REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E AS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO: um olhar sobre o Polo Industrial de Manaus ABSTRACT



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REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E AS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO: um olhar sobre o Polo Industrial de Manaus Caroline Brandão Dantas 1 Marluce Mineiro 2 Ana Jéssica Costa Moreira 3 Juliane Nascimento Fagundes 4 Sabine de Lima Rosas 5 RESUMO O trabalho é uma atividade intrínseca ao homem, mas ao longo dos anos esta categoria vem alterando-se substancialmente atrelada às mudanças societárias em curso, deixando de ser uma forma de realização do ser social. O presente trabalho se propõe a discutir as mudanças na categoria trabalho sob a ótica da reestruturação produtiva, que irá impactar sobremaneira o trabalho humano. Será dado enfoque às particularidades encontradas no Pólo Industrial de Manaus (PIM), visto que este, e os trabalhadores nele inseridos, serão fortemente afetados pelo processo de reestruturação da produção. Palavras-chave: Trabalho. Reestruturação Produtiva. Pólo Industrial de Manaus. ABSTRACT The work is an intrinsic activity to man, but over the years this category has been changing substantially tied to societal change in course, ceasing to be an embodiment of social being. This paper aims to discuss the changes in the work category from the perspective of productive restructuring, which will greatly impact the human labor. Focus will be given to the particularities found in the Industrial Pole of Manaus (PIM) as this, and workers contained therein, will be strongly affected by the production of the restructuring process. Keywords: Work. Productive restructuring. Industrial Pole of Manaus. 1 Estudante. Universidade Federal do Amazonas (UFAM). E-mail: carol.dantas.brandao@gmail.com 2 Mestre. Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 3 Estudante. Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 4 Estudante. Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 5 Estudante. Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 1

I. INTRODUÇÃO A categoria teórica e empírica Trabalho se faz presente na vida de todo o indivíduo, desde a sua existência. Para desenvolvê-la enquanto tema, é necessário inicialmente elucidar a partir de Luckács, o que se denominou de ontologia do ser social. Marx e Engels (1977) apud Iamamoto (2001), destacam a ontologia do ser social como uma dimensão com pressupostos empiricamente constatáveis, cuja abstração pode ser feita na imaginação, uma vez que são os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas, como as produzidas por sua própria ação (MARX; ENGELS, 1977, p.26-7, apud, IAMAMOTO, 2001, p.39), ratificando assim, o homem como o próprio pressuposto. A realização do ser social objetiva-se a partir da produção e reprodução da sua subjetividade, que se efetiva pelo trabalho, visto que, é a partir do trabalho, que o homem torna-se ser social. Isto o distingue de outras formas de seres com vida, porque ao transformar a matéria natural em objeto de consumo ou mercadoria, ele materializa aquilo que previamente idealizou. A capacidade de prévia ideação é inerente ao homem, por ser ele dotado de racionalidade, consciência, o que lhe ressalta a capacidade teleológica de pensar, refletir e assim, colocar em movimento, desde o início todo o processo de trabalho, que imprimirá no final de suas ações, a realização das finalidades colocadas em cada etapa do trabalho. Em outras palavras, o homem podia livremente exercer a sua omnilateralidade e assim, reconhecer-se no produto final de seu trabalho (ANTUNES, 2011). Contudo, cabe lembrar que a transformação de matéria - prima em mercadorias, baseada na manufatura ou artesanato, é uma característica marcante das sociedades primitivas. Nos primórdios o homem relacionava-se diretamente com a natureza e dela extraía o necessário para materializar no trabalho a satisfação de suas necessidades, transformando tanto a natureza como a si mesmo. Outro pressuposto seria o resultado da ação do homem sobre natureza, uma vez que, à medida que o homem realiza a autotransformação, esta, incide na vida de outro homem, alterando sua individualidade. Estes pressupostos caracterizam o trabalho como condição natural da existência humana, sendo defendido por Marx como categoria central e fundante na vida do homem (GUERRA, 2014). II. MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO 2

