Osteossíntese biológica em tíbia de cão com aplicação de fixador esquelético externo: relato de caso

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Transcrição:

[T] Osteossíntese biológica em tíbia de cão com aplicação de fixador esquelético externo: relato de caso [I] Biological osteosynthesis in dog s tibia with the application of an external skeletal fixation device: case report [A] Gabriele Maria Callegaro Serafini [a], Bernardo Schmitt [b], Renato do Nascimento Libardoni [c], Érika Fernanda Villamayor Garcia [d], Arícia Gomes Sprada [e], Fabíola Dalmolin [f], Daniel Curvello de Mendonça Müller [g], João Eduardo Wallau Schossler [h] doi:10.7213/academica.12.01.ao05 Licenciado sob uma Licença Creative Commons [a] Médica Veterinária, Mestre e Doutoranda em Cirurgia Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS - Brasil, e-mail: gabrieleserafini@yahoo.com.br [b] Médico Veterinário, Mestrando em Cirurgia Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS - Brasil, e-mail: bernardoschmitt@msn.com [c] Médico Veterinário, Mestrando em Cirurgia Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS - Brasil, e-mail: renatolibar22@hotmail.com [d] Médica Veterinária, Mestre e Doutoranda em Cirurgia Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS - Brasil, e-mail: erikavet5@hotmail.com [e] Médica Veterinária, Mestranda em Cirurgia Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS - Brasil, e-mail: bananasprada@hotmail.com [f] Médica Veterinária, Mestre e Doutoranda em Cirurgia Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS - Brasil, e-mail: fabioladalmolin@hotmail.com [g] Médico Veterinário, Mestre e Doutor em Cirurgia Veterinária, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), Ijuí, RS - Brasil, e-mail: mdaniel@terra.com.br [h] Médico Veterinário, Mestre em Cirurgia Veterinária e Doutor em Técnicas Operatórias e Cirurgia Experimental, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS - Brasil, e-mail: schossler_joao@yahoo.com.br [R] Resumo Osteossíntese biológica é o tratamento dado, principalmente, às fraturas cominutivas diafisárias em que não é possível a redução anatômica precisa dos fragmentos ósseos, preservando o alinhamento articular sem interferir no suprimento sanguíneo local. A fixação pode ser alcançada através de longa ponte na área de fratura usando parafusos bloqueados, placas em ponte ou fixadores esqueléticos externos que levam à cicatrização do tecido ósseo fraturado. Demonstrou-se a utilização com sucesso desse princípio em cão com fratura cominutiva iatrogênica da tíbia causada pela colocação equivocada do fixador esquelético externo (FEE). A reintervenção cirúrgica com a aplicação do FEE baseando-se nos princípios da osteossíntese biológica promoveu estabilidade aos fragmentos ósseos envolvidos e garantiu boa cicatrização do tecido. [P] Palavras-chave: Fratura cominutiva. Implantes metálicos. Cicatrização óssea.

