Adequação da prescrição dietética e sua associação com intercorrências em pacientes em uso de terapia nutricional enteral

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Parte 2.

Transcrição:

Artigo Original Gambato J & Boscaini C Adequação da prescrição dietética e sua associação com intercorrências em pacientes em uso de terapia nutricional enteral Adequacy dietary prescription and their association with complications in patients in use of nutritional enteral therapy Jéssica Gambato 1 Camile Boscaini 2 Unitermos: Terapia nutricional. Nutrição enteral. Intercorrências hospitalares. Keywords: Nutrition therapy. Enteral nutrition. Hospital complications. Endereço para correspondência: Jéssica Gambato Rua Vêneto, 890 Nova Vicenza Farroupilha, RS, Brasil CEP 95180-000 E-mail: jessicagambato@hotmail.com Submissão: 20 de setembro de 2015 Aceito para publicação: 4 de novembro de 2015 RESUMO Introdução: A terapia nutricional enteral é a estratégia mais comumente utilizada para prevenir ou tratar a desnutrição. Tão importante quanto a prescrição da terapia é a certeza de que o paciente estará recebendo a dieta prescrita. Objetivo: Analisar a adequação da terapia nutricional enteral, observando o volume prescrito versus o infundido e identificar os motivos que levam à não adequação da prescrição. Método: Estudo de caráter transversal, descritivo e analítico, utilizando dados secundários de 116 pacientes em uso de terapia nutricional enteral internados em um hospital de média complexidade, no período entre março de 2014 e julho de 2015. Adotou-se como meta nutricional adequada a oferta nutricional superior a 70% do prescrito. O nível de significância foi de 5% (p 0,05) e as análises foram realizadas no programa SPSS versão 21.0. Resultados: Constatou-se que as médias de calorias (1464 ± 1482 kcal) e proteínas (58,7 ± 25,8 g) infundidas foram significativamente menores do que as médias prescritas (2104 ± 362 kcal e 79,8 ± 21 g, respectivamente), p<0,001. Tanto para calorias quanto para proteínas, o percentual de pacientes que tiveram adequação de, no mínimo, 70% da terapia nutricional enteral foi de 53,4%. Verificou-se que o principal motivo de intercorrência foram as doenças gastrointestinais. Conclusões: Foi observada baixa frequência de pacientes que atingiram as metas de prescrição dietética. Os principais motivos de intercorrência associados à interrupção da terapia nutricional enteral foram os problemas gastrointestinais, com maior prevalência de diarreia. No entanto, não houve associação estatística significativa entre a adequação da terapia nutricional enteral com intercorrências. ABSTRACT Introduction: Enteral nutrition therapy is the most commonly used strategy to prevent or treat malnutrition. As important as the prescription therapy is sure that the patient is receiving the prescribed diet. Objective: To analyze the adequacy of enteral nutrition therapy, observing the prescribed volume versus infused and identify the reasons why the unsuitability prescription. Methods: Transversal study, descriptive and analytical with the use of secondary data from 116 patients on enteral nutrition therapy, admitted to a medium complexity hospital between March 2014 and July 2015. It was adopted as nutritional goal suitable for higher nutritional supply to 70% of prescribed. The level of significance was 5% (p 0.05) and analyzes were performed using SPSS version 21.0 program. Results: It was found that the average number of calories (1464 ± 1482 kg) and protein (58.7 ± 25.8 g) infused were significantly lower than those required averages (2104 ± 362 kcal, 79.8 ± 21.0 kcal, respectively), p <0.001. Both calories as for proteins, the percentage of patients who had adequacy of at least 70% of enteral nutritional therapy was 53.4%. It was found that the main cause of complications were gastrointestinal disorders. Conclusions: We observed low frequency of patients achieving the dietary prescription targets. The main complication of reasons associated with the interruption of enteral nutritional therapy were gastrointestinal problems, with a higher prevalence of diarrhea. However, there was no statistically significant association between the adequacy of enteral nutritional therapy complications. 