As mudanças ocorridas na sociedade foram delineando outras formas de trabalho. A base de tais mudanças sempre tiveram por fundo, os interesses de determinadas classes sobrepondo-se aos interesses de outras. Marx (1999) sinaliza a luta antagônica das classes, entre polarizações existentes até hoje, a partir de uma análise da estrutura social e, sobretudo econômica, advinda da Revolução Industrial, cujo contexto histórico demarca uma nova base socioeconômica e política na história da humanidade. Ao abordar o contexto histórico que incidiu na Revolução Industrial, HOBSBAWN (2007), esclarece que: (...) a partir da metade do século XVIII, o processo de acumulação de velocidade para partida é tão nítido que historiadores mais velhos tenderam a datar a revolução industrial de 1760. Mas uma investigação cuidadosa levou a maioria dos estudiosos a localizar como decisiva a década de 1780 e não a de 1760, pois foi então que, até onde se pode distinguir, todos os índices estatísticos relevantes deram uma guinada repentina, brusca e quase vertical para a partida. A economia, por assim dizer, voava (HOBSBAWM 2007, p.86). A Revolução Industrial ocorre inicialmente na Inglaterra no período de 1760 a 1850, sendo marcada pela passagem da manufatura à indústria mecânica. A primeira fase da industrialização foi desenvolvida por Frederick Taylor, o percussor norte-americano ao utilizar método de organização e de racionalização objetiva do trabalho. O tear mecânico caracterizado pela máquina de fiar ficou conhecido como paradigma Manchesteriano, em virtude do centro têxtil desse período vir de Manchester. Um segundo momento importante na história das bases de produção capitalista é marcado pela implantação do fordismo por Henry Ford que fundou em Detroit nos EUA, a Ford Motor Company, após uma longa experiência nas oficinas de automotores em Westinghouse e Eagle Motor Works (PINTO, 2010). O modelo de produção fordista nasce em meio a uma peculiar conjuntura econômica e sociopolítica, imersa em uma crescente economia favorecida pelos subsídios governamentais ofertados à população na época do chamado Welfare State, a fim de incentivar a economia afetada pelo entre guerras e o crash da bolsa ocorrido em1929, conforme aponta (HOBSBAWN, 1995). Henry Ford traz como inovação a intersecção entre engenharia do produto e engenharia do processo, combinando seu largo conhecimento técnico da produção e sua inclinação para as invenções e pesquisas, e os conhecimentos adquiridos a frente da administração da Ford Motor Company, o que lhe permitiu a ampliação de métodos, como a administração científica, incipientes no taylorismo (PINTO, 2010). 3