46 SERAFINI, G. M. C. et al. Abstract Biological fixation is the main treatment to comminuted diaphyseal fractures, where it is not possible to evaluate the anatomical reduction of bone fragment. This treatment preserves the joint alignment, without interfering with the local blood supply. Fixation can be achieved by adding a long bridge in the fractured area using locking screws, bridging plates or an external skeletal fixing device, which allows the healing of the fractured bone. It was demonstrated the successful use of this principle in a dog with iatrogenic comminuted fracture of the tibia caused by the wrong placement of an external skeletal fixator (ESF). The new surgical intervention with the application of an ESF based on the principles of biological osteosynthesis, promoted stability of the bone fragments, stimulated and ensured good tissue healing. [K] Keywords: Comminuted fracture. Metallic implants. Bone healing. Introdução Osteossíntese biológica baseia-se no tratamento de fraturas cominutivas por meio da formação de ponte entre os fragmentos ósseos, sem reconstrução anatômica (HORSTMAN et al., 2004). A cuidadosa preservação da biologia natural do foco da fratura conduz à rápida cicatrização, pois o hematoma local contém importantes fatores de crescimento osteogênico (GEMMILL, 2007), como a proteína morfogenética óssea (DENNY; BUTTERWORTH, 2006a), cuja função principal é induzir a transformação de células mesenquimais indiferenciadas em condrócitos e osteoblastos durante a embriogênese, crescimento, maturidade e consolidação (MILLIS; MARTINEZ, 2007). Além disso, o coágulo ativa a cascata de complemento, levando à ativação de células inflamatórias que atuam como fonte de interleucinas. Estas culminam na produção de prostaglandinas, sendo as plaquetas do coágulo ricas em fatores de crescimento, dentre eles o transformador beta. Tais mediadores químicos estimulam a mitose, a diferenciação das células mesenquimais e a angiogênese (DENNY; BUTTERWORTH, 2006a). A osteossíntese biológica permite a manutenção dos tecidos moles com preservação da vascularização adequada dos fragmentos ósseos, o que garante o aporte nutricional ao periósteo (GEMMILL, 2007). Com isso, forma-se de maneira precoce o calo ósseo que é em grande parte responsável pela estabilização da fratura (PIERMATTEI; FLO; DeCAMP, 2009a). A eliminação da redução anatômica, por meio de redução indireta e concentração de alinhamento axial dos fragmentos, reduz significativamente os danos inerentes ao ato operatório (KOCH, 2005). Em fraturas cominutivas diafisárias, a osteossíntese biológica deve sempre ser considerada. Nessa situação, evita-se ao máximo a manipulação dos fragmentos ósseos e os implantes são postos distante do foco da fratura. Na redução aberta considera-se o conceito de abra mas não toque, em que foco da fratura é acessado sem o tratamento dos fragmentos intermediários. Na redução fechada, não há exposição do foco da fratura. O comprimento ósseo é restaurado e as articulações adjacentes alinhadas. Em seguida, os implantes são aplicados nos fragmentos proximal e distal, fazendo a ligação do local fraturado (GEMMILL, 2007). Os implantes mais utilizados na osteossíntese biológica são os pinos/ hastes bloqueados, FEE e placas em ponte (KOCH, 2005). Diante disso, objetivou-se relatar o sucesso de uma osteossíntese biológica realizada em fratura cominutiva de tíbia causada pela má aplicação anterior de um FEE. Relato de caso Foi atendido no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), um cão, SRD, com 6 meses de idade e 9,4 quilogramas, que apresentava claudicação do membro pélvico direito. Há 43 dias, o paciente havia sofrido episódio de traumatismo, resultando em fratura incompleta da tíbia (Figura 1a). Ele foi submetido à osteossíntese com colocação de FEE. Entretanto, no decorrer das semanas do tratamento, o animal demonstrou