1. Acadêmica do Curso de Nutrição da Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves, Bento Gonçalves, RS, Brasil. 2. Doutora em Ciências da Saúde: Cardiologia IC/FUC, Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves, Bento Gonçalves, RS, Brasil. 338

Adequação da prescrição dietética e sua associação com intercorrências em pacientes em uso de terapia nutricional enteral INTRODUÇÃO Em pacientes internados, a depleção nutricional é frequente, já que a resposta metabólica ao estresse promove intenso catabolismo, mobilização de proteínas para reparo de tecidos lesados e fornecimento de energia 1. A desnutrição ocorre após um longo e contínuo período de ingestão inadequada e/ou necessidades nutricionais aumentadas, prejuízo na absorção e alteração no transporte dos nutrientes 2. A terapia nutricional enteral (TNE) é a estratégia mais comumente utilizada para prevenir a desnutrição 3. Tão importante quanto a prescrição da terapia é a certeza de que o paciente estará recebendo a dieta prescrita 4. Porém, frequentemente, quem prescreve a nutrição enteral (NE) não percebe que o volume prescrito não foi efetivamente infundido, sendo que o paciente recebe, por vezes, aporte consideravelmente menor do que as suas necessidades calculadas 5. Binnekade et al. 6 demostraram que somente em 52% dos dias de NE a meta não foi atingida. Igualmente, Campanella et al. 4 verificaram que apenas 31% dos pacientes atingiam a meta calórico-proteica determinada. Quanto às intercorrências relacionadas à terapia, verificou-se que a administração da dieta é prejudicada por inúmeros fatores, entre eles: problemas relacionados à administração, problemas gastrointestinais, atraso para início e troca do produto, pausa para exames e fisioterapia 4. Tendo em vista que a depleção nutricional nos pacientes em uso de TNE é frequente, aumentando a ocorrência de complicações, doenças associadas, prolongamento do tempo de internação e custos hospitalares 7, verifica-se a importância de avaliar a adequação da dieta enteral para que novas estratégias terapêuticas sejam aplicadas no tratamento desses pacientes. Diante disso, a proposta desse estudo foi analisar a adequação da TNE, observando o volume prescrito versus o infundido e identificar os motivos que levam à não adequação da prescrição da TNE em pacientes internados em um hospital de média complexidade. MÉTODO Estudo de caráter transversal, descritivo e analítico com a utilização de dados de prontuários, do período entre março de 2014 a julho de 2015. Participaram da pesquisa pacientes adultos e idosos, de ambos os gêneros, em uso de TNE exclusiva ou complementar de um hospital de média complexidade. Foram excluídos os indivíduos com outras vias de alimentação, gestantes, crianças e os prontuários que não continham as informações necessárias para a pesquisa. Para o cálculo amostral foi utilizado o programa WinPepi versão 11.15, selecionados os itens: descrever, epidemiologia descritiva, cálculo amostral e estimativa pela proporção. Os dados acrescentados para o cálculo da amostra foram: nível de confiança de 90%, estimativa de prevalência de excesso de peso de 50% em adultos e idosos internados, observada no artigo de Aquino & Philippi 8, e perdas amostrais de 10%. O resultado desse cálculo estatístico foi de 116 pacientes. Os dados foram coletados em prontuários dos pacientes, nos quais se analisaram as anotações médicas, de enfermagem e registros pela equipe de nutrição. Do protocolo de TNE adotado pela equipe de nutrição do hospital, foram coletados dados demográficos (sexo e idade), clínicos (diagnóstico da internação e diagnóstico nutricional) e dietéticos (volume, calorias e proteínas prescritas; volume, caloria e proteína infundidos e característica da dieta infundida). O diagnóstico do estado nutricional foi determinado pelo índice de massa corporal (IMC) usual e classificado segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) 9 para adultos e para idosos, segundo Lipschitz 10. Para o cálculo do IMC foram coletados a estatura e o peso usual referidos pelo paciente e/ou o peso estimado. Todos os pacientes com indicação de TNE foram avaliados pela nutricionista para estimativa das necessidades de energia e de proteínas, de acordo com parâmetros estabelecidos para cada diagnóstico. A adequação de volume, calorias e proteínas foi obtida através de relação percentual, considerando como adequado o volume infundido superior a 70% do volume total planejado, conforme preconizado pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral. Todas as dietas foram administradas em sistema fechado, através de bomba infusora, com previsão de 22 h/dia. Consideraram-se 2 horas de pausa para rotina de enfermagem e administração de medicamentos. A velocidade de infusão inicial foi de 30 ml/h e a progressão foi de 10ml/h, realizada uma vez ao dia, de acordo com a tolerância do paciente. Após, cada paciente progrediu até sua meta individual. Fatores interferentes na evolução da TN, como pausa para procedimentos, perda da sonda e complicações do trato gastrointestinal (TGI), também foram analisados, sendo coletados a partir do primeiro dia da introdução da dieta e acompanhados até o momento da descontinuação da TNE. Após o volume pleno ser atingido, manteve-se o acompanhamento do paciente até o desfecho final. As variáveis contínuas foram descritas por média e desvio padrão ou mediana e amplitude interquartílica (percentis 25-75) e as categóricas foram descritas por frequências 339

Gambato J & Boscaini C absolutas e relativas. Na comparação de médias, o teste t de Student foi aplicado. Em caso de assimetria, o teste de Mann-Whitney foi utilizado. Na comparação de proporções, o teste qui-quadrado de Pearson foi utilizado. Para comparar médias de calorias e proteínas prescritas e infundidas, o teste t de Student para amostras pareadas foi aplicado. O nível de significância adotado foi de 5% (p 0,05) e as análises foram realizadas no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição, sob número de aprovação 789.730. RESULTADOS Foram avaliados dados de 116 pacientes, sendo 53% do gênero feminino, com idade média de 70,9 ± 15,7 anos. O principal diagnóstico observado na internação foram doenças respiratórias (29%), seguidas por acidente vascular cerebral (17%) e câncer (7%). Outras enfermidades observadas foram sepse, infecção do trato urinário, desidratação e doenças cardíacas. Quanto ao estado nutricional, 39,5% de indivíduos apresentaram baixo peso e 29,8% apresentaram excesso de peso, segundo o IMC (Tabela 1). Quanto à análise da densidade calórica ofertada pela dieta, observou-se maior prescrição de dietas hipercalóricas, com 63,8% da amostra. Quanto às intercorrências relacionadas à TN, verificou-se que a mais frequente foi diarreia, correspondendo a 22% da amostra, seguida por vômitos e distenção abdominal (20%), perda de sonda (19%), e constipação (18%). Quanto ao desfecho final, observou-se