EDUCAÇÃO CORPORATIVA: POSSIBILIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO DA FORMAÇÃO HUMANA UM ESTUDO DE CASO Resumo ELIAS, Eliane da Silva 1 - FTESM OLIVEIRA, Mariza da Gama Leite de 2 - UFRJ/UNIRIO Grupo de Trabalho Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: não contou com financiamento Este artigo é produto da monografia de conclusão do curso de Pedagogia da primeira das autoras, e tem como objetivo identificar espaços de atuação do educador e do pedagogo na empresa, visando contribuir para o desenvolvimento de competências voltadas para a formação humana. Tendo-se como premissa que a ideia de Educação Corporativa inclui ações de treinamento, desenvolvimento e educação, todas as ações voltadas para o desenvolvimento do funcionário devem contemplar não só o preparo para o desempenho no trabalho técnico profissional, mas o desenvolvimento de aspectos pessoais a serem utilizados ao longo da vida. Para proceder à análise, num primeiro momento serão enfocadas as principais mudanças que vêm afetando o setor de gestão de pessoas nas empresas, área essa de atuação do pedagogo; numa segunda etapa, as contribuições teóricas de Mundin & Ricardo (2004) e Perrenoud (1999; 2002), dentre outros, oferecem subsídios para se pensar as novas concepções sobre educação no ambiente de trabalho, formação de competências e formação humana, bem como suas vinculações; a título de exemplificação, no terceiro momento do artigo será estudado o caso do Banco do Brasil, onde a segunda das autoras já atuou como educadora, buscando compreender como se construiu a cultura educacional da organização, com base na obra de Xavier (2007). Este estudo defende que a mudança de concepção de Treinamento para Desenvolvimento abre espaço para a atuação do pedagogo numa perspectiva de valorização das capacidades humanas, e não somente técnicas. Desta forma, conclui-se que o educador corporativo (tanto quanto o coordenador pedagógico) se constrói numa relação de diálogo, troca e autonomia, derrubando assim os preconceitos que separam o campo empresarial do educacional. Palavras-chave: Educação Corporativa. Pedagogia na Empresa. Formação Humana. 1 Graduada em Pedagogia pela Faculdade Filosofia, Ciências e Letras da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques/RJ (2011). 2 Integrante do grupo de pesquisa Centro de Memória Ferreira Vianna: documentação, ensino e infância trabalhadora (1888 1942) FE/UFRJ; graduanda em História (UNIRIO/2013).
6038 Introdução As mudanças ocorridas no mundo do trabalho provocaram alterações no modo como as pessoas passaram a ser consideradas no contexto organizacional, por isso, várias estratégias de gestão têm sido traçadas, e diversos temas emergiram para compreender a ação humana no trabalho. Nos primórdios da administração científica os modelos de gestão enfatizavam a busca de formas de manter as pessoas adaptadas à organização e com maior produtividade. Isso se mostrou inadequado, pois várias consequências para a saúde das pessoas foram percebidas, assim como para a produtividade no trabalho. Atualmente as organizações que pretendem obter sucesso e manterem-se competitivas procuram oferecer condições de trabalho que possibilitem saúde e satisfação aos funcionários, visando um desempenho de excelência no trabalho. Nesse novo contexto, têm investido cada vez mais na formação continuada de seus funcionários, numa perspectiva cada vez mais próxima à formação humana, e não somente técnica. O objetivo deste artigo é identificar espaços de atuação do educador e do pedagogo na empresa, visando contribuir para o desenvolvimento de competências voltadas para a formação humana. Autores da área de gestão de pessoas, como Mundin & Ricardo (2004) e Le Boterf (2003), e da área educacional, como Perrenoud (1999) e Moretto (2009), contribuirão na discussão sobre o desenvolvimento de competências e reflexões sobre a formação humana. A fim de se buscar evidências de uma formação centrada no homem, bem como identificar espaços de atuação pedagógica com os mesmos princípios, será estudado o caso da empresa Banco do Brasil S/A, buscando traçar o seu itinerário histórico de educação corporativa. O referencial teórico-metodológico baseia-se em Ludke & André (1986), que definem o estudo de casos como situado na vida real contemporânea, bem delimitado e contextualizado em tempo e lugar para realizar uma busca circunstanciada de informações sobre o caso específico. Treinamento & Desenvolvimento As organizações estão inseridas em um contexto social, político, econômico e cultural dinâmico, e desta forma sofrem alterações ao longo do tempo em função das mudanças que ocorrem no ambiente externo. Tais transformações criam um novo ambiente empresarial em que o conhecimento corporativo é o principal instrumento para alianças entre empresas e para