Osteossíntese biológica em tíbia de cão com aplicação de fixador esquelético externo: relato de caso 47 aumento da claudicação, levando a proprietária a buscar uma segunda opinião. Durante o exame clínico, verificou-se que o fixador encontrava-se instável e com drenagem de secreção serosanguinolenta pelos orifícios de transfixação dos pinos, além de pequena ferida lateral à tíbia com drenagem de secreção purulenta. O paciente foi encaminhado ao exame radiográfico, onde se constatou uma fratura cominutiva e má distribuição dos pinos ao longo do osso, o que pode ter contribuído para que a fratura, anteriormente incompleta, transformasse-se em cominutiva (Figura 1b). O animal foi posicionado em decúbito dorsal e a antissepsia foi realizada em todo o membro, com a sequência dos agentes álcool-iodo-álcool. Optouse pela imobilização através do FEE pelo método fechado, preservando a biologia da fratura. Para tal, introduziu-se um pino guia, de forma normógrada, pela face articular da tíbia com o objetivo de manter o alinhamento do membro. Em seguida, foram introduzidos dois pinos de Steimman no fragmento proximal e dois no fragmento distal. As pontas dos pinos foram dobradas bilateralmente e interligadas com resina de metilmetacrilato. Logo após o enrijecimento do produto, foi removido o pino guia. No pós-operatório imediato, o animal foi encaminhado para exame radiográfico (Figura 2), onde foi observada uma boa distribuição dos pinos em relação aos fragmentos ósseos. Figura 1 - A) Imagem radiográfica pré-operatória médio- -lateral de tíbia de cão, nota-se a presença de fissura em região diafisária (seta) e B) Imagem radiográfica pós- -operatória médio-lateral. Nota-se a presença de FEE tipo II (bilateral-uniplanar), fratura cominutiva e rotação do membro. Fonte: Dados da pesquisa. O FEE foi removido e o animal permaneceu internado durante uma semana recebendo cefalotina sódica (30 mg/kg) por via subcutânea, a cada oito horas, e curativo local com solução fisiológica e pomada de nitrofurasona, a cada doze horas. Após este período, o cão foi submetido à nova osteossíntese tibial. Como medicação pré-anestésica, foi administrado sulfato de morfina (0,5 mg/kg), midazolam (0,3 mg/kg) e acepromazina (0,05 mg/kg), todos por via intramuscular. Induziu-se a anestesia com propofol (4mg/kg), por via intravenosa, e manteve- -se o paciente em plano anestésico por intermédio de anestesia inalatória com isofluorano diluído a 100% de O 2. Como auxílio à analgesia, foi realizada anestesia epidural na dose de 1 ml de lidocaína para cada quatro quilogramas de peso corpóreo. Figura 2 Imagens radiográficas de tíbia de cão no período pós-operatório imediato, após reintervenção cirúrgica pelo método de osteossíntese biológica com FEE tipo II. Projeções crânio-caudal (A) e médio-lateral (B). Fonte: Dados da pesquisa. O cão permaneceu internado por mais duas semanas sob a terapia antimicrobiana associada à analgesia por cloridrato de tramadol (5 mg/kg), a cada 8 horas, administrado durante três dias por via subcutânea, além de curativos nas inserções dos pinos com solução fisiológica e aplicação de pomada de nitrofurasona. Com uma semana de pós-operatório o animal já apoiava parcialmente o membro e, aos 14 dias, recebeu alta com prescrição do mesmo padrão de curativo diário na inserção dos pinos. Cefalexina (30 mg/kg), a cada 12 horas, por via oral, foi mantida

