A POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO: a precarização do trabalho policial



Documentos relacionados
OS PROCESSOS DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL EM UM DESENHO CONTEMPORÂNEO

O Emprego Doméstico na Região Metropolitana de Belo Horizonte em 2013

SAÚDE COMO UM DIREITO DE CIDADANIA

Pesquisa Mensal de Emprego - PME

CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA ANÁLISE DOS INDICADORES E METAS DO ACORDO DE RESULTADOS DA DIRETORIA DE FISCALIZAÇÃO DO DER/MG.

PRATICANDO EXERCÍCIOS Colégio Santa Clara Prof. Marcos

Pesquisa. Há 40 anos atrás nos encontrávamos discutindo mecanismos e. A mulher no setor privado de ensino em Caxias do Sul.

Estratégia Europeia para o Emprego Promover a melhoria do emprego na Europa

VII Congresso Latino-Americano de Estudos do Trabalho. O Trabalho no Século XXI. Mudanças, Impactos e Perspectivas.

Capacitando, assessorando e financiando pequenos empreendimentos solidários a Obra Kolping experimenta um caminho entre empréstimos em condições

Gangues, Criminalidade Violenta e Contexto Urbano: Um Estudo de Caso

Terceirização: o que é? terceirização

ESTRUTURA CURRICULAR DO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM MBA EM GESTÃO DE PESSOAS, LIDERANÇA E COACHING

Emprego doméstico na Região Metropolitana de Porto Alegre em 2013

O EMPREGO DOMÉSTICO. Boletim especial sobre o mercado de trabalho feminino na Região Metropolitana de São Paulo. Abril 2007

DESENVOLVIMENTO DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, GERAÇÃO DE EMPREGO E INCLUSÃO SOCIAL. XII Seminario del CILEA Bolívia 23 a 25/06/2006

UNCME RS FALANDO DE PME 2015

na região metropolitana do Rio de Janeiro


OS FUTUROS CONTRATOS DE TRABALHO.

Unesp 2014/2 Geografia 2ª Fase

Seminário RMC e os desafios para o século XXI OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES/UFPR

SOCIAL ASSISTENTE. Um guia básico para conhecer um pouco mais sobre esta categoria profissional

A participação feminina no mercado de trabalho: observações sobre as docentes no ensino privado brasileiro 2013

Pesquisa Mensal de Emprego

Volta de Apoio ao Emprego. Cidadania Ativa v/s Inserção Profissional

BRASIL EXCLUDENTE E CONCENTRADOR. Colégio Anglo de Sete Lagoas Prof.: Ronaldo Tel.: (31)

Por uma pedagogia da juventude

DIMENSÕES DO TRABAHO INFANTIL NO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE: O ENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÕES DE TRABALHO PRECOCE

Pesquisa Semesp. A Força do Ensino Superior no Mercado de Trabalho

Planejamento Estratégico

Criminalidade. Luciano Nakabashi Juliano Condi

DEMOCRÁTICA NO ENSINO PÚBLICO

e a p e c d o d e s e m p r e g o Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC

JUVENTUDE E TRABALHO: DESAFIOS PARA AS POLITICAS PÚBLICAS NO MARANHÃO

ENVELHECIMENTO E A PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Plano e Orçamento para Políticas de Promoção de Emprego e Empregabilidade

Acção Social Produtiva em Moçambique: algumas questões chave para discussão

Curso de Especialização em POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO E SERVIÇOS SOCIAIS

ELIANE RIBEIRO - UNIRIO

OS NEGROS NO MERCADO DE TRABALHO

COLÉGIO XIX DE MARÇO excelência em educação

BANCOS INTERMEDIÁRIOS CORRETORES DE CÂMBIO

PROTEÇÃO DOS BENS AMBIENTAIS: PELA CRIAÇÃO DE UMA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE (OME). Brasília, 20/04/2012 Sandra Cureau

Apoio às políticas públicas já existentes;

Especificidades das mortes violentas no Brasil e suas lições. Maria Cecília de Souza Minayo