a frequência de óbito em 57%, e 43% dos pacientes receberam alta ou transferência hospitalar. Desses, somente 68% tiveram recuperação da via oral (Tabela 1). Constatou-se que a média de calorias (1464 ± 1482 kcal) e de proteínas (58,7 ± 25,8 g) infundidas foi significativamente menor do que as médias prescritas (2104 ± 362 kcal e 79,8 ± 21 g, respectivamente), p<0,001. Tanto para calorias quanto para proteínas, o percentual de pacientes que tiveram adequação de, no mínimo, 70% da TNE foi de 53,4% (Tabela 2). Tabela 1 Caracterização da amostra de pacientes internados em hospital de média complexidade (n=116, RS-Brasil, 2015). Gênero n (%) Característica n=116 Masculino 54 (46,6) Feminino 62 (53,4) Idade (anos) média ± DP 70,9 ± 15,7 Motivo da internação n (%) Doenças respiratórias 34 (29,3) AVC 20 (17,2) Câncer 8 (6,9) Sepse 8 (6,9) ITU 7 (6,0) Desidratação 7 (6,0) Doenças Cardíacas 7 (6,0) Classificação do IMC n (%) (n=114) Baixo peso 45 (39,5) Eutrofia 35 (30,7) Excesso de peso 34 (29,8) Característica da dieta (kcal) n (%) Normocalórica 42 (36,2) Hipercalórica 74 (63,8) Dias para atingir o volume pleno média ± DP 4,0 ± 2,0 Recuperação da via oral n (%) 37 (68,0) Dias de permanência mediana (P25 P75) 11 (6 20) Desfecho final n (%) Alta/transferência 50 (43,1) Óbito 66 (56,9) AVC: Acidente Vascular Cerebral; DP: Desvio Padrão; ITU: Infecção do Trato Urinário. Tabela 2 Distribuição da amostra quanto à característica da oferta nutricional enteral: adequação calórico-proteica (n=116, RS-Brasil, 2015). Prescrito Infundido p* Pacientes que atingiram 70% Média ± DP Média ± DP n (%) Calorias/dia 2104 ± 362 1464 ± 1482 <0,001 62 (53,4) Proteína/dia 79,8 ± 21 58,7 ± 25,8 <0,001 62 (53,4) DP: Desvio Padrão. 340

Adequação da prescrição dietética e sua associação com intercorrências em pacientes em uso de terapia nutricional enteral Não houve associação significativa da adequação da prescrição da TNE com intercorrências. No entanto, a média de calorias e proteínas infundidas foi significativamente menor no grupo que não teve adequação mínima de 70% da prescrição da TNE (Tabela 3). O início da TNE foi de 1 a 2 dias em relação à internação. Observou-se que os pacientes que atingiram, no mínimo, 70% da TNE apresentaram menor número de dias para atingir volume pleno (p<0,001) e maior proporção de dieta hipercalórica (p=0,007), conforme apresenta a Tabela 4. Nos indivíduos que não atingiram 70% da TNE, foi verificada maior mediana do tempo de jejum em comparação aos indivíduos que atingiram 70% ou mais da TNE prescrita (Tabela 4). Embora não haja diferença estatística significativa nessa associação (p=0,60), destaca-se a participação do início precoce da TNE para que as metas nutricionais sejam atingidas. DISCUSSÃO O presente estudo avaliou a adequação da prescrição dietoterápica de pacientes em uso de TNE. Foi observada baixa frequência de pacientes que atingiram as metas de prescrição dietética. Os principais motivos de intercorrência associados à interrupção da TNE foram os problemas gastrointestinais. Conforme preconizado pelas diretrizes da ESPEN, os pacientes estáveis hemodinamicamente e com o TGI funcionante devem receber alimentação enteral precoce, dentro de 24 a 48 horas de admissão hospitalar 11. O início da alimentação nesse período mostrou benefícios ao paciente, prevenindo o desgaste nutricional 12, reduzindo o tempo de internação, a incidência de complicações infecciosas e a mortalidade 3,13. A exemplo do estudo de Khalid et al. 12, no qual 60% dos pacientes estudados receberam Tabela 3 Associação da adequação da prescrição da terapia nutricional enteral com intercorrência e ingestão calórico-proteica (n=116 RS-Brasil, 2015). Variáveis < 70% TNE (n=54) 70% TNE (n=62) p