6039 o estímulo a inovação e desenvolvimento de suas possibilidades de aplicação. Nesse novo modelo de gestão, a maneira como as pessoas são tratadas no ambiente de trabalho sofre impactos significativos, e o desenvolvimento intelectual do conjunto dos trabalhadores passa a ser uma premissa estratégica. Nessa nova visão de homem e das mudanças no cenário econômico e social, surge uma nova concepção de educação na empresa, voltada para o desenvolvimento de um sistema de gestão que permita atuar na incerteza, que facilite tanto o intercâmbio de conhecimentos como a comunicação entre as pessoas, entre as diversas áreas e a empresa. Isto significa dizer que o conhecimento tornou-se uma das fontes de vantagem competitiva sustentável, e precisa ser bem administrado. Para Fleury e Leme (apud STOECKICHT & RODRIGUEZ Y RODRIGUEZ, 2004), a gestão do conhecimento e da inovação e a gestão do capital intelectual nas organizações se tornarão áreas de vital importância estratégica que deverão se traduzir em ferramentas de peso fundamental nos novos modelos administrativos, tanto para a sobrevivência organizacional como para a manutenção de uma vantagem competitiva sustentável. Isso se torna um grande desafio para a empresa que além de buscar desenvolver seus funcionários, precisa possuir formas de retê-los, o que envolve desde uma boa estrutura de tecnologia da informação até uma estratégica e criativa gestão de pessoas. Educação Corporativa: formação de competências e formação humana Em 1990, na Europa, surge na literatura francesa o conceito de competência que vai além do conceito de qualificação ou profissionalização, em que o indivíduo mais suas reações e respostas frente a diversas situações, passam a ser o centro das discussões. Le Boterf (2003) elabora o conceito de competência inserido-o na concepção dos saberes. Ele agrega ao conceito os saberes relacionados à pessoa, à sua formação profissional e à sua experiência profissional. Para ele, competência é o saber agir responsável, que implica em saber como mobilizar, integrar e transferir os conhecimentos, recursos e habilidades num contexto profissional. Assim, o conhecimento só se traduz em competência caso ele seja comunicado, utilizado, e isso implica em ação. Nesse contexto, a questão da aprendizagem na empresa passa a ser tratada de forma mais ampla, e não apenas para tornar o funcionário mais apto para uma determinada tarefa; faz-se necessário desenvolver a capacidade de mobilizar os conhecimentos na resolução de problemas, de situações complexas, de atuar com o inédito.
6040 A formação de competências não deve ser vista com reservas no meio educacional, visto que elas agregam valor ao ser humano, e a escola deve procurar construí-las desde os primeiros anos. Uma empresa centrada numa visão integral do homem, que acredita em seu potencial, como nas teorias Y e Z 3, faz do desenvolvimento das competências um processo que beneficia tanto a organização quanto o indivíduo, pois tais aprendizagens podem ser aplicadas também em outros espaços. Perrenoud (1999) nos auxilia a aproximar o conceito de formação de competências nos espaços organizacional e educacional, e não encará-los como pertencentes a polos opostos. Para o autor, as competências são importantes metas da formação, pois podem responder a uma demanda social dirigida para a adaptação ao mercado e às mudanças, e também podem fornecer os meios para apreender a realidade e buscar o fortalecimento nas relações sociais. Vasco Moretto (2009) defende que competência não se alcança, mas se desenvolve. Tendo por base o conceito de competência desenvolvido por Le Boterf (2003) e Perrenoud (1999), ele enfatiza que o paradigma deve ser descrito como educação para o desenvolvimento de competências e não educação para o alcance de competências. Isso quer dizer que sempre que se