MOBILIDADE DOS EMPREENDEDORES E VARIAÇÕES NOS RENDIMENTOS

Dúvidas e Esclarecimentos sobre a Proposta de Criação da RDS do Mato Verdinho/MT

INDICADORES DEMOGRÁFICOS E NORDESTE

Resultados do Serviço Preparação para o Primeiro Emprego Ano 2012

1) a) Caracterize a Nova Ordem Econômica Mundial;

QUALIFICAÇÃO E PARTICIPAÇÃO DE PROFESSORES DAS UNIDADES DE ENSINO NA ELABORAÇÃO DE PROGRAMAS FORMAIS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Tabela 1 Total da população 2010 Total de homens Total de mulheres Homens % Mulheres % Distrito Federal

ORGANIZAÇÕES DA SOCIDEDADE CIVIL NO BRASIL. Um novo setor/ator da sociedade

Desafios da EJA: flexibilidade, diversidade e profissionalização PNLD 2014

VIII JORNADA DE ESTÁGIO DE SERVIÇO SOCIAL

Audiência Pública no Senado Federal

introdução Trecho final da Carta da Terra 1. O projeto contou com a colaboração da Rede Nossa São Paulo e Instituto de Fomento à Tecnologia do

PED ABC Novembro 2015

ipea A EFETIVIDADE DO SALÁRIO MÍNIMO COMO UM INSTRUMENTO PARA REDUZIR A POBREZA NO BRASIL 1 INTRODUÇÃO 2 METODOLOGIA 2.1 Natureza das simulações

VIOLÊNCIA NO ESPAÇO ESCOLAR: UMA ANÁLISE A PARTIR DA ESCOLA CAMPO

Manutenção das desigualdades nas condições de inserção

P.42 Programa de Educação Ambiental - PEA Capacitação professores Maio 2013 Módulo SUSTENTABILIDADE

Bibliotecas comunitárias e espaços públicos de informação

Entrevista com Edgard Porto (Transcrição) (Tempo Total 26:33)

1 O texto da Constituição Federal de 1988 diz: Art. 7. São direitos dos trabalhadores urbanos e

INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO

um novo foco para as mudanças

Gestão de Pequenas e Medias Empresas

TEXTO 2. Inclusão Produtiva, SUAS e Programa Brasil Sem Miséria

O Mercado de Trabalho nas Atividades Culturais no Brasil,

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM POLÍTICAS PÚBLICAS, ESTRATÉGIAS E DESENVOLVIMENTO

EMPREENDEDORISMO DE. Professor Victor Sotero

TEMAS SOCIAIS O UTUBRO DE 2000 CONJUNTURA ECONÔMICA 28

Sumário PNAD/SIMPOC 2001 Pontos importantes

SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO PROJETO

A GESTÃO HOSPITALAR E A NOVA REALIDADE DO FINANCIAMENTO DA ASSISTÊNCIA RENILSON REHEM SALVADOR JULHO DE 2006

Proposta de REGULAMENTO DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO

CRESCIMENTO DO SETOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL FAVORECE A EXPANSÃO DE POSTOS DE TRABALHO E DO RENDIMENTO

1. Introdução. 1.1 Contextualização do problema e questão-problema

PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA: um estudo nas redes municipal de Porto Alegre e estadual do Rio Grande do Sul

OBSERVATÓRIO DE GESTÃO DA INFORMAÇÃO. Palavras-chave: Gestão da Informação. Gestão do conhecimento. OGI. Google alertas. Biblioteconomia.

Recrutamento 12/02/2012. Recrutamento - Conceito. Mercado de Trabalho: Recrutamento - Conceito

ASPECTOS HISTÓRICOS: QUANTO A FORMAÇÃOO, FUNÇÃO E DIFULCULDADES DO ADMINISTRADOR.