n (%) n (%) Perda da Sonda 0,268 Sim 10 (18,5) 6 (9,7) Não 44 (81,5) 56 (90,3) Diarreia 1,000 Sim 8 (14,8) 10 (16,1) Não 46 (85,2) 52 (83,9) Vômito 1,000 Sim 8 (14,8) 9 (14,5) Não 46 (85,2) 53 (85,5) Constipação 1,000 Sim 7 (13,0) 8 (12,9) Não 47 (87,0) 54 (87,1) Distensão abdominal 0,758 Sim 9 (16,7) 8 (12,9) Não 45 (83,3 54 (87,1) Jejum inicial (dias) mediana (P25 P75) Calorias kg/dia infundido média ± DP Proteína kg/dia infundido média ± DP 2 (1 3,5) 1 (1 4) 0,600 1089 ± 247 1790 ± 391 <0,001 47,9 ± 16,5 68,2 ± 28,7 <0001 DP: Desvio Padrão; P25-P75: Percentil 25 Percentil 75; TNE: Terapia Nutricional Enteral. 341

Gambato J & Boscaini C Tabela 4 Associação entre características de pacientes internados e adequação da prescrição da terapia nutricional enteral (n=116, RS-Brasil, 2015). Característica < 70% TNE (n=54) 70% TNE (n=62) p Gênero 0,812 Masculino 24 (44,4) 30 (48,4) Feminino 30 (55,6) 32 (51,6) Idade (anos) média ± DP 71,9 ± 15,1 70,0 ± 16,3 0,517 Diagnóstico da internação n (%) 0,234 Doenças Respiratórias 11 (20,4) 23 (37,1) AVC 7 (13,0) 13 (21,0) Câncer 6 (11,1) 2 (3,2) Sepse 6 (11,1) 2 (3,2) ITU 4 (7,4) 3 (4,8) Desidratação 5 (9,3) 2 (3,2) Doenças cardíacas 4 (7,4) 3 (4,8) Classificação do IMC n (%) 0,660 Desnutrição 20 (37,7) 25 (41,0) Eutrofia 15 (28,3) 20 (32,8) Excesso de peso 18 (34,0) 16 (26,2) Característica da dieta (kcal) n (%) 0,007 Normocalórica 27 (50,0) 15 (24,2) Hipercalórica 27 (50,0) 47 (75,8) Dias para atingir o volume pleno média ± DP 4,8 ± 1,7 3,5 ± 2,1 <0,001 Recuperação da via oral n (%) 13 (24,1) 24 (38,7) 0,137 Dias de permanência mediana (P25 P75) 9 (5 18) 13 (8 20) 0,070 Desfecho final n (%) 0,156 Alta/transferência 19 (35,2) 31 (50,0) Óbito 35 (64,8) 31 (50,0) AVC: Acidente Vascular Cerebral; DP: Desvio Padrão; IMC: Índice de Massa Corporal; ITU: Infecção do Trato Urinário; Kcal: Caloria; P25-P75: Percentil 25 Percentil 75; TNE: Terapia Nutricional Enteral. TNE precoce, no presente estudo, a maioria dos pacientes também iniciou NE em até 48 horas. Segundo o projeto Diretrizes de Terapia Nutricional 11, considera-se adequada a ingestão calórico/proteica quando o paciente atinge 70% ou mais do valor infundido em relação ao prescrito. No presente estudo, observou-se que essa condição esteve presente em pouco mais da metade dos sujeitos. Os pacientes que receberam dieta hipercalórica atingiram a meta nutricional em menor tempo, isso sugere que a participação de dietas enterais com maior densidade calórica favorece que as metas nutricionais sejam atingidas em tempo adequado. Oliveira et al. 14, ao analisarem os valores de energia prescrita e administrada, obtiveram 88,2% de adequação. Já O Meara et al. 13 encontraram que, em 81% dos pacientes, as metas para calorias foram atingidas e, em 76%, para as metas de proteínas. Na literatura, as causas mais citadas de interrupção da NE englobam os procedimentos de enfermagem, intolerâncias gastrointestinais, alto volume de resíduo gástrico, reposicionamento da sonda, exames e intervenções cirúrgicas 14-17. No presente estudo, o principal motivo de interrupção da TNE foi a presença de complicações gastrointestinais, com maior frequência de diarreia, seguidas por vômitos, constipação, distensão abdominal e perda da sonda. 342