falar em competência deve-se explicitar ser competente em que ou para que, pois esta deve ser definida em função de uma situação complexa específica. Morin (2006), Le Boterf (2003), Shön (2000) e Perrenoud et al (2002) têm enfatizado a ideia da complexidade do mundo dos fenômenos, das relações humanas e das operações mentais. Analisá-los em seus vários aspectos, compreender as relações entre os vários objetos 3 Uma retrospectiva sobre as formas como o funcionário é visto pela empresa está nas Teorias X, Y e Z. As Teorias X e Y foram desenvolvidas por McGregor. A Teoria X baseia-se em concepções e premissas incorretas e distorcidas acerca da natureza humana e que predominaram durante décadas no passado: incentivos econômicos, controle, auto interesse. Com base na teoria da motivação humana, a Teoria Y propõe um estilo de administração francamente participativo e democrático, fundamentado nos valores humanos. Desta forma, o funcionário passa a ser visto como uma pessoa que possui potencial, basta a organização acreditar e investir, criando espaços de participação de delegação de responsabilidades. Ouchi criou uma terceira teoria, a Teoria Z, baseada na concepção japonesa de administração. A exemplo do Japão, o autor mostra que a produtividade é muito mais uma questão de administração de pessoas do que de tecnologia; muito mais de gerenciamento humano fundamentado em filosofia e cultura organizacionais adequadas do que de abordagens tradicionais fundamentadas na organização. Para a Teoria Z o processo decisório é participativo e consensual; toda a equipe é consultada e deve chegar a um consenso; a produtividade é uma questão de organização social, que emergirá de uma visão cooperativa associada à confiança. Fonte: CHIAVENATTO, Idalberto. Recursos humanos. Ed. Compacta, 5ª. Edição. São Paulo: Atlas,1998.
6041 de conhecimento que os compõem e procurar resolver situações-problema que se apresentem, é a justificativa para o paradigma do desenvolvimento de competências (MORETTO, 2009). Cinco recursos devem ser desenvolvidos pelo sujeito, a fim de que desenvolva competências para a solução de situações complexas: conteúdos conceituais, desenvolvimento de habilidades, linguagens, valores culturais e administração do emocional. Quanto a este último, é considerado por Moretto (2009) como um dos pilares da competência profissional por acreditar que quando ele falha, a competência do sujeito na solução da problemática fica comprometida. Em situação escolar, por exemplo, um descontrole emocional (nervosismo) pode comprometer o resultado final de uma avaliação, mesmo que o aluno domine o assunto. Auxiliar o educando a administrar o emocional deve ser tarefa do educador escolar e também do corporativo; e este recurso é fundamental para o desenvolvimento de competências para a solução de situações complexas. Como o pedagogo pode contribuir no desenvolvimento da formação humana na empresa? Os desafios da formação de competências, especialmente as humanas, envolvem tanto o pedagogo da escola, quanto o pedagogo da empresa, visto que são elementos-chave na capacitação do educador. Ao desenvolver seu trabalho em uma empresa o pedagogo não se distancia dos princípios norteadores de sua formação inicial, isto porque mesmo atuando na empresa ele está envolvido com processos de aprendizagem; e são inerentes às suas atribuições entender e lidar com a complexidade, o imediatismo, a incerteza, a instabilidade, a singularidade e os conflitos éticos (FRISON, 2006). Devido às especificidades do campo empreendedor, a atuação do pedagogo na empresa tem como pressupostos principais a filosofia e a política de gestão de pessoas adotadas pelas organizações, visando manter o foco em sua missão e visão (SILVA, 2011). No entanto, devido ao mercado exigir do trabalhador criatividade, espírito inovador, e saber lidar com situações de conflito, nessa brecha pode atuar o pedagogo, criando oportunidades de gerar aprendizado e mudança, pois o foco da pedagogia é o caráter educativo do ser humano e não o seu adestramento. Este é um ponto de tangência que relativiza o discurso de que Educação e Empresa sejam campos distanciados. No contexto corporativo o pedagogo assume uma função especial: passa a ser articulador entre os propósitos organizacionais e o crescimento pessoal/profissional dos funcionários.