Comunidade Solidária: parcerias contra a pobreza

O SR. ÁTILA LIRA (PSDB-PI) pronuncia o seguinte discurso: A profissão de Administrador no Brasil completou 40 anos no

INCLUSÃO ESCOLAR: UTOPIA OU REALIDADE? UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A APRENDIZAGEM

Apresentação e objetivo da pesquisa. Uso dos dados e Forma de citação

PARTICIPAÇÃO NA VELHICE: POLÍTICAS PÚBLICAS E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES ENTRE IDOSOS INSERIDOS EM GRUPOS E ASSOCIAÇÕES

O TRABALHO POR CONTA PRÓPRIA NA CONSTRUÇÃO CIVIL

Compromisso para IPSS Amigas do Envelhecimento Ativo CONFEDERAÇÃO NACIONAL INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE

Os males da terceirização

Análise Setorial. Fabricação de artefatos de borracha Reforma de pneumáticos usados

DIRETORIA LEGISLATIVA SEÇÃO DE ASSESSORAMENTO TEMÁTICO NOTA TÉCNICA. A Jornada de Trabalho e seus Reflexos na Saúde do Militar do Estado de Goiás

Política monetária e senhoriagem: depósitos compulsórios na economia brasileira recente

O que é Programa Rio: Trabalho e Empreendedorismo da Mulher? Quais suas estratégias e ações? Quantas instituições participam da iniciativa?

Número 24. Carga horária de trabalho: evolução e principais mudanças no Brasil

Simon Schwartzman. A evolução da educação superior no Brasil diferenças de nível, gênero e idade.

Orientações para informação das turmas do Programa Mais Educação/Ensino Médio Inovador

Transcrição:

UFMA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍCAS PÚBLICAS QUESTÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO SÉCULO XXI 1 A POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO: a precarização do trabalho policial Antonio Marcos de Sousa Silva 1 RESUMO Nas últimas décadas, o fenômeno da precarização do trabalho atingiu o funcionalismo público brasileiro de modo geral e, um dos setores mais prejudicados foi a Segurança Pública. O policial militar foi um dos mais lesados com a reconfiguração do mundo do trabalho, tendo que muitas vezes realizar bicos como segurança privado para sobreviver. Nesse sentido este artigo analisa as múltiplas relações entre o trabalho precarizado do policial militar e a nova configuração do mundo do trabalho, tendo Fortaleza como palco da pesquisa empírica. Palavras-Chave: Política Pública de Segurança, Globalização e Trabalho ABSTRACT In the last years the uncertain work reached public sectors, for example, the Public Security. In this context, the military police s work was the most damaged realizing informal works like salary s complement. So, this article analyzes multiplicity of the relations between military police s work and the new forms of the work s instance in Fortaleza-Ceará-Brazil. Keywords: Security s Public Policy, Globalization and Work 1 INTRODUÇÃO As transformações no mundo do trabalho, ocasionadas pela crescente internacionalização do capital, introduziram mudanças substanciais em alguns setores do funcionalismo público brasileiro. A precarização do trabalho, a defasagem de salários e a demanda por mais segurança originaram um novo fenômeno social: o trabalho informal exercido por policiais militares. As atividades informais exercidas por policiais militares tornaram-se fatos notórios para sociedade e órgãos de segurança. Uma grande parcela do efetivo da Polícia Militar realiza bicos em horários de folgas, ou mesmo no período do expediente. Essas atividades extras decorrem de uma demanda cada vez maior por mais segurança e, também devido o policial ser o portador do uso legítimo da força física. Vale ressaltar que no imaginário popular o policial, supostamente, é uma pessoa bem preparada para exercer a atividade de segurança privada de empresas, de comércios, de pessoas e de eventos. Por outro lado, sendo sua atividade formal de cunho público, percebe-se que há um entrecruzamento entre as esferas pública e privada neste âmbito. 1 Graduando da Universidade Federal do Ceará. Laboratório de Estudos da Violência

