O. A., SOUZA, A.F. Batata doce (Ipomoea batatas). Circular Técnica do CNPHortaliças, Ministério da Agricultura, Embrapa, 1980, 14p. [10] RICKARD, J. E., BEHN, K. R. Evaluation of acid and enzyme hydrolitic methods for determination of cassava starch. J. Sci. Food Agric., Essex, v.41, n.4, p.373-379, 1987. [11] SILVA, J. R., VEGRO, C. L. R., ASSUNPÇÃO, R., PONTARELLI, C. T. G. A agroindústria de farinha de mandioca nos estados de São Paulo e do Paraná, 1995. Informações econômicas, São Paulo, v.26, n.3, p.69-83, 1996. [12] SOMOGY, M. Determination of blood sugar. J. Biol. Chem., Baltimore, n.160, p.69-73, 1945. [13] VILELA, E.R., FERREIRA, M.E. Tecnologia de produção e utilização do amido de mandioca. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.13, n.145, p.69-74, 1987. [14] UKPABI, U.J., IJIOMA, B.C., OGBEUHI, C.R.A., ODIE, B.C., TERRY,E.R., AKORODA, M.O., ARENE, O.B. Variability of some food nutrients in cultivars of sweet potato. In: THIRD TRIENNIAL SYMPOSIUM OF THE INTERNATIONAL SOCIETY FOR TROPICAL ROOT CROPS, Africa branch, 1987. Proceedings... Africa branch, 1987. 80p. [15] VILPOUX, O., CEREDA, M. P. Caracterização das fecularias no Brasil. Botucatu: Centro de Raízes Tropicais, UNESP, 1995. 58p. [16] VILPOUX, O. Amidos adaptados ao uso nas indústrias de alimentos. Fax/Jornal CERAT/UNESP, Botucatu, n.70, p.1-2, 1998.
1 Recebido para publicação em 29/04/98. Aceito para publicação em 24/09/98. 2 Centro de Raízes Tropicais (CERAT)/UNESP/Botucatu-SP, Caixa Postal 237, Fone/Fax: (014) 8219050 3 Cooperação Técnica Francesa 4 Centro de Raízes Tropicais (CERAT)/UNESP/Botucatu-SP, Caixa Postal 237, Fone/Fax: (014) 8219050 * A quem a correspondência deve ser endereçada