O Trabalho Doméstico compõe a pauta de discussão da 99ª Conferência Internacional do Trabalho

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Transcrição:

O Trabalho Doméstico compõe a pauta de discussão da 99ª Conferência Internacional do Trabalho No último dia 2 de junho, teve início a Conferência Internacional do Trabalho (CIT), evento realizado todos os anos na sede da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra. Em sua 99ª edição, a CIT terá, como um de seus pontos de pauta, o tema trabalho decente para trabalhadores/as domésticos/as. No âmbito da implementação de sua Agenda de Trabalho Decente, a OIT retoma a discussão sobre o trabalho doméstico, no sentido de valorizá-lo e fortalecer o respeito aos direitos de trabalhadoras e trabalhadores ocupadas/os nessa atividade. Até dia 18 de junho, data de encerramento da Conferência, representações de trabalhadores/as, empregadores/ as e governos dos países membros da OIT discutirão a possível adoção de um tratado internacional de proteção ao trabalho doméstico. A importância do trabalho doméstico para as sociedades e as economias no mundo e a sua desvalorização Como uma das profissões mais antigas em numerosos países, o trabalho doméstico é uma significativa fonte de ocupação para muitas mulheres no mundo, e porta de entrada no mercado de trabalho para as mulheres mais pobres, sendo uma atividade laboral essencial não apenas para o funcionamento dos lares (domicílios), como também para as economias. A demanda pelo trabalho doméstico remunerado tem crescido em todas as partes do mundo. Mudanças na estrutura familiar e na organização do trabalho contribuem tremendamente para isso. A entrada massiva das mulheres 1

no mercado de trabalho e a consequente, a freqüente insuficiência ou ausência de políticas públicas, programas e ações que promovam a conciliação entre o trabalho e a vida familiar, a crise do modelo tradicional dos cuidados são aspectos marcantes destas mudanças. Contribuem ainda para este quadro o envelhecimento da população e à intensificação da jornada de trabalho nos anos mais recentes. Apesar de sua contribuição à sociedade e à economia, o trabalho doméstico é subvalorizado e pouico regulamentado, sendo uma das ocupações que apresenta os maiores déficits de trabalho decente. Atualmente, o trabalho doméstico tem escala mundial e perpetua as hierarquias baseadas na raça, etnia ou nacionalidade. Tradicionalmente é um trabalho desempenhado predominantemente pelas mulheres, e é vinculado, também, à história mundial da escravidão, do colonialismo e de outras formas de servidão. Em função de suas características peculiares, de seu papel na estruturação do mercado de trabalho, bem como de seu entrelaçamento com aspectos fundamentais da organização social e das desigualdades de gênero e raça como a divisão sexual do trabalho e a desvalorização do trabalho reprodutivo o trabalho doméstico é marcado pela invisibilidade, pela subvalorização e por situações de precariedade e informalidade. A subvalorização econômica e social dos trabalhos de cuidado e do papel da mulher na sociedade têm efeitos diretos sobre o trabalho doméstico. Ele é percebido como um trabalho natural das mulheres e, como a aprendizagem ocorre dentro da família de origem, soma-se a essa naturalização a desvalorização dos processo de aquisição de competências que ocorrem fora das instituições formais de capacitação. É considerado um trabalho fácil pelas pessoas que não o realizam em função do grande desconhecimento sobre os processos e tarefas necessários para produzir um objeto ou serviço para o domicílio. Consiste em uma multiplicidade de tarefas especializadas muito distintas entre si e é frequentemente pesado e repetitivo. Os produtos ou serviços resultantes não duram, pois são consumidos pelos membros do domicílio. O trabalho doméstico é raramente reconhecido por quem dele se beneficia e sua importância e necessidade só são percebidas quando não é realizado ou quando é realizado de forma deficiente. Estas concepções contribuem para que esta atividades não seja percebida como uma profissão como todas as outras. Panorama do Trabalho Doméstico na America Latina e no Caribe: déficits de trabalho decente e avanços legislativos recentes Na América Latina e Caribe, 14 milhões de mulheres são trabalhadoras domésticas sendo esta a profissão que mais ocupa mulheres na Região (14% da ocupação feminina). É uma ocupação marcada pela precariedade, apresentando baixos rendimentos e uma incidência de pobreza mais alta do que a média observada nas demais ocupações. As mulheres indíge- 2