2 A precarização do trabalho do policial pode representar um dos fatores mais relevantes para a realização dessas atividades por estes profissionais. Outro ponto importante a ser ressaltado, diz respeito ao aumento da informalidade nos grandes centros urbanos brasileiros, decorrente do movimento de desindustrialização, vinculado organicamente à crise da sociedade salarial. A falta de apoio, de condições de trabalho e de salários dignos por parte da Secretaria de Segurança Pública, mostra uma realidade social desfavorável vivida pelos policiais militares. Este fato insere-se num contexto mais geral de parcas políticas públicas direcionadas para as classes trabalhadoras. A falta de incentivos, de ajuda psicológica e social vem sendo um dos maiores determinantes de um dos fenômenos gerados pelas transformações do mundo do trabalho: a informalidade. As vias informais muitas vezes não exigem profissionais especializados para exercer atividades de extremo risco, pois são tecidas por um mercado de trabalho não regulado por leis e/ou órgãos competentes. Na cidade de Fortaleza, os policiais militares exercem atividades paralelas sem nenhum tipo regulamentação, ou seja, sem vínculos empregatícios, como segurança particular, de eventos e de comércios. Nesse sentido, a inserção desses agentes da paz no mercado de trabalho informal em Fortaleza edifica uma rede de significados que pode ser ilustrativa da degeneração do mundo do trabalho. 2 TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO: o aumento das atividades paralelas de policiais militares em fortaleza Nas últimas duas décadas o aumento do desemprego estrutural configura-se como conseqüência das transformações no mundo do trabalho urdidas pelo projeto neoliberal. Agora, não somente os países periféricos, mas os países centrais de economia forte estão sofrendo com a crise da sociedade salarial (CASTEL, 1998). Tal crise fez com que aumentasse a informalidade nos grandes centros urbanos, inclusive no Brasil, motivada pela precarização do trabalho e pela substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto. Em 2002 os dados do IBGE 2 mostraram que os trabalhadores sem carteira obtiveram as maiores perdas de rendimentos chegando a 9,4%. Outros índices apontaram que somente no ano de 2004 a taxa de desocupação (desemprego) do país atingiu o patamar de 9,7% da população ativa. No Ceará uma população ocupada de 3.480.152, 29.1% trabalha por conta própria ou no mercado informal. 2 Mão-de-obra temporária e serviços de vigilância empregam muito, mas pagam pouco - Em 2004, o grupo de Serviços Prestados às Empresas tinha a segunda maior participação em termos de número de empresas (24,5%); remuneração média de 2,9 salários mínimos; e ocupava 12 pessoas por empresa. A receita média era de R$ 338,8 mil, e a produtividade, R$ 29,1 mil. Fonte: IBGE Disponível em: <http://www.ibge.gov.br> Acesso em: 20 Set 2006.

3 O que ocorre atualmente, com o processo de fragmentação da vida econômica e política, reflete na vida social da população, como o caso dos processos de forte desindustrialização que, dentre outras coisas, ocasionaram que 40% da população dos países da América Latina viva vinculada à economia informal e ao trabalho precarizado. Vale ressaltar que de maneira particular, o mercado informal se expandiu, criou novas informalidades no trabalho. As novas opções de informalidade vêm agora como possibilidades de trabalho flexível e não apenas direcionadas aos trabalhadores sem qualificação (LIMA, 2004). Esse novo fenômeno afeta os mais variados níveis de trabalhadores: do profissional liberal aos desempregados. Outro ponto importante nesse cenário diz respeito à ampliação do mercado informal para a esfera do ilícito e do ilegal, tornando-se não mais apenas o território do trabalhador autônomo e criativo (ZALUAR, 2004). Todas essas transformações no mundo do trabalho refletem diretamente na vida das grandes metrópoles brasileiras. Os índices de violência aumentam, a criminalidade cresce e a demanda por mais policiamento torna-se a única solução emergente. Numa cidade como Fortaleza, onde a taxa de emprego não acompanhou o crescimento demográfico, vive-se um momento em que a violência gera o medo, e este gera igualmente violência. Criando, então, um fenômeno novo surgido por essas alterações: a informalidade ou trabalho extra de policiais militares, como segurança particular, segurança de estabelecimentos comerciais e de eventos. É interessante notar que este tipo de informalidade, ou trabalho paralelo exercido por policias militares não é concretizado às escuras. No entanto, de maneira extra-oficial tem chegado ao conhecimento da direção da Secretária de Segurança Pública do Ceará, como mostra a notícia: A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) está aguardando apenas a aprovação do Estatuto dos Militares Estaduais do Ceará, em tramitação na Assembléia Legislativa, para empregar policiais de folga no reforço do policiamento ostensivo, podendo aumentar a carga horária semanal, que é de 45 horas, em até 12 horas (...) Indagado sobre o estresse e a sobrecarga, o secretário, justificou que essa seria uma forma de evitar o que já ocorre de forma extra-oficial com os policiais que trabalham como seguranças particulares na folga. (Diário do Nordeste de 22 de novembro de 2005). As atividades-extras realizadas por estes profissionais no Estado do Ceará são práticas comuns, absorvendo mais de 70% destes policiais, segundo uma estimativa da Associação dos Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará ASPRAMECE. No entanto, essas atividades são ilegais, de acordo com o Estatuto da Polícia Militar do Ceará. Mas, é como assevera Chesnais (1999), são as próprias carências