6042 Estudo de Caso: Educação Corporativa do Banco do Brasil. A Educação Corporativa é uma tendência que vem ganhando espaço no Brasil, nesse momento em que as velhas fórmulas de organização do trabalho, baseadas numa administração autocrática, fiscalizadora e restritiva estão sendo substituídas por um novo formato de negócios centrado na criatividade, no poder de inovar processos e produtos e de dominar tecnologias emergentes. Este artigo apresenta o estudo de caso do Banco do Brasil S/A, uma empresa com quase 200 anos de existência, e que completou em 2006 quarenta e um anos de Educação Corporativa. Para comemorar data tão importante, a empresa organizou o livro Itinerários da Educação no Banco do Brasil (XAVIER, 2007), que narra como a educação se desenvolveu desde 1965, até se transformar na atual Universidade Corporativa Banco do Brasil. O método de trabalho do livro foi baseado na busca de dados e na coleta de fontes formais, contando principalmente com relatos de educadores aposentados e da ativa, educandos, técnicos da área e funcionários que, direta ou indiretamente tiveram participação nas políticas e ações educacionais. A história da educação no Banco do Brasil se confunde com a história do país e do próprio banco, pois tem sido o princípio fundamental que alicerça a prática educativa, onde mestre e aprendizes alternam saberes. O que hoje se chama Gestão de Pessoas era chamado DESED Departamento de Seleção e Desenvolvimento de Pessoal, e teve essa denominação de 1965 a 1996. O departamento tinha como finalidade, intensificar e favorecer o aprimoramento do pessoal para engrandecimento do Banco como instituição nacional a serviço do Brasil. A partir de outubro de 1965 o DESED, promoveu atividades pedagógicas e contou com funcionários que atuaram como professores no curso de inauguração. O departamento adotava modelo centralizado onde as programações de oportunidades de treinamento ocorriam da direção geral para as agências, onde eram priorizadas as de maior porte, por volume e qualidade de negócios. Nos primeiros anos, a atuação do DESED, amparava-se em uma concepção tecnicista de educação, pois contribuía para a manutenção dos princípios de sustentação da empresa e dos projetos desenvolvimentistas do governo. Em 1966 o Banco implantou o Sistema de Atendimento Direto e Integrado SADI um novo conceito de atendimento com profundas modificações nas rotinas de processamento e fluxo de documentos, para tanto, a meta era humanizar o atendimento. Para Xavier (2007), essa mudança implicou na inserção de Relações Humanas como conjunto de disciplinas dos
6043 treinamentos que devia incluir o conhecimento de psicologia e comunicação na capacitação dos caixas executivos, que permitia uma compreensão das razões que levam as pessoas a agir e reagir em diversas situações diárias. Nesse contexto, ajudaria ao funcionário a tratar o usuário do banco como cliente, como parte de um conjunto de medidas que compõem a imagem de um banco moderno, rápido e eficiente. As aulas de Relações Humanas tinham como fator principal o ajuste do funcionário à nova sistemática de atendimento ao cliente. Além das aulas de Relações Humanas, os funcionários tinham como matérias centrais a Grafoscopia (identificação de assinaturas) e Rotinas de Serviços que eram ministradas por alguns professores pioneiros, citados no livro pela autora. O material didático utilizado exigia tratamento diferenciado. Recursos e ilustrações eram utilizados para sensibilizar os funcionários a participarem das situações vivenciadas. Em julho de 1967, foi criado o Curso Intensivo para Administradores CIPAD, que tinha como objetivo formar a classe dirigente da empresa gerentes, inspetores, chefes da direção geral nas funções executivas, a utilização racional dos recursos e a compreensão do papel do Banco do Brasil no processo econômico Brasileiro. As disciplinas ministradas iam desde conhecimentos de Fundamentos da Ciência Administrativa até Relações Humanas, incluía Análise Contábil e Financeira e contemplava também Relações Jurídicas e Interpretação