O modo de produção fordista baseava-se no consumo de massa e na produção de produtos estandardizados. Ford via os seus funcionários não somente como meros executores de tarefas, mas como consumidores em potencial dos produtos que eram fabricados, sua ideia era que ao produzir em grande escala e de forma padronizada, seriam reduzidos os custos de produção, uma vez que estes iriam ser balanceados pelo consumo de massa, elevando os salários dos funcionários, o que possibilitaria a estes um aumento substancial no consumo (PINTO, 2010). Inova ao introduzir a técnica de esteiras rolantes, a linha de montagem em série, apropriando-se da divisão de tarefas taylorista, mas agora com o uso das esteiras, ideia adaptada do sistema de carretilhas utilizadas em matadouros, que visava reduzir o deslocamento dos operários ao longo da produção, além de reduzir a consecução de suas tarefas ao mais simples possível. É importante pontuar, outra inovação no que tange à administração inserida por Ford: a alta tendência à departamentalização por setores, com a fundação de um departamento destinado aos recursos humanos, cuja finalidade seria controlar os funcionários tanto no ambiente de trabalho, quanto em sua vida privada, para que não se tornassem improdutivos no empreendimento de suas tarefas (PINTO, 2010). O nível de simplificação das tarefas executadas é tal, que qualquer pessoa pode fazê-la mesmo não possuindo qualquer experiência no ramo.impede qualquer reflexão acerca do trabalho por aquele que o executa, aprofundando o abismo que separa o trabalho intelectual e o trabalho mecânico braçal (PINTO, 2010). O sucesso comercial se dá justamente pelo momento econômico que se vivia à época, traduzido pelos anos gloriosos que perpassavam países europeus e os Estados Unidos, e que incitou o grande aumento de consumo impulsionando a indústria fordista (HOBSBAWN, 1995). Cabe a ressalva de que nesse período, a preocupação com o meio ambiente era praticamente nula, uma vez que não existia na sociedade consciência dos impactos causados pelo progresso da indústria e o consequente agravo da exploração dos recursos naturais. HOBSBAWN (1995) aponta que o slogan capitalista nessa época era onde tem lama, tem grana, denotando que a degradação ambiental estava atrelada ao progresso material. Conforme aponta HOBSBAWN (1995, p. 259), bens e serviços antes restritos a minorias eram agora produzidos para um mercado de massa, como no setor de viagens a praias ensolaradas (...) o que antes era um luxo tornou-se o padrão do conforto desejado, pelo menos nos países ricos (...). Entretanto, esse grande boom econômico, sem precedentes na trajetória do capitalismo, se esgota em meados da década de 1970, embora a crise estrutural do 4

capitalismo venha se arrastando desde os anos de 1960, tornando insustentável o modo de produção fordista imbricado ao consumo de massa. Contudo, o reconhecimento de uma verdadeira crise só virá nos anos de 1990,visto que antes, negava-se a crise apontado-a como uma mera recessão transitória. As políticas da Era de Ouro se mostrariam insustentáveis nesse período, pois era cada vez mais difícil para os países, que vivenciaram os anos gloriosos, manterem o pleno emprego e a política de seguridade social, sem que isso se tornasse oneroso aos contribuintes e aos cofres públicos (HOBSBAWN, 1995). A combinação de fatores econômicos, políticos e ideológicos, entendidos como a derrocada do Estado de Bem-Estar keynesianista, o esgotamento do mercado consumidor de massa, e por consequência do padrão de acumulação até então vigente, a intensificação das lutas sociais, greves, manifestações,adicionado dos ideais liberais que estavam em voga no momento, e as crises do petróleo, foram determinantes para o aprofundamento da crise deflagrada. O impacto mais forte se fará sentir sobre a organização do trabalho, posto que nessa conjuntura 1970-1980, a microeletrônica passa a se desenvolver e se ampliar nos ambientes fabris, causando um desemprego estrutural, onde se aumenta cada vez mais a produtividade, com a utilização de máquinas que substituem o trabalho humano braçal, em contraponto ao aumento do número de desempregados, agora se exigindo cada vez mais qualificação, sem, no entanto, ter a perspectiva de retorno (ANTUNES, 2010). Com a reestruturação do capital, configurada na transnacionalização e no fenômeno da globalização, possibilitada, sobretudo pelas inovações informacionais e tecnológicas, proporcionando o deslocamento geográfico das unidades fabris, para países com menores despendidos com mão-de-obra e onde não existia forte regulação das relações de trabalho, atraídas em alguns casos, por subsídios governamentais, como isenção de impostos e concessão de locais para a instalação com toda a infraestrutura necessária, as empresas puderam estabelecer suas linhas de produção em locais diversos de sua sede administrativa, consolidando a era do capitalismo monopolista (HARVEY, 2003). Os fatores supramencionados favoreceram a incorporação ou superação do modo de produção fordista em prol do toyotismo, que se tornou o sistema de produção mais propício ao cenário que se instalara,porque pretendia responder às necessidades de reestruturação do capitalismo.segundo os economistas Michael Piore e Charles Sabel (1984) apud Antunes (2010), a base deste novo sistema produtivo foi compreendida como especialização flexível e por outros influentes teóricos, como um novo conceito de produção. Segundo Santana e Ramalho (2010), há ainda outros teóricos que defendem a designação deste novo momento como neofordismo. 5