4 funcionais e organizacionais e a vulnerabilidade da segurança pública que levam à proliferação das "polícias" paralelas e privadas. Outro ponto importante a ser abordado diz respeito ao crescente aumento da violência contra policiais no Ceará e, mais especificamente, em Fortaleza. Muitos casos de morte de policiais militares ocorrem durante o horário de serviço extra, como o acontecido com o policial Rocha, morto ao reagir a um assalto num cruzamento no bairro Aldeota. Segundo o comandante interino do Policiamento da Capital-PM, tenente-coronel Taumaturgo Granjeiro, este policial militar fazia bico para uma lotérica e no momento conduzia um malote com dinheiro e outro com documentos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho policial ocupa a terceira posição dentre as profissões mais estressantes do mundo, perdendo apenas para trabalhadores de minas subterrâneas e controladores de vôos. Além do alto nível de estresse, o policial tem salários baixos, condições de trabalho precárias, além de estar em contato direto com a violência e a criminalidade, que têm crescido rapidamente, especialmente, nas áreas urbanas das grandes metrópoles. De acordo com estatísticas policiais, verifica-se que o aumento da violência urbana incidiu, principalmente, sobre as propriedades privadas e sobre os cidadãos, trazendo insegurança e medo para a população. Criou-se, assim, uma cultura do medo (BARREIRA, 1998) nos grandes centros urbanos, tecido por uma lógica de mais segurança e policiamento. Os discursos giram em torno de uma suposta crise nos órgãos de segurança do Estado. Os apelos por combate à criminalidade e à violência se transformam em compromisso de campanha política. O império da mídia banaliza a violência, fazendo com que cresça a obsessão com a insegurança que atinge a totalidade dos habitantes das grandes cidades brasileiras (CHESNAIS, 1999; ADORNO, 1998). Muros com cercas elétricas, casas vigiadas 24 horas, comércios protegidos por seguranças particulares são igualmente sinais desta desconfiança, da emergente cultura do medo, em Fortaleza. A insegurança também atinge os policiais militares do Estado do Ceará. Em 2004 muitos policiais militares de Fortaleza utilizavam coletes a prova de bala bastante deteriorados. Isso ilustra as péssimas condições em que aqueles enfrentam o crime e a violência na capital cearense. 3 NEOLIBERALISMO E O TRABALHO PRECARIZADO: violência e exclusão social O neoliberalismo, o novo projeto político-econômico surgido em alguns países após a segunda Guerra Mundial, encontrou como terreno propício para a sua