Adequação da prescrição dietética e sua associação com intercorrências em pacientes em uso de terapia nutricional enteral Durante a realização do presente estudo, houve algumas limitações, como a coleta de dados por meio de prontuários preenchidos por terceiros, dificultando a padronização dos dados. Considerando a dificuldade de aferição, encontraramse limitações para realizar as medidas de peso e altura. A inadequação calórico-proteica da TNE demonstra a necessidade de estabelecimento de medidas que visem a aumentar a oferta calórica e reduzir as causas de interrupção da dieta. A oferta de dietas hipercalóricas e o monitoramento das complicações intestinais durante a administração da dieta são medidas que podem contribuir para a melhora de uma adequada oferta da TNE. Portanto, a conscientização dos profissionais da saúde a respeito da importância dessa terapia no tratamento de pacientes hospitalizados torna-se fundamental. REFERÊNCIAS 1. Leandro-Merhi VA, Aquino JLB. Investigation of nutritional risk factors using anthropometric indicators in hospitalized surgery patients. Arq Gastroenterol. 2012;49(1):28-34. 2. Norman K, Pichard C, Lochs H, Pirlich M. Prognostic impact of disease-related malnutrition. Clin Nutr. 2008;27(1):5-15. 3. Van den Broek PW, Rasmussen-Conrad EL, Naber AH, Wanten GJ. What you think is not what they get: significant discrepancies between prescribed and administered doses of tube feeding. Br J Nutr. 2009;101(1):68-71. 4. Campanella LCA, Silveira BM, Rosário Neto O, Silva AA. Terapia nutricional enteral: a dieta prescrita é realmente infundida? Rev Bras Nutr Clin. 2008;23(1):21-5. 5. Couto JCF, Bento A, Couto CMF, Silva BCO, Oliveira IAG. Nutrição enteral em terapia intensiva: o paciente recebe o que prescrevemos? Rev Bras Nutr Clin. 2002;17(2):43-6. 6. Binnekade JM, Tepaske R, Bruynzeel P, Mathus-Vliegen EMH, Haan RJ. Daily enteral feeding practice on the ICU: attainment of goals and interfering factors. Crit Care. 2005;9(3):R218-25. 7. Correia MI, Waitzberg DL. The impact of malnutrition on morbidity, mortality, length of hospital stay and costs evaluated through a multivariate model analysis. Clin Nutr. 2003;22(3):235-9. 8. Aquino RC, Philippi ST. Identificação de fatores de risco de desnutrição em pacientes internados. Rev Assoc Med Bras. 2011;57(6):637-43. 9. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of the World Health Organization Consultation. WHO Obesity Tecnical Report Series, n. 284. Geneva: World Health Organization; 2000. p.256. 10. Lipschitz DA. Screening for nutritional status in the elderly. Prim Care. 1994;21(1):55-67. 11. Associação de Medicina Intensiva Brasileira; Sociedade Brasileira de Infectologia; Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral. Diretrizes da saúde suplementar. Sepse e Nutrição. Julho, 2009. 12. Khalid I, Doshi P, DiGiovine B. Early enteral nutrition and outcomes of critically ill patients treated with vasopressors and mechanical ventilation. Am J Crit Care. 2010;19(3):261-8. 13. O Meara D, Mireles-Cabodevila E, Frame F, Hummell AC, Hammel J, Dweik RA, et al. Evaluation of delivery of enteral nutrition in critically ill patients receiving mechanical ventilation. Am J Crit Care. 2008;17(1):53-61. 14. Oliveira NS, Caruso L, Bergamaschi DP, Cartolano FC, Soriano FG. Impacto da adequação da oferta energética sobre a mortalidade em pacientes de UTI recebendo nutrição enteral. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(2):183-9. 15. O Leary-Kelley CM, Puntillo KA, Barr J, Stotts N, Douglas MK. Nutritional adequacy in patients receiving mechanical ventilation who are fed enterally. Am J Crit Care. 2005;14(3):222-31. 16. Heyland DK, Dhaliwal R, Day A, Jain M, Drover J. Validation of the Canadian clinical practice guidelines for nutrition support in mechanically ventilated, critically ill adult patients: results of a prospective observational study. Crit Care Med. 2004;32(11):2260-6. 17. Rice TW, Swope T, Bozeman S, Wheeler AP. Variation in enteral nutrition delivery in mechanically ventilated patients. Nutrition. 2005;21(7-8):786-92. Local de realização do trabalho: Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves, Bento Gonçalves, RS, Brasil. 343