Estatística. Este programa representava a oportunidade de qualificação internamente para quem pretendia ocupar postos de comando na alta administração da empresa e firmar uma política de recursos humanos coerente com o investimento realizado, adequando-se a uma filosofia de promoção baseada no mérito. Na abertura e no encerramento dos cursos, havia sempre um ministro de Estado. A presença de representante do governo, além de prestigiar o evento, acompanhava o processo de formação. O governo queria manter as políticas do Banco afinadas as diretrizes do País. Nas aulas inaugurais, os ministros reforçavam o papel do Banco como alavanca na mobilização da sociedade brasileira para o desenvolvimento econômico. (XAVIER, 2007, p.56) Os funcionários que atuavam na área de educação exerciam suas funções na carreira administrativa e eram chamados de professores. Não existia uma nomenclatura pedagógica instalada. Era comum que esses funcionários ou professores convidados fossem chamados de lentes, o que muito os honrava. A metodologia era empírica, baseada na experiência didática dos professores. Eram utilizados estudos e discussão de casos práticos para solução
6044 de problemas propostos. O objetivo era exercitar os alunos em aptidões inerentes aos desafios das funções diretivas, com ênfase no processo de tomada de decisão. Para expandir esse trabalho, a chefia do DESED, lançou a Revista DESED (1966 1979) como um veículo de comunicação de forma a legitimar e consolidar a atuação de um setor tão distinto dos demais que compunha a organização, ficando sob a responsabilidade da Divisão de Relações Internas do departamento. O papel da Revista era divulgar os valores organizacionais e falar do treinamento como fator de modernização e transformação cultural da empresa, trazendo ainda matérias com a atuação do Banco na sociedade brasileira. A partir de 1970 o DESED foi se consolidando como agência educacional e o departamento crescia em importância. Era preciso atrair mais pessoas para os desafios, pois o Banco tornava-se mais complexo com as tarefas de capacitar e selecionar pessoas, sendo necessário ampliar o escopo da capacitação profissional. Em 1975 foi realizada a seleção interna em nível nacional para ampliar o quadro de instrutores de Relações Humanas e Grafoscopia. As regras estabeleciam que os funcionários escolhidos deviam permanecer lotados nas suas bases de trabalho e, quando necessário, seriam chamados a entrar em sala de aula. Depois de formados, os novos instrutores participaram do curso Dinâmica de Grupo no Lar, na Empresa e na Escola, ministrado pelo pioneiro do método pedagógico baseado na teoria da psicogênese de Piaget, o professor Lauro de Oliveira Lima. Em 1976 foi implantado o Programa de Formação Permanente, inspirado no pensamento utópico 4 do francês Pierre Furter, autor da célebre frase: O domínio de uma profissão não exclui o seu aperfeiçoamento. Ao contrário: será mestre quem continuar aprendendo. (apud XAVIER, 2007, p. 63). Em 1981, visando aumentar o quadro de instrutores, foi promovida seleção pelo DESED. Segundo a autora, a pedagogia do departamento apropriou-se das ideias do pensador Álvaro Vieira Pinto, filósofo que defende uma abordagem histórico-antropológica da educação, com ênfase na importância pedagógica das relações de poder e conflito na sociedade. Ao mesmo tempo, adotou a ideia da pessoa como centro, do psicólogo Carl 4 O elemento utópico se manifesta no pensamento de Pierre Furter pela urgência da necessidade de fazer compreender que a utopia é parte inerente da vida humana. A utopia em Furter aparece como uma relação de derivação que se processa entre a realidade conhecida, empiricamente constatável e uma realidade desejável, mas que ainda não se estabeleceu. Deste modo, poder-se-ia dizer que o elemento utópico no pensamento de Pierre Furter se define, entre outras, pela característica de transitoriedade. Principais obras: FURTER, Pierre. Educação e vida. Petrópolis-Río de Janeiro: Vozes, 1966. FURTER, Pierre. Educação e reflexão. Petrópolis- Río de Janeiro: Vozes (3.ª ed.), 1970.