5 implementação, a crise do petróleo da década de setenta. Seus pilares fundamentais, segundo (FERNANDES, 1995), estão baseados, sobretudo, nos seguintes processos: privatizações e quebra de monopólios estatais que criam uma marcha acelerada de reversão das nacionalidades; desregulamentação das atividades econômicas e sociais pelo Estado (ou seja, o Estado se tornou fraco perante a regulamentação do mercado, mas, ao mesmo tempo, tornou-se um regulador dos sindicatos e dos movimentos sociais); e a descentralização dos diferentes programas sociais, invalidando as redes de proteção social, ocasionando a crescente escassez das seguridades sociais. Segundo Chesnais (1998: 09), o neoliberalismo atual consiste em se gabar das vantagens do Estado mínimo, isto é, em aniquilar, em última instância, o Estado que é considerado como parasita ou como um polvo burocrático e, em conseqüência, desmantelar os serviços públicos de base - educação, segurança, saúde, etc. As metamorfoses experimentadas pelo Estado capitalista atingiram seu auge com o neoliberalismo e com a reestruturação produtiva no mundo do trabalho. As conseqüências dessas transformações afetaram diretamente os empregos de milhões de trabalhadores, com o expressivo desemprego estrutural e o aumento de trabalhadores em condições precarizadas. Segundo Antunes (1999), existe mais de um bilhão de trabalhadores no mundo padecendo das vicissitudes da precarização do trabalho. Castel (1998: 21) acrescenta neste sentido, que: a situação atual é marcada por uma comoção que, recentemente, afetou a condição salarial: o desemprego em massa e a instabilidade das situações de trabalho, a inadequação dos sistemas clássicos de proteção para dar cobertura a essas condições, a multiplicação de indivíduos que ocupam na sociedade uma posição de supranumerários, inempregáveis, inempregados ou empregados de um modo precário, intermitente. De agora em diante, para muitos, o futuro é marcado pelo selo do aleatório. A categoria trabalho tornou-se uma questão modal da vida humana (ANTUNES, 1999), devido a ser o único meio de sobrevivência dos indivíduos na sociedade salarial. Isso ocorre, sobretudo porque, de maneira mais acentuada nos países periféricos qualquer tipo de trabalho que seja precarizado, sem direitos trabalhistas e sem condições de infraestrutura, é executado por milhares de pessoas que pertencem a uma zona de vulnerabilidade, isto é, a zona de transição que mais se aproxima de uma total exclusão, ou, nos termos de Castel (1998), da desfiliação. Ao mesmo tempo em que o trabalho se flexibiliza, as condições sociais se agravam cada vez mais em países como o Brasil. Deste modo, a forma excludentecapitalista de viver cria um abismo social gigantesco entre os trabalhadores estáveis e os

6 trabalhadores temporários. Essa tendência torna-se um fator decisivo para o aumento do fenômeno da dessindicalização (ANTUNES, 1995). Ademais, as desigualdades sociais que ocasionam enormes disparidades culturais, sociais e econômicas, fazem aumentar os índices estatísticos acerca da violência. Segundo Wiervorka (1997), a violência em suas expressões mais localizadas ou limitadas, é explicada por mudanças em níveis mundiais, a globalização. Ora mundialização da economia contribuiu para a mundialização da violência. E, essa nova configuração alimenta crescentemente o narcotráfico e a criminalidade nos grandes centros urbanos brasileiros, sobretudo quando o desemprego ou a ausência de renda leva à tentação da ilegalidade, visto ser fácil, por vezes, conseguir ganhos astronômicos à margem da lei: O desenvolvimento do narcotráfico, num contexto de crise sócio-econômica, é essencial para explicar o aumento das disputas e assassinatos sangrentos entre quadrilhas. Um círculo vicioso se instala: roubo de automóveis (para desmonte e venda das peças), assaltos a bancos para a compra de alguns quilos de cocaína, bairros inteiros controlados por traficantes que os transformam em mercado de consumo da droga. Esse comércio é muito lucrativo e profundamente devastador, pois gera um clima de guerra civil: rivalidade entre os chefes das bocas de fumo, tiroteios, blitz da polícia militar, acertos de conta entre policiais corruptos de um lado e íntegros de outro, "vendettas" familiares, etc. (CHESNAIS, 1999: 09). A violência tornou-se o principal obstáculo na manutenção da ordem e da lei na sociedade contemporânea e o aumento desta e da insegurança nos centros urbano parece banalizado. As estatísticas do crime notabilizam os prejuízos causados pela violência urbana, que se refletem nas esferas mais precárias da sociedade. A temática da violência tem atravessado os diferentes espaços sociais e políticos da sociedade brasileira contemporânea. Vale ressalta que a violência funciona como categoria geral para apreender a vida social bem como as relações internacionais (WIERVORKA, 1997: 10). Ademais, ela afeta primordialmente as esferas mais complexas do Estado, como o caso da Segurança Pública. Um governo forte, nesse sentido, está centrado no monopólio legítimo do uso das armas, exército, polícia e instituições que previnam, assegure e cuide das populações (PASSETTI, 2004). No caso dos países periféricos, afirma Tavares dos Santos (2004) em geral eles nunca atingiram na prática o monopólio da violência, mas parecem estar hoje mais longe de conseguirem do que nunca. Contudo, a Polícia, por seu turno, detém o monopólio legítimo da força física (violência) num Estado democrático (WEBER, 1991). Vale dizer ainda que a violência policial é vista como efeito da violência social, mesmo porque a Polícia lida diretamente com as mazelas sociais (PORTO, 2002). Ademais, segundo Adorno (2002: 10), acentuou-se o desequilíbrio entre o crescimento dos crimes, sobretudo violentos, e a capacidade do poder público em investigar e processar seus possíveis responsáveis.