Conforme Antunes (2010, p. 24), o toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão fordista dominante, em várias partes do capitalismo globalizado, percebese com a acumulação flexível um movimento semelhante ao que ocorre no taylorismo/fordismo. Cabe destacar,que esse modo de produção, já era bem sucedido no Japão, país que o engendrou, a partir de condições muito adversas, posto que, no período em que surge, o país atravessava uma crise, contando com um mercado restrito e segmentado, o qual necessitava aumentar sua produção sem ampliar a quantidade de trabalhadores, além de sofrer constante pressão dos demandantes de seus produtos, para cumprir os prazos estabelecidos (PINTO, 2010). O sistema Toyota de produção caracteriza-se pelos seguintes aspectos: a) Trabalha com estoques mínimos, visto que sua produção é controlada pela demanda e diferentemente do fordismo, possui uma produção diversificada e heterogênea; b) utiliza técnicas, como o kanban, sistema de cartões que indicam o momento de repor insumos,o kaizen que se apóia no processo de melhoria contínua, o just-in-time (JIT) que significa produção no tempo certo, visando o aproveitamento do máximo possível do tempo de produção, os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), que visam o controle de qualidade total e c) concebia o trabalho em equipe, para que os próprios trabalhadores discutissem o trabalho desempenhado, bem como, as formas de melhorá-lo, através do kaizen,desenvolvendo assim a chamada gerência participativa, onde os trabalhadores se sentiam partícipes do processo de elaboração/execução. Tais técnicas simultaneamente desenvolvidas no Sistema Toyota de Produção (STP), possuem por finalidade a redução de custos, inclusive com o trabalho vivo, aumentando a qualidade dos produtos e maximizando os lucros e a extração de mais-valia. Ainda no STP observa-se a criação do sindicato de empresa, que tinha por finalidade cooptar os trabalhadores aos seus auspícios (OLIVEIRA, 2004). Outro ponto crucial do toyotismo são as formas de precarização de que imbuíram as relações de trabalho, haja vista, neste não mais haver a verticalização da produção, tal como existia no fordismo/taylorismo, criando as empresas subcontratadas, e os trabalhadores terceirizados ou subcontratados. A partir desta mudança organizacional observa-se que pequena parte da produção agora, é realizada dentro da própria empresa, sendo o restante distribuído às subcontratadas, que deveriam seguir os padrões da empresa principal, muitas vezes trabalhando exclusivamente para ela (ANTUNES, 2002). Os conceitos introduzidos pelo toyotismo como os supramencionados, intensificaram a exploração do trabalhador, que agora deverá ser polivalente, multifuncional, e executar diversas tarefas ao mesmo tempo, além de adaptar-se para 6