nas e negras estão sobre-representadas no trabalho doméstico, revelando que as discriminações de gênero, raça e classe se potencializam entre si. Cabe assinalar que o contingente de mulheres trabalhadoras migrantes nos países da região tem aumentado, e são elas as que se encontram em situação de maior vulnerabilidade. Além disso, uma importante quantidade de crianças e adolescentes são trabalhadoras domésticas, e muitas delas são provenientes de famílias pobres das zonas rurais, e começam a trabalhar em idades muito precoces, comprometendo seriamente suas oportunidades e o seu desenvolvimento. A maioria das trabalhadoras domésticas não têm acesso à aposentadoria, tendo que continuar trabalhando ou dependendo de outros familiares para sobreviver quando atingem uma idade mais avançada. Em grande parte dos países da região, as/ os trabalhadoras/es estão parcialmente excluídos/as da proteção laboral legal. O serviço doméstico é regido por marcos normativos especiais que diferenciam essa categoria do conjunto dos trabalhadores assalariados. Como consequência, as trabalhadoras domésticas ficam à margem de diversos direitos e das normas de proteção no trabalho. Soma-se a isso os obstáculos e limites dos sistemas de fiscalização e de viabilização de denúncias que os tornam pouco eficientes com relação a esta categoria de trabalhadores/as. Em alguns países, não há obrigação de contrato escrito, e as regulações do tempo de trabalho não estabelecem um limite de horas para o trabalho doméstico. Nos países em que há o estabelecimento de limites à jornada de trabalho, essas são maiores do que as jornadas definidas para os/ as demais trabalhadores/as assalariados/ as. Da mesma forma, nos países em que há normativas com relação a dias de descanso e férias, estes constumam ser menores do que o estabelecido para as demais categorias de trabalhadores. Frequentemente, o lugar de trabalho e de residência do/a trabalhador/a coincidem, o que torna ainda mais difícil a negociação relativa à jornada de trabalho e ao tempo de descanso. Da mesma forma, as/os trabalhadoras/es domésticos costumam ser excluídas/os da cobertura de salário mínimo, e é comum a ocorrência de pagamentos incompletos ou atrasados. Os regimes de previdência social, saúde e de licenças também são muitas vezes insuficientes ou inexistentes. Soma-se a isso o fato de que essa categoria também está excluída dos espaços de negociação coletiva, com um limitado poder de reinvindicação por melhores condições de trabalho, uma vez que as organizações existentes possuem baixa afiliação, recursos limitados e falta de reconhecimento. Apesar das legislações existentes sobre o trabalho doméstico na América Latina e no Caribe apresentarem marcos reguladores bastante limitados, há algumas modificações legais recentes e importantes em alguns países da região no que se refere à equiparação de direitos entre as/os trabalhadoras/es domésticas/os e as demais categorias de trabalhadores/as. No Uruguai, uma lei de 2006 outorga aos/às trabalhadores/as domésticos/as um marco normativo similar ao dos demais trabalhadores 3