7 Da mesma forma que se vincula à realidade social, o trabalho policial também não se encontra desvinculado das transformações no mundo do trabalho. A profissão de policial militar pertence ao quadro do funcionalismo público, com isso ela não está isenta das mudanças no mundo do trabalho, sobretudo porque as regulamentações ao redor do trabalho vêm perdendo poder de integração (CASTEL, 1998). Além do mais, a profissão de policial está inserida numa zona de integração, que, segundo Castel (1998), é uma zona onde se encontra o trabalhador concursado (estável), que tem a garantia de um emprego seguro. No entanto, novas roupagens figuram no cenário atual. O policial militar passa a transitar em outras zonas de coesão social (CASTEL, 1998), compelido pela precarização do trabalho. Em decorrência disso, o trabalho informal está se tornando um outro meio de rendimento desta categoria, haja vista que o salário do policial militar não é condizente com o tipo de atividade por ele exercida. Nesse contexto, a profissão do policial torna-se uma carreira notoriamente precarizada, visto que a falta de perspectivas no melhoramento das condições salariais, a falta de estrutura de trabalho e falta de incentivo chega a afigurar no horizonte dificilmente modificável. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS As mudanças no mundo do trabalho, ocasionadas pela mundialização do capital, criou um panorama pessimista para a sociedade salarial, decorrente do processo acelerado de precarização do trabalho em escala mundial. Agora não somente os países periféricos, mas também os centrais, estão vivendo momentos de insegurança e de incertezas quanto ao modelo adotado para reger nossa economia: o capitalismo. O capitalismo, juntamente com seu projeto político-econômico, o neoliberalismo, desestruturou os Estados de bem-estar social. Com isso, as privatizações de empresas estatais ganharam respaldo no cenário mundial, indicando que o Estado tinha se tornado frágil no gerenciamento da economia. No Brasil, uma das conseqüências deste fenômeno foi a flexibilização das leis trabalhistas, que, contribuiu, sobremaneira, para a precarização do trabalho. Ressalta-se ainda, mais especificamente, que no Brasil a ideologia neoliberal acarretou grandes mudanças no funcionalismo público. Mudanças estas que se verificam na defasagem de salários, nas condições inadequadas de trabalho, ou seja, na própria precarização do trabalho público. Nesse caminho, setores do funcionalismo público como a educação, saúde e segurança pública foram as mais visivelmente afetadas. Falta de equipamentos, de estrutura de trabalho são também motivos geradores da precarização do