48 SERAFINI, G. M. C. et al. durante mais 15 dias pois a ferida lateral à tíbia ainda drenava, em menor quantidade, secreção serosanguinolenta. Aos 29 dias da reintervenção cirúrgica, um novo exame radiográfico foi realizado e revelou início de proliferação óssea. Passados mais 15 dias, o animal retornou ao hospital para novo exame radiográfico, no qual foi observada boa evolução cicatricial com formação de calo. Entretanto, ainda havia a presença de linhas de fratura (Figura 3). Uma vez que o animal apoiava-se normalmente no membro ao longo do exame clínico, e pela palpação percebeu-se a formação de tecido fibroso no local da fratura, foi realizada a remoção do FEE. Após sete dias, o animal apresentava deambulação adequada sem sinais de desconforto. Figura 3 - Imagens radiográficas de tíbia de cão aos 45 dias de reintervenção cirúrgica pelo método de osteossíntese biológica com FEE tipo II. Projeções crânio-caudal (A) e médio-lateral (B). Nota-se calo ósseo em formação e presença de linha de fratura (setas). Fonte: Dados da pesquisa. Discussão Inicialmente, quando o animal apresentava apenas fissura caracterizando fratura incompleta, a imobilização através de coaptação externa poderia ter sido escolhida, já que esse tipo de fratura é resistente às forças compressivas axiais (COSTA; SCHOSSLER, 2002). Entretanto, os autores acreditam que a escolha pelo uso do FEE não foi inapropriada, apenas faltando familiaridade do cirurgião na realização da técnica, visto que a má distribuição dos pinos favoreu a ocorrência de fratura de alta complexidade (PIERMATTEI; FLO; DeCAMP, 2009a). Tal intercorrência prolongou o tempo de cicatrização e a recuperação do paciente. Ao confeccionar um FEE, é importante atentar- -se aos princípios básicos da aplicação. Entre eles, o número e distribuição dos pinos por fragmento ósseo. Na primeira intervenção cirurgica, foi observada, pelo exame radiográfico, a passagem de três pinos no fragmento proximal da tíbia, com pouca angulação e espaçamento irregular entre um pino e outro. Percebeu-se, também, apenas um pino estabilizando o fragmento distal, sendo aplicado, praticamente, no foco da fratura. Essa conduta é contraindicada pois, segundo Piermattei, Flo e Decamp (2009a), são necessários de dois a quatro pinos em cada fragmento proximal e distal, os quais devem ser bem distribuídos ao longo do osso e introduzidos com pelo menos 70º de angulação em relação ao eixo longitudinal do osso. Essa angulação gera o formato de um V entre os pinos, evitando assim o deslocamento entre os pinos e o osso do paciente. O fato de tratar-se de um animal filhote e, portanto, bastante ativo, associado ao traumatismo no FEE mal empregado, certamente contribuíram para a desestabilização dos pinos e transformaram a fratura incompleta em fratura cominutiva, como preocupações relatadas por Johnson e Hulse (2005) e Piermattei, Flo e Decamp (2009a). Piermattei, Flo e Decamp (2009a) desaconselham à utilização de FEE em animais jovens, devido ao possível dano às placas de crescimento que geraria o fechamento prematuro das fises, acarretando alterações irreverssíveis no crescimento do membro operado. Ainda assim optou-se pelo uso do FEE, pois Denny e Butterworth (2006b) acreditam que é possível introduzir os pinos sem lesionar as placas de crescimento, além do tempo de cicatrização ser pequeno em animais jovens. Segundo Horstman et al. (2004), fraturas cominutivas podem ser tratadas com osteossíntese biológica sem a necessidade de redução anatômica, pois, estabilizando-se apenas as duas extremidades do osso fraturado, o local da fratura é deixado o mais intacto possível, sem remoção dos valiosos

Osteossíntese biológica em tíbia de cão com aplicação de fixador esquelético externo: relato de caso 49 mediadores químicos presentes no hematoma fratuário e sem risco de lesão vascular iatrogênica (DENNY; BUTTERWORTH, 2006a). Sendo assim, o FEE possui a capacidade de ser empregado dentro deste conceito em fraturas tibiais, já que essa região apresenta musculatura pouco volumosa e passível de redução fechada (PIERMATTEI; FLO; DeCAMP, 2009b). A técnica acima citada foi empregada pelo fato de se tratar de fratura cominutiva em animal jovem e já com algumas semanas de evolução, o que tornaria extremamente dificultoso dissecar a musculatura e desfazer a fibrose da região para tentar a redução anatômica, causando à cicatrização dano muito maior do que o da cicatrização