6045 Rogers, que preconiza a centralidade do processo de individuação. Destaca a autora o aspecto contraditório dessas linhas teóricas. A equipe de capacitação de educadores foi conquistando espaço e estimulando a reflexão sobre a prática educativa, criando horizonte para a educação crítica e constituiu o embrião do que mais tarde comporia o núcleo responsável pela formação pedagógica dos instrutores. O objetivo passou a ser, na evolução da proposta pedagógica, o aprimoramento profissional aliado ao social. O trabalho passou a ser visto como princípio educativo; como fator de produção de saberes. Em agosto de 1980, foi lançado o Plano de Desenvolvimento para Gerentes, com o objetivo de trabalhar o conceito de eficiência gerencial. Mais uma vez a disciplina Relações Humanas teve importante papel para trabalhar conceitos referentes à liderança, maturação grupal e desempenho de papéis; focava no treinamento dos gerentes para conduzirem suas reuniões de trabalho com uma visão mais participativa. Os temas desenvolvidos buscavam estimular nos funcionários habilidades que ajudassem a realização de diversas funções administrativas como: planejar, dirigir, controlar, coordenar. De acordo com Xavier (2007, p.74), aos administradores, e em especial, aos supervisores, cabia a indelegável tarefa de formar seus funcionários nas rotinas e serviços bancários, cujos aspectos operacionais eram minuciosamente detalhados nos normativos. Os elementos subjetivos eram repassados na prática, reforçados pela experiência sedimentada dos superiores hierárquicos. Na década de 1990, com a crescente necessidade de capacitação em informática, o trabalho pedagógico foi orientado por uma metodologia própria criada no DESED, denominada Fazendo e Aprendendo (FAZAP) que era baseada na concepção construtiva de ensino e aprendizagem para educação de adultos, preconizadas por Paulo Freire, Álvaro Vieira Pinto e Rubem Alves. Assim, os funcionários eram capacitados em serviço por outros funcionários, chamados de multiplicadores. Em 1994 foi concebida nova sistematização da educação corporativa. O novo modelo colocava o processo de gestão como fator estratégico para o desenvolvimento da organização, onde previa proporcionar o desenvolvimento de conhecimentos sobre a estrutura, funcionamento e desenvolvimento organizacional. Assim, o DESED passou a denominar-se GEDEP (Gerência de Desenvolvimento Profissional), e a visão de adaptação ao novo cenário econômico concretizou-se no Programa Profissionalização PROFI, baseado no pressuposto
6046 de que havia necessidade de implementar ações de educação contínuas que potencializassem nos empregados o desempenho competitivo. Xavier (2007) afirma que o PROFI foi a ação educativa mais representativa do período. Foram elaborados fascículos com o nome do programa, que os funcionários recebiam regularmente. Seu conteúdo envolvia diversos processos de mudança por que passava a cultura do banco: avaliação de desempenho, desenvolvimento de competências, gestão da carreira, etc. Em julho de 2000 foi concebido um catálogo de cursos a distância: Educação a distância perto de você. As novas tecnologias eram acrescentadas às práticas já existentes. Os cursos eram agrupados em áreas: Atendimento, Economia, Finanças e Crédito, Gestão, Idiomas, Área Internacional, Produtos e Serviços. O Banco estava se preparando para que a era da internet fosse a principal mídia de educação na empresa. A Universidade Corporativa No final da década de 1990, já havia grande disseminação de universidades corporativas no Brasil. O processo de implantação das universidades corporativas nas empresas está intimamente ligado ao conceito de gestão do conhecimento, ou seja, aos processos voltados para conceber, concretizar e socializar o conhecimento na organização, tendo como pressuposto que o conhecimento é capital insubstituível para o estabelecimento da competência organizacional. Em novembro de 2001 foi criada a Universidade Corporativa Banco do Brasil (UniBB), cuja inauguração ocorreu em julho de 2002. A linha filosófica de trabalho da UniBB assimila os conceitos das aprendizagens essenciais para o século XXI, estabelecidos pela UNESCO: Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer, Aprender a Conviver e Aprender a Ser, como atitudes pedagógicas do processo de ensino-aprendizagem e reafirma os eixos metodológicos já consagrados pelos educadores do Banco. O portal da universidade corporativa do Banco do Brasil constitui um ambiente virtual que oferece informações sistematizadas sobre a Educação Corporativa da empresa e aponta as prioridades e necessidades de desenvolvimento; desta forma, contribui para o planejamento da carreira de cada profissional. Ele é gerenciado pela Diretoria de Gestão de Pessoas, localizada