assalariados, incluindo o direito à negociação coletiva. No Chile se estabeleceu, em 2008, uma modificação legal que permitirá um aumento progressivo do salário dos/as trabalhadores/as domésticos/as e a equiparação em 2011. Na Argentina, desde o ano 2000 a contribuição à seguridade social por parte do empregador é obrigatória quando as/os trabalhadores/as domésticos/as trabalham 6 ou mais horas semanais, e a partir de 2005 se permitiu deduzir as contribuições, medida que tem contribuído para aumentar o registro. Na Costa Rica, há uma nova lei que garante o salário mínimo e uma jornada de 8 horas. Panorama do Trabalho Doméstico no Brasil: déficits de trabalho decente e avanços legislativos recentes No Brasil, a situação de vulnerabilidade vivenciada pelas/os trabalhadoras/es domésticas/os não é diferente do panorama apresentado pelos demais países da América Latina e do Caribe. Em 2008, o trabalho doméstico representava 15,8% do total da ocupação feminina brasileira. Entre os/ as trabalhadores/as domésticos/as, 93,6% são mulheres, e entre elas, 61% são negras. Mesmo com um número bastante significativo de mulheres empregadas nesse setor, somente 26,8% do total de trabalhadores/ as domésticos/as possuem carteira de trabalho assinada, e entre as trabalhadoras domésticas negras, este percentual é ainda menor: 24%. Apenas 30,4% do total de trabalhadoras/es domésticas/os contribuem para o instituto da previdência social. Quando se analisa a evolução da formalização do trabalho no Brasil, é possível observar que em uma década (1998-2008), esse movimento não foi o mesmo para as/ os trabalhadoras/es domésticas/os brasileiras/os. Se por um lado a evolução da formalização foi de 56,7% para 61,9% para as demais categorias de trabalhadores/as, por outro, para as/os trabalhadoras/es domésticas/os, evoluiu de 23,4% para 25,8%. Outro indicador de déficit de trabalho decente para o trabalho doméstico no Brasil é a análise dos rendimentos auferidos pela categoria. No ano de 2007, o rendimento mensal da ocupação principal das/ os trabalhadoras/es domésticas/os correspondia a 40,2% daquele auferido pelas outras categorias, sendo que, para as mulheres negras, o rendimento correspondia a 38,2% dos rendimentos das/os demais trabalhadoras/es. No que diz respeito à jornada de trabalho para trabalhadores/domésticos/as, de forma geral, sua duração vem se reduzindo ao longo do tempo, passando de 41 horas semanais para 36 horas no período entre 1998 a 2008. Essa redução acompanha um movimento geral em relação às demais categorias, mas também pode ser explicada pelo aumento significativo do número de trabalhadoras/es domésticas/os diaristas. Trabalhadoras/es domésticas/os diaristas são aquelas/es que declaram trabalhar em mais de um domicílio e recebem por dia ou por semana de trabalho. Entre 1998 e 2008, o número de diaristas passou de 856.000 para 1.645.000 em termos absolutos, o que significa dizer que, em termos relativos, houve um aumento de 8,2% para o mesmo período. As/os trabalhadoras/es domésticas/os diaristas possuem renda 4

média de 17% superior a das/os mensalistas (cerca de R$ 57,00). Contudo, o nível de proteção social é inferior: somente 14,3% das/os diaristas tinham carteira de trabalho assinada e 20,7% contribuiam para a previdência social em 2008. No ordenamento jurídico brasileiro, a primeira normativa legal que tratou sobre trabalho doméstico foi o Código Civil de 1916, que disciplinou a locação de serviços. O Decreto-Lei n.º 3.078, de 27 de fevereiro de 1941 observou a previsão de Carteira Profissional e a necessidade de oito dias de aviso prévio após seis meses de serviço. A Lei n. º 5.859, de 11 de dezembro de 1972 regulamentou férias anuais de vinte dias úteis, assim como anotação de Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) com seguro obrigatório da Previdência Social. No Decreto n.º 95.247, de 17 de novembro de 1987, foi concedido às/aos trabalhadoras/es domésticas/ os o direito ao vale-transporte. Em seu parágrafo único do art. 7, a Constituição Federal de 1988 prevê a essa categoria outros direitos, como salário mínimo, irredutibilidade de salários, 13º salário, repouso semanal remunerado (preferencialmente aos domingos), um terço a mais de salário nas férias, licenças maternidade e paternidade e aviso prévio. Nos últimos dez anos, a legislação sobre o trabalho doméstico vem trazendo alguns avanços significativos, mas que ainda impõem muitos desafios para que os direitos de trabalhadoras e trabalhadores domésticos sejam de fato equiparados aos direitos das demais categorias. A Lei n.º 10.208, de 23 de Março de 2001, acrescenta dispositivos à Lei nº 5.859 para facultar o acesso ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ao seguro-desemprego. A Lei n.º 11.324, de 19 de julho de 2006 amplia outros direitos, como descanso remunerado em feriados, 30 dias corridos de férias, estabilidade à gestante e proibição de desconto do salário por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia. Como marco legislativo mais recente, o Decreto n.º 6.481, de 12 de junho de 2008, em cumprimento à Convenção nº 182 da OIT, de 1999, regulamentou as piores formas de trabalho infantil no país, proibindo-o para menores de 18 anos. A lista das piores formas de trabalho infantil no Brasil incluiu o trabalho infatil doméstico, em seu item 76. Por que um instrumento internacional de proteção ao trabalho doméstico? Trabalhadoras e trabalhadoras/es domésticas/os são frequentemente vítimas de violação dos direitos humanos e dos direitos fundamentais no trabalho, como o trabalho forçado, o trabalho infantil e a discriminação. Devido suas especificidades observa-se que complementação das normas gerais já existentes no âmbito da OIT com normas específicas poderia contribuir para garantir uma proteção mais efetiva aos direitos das/os trabalhadoras/ es domésticas/es. Com o objetivo de fundamentar a discussão a ser realizada na CIT 2010, em 2009 a OIT lançou o Relatório IV(1) Trabalho Decente para os trabalhadores domésticos e enviou aos Estados Membros um questionário, a fim de coletar opiniões sobre a 5