biológica. A introdução de um pino intramedular, temporariamente, permitiu o correto alinhamento dos fragmentos ósseos principais com as articulações adjacentes e ainda garantiu o comprimento correto do membro, uma vez que, de acordo com Horstman et al. (2004), esta técnica prevalece sobre a reconstrução anatômica dos fragmentos ósseos. Dória et al. (2010), igualmente,realizaram a osteossíntese biológica bem sucedida em fratura radial oblíqua diafisária em equino, na qual os autores aplicaram o FEE com redução fechada, garantindo ao máximo a integridade vascular dos fragmentos ósseos e, ao mesmo tempo, uma fixação capaz de manter o alinhamento ósseo durante a consolidação. Outro benefício da aplicação do FEE com redução fechada da fratura foi observada no paciente em questão, visto que o tempo cirúrgico foi menor quando comparado a técnicas abertas, além do rápido retorno anestésico. Tais benefícios são de extrema importância nos casos de pacientes com riscos anestésicos e severamente traumatizados (ALIEVI et al., 2002). Conclusão Os resultados demonstraram que uma fratura incompleta pode evoluir para cominutiva se não for adequadamente estabilizada. Além disso, o FEE aplicado de forma fechada é apropriado para fraturas cominutivas diafisárias em filhotes de cães, uma vez que, mesmo se tratando de um caso de fratura de alta complexidade, ocorreu adequada osteossíntese biológica e apoio precoce no membro operado. Referências ALIEVI, M. M. et al. Redução fechada e fixação esquelética externa tipo I para tratamento de fraturas de tibiotarso em pombos domésticos (Columba livia). Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 54, n. 3, p. 259-266, 2002. doi:10.1590/s0102-09352002000300007. COSTA, R. C.; SCHOSSLER, J. E. W. Tratamentos de fraturas do rádio e da ulna em cães e gatos: revisão. Archives of Veterinary Science, v. 7, n. 1, p. 89-98, 2002. DENNY, H. R.; BUTTERWORTH, S. J. Cicatrização óssea. In: DENNY, H. R.; BUTTERWORTH, S. J. Cirurgia ortopédica em cães e gatos. 4. ed. São Paulo: Roca, 2006a. p. 2-13. DENNY, H. R.; BUTTERWORTH, S. J. Opções no tratamento das fraturas. In: DENNY, H. R.; BUTTERWORTH, S. J. Cirurgia ortopédica em cães e gatos. 4. ed. São Paulo: Roca, 2006b. p. 67-102. DÓRIA, R. G. S. et al. Fixador externo tipo II na estabilização de fratura de rádio em equino adulto - relato de caso. Revista Brasileira de Medicina Veterinária, v. 32, n. 1, p. 11-15, 2010. GEMMILL, T. Advances in the management of diaphyseal fractures. In Practice, v. 29, n. 10, p. 584-593, 2007. doi:10.1136/inpract.29.10.584. HORSTMAN, C. L. et al. Biological osteosynthesis versus traditional anatomic reconstruction of 20 longbone fractures using an Interlocking nail: 1994-2001. Veterinary Surgery, v. 33, n. 3, p. 232-237, 2004. doi:10.1111/j.1532-950x.2004.04034.x. JOHNSON, A. L.; HULSE, D. A. Fundamentos da cirurgia ortopédica e tratamento de fraturas. In: FOSSUM, T. W. Cirurgia de pequenos animais. 2. ed. São Paulo: Roca, 2005. p. 823-892. KOCH, A. Screws and plates. In: JOHNSON, A. L.; HOULTON, J. E. F.; VANNINI, R. AO principles of fracture management in the dog and cat. Stuttgart: Thieme, 2005. p. 27-53. MILLIS, D. L.; MARTINEZ, S. A. Enxertos ósseos. In: SLATTER, D. Manual de cirurgia de pequenos animais. 3. ed. Barueri: Manole, 2007. p. 1875-1891. PIERMATTEI, D. L.; FLO, G.; DeCAMP, C. E. Fraturas: classificação, diagnóstico e tratamento. In: PIERMATTEI, D. L.; FLO, G.; DECAMP, C. E. Manual de ortopedia e tratamento das fraturas dos pequenos animais. 4. ed. Barueri: Manole, 2009a. p. 28-179.

50 SERAFINI, G. M. C. et al. PIERMATTEI, D. L.; FLO, G. L.; DeCAMP, C. E. Fraturas da tíbia e da fíbula. In: PIERMATTEI, D. L.; FLO, G. L.; DeCAMP, C. E. Manual de ortopedia e tratamento das fraturas dos pequenos animais. 4. ed. Barueri: Manole, 2009b. p. 718-749. Recebido: 15/02/2013 Received: 02/15/2013 Aprovado: 04/02/2014 Approved: 02/04/2014