desempenhar outras, conforme a necessidade da produção diária, exemplificado pelo chamado trabalho em equipe ou Team Work, que aparentemente, concede certa liberdade ao trabalhador para desempenhar suas tarefas, uma vez abolida a figura do supervisor direto, transfigurando-se agora em uma espécie de poder panóptico, onde cada trabalhador é responsável por fiscalizar aquele que está inserido em seu círculo (ANTUNES, 2010). No Brasil o toyotismo é implantado em condições diversas daquelas que propiciaram sua implantação nos demais países. O país que sentiu com muito mais intensidade a crise do capitalismo, em razão de sua dependência econômica e tecnológica, no que tange aos capitais estrangeiros e de tecnologias exportadas, precisou de um resgate econômico do chamado Consenso de Washington, agências multilaterais tais como Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), que se instalaram nos países latino-americanos. No entanto, para que essas agências realizassem tal resgate, uma série de contrapartidas foi exigida, propiciadas ainda pelo ideário neoliberal (FERNANDES, 2009; SANTANA; RAMALHO, 2010). A abertura da economia brasileira ao capital estrangeiro, parte do receituário do Consenso de Washington, que fez com que se buscasse adequar a economia para a competição com os produtos estrangeiros (mais baratos) que adentravam o país, incorporando-se técnicas e métodos de gestão toyotista, isoladamente, e até mesmo com sentido alterado, descaracterizando-o, como forma precípua de redução de custos, uma vez que a economia brasileira, até então, vinha se desenvolvendo sob proteção paternalista estatal (FERNANDES, 2009). A fragilidade da indústria brasileira no tocante à tecnologia, adicionado ao mercado interno restringido pela alta concentração de renda, constituíram-se em obstáculos à dinamização da economia necessária para inserí-lo no mercado capitalista mundial, sendo a atividade econômica que o sustenta nesse mercado, a exportação de produtos primários. O atraso brasileiro em relação a esses fatores fez com que não houvesse aceitação por parte do patronato local,concernente às inovações no gerenciamento e nos processos de trabalho. Embora tenha ocorrido tal resistência, o país não ficou ileso à precarização das relações trabalhistas, como a terceirização, flexibilização, desregulamentação do trabalho, entre outros. As relações de trabalho em sua essência persistiram marcadamente manuais/intelectuais, tal como no binômio taylorismo/fordismo(santana e RAMALHO, 2010). III. AS PARTICULARIDADES DO POLO INDUSTRIAL DE MANAUS 7

O complexo modelo de reestruturação produtiva também se expandiu às regiões brasileiras, sobretudo naquelas que desenvolveram um pólo fabril, como o Pólo Industrial de Manaus (PIM) da Zona Franca de Manaus (ZFM) implantado em 1967, com a finalidade de criar uma base econômica na Amazônia Ocidental (SUFRAMA, 2015). Porém, cabe destacar, duas relevantes questões relacionadas ao contexto de criação do PIM em Manaus: a primeira está voltada para a motivação de sua implantação e a segunda está relacionada aos subsídios garantidos às empresas do PIM. Concernente à primeira questão OLIVEIRA (1988), afirma que na época de sua gênese, durante a ditadura militar, o que se pretendia com a ZFM era ocupar espaços vazios. A retórica da segurança nacional propagava que na região amazônica não havia densidade populacional, e que isto era uma ameaça ao país, pois suas regiões fronteiriças ficavam desprotegidas, além de se pretender integrar a região ao restante do país. Para tanto, diversas obras foram feitas, atraindo diversas empresas, possuindo vasta mão-de-obra, advinda especialmente do interior do Amazonas e do nordeste brasileiro (BENCHIMOL,1999). Na segunda questão é importante destacar que o papel das agências multilaterais, em especial a ONUDI (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial), em relação à consolidação do PIM, foi decisiva ao recomendar a concessão de diversos subsídios como forma de incentivo à instalação de empresas em Manaus (SCHERER, 2004). Assim, surge no governo de Juscelino Kubitschek a Lei n o 3.173, de 06 de junho de 1957,cuja finalidade consistia em criar a Zona Franca em Manaus. No entanto, dez anos mais tarde, a referida lei é alterada pelo Decreto Lei nº 288 de 1967, que no capítulo II, Art. 3º prevê: A entrada de mercadorias estrangeiras na Zona Franca, destinadas a seu consumo interno, industrialização em qualquer grau, inclusive beneficiamento, agropecuária, pesca, instalação e operação de indústrias e serviços de qualquer natureza e a estocagem para reexportação, será isenta dos impostos de importação, e sobre produtos industrializados (BRASIL, 1967, s/p). Os incentivos tributários tinham por finalidade estimular a implantação de empresas internacionais em Manaus e fomentar a vinda de empresas nacionais,cujas sedes estavam fixadas no sudeste do país, por meio da redução ou isenção de tributos nas três esferas: federal, estadual e municipal. Além disso, no espaço de implantação do PIM localizado na zona sul de Manaus, os terrenos foram vendidos a preços considerados simbólicos e com a garantia de uma completa infraestrutura de serviços sanitários, energia e comunicações às empresas que ali se instalassem (MIRANDA, 2013). 8