adoção de um instrumento internacional de proteção ao trabalho doméstico e sobre qual deveria ser seu âmbito de aplicação, bem como seu conteúdo. Com base no Relatório IV(1) e as respostas dos constituintes tripartites ao questionário, foi preparado o Relatório IV(2) contendo conclusões e propostas para um possível instrumento normativo. O Relatório define critérios que devem orientar as discussões durante a CIT 2010, sendo eles: a elaboração de instrumentos normativos que tenham uma ampla cobertura, que sejam ratificáveis e que viabilizem modelos mínimos de proteção laboral. Conforme o resultado das discussões, serão preparados esboços destes instrumentos normativos, com vistas a sua discussão e possível adoção na Conferência Internacional do Trabalho de 2011. Os principais pontos propostos para compor o conteúdo de uma Convenção são: Definição genérica de trabalho doméstico que permita certa flexibilidade; Reafirmação da aplicação dos princípios e direitos fundamentais no trabalho às/ aos trabalhadoras/es domésticas/os; Medidas para garantir termos justos de emprego, em condições de trabalho decente; Atenção específica às necessidades das/dos trabalhadoras/es domésticas/ os migrantes; Acesso fácil e eficiente aos procedimentos de solução de conflitos; Medidas adequadas para garantir o cumprimento da legislação; Como orientação adicional, os principais pontos propostos para compor uma Recomendação são: Elaboração de um modelo de contrato para as/os trabalhadoras/es domésticas/os; Medidas específicas para as/os trabalhadoras/es domésticas/os que trabalham no período noturno; Dia fixo de descanso semanal tendo em conta as necessidades culturais, religiosas e sociais das/os trabalhadoras/ es domésticas/os; Liquidação imediata dos pagamentos pendentes ao final do contrato de trabalho; Regulamentação estrita com relação ao pagamento permitido em espécie; Requisitos mínimos sobre alimentação e alojamento para as/os trabalhadoras/es domésticas/os; Medidas concretas para a proteção das/os trabalhadoras/es domésticas/ os migrantes. Cooperação internacional para melhorar a proteção das/os trabalhadoras/es domésticas/os. O conteúdo desses instrumentos têm como objetivo fortalecer uma incluisão mais justa das/dos trabalhadoras/es domésticas/ os no mercado de trabalho formal, assim como estabelecer um equilíbrio cuidadoso entre as normas existentes e uma flexibilidade em sua aplicação. Reiteram também a aplicabilidade dos princípios e direitos fundamentais no trabalho às/aos trabalhadoras/es domésticas/os e demandam 6