8 funcionalismo público. No caso da segurança pública, notavelmente afetada, a grande prejudicada é a população e o policial. No Ceará esta categoria é uma das que mais sofre com as conseqüências dessas mudanças. Ser funcionário público concursado (policial), não quer dizer que eles tenham uma vida economicamente segura. O policial em Fortaleza, no caso o militar, tem péssimas condições de trabalho, salários defasados e uma carga de atividade extensa. Ademais, o dia-a-dia nas ruas, lidando diretamente com a violência é um fator decisivo no baixo grau de satisfação com a profissão de policial. Sem contar com o aumento crescente da violência e da criminalidade nos grandes centros urbanos, como em Fortaleza, que se reflete no aumento da violência contra o policial, recorrente na cidade. O medo e a insegurança, por outro lado, cria na população uma cultura do medo, no qual todos são suspeitos, até mesmo o policial supostamente o defensor da lei e da ordem na sociedade contemporânea. Já para os estabelecimentos comerciais, tais como farmácias, mercadinhos, casas lotéricas e estabelecimentos culturais, a via de salvação é o serviço prestado pelo policial militar, configurando, desse modo, uma atividade paralela por parte destes profissionais. As atividades paralelas, mais conhecidas como bicos, exercidas por policiais militares em Fortaleza, se tornaram uma realidade plausível nos últimos tempos, visto que a precarização do trabalho policial é notória no Ceará. REFERÊNCIAS ADORNO, S. A sociedade brasileira e o monopólio estatal da violência, In: (org) NEVES, P. S. C. et all Polícia e Democracia: desafios à educação em direitos humanos. Recife: Bagaço, 2002.. Conflitualidade e violência: reflxão sobre a anomia na contemporaneidade. Tempo Social; Ver. Sociol. USP, S. Paulo, 10(1): 19-47, maio de 1998. ANTUNES, R. Adeus ao trabalho: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 8.ed. São Paulo: Cortez; Campinas: UNICAMP, 2002. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 6 ed São Paulo: Boitempo editora, 1999. ATIVIDADE PARALELA É PRÁTICA COMUM NA POLÍCIA DO CEARÁ. Jornal O Povo, 26 abr. 2004. BANDIDOS MATAM PM PARA ROUBAR MALOTE, Jornal Diário do Nordeste, 09 de maio 2006.

9 BARREIRA, C. Lugar de policial é na política? estratégias simbólicas de afirmaçãoe negação. In: (org.) BARREIRA, I. e PALMEIRA, M. Candidatos e candidaturas: enredos de campanha eleitoral no Brasil. São Paulo: Annablume, 1998. BRASIL. Síntese de indicadores sociais 2004/ Trabalho e rendimento. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 10 agosto 2006. CASTEL, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica de salário. Tradução de Iraci D. Poleti. Petrópolis: Vozes, 1998. (Coleção Zero à Esquerda) CHESNAIS, J. C. Violence in Brazil: causes and politic recommendations to its prevention. Ciên. Saúde coletiva., Rio de Janeiro, v. 4, n.1, 1999. Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=s1413-81231999000100005&lng=en&nrm=iso>. Access on: 06 Sep 2006. COHN, G. (org.). Weber. São Paulo: Ática, 1991. ESTADO QUER OFICIALIZAR BICO NA PM, Diário do Nordeste, 22 de nov 2005. ESTRESSE E INSATISFAÇÃO COM A PROFISSÃO, Jornal O Povo, 26 de maio 2004. FERNADES, L. Neoliberalismo e reestruturação capitalista. In: (org.) SADER, E; GENTILI, P. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. LIMA, J. C. Trabalho e Novas Sociabilidades. Caderno CRH n1 (1987) Salvador, centro de Recursos Humanos/UFBa, v17, n41, p. 159-340, mai/ago. 2004. PASSETTI, E. Segurança, confiança e tolerância: comandos na socieade de controle. Revista Perspectiva, São Paulo, v18, n. 1, jan-mar 2004. PMs SOFREM COM A FALTA DE ESTRUTURA, Jornal Diário do Nordeste, 29 de dez 2004. PORTO. M. S. G. Polícia e Violência. Revista Perspectiva, São Paulo, v18, n. 1, jan-mar 2004. TAVARES DOS SANTOS, J. V. Violência e dilemas do controle social nas sociedades da modernidade tardia. Revista Perspectiva, São Paulo, v18, n. 1, jan-mar 2004. WIERVORKA, M. O novo paradigma da violência. Tempo Social; Ver. Sociol. USP, S Paulo, 9(1): 5-45, maio de 1997. ZALUAR, A. Integração perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.