6047 em Brasília (DF), possuindo área restrita aos funcionários da empresa e área aberta para outros públicos. 5 A Universidade Corporativa tem como premissa estimular a organização de espaços educativos em todas as unidades do banco e ampliar a comunidade de aprendizagem da empresa pela incorporação de clientes, fornecedores, parceiros, familiares dos funcionários. Fundamenta-se na relação indissociável entre o pensar e o fazer, como forma de evitar processos de ensino e aprendizagem mecânicos e inibidores da criatividade. Em 2005, a Universidade Corporativa Banco do Brasil firmou acordo de cooperação técnica com o Ministério da Educação com o objetivo de implementar ações no âmbito do Projeto Universidade Aberta do Brasil. Diante do desafio de capacitar mais de oitenta mil funcionários, o ensino a distancia é alternativa para democratizar o acesso à capacitação, que não pode prescindir das modalidades presencial e em serviço. Diante deste breve histórico, pode-se observar que o educador tem importante papel institucional; e a sua prática pedagógica grande efeito multiplicador. Por isso, o processo de formação pedagógica apresenta peculiaridades e é passível de modificações de acordo com a dinâmica organizacional. O atual Curso FPI (Fundamentos Pedagógicos para Instrutores) apresenta uma didática que prioriza os novos conteúdos relativos à criação do conhecimento na empresa e busca sintonizar a formação metodológica com o direcionamento estratégico, envolvendo temas ligados à metodologia, didática e filosofia da educação. Nessa perspectiva, o instrutor do Banco do Brasil passa ao status de educador corporativo. 6 Considerações Finais Este estudo procurou demonstrar que a mudança de concepção de Treinamento para Desenvolvimento abre espaço para a atuação do pedagogo numa perspectiva de valorização das capacidades humanas, e não somente técnicas. Tais capacidades se traduzem no desenvolvimento da criatividade, do espírito inovador, e no aprender a lidar com situações de conflito, por exemplo. Devem o pedagogo e o educador corporativos criar oportunidades de 5 O acesso pode ser feito pela Intranet Corporativa, para funcionários, ou pela Internet, para funcionários e público externo, através do endereço http://uni.bb.com.br. 6 Devido aos limites deste artigo, não foi possível transcrever os depoimentos de educadores do Banco do Brasil, atualmente aposentados, que revelam com emoção suas experiências na construção da cultura organizacional e educacional da empresa, no CD ROM que acompanha a obra.
6048 gerar aprendizado e mudança, pois o foco da pedagogia é o caráter educativo do ser humano e não o seu adestramento. Procurou-se trazer reflexões sobre a formação de competências, que não devem ser vistas com reservas no meio educacional, pois agregam valor ao ser humano, e a escola deve procurar desenvolvê-las desde os primeiros anos na criança, visto ser um processo que beneficia tanto a organização quanto o indivíduo, por se tratarem de aprendizagens que podem ser aplicadas também em outros espaços. Corrobora para a identificação de espaços de atuação do pedagogo e do educador corporativos, o estudo de caso do Banco do Brasil, que em sua trajetória educacional demonstra a preocupação constante com a formação humana em cursos de capacitação de educadores. Nesse aspecto se evidencia o cuidado em alicerçar a base de seus projetos educacionais em teorias pedagógicas cujos autores são cânones no campo da formação de professores, portadores de propostas voltadas para a formação integral do homem. REFERÊNCIAS CHIAVENATTO, Idalberto. Recursos humanos. 5ª. Edição. São Paulo: Atlas,1998. FRISON, Lourdes Maria Bragagnolo. Auto-regulação da aprendizagem: atuação do pedagogo em espaços não-escolares. Tese de Doutorado em Educação. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação. Porto Alegre, 2006. LE BOTERF, G. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003. LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas, São Paulo: EPU, 1986. MORETTO, Vasco Pedro. Planejamento: planejando a educação para o desenvolvimento de competências. 4ª. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2006. MUNDIM, Ana Paula F.; RICARDO, Eleonora J. (org). Educação corporativa: fundamentos e práticas. Rio de Janeiro: Qualymark, 2004. PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
6049 PERRENOUD, P.; THURLER M. G.; MACEDO, L.; MACHADO, N. J.; ALLESSANDRINI, C. D. As competências para ensinar no século XXI: formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2002. SHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto alegre: Artmed, 2000. SILVA, T.J.A.A. Atuação do Pedagogo na Empresa. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/61391/1/atuacao-do-pedagogo-na- EMPRESA/pagina1.html#ixzz1Q9nfki2e. Publicado em 16/03/2011. Acessado em: 01.06.2011. STOECKICHT, I.P.; RODRIGUEZ Y RODRIGUEZ, M. V. Gestão estratégica do capital intelectual voltada para a inovação. In: MUNDIM, Ana Paula F.; RICARDO, Eleonora J. (org). Educação corporativa: fundamentos e práticas. Rio de Janeiro: Qualymark, 2004 (pp. 03 26). XAVIER, Liduína Benigno. Itinerário da educação no Banco do Brasil. Brasilia, Banco do Brasil, 2007.