Com a abertura do país à entrada de capitais estrangeiros e a estagnação econômica, nos anos 90, as empresas instaladas no Pólo se viram obrigadas a realizar demissões em massa, para a redução de custos, além de adotar medidas que já vinham sendo aplicadas em outras regiões conforme o ideário neoliberal. As técnicas inerentes ao toyotismo são implantadas nesse momento, em uma tentativa de superação da crise. O PIM é afetado bruscamente pela reestruturação neoliberal, com a retirada crescente de incentivos fiscais (SCHERER, 2004). Corroborando com o cenário brasileiro acima exposto, VALLE (2001) aponta que em Manaus a queda no volume de emprego não encontra correspondência com o nível de faturamento, refletindo não só os efeitos da crise como também o processo de reorganização do espaço produtivo.pontua a autora, que a cidade de Manaus, conta com diversas instituições de ensino públicas e privadas, no entanto, a relação entre as empresas e estas é débil, denotando a extrema dependência das mesmas em relação as suas sedes, no que tange o conhecimento e o uso de tecnologia, reforçando assim, a exigência do mercado quanto ao conhecimento das novas técnicas a serem desenvolvidas no espaço fabril, e ao mesmo tempo confirmando a necessidade de demissão em massa sob o discurso da mão-de-obra desqualificada (GOUNET, 2002). O movimento de reestruturação produtiva, semelhante ao que ocorreu no Brasil, fora observado no PIM de Manaus. Entretanto, com a incorporação das técnicas toyotista de forma isolada, conforme já fora apontado. A automação introduzida no contexto fabril reduziu drasticamente os postos de trabalho e as empresas também seguiram a tendência de terceirização de serviços como os de transporte, restaurante e limpeza (VALLE, 2001). No início da era de ouro do PIM, a destreza manual, principalmente no setor de eletrônicos, era requisito importante no momento de contratação. Com a reestruturação pela qual passa, o nível de escolaridade exigido é cada vez mais elevado. Os trabalhadores sem o nível de escolaridade exigido são obrigados a ingressar em trabalhos informais, ou subcontratados, uma vez que na cidade de Manaus, o Distrito Industrial, ainda constitui-se no maior pólo empregador (SCHERER, 2004). IV. CONCLUSÃO Atualmente, o trabalhador do PIM de Manaus assim como no restante do país, é crescentemente explorado seguindo sempre o ideário toyotista/neoliberal, que preconiza e extração elevada de mais-valia com redução de gastos, despendendo somente o imprescindível à manutenção da força de trabalho. 9

Dessa forma, embora a Emenda Constitucional nº 42, de 2003, tenha prorrogado os benefícios relacionados aos incentivos fiscais do PIM de Manaus para 2023, percebe-se que a maior parte da economia da cidade, ainda se encontra dependente do modelo Zona Franca, que está constantemente ameaçada pelo ideário neoliberal que cada vez mais pressiona o Estado no sentido de redução de incentivos e em direção a um livre mercado. Referências Bibliográficas ANTUNES, Ricardo. O toyotismo, as novas formas de acumulação de capital e as formas contemporâneas do estranhamento (alienação). In: Caderno CRH, Vol. 15, N 37 (2002).. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e centralidade no mundo do trabalho. 14ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. BRASIL, Presidência da República, Casa Civil. Decreto Lei nº 288, de 28 defevereirode1967,s/p. BRASIL, Presidência da República, Casa Civil. Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, s/p. BEMCHIMOL, Samuel. Migrantes Nordestinos: Antologia de tipos humanos. In:. Amazônia: formação social e cultural. Manaus, Ed. Valer/Universidade do Amazonas, 1999, p.206-223. 10

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