um tratamento igualitário com relação às outras categorias de trabalhadores/as em áreas como jornada de trabalho, saúde e segurança no trabalho e proteção social, incluindo a proteção à maternidade. Além disso, também pretendem abordar as necessidades das/dos trabalhadoras/es domésticas/os migrantes e a questão da organização coletiva da categoria. Eventos sobre Trabalho Doméstico realizados no Brasil: discussões e encaminhamentos Com vistas a apoiar a discussão sobre trabalho decente para as/os trabalhadoras/es domésticas/os o Escritório da OIT no Brasil desenvolveu, no período 2009-2010, uma série de inicitivas. Em agosto de 2009, a Federação Nacional de Trabalhadores Domésticos (FENATRAD), com o apoio da OIT, do UNIFEM, das Secretarias de Políticas para as Mulheres (SPM) e de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), realizou a Oficina Nacional das Trabalhadoras Domésticas: construindo o trabalho decente, que teve como principal objetivo promover um espaço amplo de discussão do questionário da OIT e seu preenchimento, além de informar a categoria com relação à Conferência Internacional do Trabalho de 2010. Tendo em vista os encaminhamentos do evento, em dezembro de 2009, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) e o Conselho Nacional das Trabalhadoras Domésticas (CNTD), com o apoio da OIT, UNIFEM, SEPPIR, SPM e outros parceiros governamentais e não governamentais realizaram o Seminário Nacional Ampliando os Direitos das Trabalhadoras Domésticas. Advogados/as e trabalhadoras domésticas de todo o Brasil se reuniram com o objetivo de discutir a ampliação de direitos e a melhoria das condições de trabalho da categoria. Em abril de 2010, outras duas atividades de caráter nacional e regional foram realizadas no âmbito da parceria entre OIT, UNIFEM, SPM e SEPPIR: a Oficina Nacional Triparte sobre Trabalho Doméstico e o Seminário Regional das Trabalhadoras Domésticas. A Oficina Nacional teve como principal objetivo estabelecer um espaço de discussão tripartite sobre o tema do trabalho doméstico, tendo em vista as discussões a serem desenvolvidas na CIT 2010. Contou com a participação de representantes das centrais sindicais brasileiras, uma confederação de empregadores/as, órgãos do governo federal que desenvolvem políticas públicas voltadas para o trabalho doméstico, representantes da Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD), especialistas no tema, instituições públicas de estudos e pesquisas e representantes de organizações da sociedade civil. A garantia da participação das trabalhadoras domésticas nas discussões a serem realizadas na CIT 2010 foi um ponto destacado pelas representações das trabalhadoras domésticas e pelas centrais sindicais, ponto este apoiado por algumas das representações governamentais presentes. A síntese das discussões também apontaram alguns temas para posterior discussão e encaminhamento, sendo eles: a neces- 7

sidade de realizar uma discussão sobre a criação de mecanismos de fiscalização do trabalho doméstico; o fortalecimento das estratégias que permitam a organização das/dos trabalhadoras/es domésticas/ os; a importância das questões relativas às condições de trabalho (saúde e segurança, acidente de trabalho, horas extras, trabalho noturno, trabalho insalubre); a necessidade de se estabelecer fóruns de trabalho no âmbito das centrais sindicais para a discussão do tema do trabalho doméstico; a importância de realizar uma discussão sobre a obrigatoriedade do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); a necessidade de equiparar os direitos das trabalhadoras domésticas aos direitos das demais categorias de trabalhadores/as por meio da discussão sobre uma possível Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Por sua vez, o Seminário Regional teve como principal objetivo promover um espaço de discussão para o fortalecimento da articulação regional das trabalhadoras domésticas da Bolívia, Brasil, Guatemala e Paraguai na defesa de seus direitos e na definição de estratégias para a participação na CIT 2010. Contou com a participação de representantes de organizações de trabalhadoras/es domésticas/os dos quatro países, representantes das centrais sindicais brasileiras, de órgãos do governo brasileiro que desenvolvem políticas públicas voltadas para o trabalho doméstico e de especialistas sobre o tema. Ao longo das discussões, as principais questões levantadas foram os procedimentos para composição das delegações nacionais que participarão da CIT 2010 e a importância de garantir a participação das trabalhadoras domésticas no processo de discussão da Conferência. 8

APOIO Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial Secretaria de Políticas para as Mulheres 9